Ago(u)ra escrita por Lô
Notas iniciais do capítulo
título alternativo: Sweetness.
Que noite mais bela!, pensei comigo
Poderia eu até sentar-me aqui e admirá-la
Já passara das sete e nada mais eu tinha de afazer
Por motivos incompreensíveis a vós e por rebeldia,
Lancei-me a uma corrida pelas ruas
~
Quanto mais eu olhava para frente
Mais via pessoas do meu colégio, que me olhavam
E observavam, atentos, como se fosse louco
E eu, claro, desviava-me dos olhares e dos hidrantes
~
As senhoras de idade ficavam para trás em segundos
E por trás do mato verdejante escurecido dos lotes vagos
Escutava os vira-latas latindo
E por isso, troquei de rua
~
Mas havia um porém nisso: Era, na realidade, uma avenida
E eu não poderia correr como na rua da casa de Yasmin e Isabel
Mas de que importava? Eu não ficaria tempo bastante para julgarem-me
Eu rio interiormente. Começo a rir por fora de mim, e minhas costas doem
~
Decido parar, mas bufo de insatisfação.
Eu me lembro de minha mãe, que pediu a mim que fosse ao sacolão
o sacolão se encontra daqui a duas quadras
que eu lembre Yasmin parou de trabalhar lá, é uma pena
porque eu não tinha mais uma desculpa pra ver o rosto da minha amiga mais bonita
~
Yasmin é estupidamente linda
Seu olhar verde-castanho nos olhos estreitos chamam atenção
As belas madeixas castanhas lhe caem pelos ombros finos e ossudos
e sua boca tem um sorriso esbranquiçado, que me trava o olhar
O riso é uma melodia linda de ouvir
tão inacreditável que nem sei como não namora
~
Esses pensamentos bobos me tiram do eixo
e eu já estou quase no centro da avenida
corro pro passeio, meio em desespero, meio em êxtase
logo após entro em choque
afinal de contas, Marcela Prates cruza o olhar com o meu
~
Ela me sorria, e eu tenho que dizer: ela consegue ser mais bela que tudo que já vi
não converso com ela, nem tenho seu número, mas às vezes curto seus status na internet
e ela comenta alguma postagem no meu blog, então, de alguma forma, eu a conheço
isto não é problema que se deva entender, então não desperdice o esforço
~
Já quando eu virava a esquina para atravessar a rua que deságua na avenida, ela me chama
e eu, que não sou besta, me viro todo, de súbito e descubro que ela estava próxima,
seu pescoço retorna num impetuoso movimento de susto.
~
Pergunto à garota com a camiseta azul-bebê de alças finas e bordados no decote o que ela queria
(Educadamente, é claro)
a garota, decidida como ninguém, pisca levemente o próprio ver
E, sutil como veludo, diz-me boa noite.
~
O que mais posso dizer em resposta a não ser o mesmo com um "Pra você também" complementando?
Exatamente. Nada. Mas como um idiota completo, tentei algo mais.
Hoje não compreendo qual motivo me levou a fazer isso,
mas eu meio que a dei uma redação narrada como resposta
~
Marcela me olhou estranho, com um sorrisinho fechado. Em instantes, riu.
Em questão de minutos (não entendi como), eu havia conseguido um café com ela
Não chegava a ser café, mas sim um suco, um refresco de maracujá, muito ralo por sinal
Havia mais de 10 pessoas ali, e nenhuma tomava suco de maracujá
Mas isso não tinha relevância.
~
O que tinha relevância, na realidade,
é que depois mais cinco refrescos de sabores diferentes (um em cada noite diferente),
ela tomou minha mão na sua, de leve
e pediu que conversássemos. Só então percebi que estávamos calados
E começamos a falar disso e daquilo, assuntos importantes e irrelevantes
~
E então, só depois de um mês, me lembrei do sacolão que tinha que fazer,
Mas as desculpas não foram necessárias, porque ninguém lembrava
E depois de um mês, ela passou a querer algodão-doce, e eu falia mais a cada noite
E Marcela saía por aí, com uma massa felpuda e rosa nas mãos
Descendo alegremente em direção ao parque/reserva ecológica da cidade
Por um tempo, ela quis brincar; depois, só andar por aqui, ali, lá e acolá
~
E então ela só quis sentar no banquinho, de mãos dadas, nomeando blocos de cimento
Diferente dos refrescos, ela só gostava do algodão rosa
E gostava tanto que ele acabava em dois minutos.
