Ago(u)ra escrita por


Capítulo 91
Riot No. 1


Notas iniciais do capítulo

título alternativo: Sweetness.



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Que noite mais bela!, pensei comigo

Poderia eu até sentar-me aqui e admirá-la

Já passara das sete e nada mais eu tinha de afazer

Por motivos incompreensíveis a vós e por rebeldia,

Lancei-me a uma corrida pelas ruas

~

Quanto mais eu olhava para frente

Mais via pessoas do meu colégio, que me olhavam

E observavam, atentos, como se fosse louco

E eu, claro, desviava-me dos olhares e dos hidrantes

~

As senhoras de idade ficavam para trás em segundos

E por trás do mato verdejante escurecido dos lotes vagos

Escutava os vira-latas latindo

E por isso, troquei de rua

~

Mas havia um porém nisso: Era, na realidade, uma avenida

E eu não poderia correr como na rua da casa de Yasmin e Isabel

Mas de que importava? Eu não ficaria tempo bastante para julgarem-me

Eu rio interiormente. Começo a rir por fora de mim, e minhas costas doem

~

Decido parar, mas bufo de insatisfação.

Eu me lembro de minha mãe, que pediu a mim que fosse ao sacolão

o sacolão se encontra daqui a duas quadras

que eu lembre Yasmin parou de trabalhar lá, é uma pena

porque eu não tinha mais uma desculpa pra ver o rosto da minha amiga mais bonita

~

Yasmin é estupidamente linda

Seu olhar verde-castanho nos olhos estreitos chamam atenção

As belas madeixas castanhas lhe caem pelos ombros finos e ossudos

e sua boca tem um sorriso esbranquiçado, que me trava o olhar

O riso é uma melodia linda de ouvir

tão inacreditável que nem sei como não namora

~

Esses pensamentos bobos me tiram do eixo

e eu já estou quase no centro da avenida

corro pro passeio, meio em desespero, meio em êxtase

logo após entro em choque

afinal de contas, Marcela Prates cruza o olhar com o meu

~

Ela me sorria, e eu tenho que dizer: ela consegue ser mais bela que tudo que já vi

não converso com ela, nem tenho seu número, mas às vezes curto seus status na internet

e ela comenta alguma postagem no meu blog, então, de alguma forma, eu a conheço

isto não é problema que se deva entender, então não desperdice o esforço

~

Já quando eu virava a esquina para atravessar a rua que deságua na avenida, ela me chama

e eu, que não sou besta, me viro todo, de súbito e descubro que ela estava próxima,

seu pescoço retorna num impetuoso movimento de susto.

~

Pergunto à garota com a camiseta azul-bebê de alças finas e bordados no decote o que ela queria

(Educadamente, é claro)

a garota, decidida como ninguém, pisca levemente o próprio ver

E, sutil como veludo, diz-me boa noite.

~

O que mais posso dizer em resposta a não ser o mesmo com um "Pra você também" complementando?

Exatamente. Nada. Mas como um idiota completo, tentei algo mais.

Hoje não compreendo qual motivo me levou a fazer isso,

mas eu meio que a dei uma redação narrada como resposta

~

Marcela me olhou estranho, com um sorrisinho fechado. Em instantes, riu.

Em questão de minutos (não entendi como), eu havia conseguido um café com ela

Não chegava a ser café, mas sim um suco, um refresco de maracujá, muito ralo por sinal

Havia mais de 10 pessoas ali, e nenhuma tomava suco de maracujá

Mas isso não tinha relevância.

~

O que tinha relevância, na realidade,

é que depois mais cinco refrescos de sabores diferentes (um em cada noite diferente),

ela tomou minha mão na sua, de leve

e pediu que conversássemos. Só então percebi que estávamos calados

E começamos a falar disso e daquilo, assuntos importantes e irrelevantes

~

E então, só depois de um mês, me lembrei do sacolão que tinha que fazer,

Mas as desculpas não foram necessárias, porque ninguém lembrava

E depois de um mês, ela passou a querer algodão-doce, e eu falia mais a cada noite

E Marcela saía por aí, com uma massa felpuda e rosa nas mãos

Descendo alegremente em direção ao parque/reserva ecológica da cidade

Por um tempo, ela quis brincar; depois, só andar por aqui, ali, lá e acolá

~

E então ela só quis sentar no banquinho, de mãos dadas, nomeando blocos de cimento

Diferente dos refrescos, ela só gostava do algodão rosa

E gostava tanto que ele acabava em dois minutos.

