Accidentally escrita por Firefly Anne


Capítulo 7
Capítulo 6




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Accidentally

Capítulo 6

~*~

O deus Clarke e sua família residiam em um condomínio localizado num bairro nobre de São Francisco — ostentações do patriarca, Frank Clarke. Àquela hora da madrugada as ruas de Village Hill estavam desertas e iluminadas apenas pelas luzes dos postes. E, naquele instante, pelos faróis da Yamaha de um morador que acabava de chegar. O porteiro tirava uma soneca quando Maxton buzinou, fazendo com que o homem gorducho pulasse de seu assento e ajustasse a gravata de seu uniforme. Levando os dedos ao queixo redondo limpou a saliva que escorrera de seus lábios ao cochilar com a boca aberta.

Ao reconhecer que o motoqueiro era Maxton Clarke, rapidamente acionou os botões de seu controle que fazia os portões se abrir, fazendo com que o filho do temido Frank Clarke adentrasse.

— Boa noite, Sr. Clarke — falou o homem em tom condescendente.

Maxton já havia retirado o capacete a caminho de casa então apenas acenou ao cumprimento de Tom, e pilotou a moto até chegar à garagem privativa de sua casa. Desligou e desceu da moto, pegou a chave na ignição e levou os dois capacetes nas mãos enquanto caminhava até a entrada. Ao chegar em frente a escada que levaria rumo a porta, percebeu que as flores no canteiro estavam murchas. Subiu os degraus, alcançou a maçaneta e girou-a: estava aberta, como sempre.

Abriu a porta e entrou em casa. Deu tempo apenas de virar-se quando segundos depois a luz da sala foi acesa e logo surgiu uma silhueta delgada que pertencia a Morgan, a governanta, babá, amiga, conselheira... que trabalhava há mais de uma década para aquela família.

— Max, até que em fim você chegou! — disse Morgan no topo da escada. — Quando a sua mãe me avisou que você costumava chegar bem tarde, não dei muito crédito. Como eu estava errada!

Morgan surgiu à sua frente usando um pijama azul com listras brancas. Seus cabelos, meticulosamente presos em um coque desarrumado e o rosto moreno um pouco amassado por ter cochilado enquanto assava cookies e esperava o retorno de Maxton a casa.

— Você estava acordada, Morgan? — perguntou Maxton, com o cenho franzido. Nem sua mãe costumava lhe esperar, pois sabia que não tinha hora para voltar; quando voltava. — E esteve esperando por mim? Aconteceu alguma coisa? — Fechou a porta atrás de si, começando a conjecturar várias tragédias. A mais provável era com o seu pai: talvez em um ato terrorista houvessem colocado uma bomba em seu avião... Não era como se o pai fosse alguém amoroso para chegar a sentir falta. — Charlotte está em casa?

Morgan suspirou.

Caminhou a passos curtos em direção a Maxton e parou ao estar a poucos centímetros de distância. Os cantos de seus lábios içaram-se minimamente, quase imperceptível, mas não havia nenhum traço de felicidade em seus olhos azuis: apenas medo e preocupação. Maxton rompeu a distância e Morgan tocou seu ombro com a mão direita.

— Matteo não estava bem — ela disse pausadamente enquanto observava as suas reações enquanto relatava o que acontecera aquela noite. — Sua mãe achou melhor levá-lo ao médico... — Morgan hesitou. — Ele também vomitou, Max. Muito.

Maxton engoliu em seco.

— Ela já ligou para dar notícias? Quem a levou ao hospital? Matteo está bem? — Os olhos de Morgan alargaram-se com a enxurrada de perguntas. — Você já ligou para Frank?

Frank Clarke era o seu pai. Na verdade, poderia ser considerado apenas o homem que havia contribuído para a sua concepção. Mas, em seus vinte e quatro anos, nunca o viu se comportando como um. Era um homem muito ocupado com os negócios e não tinha tempo livre nem para a esposa, tampouco para os filhos. Do agrado de Frank, todos os seus filhos estariam estudando em colégios internos na França enquanto ele e Charlotte viajavam pelo mundo a negócios. Ele até mesmo conseguira realizar o seu plano em parte, com os gêmeos Missy e Milan. O mesmo não podia ser feito a Matteo por conta de sua saúde debilitada. E Maxton, os pais nunca conseguiram dominá-lo.

