Anatomia do Amor escrita por whatsername, whatsernamebeta


Capítulo 2
Come be in Shady's world


Notas iniciais do capítulo

Hei : ) Como estão?
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Voltei super rápido, certo? Isso porque amei os comentários. Fiquei contente em ver uns rostinhos conhecidos por aqui, também pirei com os leitores que ganhei. Continuem acompanhando e comentando.
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Raskia, eu amei sua recomendação. Mil vezes obrigada! Quem quiser seguir o exemplo, fique a vontade!
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Muita gente ficou ansiosa para conhecer a Bella, pois bem, aqui está. Não se assustem, ela é um pouquinho afetada. HAHAHA
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Boa leitura



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POV Bella


Era um misto de sono e preguiça. Eu não estava muito certa sobre me levantar da cama. O sol era tímido, mas aquecia o quarto meio escuro; eu rolei no colchão até me chocar com minha coisinha peluda e esperta. Kim estava com as orelhas erguidas, captando todo e qualquer som e movimento.


“Oi, princesinha!” Falei com energia e com uma entonação engraçada. A pequena cadela apenas me olhou e abriu uma sequência previsível de latidos.


Saí da cama e me preparei para o primeiro dia de minha nova vida.  Decepções serviam para duas coisas apenas. Aprender e mudar. E foi com essas duas motivações que mudei de cidade e deixei toda aquela coisa de noiva abandonada no altar para trás. É, meu noivo decidiu esperar o dia de nosso casamento para chutar minha bunda. Devo confessar, dói até hoje. Não a bunda, mas o coração mesmo.


Kim passou entre minhas pernas, fazendo-me cócegas com o pelo longo e amarelado. Sorri para ela e caminhei para o banheiro, pensando em como mostrar para uma turma de adolescentes que fotografia era a coisa mais legal do mundo. Nada melhor que unir o útil ao agradável. Não que eu fosse uma fotógrafa reconhecida, mas me orgulhava de meus trabalhos e fiquei contente ao descobrir que um dos melhores colégios de Seattle queria diversificar a grade curricular. E eu fui corajosa o suficiente para pedir aquele emprego.


Eu estava realmente em dúvida sobre o que usar. Encarei a calça jeans escura, ela ficaria bem com a camisa vermelha e com o blazer azul marinho. Usar saltos era a minha salvação, sem eles eu era reduzida a um ser de apenas um metro e cinquenta e seis. Meu rosto pálido recebeu um pouco de cor, deixando-o com um ar menos translúcido. Olhei-me no espelho, eu parecia ser tudo, menos uma professora. Deixei meu sorriso brotar e peguei Kim em meu colo.


Não resisti e corri meus dedos na pelagem livre de pulgas. “Pareço bonita, princesinha?” Perguntei-lhe, vendo-a me encarar. “Vou levar isto como um sim, certo?”


Mais um sorriso brotou, agradeci por aquela manhã estar sendo absolutamente agradável. Minhas coisas ainda estavam nas caixas, fazer mudanças era complicado, ainda mais sair da casa dos pais e resolver morar sozinha. E, entre o tumulto de caixas, encontrei a coleção mais preciosa do mundo. Desde a primeira engenhoca que soltava fumaça a cada foto tirada até as câmeras profissionais e automáticas. Era uma boa maneira de se fazer uma aula introdutória.


A escada tinha poucos degraus, mas nem isso me impediu de tropeçar. Xinguei-me por ser uma pessoa tão atrapalhada e peguei minha agenda, ela estava entre cadernos e revistas velhas. Talvez fosse uma mania, até mesmo um distúrbio, mas eu era louca com coisas antigas. Desapego não era comigo.


Cozinhar também não era uma tarefa feita para mim. Peguei todas as frutas que existiam na geladeira e só me preocupei em alimentar Kim. As tigelas cor de rosa estava cheias até a borda.


“Eu preciso ir, princesinha.” Falei-lhe em tom baixo, já passando pela porta e vendo um jardim bem cuidado. “Volto mais tarde, reze para que nenhum adolescente idiota me faça ficar envergonhada.”


Enquanto dirigia pelas ruas da cidade que eu não conhecia muito bem, ajeitei meus cabelos, deixando-os presos em um rabo. Daquele modo meu pescoço ficava exposto e o colar grande demais gritava por atenção.  Levei meu olhar para minha mão no volante. As unhas meio curtas e pintadas de coral me fizeram sorrir, mas o gesto se foi no mesmo instante em que uma música arrastou-se no rádio. Era a nossa música. Minha e de Jacob.