~
Quando ele se ia, ela procurava meus dedos, e gostava de falar das músicas que gostava de ouvir
Ela não tinha fita cassete em casa, nem tirava foto com uma polaroid velha
Muito menos usava máquina de escrever, ou tinha vinil
~
As fotografias dela eram perfeitas por si só, ela tinha uma coisa, uma sorte, um "karma"
de encontrar os melhores ângulos que eu via na vida
E com aquelas mãos cheias de sardas e brancas exageradamente
A foto ia para a memória do velho celular dela
~
E nós víamos, depois, no portão da casa dela, a maioria das fotos
Mas há um detalhe, ela não publicava; sempre revelava
E colava na parede cor de pastel do quarto
Algumas que eu gostava, ela fazia duas cópias e me dava.
~
Então, depois de 940 algodões-doces rosados, eu senti um gosto molhado na minha boca
Sim, nos beijamos só depois de todo esse tempo.
Já nessa época já havia fotos de nós dois abraçados no banco do parque,
ela com um palito de madeira na mão
e eu com as mãos dela nas mãos.
~
Nesse meio tempo, passei a usar óculos, e ela, fones.
Ela me ofereceu seu gosto musical, e eu o acolhi de bom grado
Foi firme e constante a forma como nos apaixonamos. Pelo acaso, porém firme.
Mas então não houve mais algodões-doces, porque nós mais tínhamos mais tempo para isso
E estávamos mais ocupados.
~
Nosso namoro (é, namoro) estava meio silenciado, sem a risada dela,
ou os olhares enegrecidos dela, castanhos meus, mas provocativos de ambos
Mas ainda víamos o fogo arder no olhar um do outro
Fui fiel e ela, sincera. Fomos amigos e amantes, e não vivíamos mais em segredo
Aquilo era o que me restava na vida
E me lancei com tudo nisso
~
Ela me abraçava todos os dias, na hora de acordar, era gostoso e atrativo, eu a amava
E ela sentia o mesmo, eu via e sentia nos beijos que compartilhávamos
Até o 458º abraço, quando não a encontrei no jantar,
E a faculdade me respondeu por telefone que ela não estava lá
Eu não entendi o que acontecera, mas esperei.
Acordava sem que ela me abraçasse, saía, trabalhava e voltava na esperança de ela estar lá,
mas ela nunca voltava.
E Yasmin nunca mais apareceu.
~
Marcela permaneceu fora durante mais 768 manhãs sem abraços e jantares em pratos rasos
E, do nada, sem nem avisar, retornou, abrindo a porta e lamentando com suas lágrimas de cristal
Disse a ela que não entendia, que estava esperando pra pedir para casar com ela,
Ela se assustou e não me deu os motivos da ida. Preferiu discutir assuntos fúteis.
E nós brigamos. Brigamos feio no pôr do sol com visto pro parque.
~
Foi horrível: ela pegou as coisas dela e foi embora, porque eu "não soube entendê-la"
No momento em que ela bateu a porta, senti saudades da Lua naquele tempo, antes das esquinas
Que me prometia vê-la e ser feliz todos dias, simultaneamente
Mas a Lua mentiu para mim. E naquela noite, o que eu fiz foi xingar a lua e gritar "Marcela!"
Gritei até minha voz se perder no ar quente da noite.
~
Após 4 anos de noites de silêncio, abro uma carta nova
E nela havia um relógio, mostrando onze horas em ponto
Abaixo escrito estava um M todo desenhado, bela caligrafia
Até as onze horas não consegui parar de olhar para o relógio
As onze nada aconteceu, mas às onze e um, a porta foi tomada por um som de mão fechada, bem fraco
~
Abri. Marcela sorria com os olhos negros brilhando aguados
Pediu para entrar. Eu deixei. Segurou minha mão. Eu deixei. Tentou me beijar. Não deixei.
Não entendia, e perguntei. Perguntei, triste, e ela, esperançosa, respondeu.
Respondeu que não sabia o que fazer quando descobrira uma bolsa para terminar o curso, e terminou
Não viera contar porque teve medo. E também teve vontade de ir.
Mas eu disse que ela podia confiar em mim, e os olhos dela brilharam fortemente,
Mas disse que ainda tinha dúvidas do que sentia ou estava sentindo.
~
Naquela hora, tive um ímpeto fraco, que cresceu de súbito.
Segurei seus pulsos, e disse que havia decidido que o amor dela não se subjugaria às dúvidas
Ela gaguejou, e eu tomei as rédeas.
Eu a beijei de forma tão leve e sadia que ela me disse depois que o beijo foi o melhor que já tivera.
E no fim daquela noite, eu já sentia que não viveria sem ela,
~
E numa noite nublada, sem a Lua mascarada para ver nosso sentimento pulsando,
O silêncio se fez suspiros e suor, e o escuro se fez sorrisos e nós
Então, para selar tantos refrescos, algodões-doces, fotos, abraços e silêncios com um beijo
Colocamos, os dois, o indicador fronte a boca e fizemos "shhhh" baixinho
Pois nem mesmo as paredes escutariam o rugido do motim que sambaríamos naquela noite.
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Bigmouth strikes again, and I've got no right to take my place with the human race...