Ainda que Frank estivesse ocupado resolvendo algo de sua empresa, nada justificava o seu descaso com a família, principalmente a Matteo...

— Sua mãe ligou para o Sr. Clarke, mas parece que ele não conseguiu nenhum voo disponível... — Ela disse com pesar. — Seu pai está em reunião em Tóquio.

Aquela resposta havia sido à gota d’água para Maxton, que caminhou exasperado até o seu quarto, ignorando os protestos de Morgan. Tentou lembrar quantas horas o Japão estaria mais adiantado e concluiu que era o começo da noite em Tóquio e o pai poderia lhe atender.

Nos últimos dois anos Maxton seria capaz de contar nos dedos de apenas uma mão a quantidade de vezes que Frank estivera ali, reunido com a família e inteiramente desatento aos constantes telefonemas que recebia quando estavam à mesa, num almoço em família. Maxton era o mais velho de quatro filhos. Matteo de 17 anos, que havia três lutava contra um câncer. E os gêmeos Missy (seu nome verdadeiro era Melissa, mas gostava que a chamassem de Missy, como a irmã do Sheldon na série The Big Bang Theory), e Milan, ambos de treze anos.

Não raciocinava quando entrou no quarto, bateu com força a porta e pegou o celular dentro do bolso da jaqueta de couro e procurava na lista de contatos o número do pai. Discou e esperou o terceiro toque até uma voz feminina atender a ligação. Reconheceu a voz de Carmen.

Maxwell! — Ela disse, como sempre errando o seu nome. Não sabia dizer se Carmen errava de propósito ou porque não conseguia se lembrar de que se chamava Maxton e não Maxwell.

— Maxton — corrigiu ele, correndo os dedos pelos cabelos. — Onde está Frank?

— Está com insônia, Maxwell? — perguntou, mudando de assunto. — Se estou fazendo as contas certas em São Francisco são duas da manhã, mais ou menos.

— Não mude de assunto, cacete! — gritou. Carmen precisou afastar o fone do ouvido para não ficar surda.

— Só estou conversando com você, querido Maxwell. Mas, responda, está com insônia e decidiu conversar com o papai? — Maxton a ignorou. Carmen suspirou, vencida. — Tudo bem, eu vou passar a ligação para o seu pai. Sei que Frank não mencionará, mas estamos voltando para São Francisco em seis semanas. Boa noite, querido. Ah, você está com sorte que o seu papai está disponível para bater um papo com você. — Ela disse em meio a risadinhas.

Pai e filho não “conversavam” tampouco “batiam papo”.

Carmen O’Hara era a mais nova assessora do pai, com menos de trinta anos, solteira e bonita. Nas poucas ocasiões em que estivera frente a frente com Carmen percebera que ela lhe lançava alguns olhares concupiscentes, porém sempre desviava ou fingia não ver.

Ouviu uma voz dura, irritada e masculina, e presumiu que Frank estava próximo a Carmen. Pôde também ouvi-la informar “é o seu filho” e em seguida seguiu-se um silêncio.

— Você sabe que horas são? — perguntou Frank ao atender a ligação.

— Quase três horas da manhã em São Francisco, eu sei, tenho um relógio que ganhei em uma aposta — mentiu apenas para deixar o pai irritado.

— Maxton — ouviu Frank sibilar. — Eu não pago uma universidade de medicina tão cara para você ficar fazendo apostas como se fosse um malandro! Tampouco para vadiar pela noite, quando deveria estar estudando. Que tipo de médico você se tornará agindo desta forma?

— Pois é. É uma pena que o seu dinheiro esteja sendo tão mal investido, não é, papai?

— Se o seu objetivo é me deixar irritado, não conseguirá! Não desta vez, Maxton. Diga logo a razão de estar ligando para mim, certamente não está com saudade ou desejoso de ouvir a minha voz.

— Ok, eu vou direto ao assunto. — O deboche sumiu de sua voz. — Você sabe que o seu filho, Matteo, neste momento, está em um hospital?