Chorar não era uma opção. A letra romântica demais me levou para os oito anos que passei ao lado daquele homem de traços marcantes, de palavras bonitas e de declarações envolventes. O refrão entrou em minha cabeça na mesma velocidade que me lembrei de todas as vezes em que ele esteve dentro de minhas calças. Homens eram assim. Usava e iludiam-nos. Faziam-nos acreditar que seria para sempre, mas, na verdade, só estavam esperando uma mulher melhor aparecer. Há algo pior que uma noiva abandonada no altar? Claro que há. Uma noiva abandonada no altar, descobrindo que foi traída por longos quatro anos.


Tudo aquilo me fez chegar à outra conclusão óbvia. Homens eram um caralho de tão chatos e idiotas. Não se deve confiar em homens, nem mesmo no mais galante e bonito. Não confie. E, contrariando o último pensamento, homens eram mais que necessários na vida de qualquer mulher e eu me sentia uma retardada por me sentir tão carente e desesperada. Querer um pouquinho de afeto e respeito era pedir demais?


Antes que eu divagasse mais, vi o colégio se materializando em minha frente. Eu gostava do desenho da escadaria, levemente encurvada e com degraus largos. Um bom apoio para uma foto. Eu os subi com cuidado, desviando-me dos alunos. E eles eram muitos. Perguntei-me se seria capaz de decorar todos os nomes, boas professoras sabem pelo menos os nomes de seus alunos. Com aquele pensamento, entrei na sala cheia de carteiras azuis. Eu realmente paralisei ao receber uns trinta olhares curiosos.


“Oi, gente!” Falei enquanto buscava meu fôlego recém-perdido. Deus, eram muitos rostos e eu me sentia retardada. “Eu sou a Bella!” A voz cortada denunciou o grau de minha sandice. Não tinha como ficar mais ridículo.


Em apenas um dia descobri que meu poder de persuasão era de outro mundo. Não foi tão difícil dar aulas, aqueles garotos e garotas estavam cheios perguntas e eu senti um pouco útil respondendo-os. Meu pé doía por ficar tanto tempo em pé, sentei-me por um breve instante. Se eu fosse um pouco mais louca, teria tirado meus pés dos sapatos altos.


“Professora?” Alguém me chamou, vinha do fundo da sala. O menino usava um boné preto, o que era contra as normas do colégio. Ele sorriu de um jeito engraçado. “Quais são as chances de eu conseguir um tempo com a senhora?”


Engasguei com minhas palavras não ditas. Meu rosto queimou, a ponto de me fazer sentir o calor nas pontas das orelhas. Eu não sabia o que era pior, se era aquele pronome de tratamento completamente inadequado, ou se a pergunta absurdamente embaraçosa. Quantos anos aquele menino tinha? Não passava dos treze.


Não me preocupei em disfarçar meu olhar surpreso, eu ouvi risos e mais risos. Antes de responder-lhe, o sinal soou, salvando-me. As risadas continuaram e houve uma pequena bagunça para sairmos daquela sala. O menino de boné caminhou ao meu lado, eu o toquei no ombro, tentando, mas não conseguindo lembrar o nome dele. “Eu gosto de homens mais velhos, desculpe.”


Ele só conseguiu sorrir e se juntar à turma de amigos, deixando o caminho livre para mim. Minha escala estava no meio de minhas coisas, mas, depois de muito procurar, encontrei o pequeno papel que dizia que eu deveria ir para o segundo andar do prédio. Respirei antes de girar a maçaneta, aquela seria a minha última aula, o que significava que os alunos já estavam entediados demais para prestar atenção em minhas palavras.


Meio hesitante, adentrei-me na sala, recebendo alguns sorrisos e olhares. Ative-me aos rostos cheios de energia, sonhos e toda aquela coisa de adolescente. Eles também não passavam dos treze. A sala mantinha certa proporcionalidade entre meninos e meninas, fiquei feliz em saber que eles não tinham cabulado minha aula, eu, com certeza teria o feito. Era a última aula de uma segunda-feira quente.


“Podemos começar nos apresentando, certo?” Falei um tom acima do normal, tentando findar as conversas paralelas e sussurradas. “Bem, podem me chamar de Bella e eu espero passar tudo o que sei para vocês.” O discurso me surpreendeu, sem querer, ele saiu mais sério que o necessário.