~

Quando ele se ia, ela procurava meus dedos, e gostava de falar das músicas que gostava de ouvir

Ela não tinha fita cassete em casa, nem tirava foto com uma polaroid velha

Muito menos usava máquina de escrever, ou tinha vinil

~

As fotografias dela eram perfeitas por si só, ela tinha uma coisa, uma sorte, um "karma"

de encontrar os melhores ângulos que eu via na vida

E com aquelas mãos cheias de sardas e brancas exageradamente

A foto ia para a memória do velho celular dela

~

E nós víamos, depois, no portão da casa dela, a maioria das fotos

Mas há um detalhe, ela não publicava; sempre revelava

E colava na parede cor de pastel do quarto

Algumas que eu gostava, ela fazia duas cópias e me dava.

~

Então, depois de 940 algodões-doces rosados, eu senti um gosto molhado na minha boca

Sim, nos beijamos só depois de todo esse tempo.

Já nessa época já havia fotos de nós dois abraçados no banco do parque,

ela com um palito de madeira na mão

e eu com as mãos dela nas mãos.

~

Nesse meio tempo, passei a usar óculos, e ela, fones.

Ela me ofereceu seu gosto musical, e eu o acolhi de bom grado

Foi firme e constante a forma como nos apaixonamos. Pelo acaso, porém firme.

Mas então não houve mais algodões-doces, porque nós mais tínhamos mais tempo para isso

E estávamos mais ocupados.

~

Nosso namoro (é, namoro) estava meio silenciado, sem a risada dela,

ou os olhares enegrecidos dela, castanhos meus, mas provocativos de ambos

Mas ainda víamos o fogo arder no olhar um do outro

Fui fiel e ela, sincera. Fomos amigos e amantes, e não vivíamos mais em segredo

Aquilo era o que me restava na vida

E me lancei com tudo nisso

~

Ela me abraçava todos os dias, na hora de acordar, era gostoso e atrativo, eu a amava

E ela sentia o mesmo, eu via e sentia nos beijos que compartilhávamos

Até o 458º abraço, quando não a encontrei no jantar,

E a faculdade me respondeu por telefone que ela não estava lá

Eu não entendi o que acontecera, mas esperei.

Acordava sem que ela me abraçasse, saía, trabalhava e voltava na esperança de ela estar lá,

mas ela nunca voltava.

E Yasmin nunca mais apareceu.

~

Marcela permaneceu fora durante mais 768 manhãs sem abraços e jantares em pratos rasos

E, do nada, sem nem avisar, retornou, abrindo a porta e lamentando com suas lágrimas de cristal

Disse a ela que não entendia, que estava esperando pra pedir para casar com ela,

Ela se assustou e não me deu os motivos da ida. Preferiu discutir assuntos fúteis.

E nós brigamos. Brigamos feio no pôr do sol com visto pro parque.

~

Foi horrível: ela pegou as coisas dela e foi embora, porque eu "não soube entendê-la"

No momento em que ela bateu a porta, senti saudades da Lua naquele tempo, antes das esquinas

Que me prometia vê-la e ser feliz todos dias, simultaneamente

Mas a Lua mentiu para mim. E naquela noite, o que eu fiz foi xingar a lua e gritar "Marcela!"

Gritei até minha voz se perder no ar quente da noite.

~

Após 4 anos de noites de silêncio, abro uma carta nova

E nela havia um relógio, mostrando onze horas em ponto

Abaixo escrito estava um M todo desenhado, bela caligrafia

Até as onze horas não consegui parar de olhar para o relógio

As onze nada aconteceu, mas às onze e um, a porta foi tomada por um som de mão fechada, bem fraco

~

Abri. Marcela sorria com os olhos negros brilhando aguados

Pediu para entrar. Eu deixei. Segurou minha mão. Eu deixei. Tentou me beijar. Não deixei.

Não entendia, e perguntei. Perguntei, triste, e ela, esperançosa, respondeu.

Respondeu que não sabia o que fazer quando descobrira uma bolsa para terminar o curso, e terminou

Não viera contar porque teve medo. E também teve vontade de ir.

Mas eu disse que ela podia confiar em mim, e os olhos dela brilharam fortemente,

Mas disse que ainda tinha dúvidas do que sentia ou estava sentindo.

~

Naquela hora, tive um ímpeto fraco, que cresceu de súbito.

Segurei seus pulsos, e disse que havia decidido que o amor dela não se subjugaria às dúvidas

Ela gaguejou, e eu tomei as rédeas.

Eu a beijei de forma tão leve e sadia que ela me disse depois que o beijo foi o melhor que já tivera.

E no fim daquela noite, eu já sentia que não viveria sem ela,

~

E numa noite nublada, sem a Lua mascarada para ver nosso sentimento pulsando,

O silêncio se fez suspiros e suor, e o escuro se fez sorrisos e nós

Então, para selar tantos refrescos, algodões-doces, fotos, abraços e silêncios com um beijo

Colocamos, os dois, o indicador fronte a boca e fizemos "shhhh" baixinho

Pois nem mesmo as paredes escutariam o rugido do motim que sambaríamos naquela noite.


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Notas finais do capítulo

Bigmouth strikes again, and I've got no right to take my place with the human race...



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