— Você está bem atrasado, garoto. Enquanto você estava se enfiando no meio das pernas de alguma vagabunda, sua mãe me atualizou sobre o estado do garoto.

— E mesmo assim você não vai fazer nada? É o seu filho, porra! — Maxton explodiu, perdendo o pouco da paciência.

— Maxton, Maxton. — Do outro lado da linha Frank Clarke caminhava em direção ao seu aposento. — Controle o seu linguajar chulo quando se dirigir a mim, moleque. Esta não é a primeira vez e muito menos a última que o seu irmão é hospitalizado, nem compreendo a razão de tanta estranheza. O garoto está fazendo quimioterapia, é óbvio que haveria efeitos colaterais.

— Nem sei por que eu ainda me surpreendo com você, Frank.

Maxton ouviu um suspiro do pai.

— Você ligou apenas para chorar a sua insatisfação? Então eu posso presumir que podemos encerrar esta ligação. Não tenho tempo a perder, principalmente com você.

Não houve nenhuma despedida, e logo a ligação chegou a seu fim. Enfurecido com a indiferença do pai ao estado de saúde de Matteo, jogou o celular contra a parede, fazendo com que o aparelho se espatifasse ao chegar ao chão. Sentou-se em sua cama e inclinou o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e com as mãos puxando alguns fios dos cabelos negros. Depois de algum tempo em silêncio, Morgan apareceu em seu quarto, abraçando-o de lado e apoiando a cabeça em seu ombro. Após alguns minutos em silêncio, ela disse:

— Charlotte ligou... Matteo está bem. É provável que eles voltem para casa amanhã bem cedo.

Matteo naquele momento estava bem. Só não sabia dizer por quanto tempo o “bem” seria o correto para descrever o estado de saúde do garoto de dezessete anos.

[...]

Maxton passou a noite em claro, praticamente. Em momentos como aquele não conseguia simplesmente fechar os olhos e dormir. Tentou convencer Morgan a deixá-lo ir até o hospital, mas ela argumentara que Matteo só podia ter um acompanhante na enfermaria — Charlotte — e às três horas da madrugada não seria conveniente para visitas. Estava de mãos atadas e tudo o que podia fazer era esperar ser vencido pelo cansaço. Os cookies preparados por Morgan foram o seu jantar. Quando o sol já estava nascendo e o quarto começava a clarear, foi quando ele conseguiu adormecer. E dormiu por tanto tempo, que perdeu o momento em que a mãe e o irmão retornaram para casa, às onze horas da manhã.

Matteo nem parecia que havia passado a noite no hospital, tão elétrico ele estava. Desobedecendo as regras de Charlotte em deixar o irmão descansar, Matteo dirigiu-se ao quarto ao lado do seu, pé ante pé para evitar fazer barulhos e abriu bem lentamente a porta do quarto de Maxton. O irmão dormia de costas, com os braços esticados na cama — um tocava a parede e o outro, mais alguns centímetros e os dedos tocariam o chão. Chegou bem próximo da cama e ajoelhou-se para pegar um travesseiro. Sorriu matreiramente antes de arremessar o travesseiro no rosto de Maxton, tentando acordá-lo bruscamente.

— Acorda seu preguiçoso! — gritou Matteo. Outra travesseirada, desta vez nas costas do motoqueiro. — Acorda, Max!

Maxton esmurrou o vento e se remexeu na cama.

Bem distante, em seu sono, Maxton ouviu uma voz lhe chamando. Parecia com a voz de Matteo, mas o irmão estava hospitalizado. Quando se lembrou do hospital, levantou-se em um átimo, quase batendo sua cabeça na de Matteo.

— Achei que você tinha morrido, mano — disse Matteo. — Já estava indo chamar a mamãe para me ajudar a esconder o seu corpo.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou coçando os olhos.

— Acordando você, ora! — respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — A mamãe está te chamando para tomarmos café da manhã juntos. Ou almoçar. E eu estou morrendo de fome para esperar você acordar por sua boa vontade.

Vencido, Maxton abriu os olhos e sentou-se na cama. Matteo estava à sua frente e parecia estar bem. Sua preocupação havia se dissipado completamente com a notícia. Chamou o irmão para sentar do seu lado na cama, ao que foi respondido com um:

— Não vai tentar me sufocar, né?