Perguntei o porquê de todas as classes não terem alunos como aqueles. Eles eram agradáveis e interessados. As apresentações se seguiram até chegar à menina loira e completamente interessada no que se passava na tela do celular. Eu não sabia muito sobre o rosto dela, uma vez que ela realmente estava empenhada em não prestar atenção em mim.


Ela recebeu um leve cutucão nas costelas, vindo do menino que estava sentado na carteira de trás. “Grace, é sua vez!”


Assustada, ela ergueu o rosto. E apenas tentei entender como uma menina poderia ser tão bonita. A beleza era arrebatadora, a ponto de me atordoar. Ela levou os olhos para mim, cheia de vergonha.


“Desculpe-me, senhorita Swan.” Ela disse em um tom dolorido, mas existia muita sinceridade na fala. “É um assunto importante.” A voz alegrou-se e os olhos voltaram para a tela do celular. “Sou Grace Cullen.”


Eu ainda a encarava, sem saber o que fazer frente a tanta educação. Ela também tinha um nome bonito, o verde dos olhos expressivos era claro e combinava com os fios longos e loiros. “Não se preocupe, Grace.” Falei-lhe, tentando ser cordial também. “Além de seu nome, posso saber o que espera dessas aulas?”


Ela abriu um sorriso bonito, meio de lado. O celular fora colocado sobre um livro qualquer. “Aprender a tirar fotos?! Não sei; quem sabe revelar fotos como se fazia antigamente? Talvez fazer vídeos?”


Meu sorriso cresceu à medida que ela falava. Ela tinha ideias tão boas! Grace ajeitou-se na cadeira, o que a fez soltar uma careta de dor. “Eu só preciso de um segundo.” Ela pediu no mesmo instante em que saiu da sala, carregando o celular e praticamente se contorcendo de dor.


Ninguém realmente se importou com ato repentino, a exceção se dava por mim. Eu vigiei os passos de Grace até a porta. Ela estava apressada e com dor, também parecia preocupada com um assunto que só pertencia a ela. Não cabia a mim, ficar preocupada, afinal ela estava descaradamente ignorando minha aula. Nem mesmo meu discurso inflamado sobre Ansel Adams foi páreo para a volta de Grace. Ela tinha os olhos marejados e aquilo me tocou de algum modo. O rosto delicado e expressivo parecia confuso e tudo o que ela fez foi se sentar novamente, vidrada na tela do celular.


E querendo ou não, aquilo me desconcentrou. Minhas palavras já não vaziam sentido e eu me confundi ao falar sobre foco e abertura. Meus olhos estavam na menina bonita e, sendo meio idiota, constatei que ela era mil vezes melhor que eu. Preferi não me lembrar da época em que eu tinha meus doze, treze anos. O resto da aula arrastou-se, deixando-me ansiosa pelo fim. Quando todos se movimentaram para sair, o alívio me preencheu. Ajuntei minhas coisas com lentidão, sabendo que eu deveria trancar a porta, assim como acertar algumas pendências na administração, com a senhora Clinton.


Eu realmente não vi Grace saindo da classe. Perguntei-me o motivo para eu estar tão preocupada com as crises de uma adolescente. Averiguei meu celular, vendo então uma mensagem de minha mãe, perguntando se eu já estava com saudade do sol da Flórida. Não, eu não estava.


Meu salto fez um barulho chato enquanto esperava pela senhora Clinton. Ela era simpática, porém nem um pouco pontual. Já havia escurecido e eu comecei a preocupar pelo fato de ter deixado Kim sozinha em casa. Quando já se passava das seis, todos os assuntos já tinham sido resolvidos. Desci a bonita escadaria, vendo o quão escura a noite estava, o calor persistia e tudo o que eu não precisava encontrar era Grace sentada no degrau. Os livros estavam no colo dela, a mochila perto dos pés. Ela mexia como louca no cabelo, lutando contra lágrimas tímidas.


Tentei passar despercebida, mas o salto idiota virou e eu soltei um gritinho. “Santa merda.” Praguejei, sentindo a dor em meu calcanhar.


Grace ergueu o rosto, sorrindo para mim. “Senhorita Swan?” Ela falou, sem medo de ser retórica. “Ainda está aqui?” A voz estava cortada, os olhos verdes estavam úmidos e ela tentou secá-los.


Não consegui evitar meu sorriso. “Só estava resolvendo algumas coisas.” Falei-lhe com calma, encarando os livros de biologia. “Também está tarde para você estar aqui sozinha.”

