Capítulo III

–Então, filha... –minha mãe começou, como se pensasse o que falar

–Fala mãe, o que aconteceu?

–Você sabe que desde que você nasceu eu não estive com homem nenhum, não sabe?

Eita, pelo modo como o papo começou, pelo visto minha mãe decidiu arrumar um pai para mim. Eu hein.

–Sim, eu sei. Você está namorando? –nada melhor do que ser direta.

–Filha! Você poderia tentar ser mais sutil... Mas, respondendo a sua pergunta, eu ainda não estou namorando. Só queria te preparar.

–Sei... Qual o nome do cara?

–Você se lembra do meu amigo Henry, que eu até comentei com você que nós tentamos ficar juntos antes de eu conhecer seu pai e engravidar?

Bom, nós estamos saindo a cerca de três meses, ele tem um filho da sua idade, se eu não me engano se chama Yan ou algo do tipo...

–Sei... – resolvi ocultar minhas suspeitas de que talvez o tal Henry fosse gay.

Ao que eu me lembrava, as duas vezes que eu vira ele, ele tinha um jeito meio... Estranho.

Percebi que havíamos chegado em casa e fui direto para o meu quarto.

A primeira coisa que fiz foi colocar outra roupa, uma que parecia um pijama, eu não iria sair de casa mesmo.

Arrumei meu cabelo e peguei o primeiro livro que encontrei.

Jogos vorazes.

Fui para a sala e fiquei observando as fotos por um tempo.

Várias fotos de quando eu era criança.

Eu sinceramente odiava aquelas fotos.

Deixei o livro sobre a poltrona e fui procurar uma tiara que havia deixado ali.

Minha franja estava irritando. Na verdade, o simples fato do meu cabelo ser ruivo me irritava. E muito.

Percebi algo estranho. Um livro sem nada na capa. Parecia um diário.

Abri e na primeira folha estava escrito:

Diário da bela Aimeé Karv.

Aqui estão todos meus segredos, desde o mais bobinho até o maior segredo que tenho.

Se achá-lo perdido em algum lugar, favor devolver.

Sério?

Minha mãe tem um diário?

Sério mesmo?

Bem, ele não está perdido, está em um lugar praticamente pedindo para ser lido.

E é exatamente isso que eu vou fazer.

Abri em uma folha qualquer e nela estava escrito:

“Querido diário, hoje foi um dia muito especial.

Finalmente, Henry me notou.

Talvez tenha sido porque eu esbarrei nele “sem querer”, mas ele me notou.

E isso é o que importa.

E até falou comigo!

Bem, foi apenas um Desculpe, mas...

Talvez eu esteja me tornando uma dessas jovens tolas e apaixonadas.”

Isso era estranho. Henry não era amigo dela?

Será que ela era apaixonada por ele?

Eu sabia que quando minha mãe engravidara de mim ela tinha cerca de dezessete anos, por isso eu morei com minha tia Ângela, que é irmã dela, até fazer oito anos.

Talvez seja por isso que eu não tenho tanta intimidade com ela.

Mas, eu realmente preciso descobrir o que aconteceu.

Não agora, pois ela está vindo.

Fechei rapidamente o diário e, na falta de um esconderijo, sentei em cima dele.

Criativa eu, não?

–Filha, Lettie, eu estou indo para o trabalho, o almoço já está na mesa, se você quiser comer...

Bom, tchau, te amo.

–Tchau mãe.

Esperei ela sair, peguei os dois livros e fui almoçar.

Macarronada e bife. Uma ótima combinação, definitivamente.

Não é que eu não tenha educação, mas fora da escola eu como igual a um menino.

Sim, eu sou extremamente gulosa e não tenho vergonha de falar isso.

Deve ser por isso que sou tão gorda.

Cinqüenta e quatro quilos, em contraste com um metro e sessenta e quatro centímetros.

Além de ser gorda, sou baixinha.

Que triste.

Terminei de comer e coloquei o prato na pia.

Eu lavaria depois, na hora do jantar. A preguiça falou mais alto, como sempre.

Fui para o meu quarto quase me arrastando, agora eu estava morrendo de sono.

Mas isso não me impediria de ler. Com certeza não.

Me sentei na minha cama e abri o diário novamente. Como eu não havia marcado a página que tinha lido, abri em uma aleatória.

Dessa vez estava escrito:

“Querido diário, hoje eu estou um pouco desanimada.

Henry estava com uma Laurie da nossa sala, e eu fiquei muito triste.

E com ciúmes. Quase morri de ciúmes.

Eu queria que ele falasse comigo novamente, mas acho que ele me esqueceu.

Amanda diz que ele não presta e que eu deveria desistir dele, mas eu o amo muito, e não consigo simplesmente esquecê-lo.

Eu espero que amanhã seja um dia melhor.”

Está ai uma coisa que eu nunca imaginei que ia ver.

Minha mãe apaixonada. Sinceramente, eu sempre achei que ela fosse incapaz de amar alguém além dela mesma.

Isso é uma grande surpresa.

Parei de ler e comecei a cantarolar uma música qualquer, olhando para o teto.

Acho que acabei adormecendo.

Não me lembro de mais nada.