Mas não, ele queria apenas confirmar que o irmão estava bem, realmente. E pelas brincadeiras e piadinhas que se sucedeu durante o dia, ele teve a certeza.

[...]

Quando Melanie tinha seis anos Santiago costumava levá-la ao píer 39. O lugar era muito movimentado e o pai segurava firme a sua mãozinha infantil para não correr o risco de perder-se da única filha. Melanie lembrava-se de fitar as lojas com olhos sonhadores e a admirar-se com as performances de rua. Mas o que ela gostava mesmo era de ver os leões marinhos no Fishermans Warf. E comer hot-dog num carrinho logo na entrada. Num certo dia Santiago lhe presenteou com uma tiara de flores que comprara numa lojinha por um dólar. E ao final do passeio eles seguiam até o deque e assistiam ao pôr do sol — Melanie com os olhos fechados e a cabeça apoiada no ombro do pai.

Por mais que dissessem o contrário, a pequena e simples família de Melanie era perfeita. A mãe era carinhosa e o pai, fazia de tudo para realizar os seus sonhos. Quando Clarice engravidou pela segunda vez, sentiu-se enciumada como nunca estivera antes. Outro filho era o mesmo que “a Melanie será passada para trás, pois o novo bebê é mais importante do que ela!”. No entanto, mesmo após o nascimento de Luna, Santiago continuava amando-a de igual forma.

Os pais de Melanie não eram ricos, mas tinham uma situação financeira estável. Santiago possuía um pequeno armarinho, e mãe trabalhava numa galeria de arte. Um barco fora comprado por Santiago — após o aniversário de 16 anos de Melanie — com intuito de viajar em alto-mar com a família fora vendido quando Clarice adoecera. Todos os demais imóveis que possuíam tiveram o mesmo destino para pagar o tratamento que era muito caro, e para o desespero da família, Clarice não melhorava. Ao contrário, seu quadro clínico apenas se agravava.

Nunca se esqueceria daquele dia.

Para poupar Luna da atmosfera sinistra de hospitais ela fora deixada aos cuidados de Lucia Aberdeen. Melanie e o pai estavam na sala de espera, aguardando Clarice sair de mais uma cirurgia para poder conversar com os médicos. Estavam preparados para uma notícia boa, mas o semblante do clínico era tenso.

— Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, senhor Dorchester. Mas o organismo da sua esposa não responde aos medicamentos. Estejam preparados.

“Estejam preparados” era um eufemismo para “a qualquer momento a paciente morrerá”.

Seu namorado na ocasião, Michael Blake, esteve ao seu lado durante toda a temporada de dor para a sua família. Ele e sua amiga Hailey eram quem lhe passava forças para poder suportar — aos dezesseis anos — a ruptura de sua família, sem assustar a indefesa irmã de seis anos.

A morte iminente de Clarice aconteceu poucos dias depois do aviso do médico. O pai, um completo apaixonado pela esposa, se viu em desespero com a perda. Algumas pessoas escondem a dor com o silêncio. Estas são as chamadas pessoas frias. Não é que elas sejam frias, só não querem demonstrar a fraqueza que acreditam ser o significado das lágrimas. Havia outros que buscavam uma via de escape: o alcoolismo, as drogas... ou, o caso mais remoto, o suicídio. A forma de Santiago Dorchester lidar com a sua dor era na bebida. Quando bebia até desmaiar ele esquecia que a sua vida se tornara um verdadeiro deserto sem a doçura de Clarice.

Nem mesmo Luna foi capaz de fazer Santiago ser o alicerce daquela família, como era o esperado. Em alguns dos raros momentos em que o pai dormia em casa, Melanie o flagrava chorando baixinho com uma fotografia de Clarice sobre o coração.

Melanie sentia falta da cumplicidade que existia entre ela e Santiago. Quando se tratavam como pai e filha e não como dois desconhecidos. Mas não havia nada que pudesse fazer pelo homem que, na infância, considerava o seu herói.

Ele não queria ser ajudado.

[...]