Ela abriu um sorriso de lado, os cabelos loiros esvoaçaram, deixando-a atrapalhada. “Estou esperando meu pai, ele sempre se atrasa para me buscar.” Os olhos da menina brilharam, deixando-a ainda mais bonita.


Eu não tinha muito que conversar com ela, então um silêncio estranho se fez. Fiz meus pés trabalharem e desci a escada, me sentindo meio sem educação. Procurei a chave do carro na bagunça que era minha bolsa. Minha consciência pesava muito rápido, então, antes mesmo de finalizar o último degrau, olhei para e trás e encontrei Grace sorrindo para mim.


“Preciso me desculpar com você.” Ela disse baixinho, as bochechas ficaram rubras e eu sorri. “Por não ter prestado atenção em sua aula.” Grace continuou no mesmo tom, levando os olhos para os meus. “Só não foi um dia bom e eu estou odiando essa cólica que teima em fazer meu útero contorcer-se.”


Tudo que fiz foi soltar uma interjeição de surpresa completa. Olhei-a, vendo o quão dolorida ela estava. Eu sabia o estrago que uma cólica poderia causar, não hesitei em meu sentar ao lado dela. Minha bolsa também foi para perto de meus pés. “Eu posso te ajudar? Você parecia tão triste.”


Apesar de contido, Grace me deu um sorriso. “Eu sou uma idiota!” Ela usou uma voz engraçada, perto do deboche. “Penso que está muito cedo para eu ser traída. Christopher não poderia ter feito o que fez comigo.”


Só consegui pensar em como aquela garota já tinha uma vida tão movimentada. Traições e garotos. Ela prendeu os cabelos longos no alto, deixando o rosto mais exposto, jogando em minha cara o fato de ela ter traços absolutamente bonitos. “Tudo bem que ele apenas me beijou, mas não precisava beijar outra um segundo depois, também não precisava ser na minha frente.”


“Oh.” Minha fala extremamente articulada e arquitetada quebrou o silêncio curto, levando o rubor para minhas bochechas. “Isso é ruim.”


Ela sorriu mais, praticamente rindo de mim. “Apenas ruim? É vergonhoso! Eu quero quebrar a cara dele.”


A fala me fez sorrir, também arrumei meus cabelos e a manga do blazer. “Bem, pense, meu noivo me deixou no altar para ficar com outra. Minha situação consegue ser ainda pior.”


Grace abriu a boca em surpresa, ela gesticulou e tentou esboçar uma fala qualquer. “Deus, isso deve doer mais que minhas cólicas!” As palavras saíram acompanhadas de uma careta de dor. “Ele não te merecia, tente pensar assim.” Ela me aconselhou, mas, um minuto depois, vi-a curvando o corpo, abraçando a própria barriga. “Qual é a utilidade do útero mesmo? Quero tira-lo!”


Minha gargalhada assustou-a, minhas risadas eram altas demais, a ponto de me envergonharem. Grace estava realmente com dor, era fácil perceber. “Não tem remédio? Seu pai está demorando...” Coloquei com displicência, o relógio em meu pulso dizia que era quase sete.


Ela olhou para a tela do celular, piscando e soltando uma fala indecifrável. “Meu pai não me atendeu hoje, também estou preocupada com ele.” Grace falou com calma, colocando muito afeto em cada palavra. “Eu realmente quero ir para casa, tomar um remédio qualquer e cair na cama.”


Concordei, maneando a cabeça. Grace me mediu rapidamente, sendo discreta e sorridente. “Eu gosto de seu blazer, o azul é bonito.” Ela disse ainda me olhando. “A bolsa também é legal, se parece com as de minha tia.”


“Às ordens.” Soltei sem pensar e me senti uma completa idiota. Agora, além de professora louca, noiva traída, eu também brincava de emprestar roupas para uma menina de doze anos. Olhei-a, sorrindo de minha demência. Ela tinha um corpo desenvolvido, com peito, bunda e cintura.


Ouvi mais um gemido de dor, Grace bufou e tirou os cabelos que caíam na testa. “Meu pai deveria trabalhar menos, estou começando a acreditar que ele está ficando esquecido, não faz sentido ele me deixar aqui esperando.”


Por curiosidade olhei as horas, vendo que o atraso não era normal. “E sua mãe? Talvez ela te busque.” Falei o óbvio, com uma voz sem inflexão. Relaxei meu corpo no degrau desconfortável e, ao meu lado, o corpo de Grace enrijeceu-se.