— Já está na hora de acordar, amorzinho. — Melanie dizia próximo ao ouvido de Luna, adormecida como um anjo em sua cama de solteiro. A menina grunhiu, remexeu-se um pouco na cama até, por fim, ficar de frente para a parede e com os braços cobrindo os olhos. — Cinco minutos, Luna.

Era pouco mais das nove horas daquele sábado ensolarado em São Francisco. Durante toda a noite estivera pensando em como gastaria aquele dinheiro que tinha como o valor quase o seu salário em dois meses. Decidiu, por fim, que estava na hora de ter um momento de irmãs e levar Luna para se divertir um pouco, como não faziam havia dois anos.

Seguiu até a cozinha vestindo apenas uma camisola de ursinho e pôs-se a preparar algo para o café da manhã. Antes de ir fazer uma faxina, ligou para a casa de Caleb e deixou um recado para ele, em que desmarcava o reforço que ela lhe daria naquele dia. Já bastavam a sua responsabilidade para com o Roxy durante a noite.

Quinze minutos depois Luna surgia na sala com os olhos fechados e bocejando. Beijou a bochecha de Melanie e sentou-se em uma das cadeiras para desfrutar do seu cereal com leite.

— Eu estava pensando — começou Melanie, parando de lavar as louças na pia — em irmos ao shopping hoje, o que você acha?

— Ir ao shopping para apenas ficar babando as roupas bonitas na vitrine? Não, Melly. Prefiro assistir Once Upon a Time.

O sorriso de Melanie murchou.

— Não vamos ao shopping para babar as roupas bonitas na vitrine — ela explicou. — Podemos comprar alguma coisa.

Luna parou a colher no meio do caminho, movendo o olhar até a irmã.

— Por acaso eu dormi em Setembro e acordei em Dezembro? Nós só fazemos compras no Natal, Melly.

— Ah, é? — franziu as sobrancelhas. — Mas eu estou dizendo que nós podemos, e vamos, se você quiser, ao shopping hoje. Comprar algumas roupas... Talvez ir ao cinema?

— Eu nunca fui a um cinema.

— Pois então! — Bateu palmas, animada com a ideia. — Vamos ao cinema! Assim que eu limpar a casa, tá?

Luna com um sorriso gigantesco e os olhos tão brilhantes quanto um diamante, assentiu, comendo satisfeita o seu café da manhã. Durante a manhã esteve sentada, um pouco impaciente, no sofá com o notebook sobre um travesseiro assistindo aos episódios de sua série americana favorita. Assistira a três episódios, antes de Melanie a mandar para o banho.

Era a primeira vez em muito tempo que tinham um tempo de irmãs. Foram ao shopping próximo, compraram algumas roupas para as duas, foram ao cinema e assistiram a um filme de animação (que era o único condizente com a idade de Luna), brincaram em um Playground e quando fizeram um balanço daquele dia enquanto arrumavam as compras que fizeram no supermercado nos armários e geladeira, elas se divertiram, e muito.

Luna não parava de sorrir e a comentar como a tela do cinema era gigantesca, a reclamar de como era muito frio as sessões, que assistir filmes em 3D não era bom por causa dos óculos que eram obrigadas a usar e sobre todos os brinquedos que brincara no Playground. Se pudesse, todos os dias Melanie colocaria aquele mesmo sorriso nos lábios da irmã, mas era raro um cliente ser tão gentil na gorjeta, então a chance de haver uma repetição era mínima.

Quando terminou de arrumar as compras no armário, mandou Luna para o banho enquanto ligava para Nilley e em seguida, o Delivery de uma pizzaria. Nilley por morar próxima a Melanie não demorou muito a chegar e logo se estabeleceu no sofá da sala, com a sua caixa de DVDs e escolhendo qual filme assistiriam aquela noite. Já passava das dez horas da noite e Luna havia se rendido à exaustão, então eram apenas as duas. Optaram por assistir a um suspense — Caçadores de Mentes — e quando o filme terminara, bem depois da pizza, Nilley tocou no assunto:

— Você se lembra do meu namorado, o Peter, aquele lindo de tirar o fôlego? — Melanie assentiu. — Ele quer saber se nós vamos à festa na casa de seu amigo... Em uma semana.

— Eu disse que sim, não disse?

— Sim, mas você é a Melanie, e sempre tem a capacidade de arruinar os meus planos.

— Nós vamos à festa na casa do amigo de seu namorado. E me responda: se eu dissesse que não, você deixaria de ir?

— Mas é claro que sim, Mel. Que pergunta boba. Nós somos amigas e, apesar de eu estar caminhando para “apaixonada”, eu não conheço ninguém nessa festa.

— Você se sairia bem, eu tenho certeza. É a pessoa mais espontânea que eu conheço.

— Vou doar um por cento da minha “espontaneidade” para você, quem sabe assim, não desencalha e arruma um namorado. Ou não sendo tão ambiciosa, alguma foda.

— Nilley! — Melanie a repreendeu, constrangida.

— Você precisa arrumar um namorado, Melanie! É sério, amiga.

Melanie não seria hipócrita em afirmar que não sentia falta de ter um namorado, e de sexo, principalmente. Mas não tinha tempo para priorizar a sua vida sentimental e sexual. Luna estava em primeiro lugar.

— Podemos mudar de assunto?

Nilley levou as mãos ao alto, frustrada.

— É sempre assim! — exclamou. — Você sempre quer mudar de assunto!

— Nilley...

— Já que você “não tem tempo de ir procurar um cara para namorar, beijar ou simplesmente transar” fique com o Max, então. Ele tá caidinho por você, isso já deu para perceber.

— Nilley... — Tentou novamente, mas a amiga lhe ignorou completamente. — E ele é um sujeito bonito, Melanie! Muito bonito, devo ressaltar! E, me diga: de quanto em quanto tempo um homem bonito, tatuado e quente surge em nossa vida, assim, tão fácil?

— É um evento raro, eu sei.

— E o que te impede de agarrar o cara?

— Tudo? Nada? — Melanie colocou a cabeça nas mãos e fechou os olhos. — Acho que tenho medo.

— Medo de quê, Melzinha?

— Eu não sei.

Mesmo afirmando não saber, Melanie sabia. Maxton Clarke a lembrava de seu primeiro — e traumático —, e único namorado.

— Melanie — começou Nilley, circunspecta — da próxima vez que virmos o Max e ele tentar te agarrar, por favor, me prometa que não vai fugir dele como se fosse um fugitivo da polícia.

— Ele me intimida...

— São as tatuagens, não é? Você precisa ver a que ele tem no peito. Se eu estivesse solteira...!

— Nilley!

— Não seja tão ingênua, Mel! — rolou os olhos. — O Max é... Não sei nem descrever, mas você é uma vaca por estar caindo fora enquanto ele está, literalmente, de quatro por você.

As palavras de Nilley continuaram em sua mente mesmo depois de a amiga ter se despedido, alegando estar “morta” de sono. Por que fugia de Maxton? De certo pelas lembranças traumáticas que ele a fazia reviver. Mas, mesmo com o jeito durão de ser, Maxton não era ele.

Quando se conheceram no Roxy, primeiramente ficara magoada por ele tê-la ignorado tão abertamente, Mas, então, quando ele tentou beijá-la — após salvá-la do bêbado asqueroso — covarde, fugiu.

Mas, a pergunta que navegava pela mente de Melanie era: ela gostaria de continuar fugindo?

[...]

Com tudo o que aconteceu durante a madrugada: a ida de Matteo ao hospital e o descaso de Frank, Maxton não percebeu os “estragos” até à tarde do dia seguinte. O seu celular encontrava-se completamente espatifado no chão de seu quarto. Não estava preocupado com o aparelho, pois podia comprar outro. No entanto, um número específico que estava gravado na memória no telefone... Não seria tão fácil convencer Caleb a outra aposta em que o prêmio fosse o número da Abelhinha. E pedir à própria Melanie estava fora de cogitação! Sabia de antemão que ela se recusaria.

Talvez aquele fosse um sinal de que estava na hora de se desapegar da arisca Melanie. Ela o confundia.

Naquela noite quando estavam no banheiro do Roxy e ele a encurralara estava certo de que ela corresponderia muito entusiasmada ao beijo que ele pretendia lhe dar, se não fosse à interrupção. Apenas Deus sabia de quantos nomes e quais formas a garota que os interrompera fora amaldiçoada em pensamentos por ter chegado bem àquela hora. Será que ela não podia ter esperado, talvez, uns quinze minutos para entrar? Maxton queria apagar Melanie de sua memória ou fingir que nunca a conheceu. Mas a indiferença de Melanie era o combustível para ele continuar correndo atrás como se fosse um cachorrinho de rua à espera de pedaços de carne.

Maxton precisava urgentemente esquecer Melanie, era o que ele repetia para si mesmo. Abandonar aquela obsessão uma vez que não era mais nenhum adolescente para implorar pelo amor de uma garota — quem dirá de um mero beijo ou uma transa. Ligou para Molly, e ao contrário da Abelhinha, não hesitou um segundo antes de aceitar o seu convite para um encontro que envolvia os dois nus, suados, em uma cama de algum motel da cidade.

E para completar o pacote: sem o espectro de certa Abelhinha.

[...]

Domingo à noite, finalmente! Melanie conhecia algumas pessoas que ficavam felizes com a chegada da sexta-feira, e melancólicos com a vinda do domingo e toda a semana enfadada que ele trazia. Para a estudante de enfermagem, acontecia exatamente o contrário: seus melhores dias eram de segunda a quinta, em que o seu dia era resumido à universidade e Luna. Nesses quatro dias não precisava trabalhar no Roxy, esbarrar em homens bêbados e drogados ou se sujeitar ao mau humor de Nina, a gerente.

— Olhe só quem está aqui — disse Nilley encarando um ponto na entrada do bar. Não um “ponto”, mas uma pessoa. O coração de Melanie começou a bater acelerado, pois acreditava que fosse Maxton. Ansiosa, virou-se na direção da entrada e sua ansiedade tornou-se frustração ao encontrar o amigo, Caleb. — Ele é outro bonitinho, Melanie. Você está rodeada por caras gostosos e não fica com nenhum!

— O Caleb é o meu amigo, Nilley.

— Amigo, amigo, amigo... — Nilley rolou os olhos. — Bem dizia a minha avó: “é impossível uma vagina e um pênis estarem no mesmo espaço e não haver desejo sexual!”.

— E se o cara for gay?

— O Caleb é gay? — Nilley praticamente gritou.

Estavam tão concentradas no bate-papo que não perceberam a aproximação de certo garoto, até ele aparecer por trás de Melanie e dizer:

— Se o “Caleb” em questão sou eu, então, não, senhoritas, eu definitivamente não sou gay.

Melanie gostaria de cavar um buraco e se esconder lá dentro para nunca mais aparecer.

— Caleb! Que coisa feia ficar ouvindo a conversa alheia!

— Eu não estava... mas, bem, eu ouvi o meu nome e fiquei curioso.

— Hum, sei...

Caleb e Nilley engataram em uma conversa e Melanie se afastou. Já passava das 22h00 e nenhum sinal de Maxton. Talvez ele não apareça nunca mais! Nina aquele dia parecia estar muito feliz, pois não implicara em nenhum momento com Melanie, até mesmo lhe ofereceu um coquetel gratuito. Ao que ela negou, porque não bebia nada alcoolico. Uma novata fora encarregada de limpar os banheiros e Melanie sabia: na manhã do dia seguinte ela apareceria pedindo demissão. Em relação aos bêbados, dois deles cruzaram o seu caminho. Mas nenhum fora tão ousado ao ponto de chamá-la de prostituta, como algumas dançarinas do Roxy. Como Alicia...

Maxton Clarke apareceu quase à meia-noite na companhia de Gabe, o encrenqueiro que fora preso no ano passado. Os dois estavam acompanhados de duas belíssimas mulheres. E Melanie quis bater a cabeça contra o concreto ao imaginar que o motoqueiro sentisse alguma espécie de atração, magnetismo por ela. O que o incitava não era desejo, era o fato de ela ser difícil. O desafio pelo qual os homens buscavam. O quer algo e não poder ter.

Como era parte do seu trabalho ser educada com os clientes, colocou um sorriso em seus lábios e marchou em direção à mesa em que Maxton Clarke estava com uma loira peituda sentada sobre as suas pernas. Eles se olhavam, trocavam algumas palavras e sorriam um para o outro. Melanie não sabia muito bem o que estava sentindo, mas queria muito puxar a loira siliconada pelos cabelos e arrastá-la para bem longe do rapaz. Não era ciúme, Melanie dizia para si mesma.

Ao chegar em frente à mesa do rapaz, usou o seu tom mais profissional para inquirir:

— Posso ajudá-los em algo?

Maxton deu um tapinha no traseiro da loira peituda, que se levantou distribuindo sorrisos e piscadelas.

— Você poderia me ajudar, sim — respondeu o rapaz. — Uma dança, talvez?

— Está fazendo o “pedido” a pessoa errada, Maxton.

— Estou fazendo a pessoa certa, Abelhinha.

Melanie endureceu o maxilar, cerrando os olhos e sibilando palavra por palavra de sua resposta.

— Não me chame de Abelhinha. E eu nunca, nunca vou dançar para você ou com você, idiota!

— Não diga nunca, Abelhinha. Algum dia desses você pode estar em minha cama, me oferecendo um show particular com direito a uma dança bem sensual.

— Você é um idiota mesmo, Maxton. E pretensioso! — sibilou. — Pois continue com os seus sonhos, porque isso nunca acontecerá fora deles.

— Você quer apostar?

Melanie não ofereceu nenhuma resposta ao rapaz, marchando de volta ao balcão e, se pudesse, soltando fogo pelas ventas. Quem Maxton Clarke pensava que era para mexer daquela forma com ela?

— Ciúmes, Mel? — sussurrou Nilley em seu ouvido.

Quase pulou com o susto. Estava se sentindo um pouco — na verdade muito — furiosa com a atitude de Maxton. Não era a primeira vez e tampouco parecia a última em que o intuito dele era deixá-la irritada. A primeira acontecera quando ele estava bêbado e tentou beijá-la, ao não conseguir o beijo, “comprou” os serviços de Alicia para poder tocar em seu corpo. A loira em seus braços não era Alicia, mas era tão bonita quanto à stripper.

— Ei, Melanie. — Maxton a chamou. Ele estava curvado no balcão, chamando a sua atenção.

Melanie o ignorou o quanto pôde; ele que voltasse para a loira peituda e fizesse o favor de deixá-la em paz!

Maxton continuou a falar, mas seu argumento foi interrompido quando uma nova música explodiu pelos autofalantes distribuídos pela boate. Deixou o motoqueiro falando sozinho e correu para os banheiros, pois lá, poderia ficar sozinha. Sem nenhum Maxton-idiota-Clarke para brincar com seus sentimentos.

Maxton não raciocinava quando encurralou, mais uma vez, Melanie contra o azulejo frio do banheiro feminino — a placa fora colocada ali durante a semana. Pôs os braços espalmados na parede, mantendo-a encurralada.

— Estou cansado desse seu joguinho, Melanie — ele disse, com os olhos cerrados, a voz soando rouca. — Estou cansado de você fugir de mim quando sei que não é isso o que quer. Se eu estivesse errado, você não teria cedido naquele dia, em que estávamos neste mesmo banheiro e eu quase tive o que queria.

— Você está delirando, Maxton Clarke.

— Ah, eu estou? — ele murmurou, um sorriso ameaçando aparecer em seus lábios. — Pois quem parece estar delirando não sou eu, mas você. Esse seu joguinho de “sou uma garota difícil” foi interessante nos primeiros dias, mas agora você já pode abaixar a guarda, Abelhinha. Eu sei que você quer.

— Sabe? — retrucou, as sobrancelhas arqueadas.

— Sei — ele grudou seu corpo ao de Melanie, fazendo-a sentir tudo, exatamente tudo. O peito dele colado ao seu, o ritmo frenético de seu coração, entre outras partes logo mais abaixo. — Você quer exatamente o que eu quero.


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Notas finais do capítulo

Olá!
Se você leu até aqui, por favor, deixe-me saber se gostou ou não.
Sua opinião é muito importante para mim!

*O capítulo não está betado... relevem qualquer erro :x

Beijos!



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