Os olhos verdes vieram para os meus, tudo neles era indecifrável. “Eu não faço ideia de onde ela possa estar.”


“Por que não liga para ela?” Propus rapidamente, lembrando-me de minha mãe e toda aquela proteção desnecessária.


Grace sorriu sem vontade. Os olhos ainda me fitavam, eles não despencaram, mas existiam sentimentos que não pude identificar. “Eu realmente não sei onde ela está, ou se ainda existe.” Ela falou baixo, meio incerta e triste. “Também não importa, ela escolheu assim.”


A fala carregada de sinceridade me pegou desprevenida. Sem saber a qual conclusão chegar, apenas sorri timidamente para ela. “Bem, ela perdeu uma filha muito bonita e educada, nunca diria que você tem só doze.”


Ganhei um sorriso mais aberto, Grace piscou e balançou a cabeça. “Faço treze daqui dois finais de semana, sinta-se intimada a comparecer, sim? Meu pai deve fazer alguma coisa com meus avós.”


“Você está convidando sua professora para o seu aniversário?” Perguntei-lhe, sentindo o calor concentrar-se em minhas bochechas. Além do calor, senti também certa felicidade. Aquela menina era simpática demais.


Os lábios rosados subiram em um sorriso aberto e longo. “Por que não? Seria legal ter minha professora em meu aniversário. Não se preocupe, não convidei muita gente do colégio.”


“Certo, tentarei encontrar um bom presente para você.” Falei com diversão e recebi um sorriso igualmente animado.


Aos poucos, Grace era mais sorrisos que olhos marejados. O verde realmente incandesceu quando um nome qualquer piscou na tela do celular dela. O sorriso foi grande e ela me olhou de um jeito engraçado. “É meu pai!”


Apenas sorri para ela, dando-lhe espaço. Ela não pensou antes de atender. “Oi, pai!” Grace praticamente cantou, foi muito fácil ver o rosto enchendo-se de felicidade. “Uh, você se esqueceu de que tem uma filha? Ela quer muito ir para casa!”


Depois de um silêncio curto e um semblante irritado, Grace bufou. “Pai, você está depondo de novo? Isso demora tanto!” Ela falou meio exasperada. “Por favor, não demore, sim?”


O susto me deixou boquiaberta, o que o pai daquela menina estava fazendo em um depoimento? Apenas por precaução, abri distância dela. Grace não percebeu meu ato e continuou rolando os olhos. “Pai, você só tem que abrir as pessoas. Cortar, ficar procurando não sei o quê lá dentro e costurar de novo.” Ela falou rápido demais, deixando-me confusa e com medo. Muito medo. “A culpa não é sua se o cara foi encontrado com vinte tiros.”


Eu realmente iria fugir dali, daquela menina que tinha um pai traficante de órgãos, ou chefe de uma quadrilha. Olhei para mim, sabendo que apenas o relógio fora de fato caro. Aquela menina bonita e doce tinha um pai mafioso e, com certeza, ela estava apenas querendo me manter por perto, a espera do pai traficante que faria tudo para ter minhas córneas ou até mesmo um de meus rins. Nem mesmo sob o efeito de drogas eu iria ao aniversário daquela mini delinquente, pois era fácil saber que ela seguiria os passos do pai.


“Certo, pai.” Grace falou em um único fôlego. “Apenas traga uns analgésicos para mim, precisos de seus serviços, estou em cólicas.” Ela corou na última parte, mas só consegui deduzir que, além de traficante, o pai dela também roubava remédios.


Grace piscou repetidamente. “Amo também, pai. Meu útero pode esperar mais uns minutos. Não dirija como um louco.”


Eu estava pronta para correr. Sem tentar ser muito óbvia, peguei minhas coisas, mas Grace encerrou a ligação antes de eu executar minha fuga. “Meu pai teve uns probleminhas, mas está quase chegando. Quer carona?”


Minha risada saiu estrondosa, tudo por causa do nervosismo. “Eu vou indo, Grace.” Falei-lhe rapidamente. “Preciso cuidar de minha cachorra, ela não gosta de ficar sozinha.” Era uma boa desculpa pelo menos. “Te vejo na próxima aula.” Falei por fim, praticamente pulando os degraus.


Eu realmente esperei alguma reação adversa. Ela me ameaçando, ou até mesmo roubando meu relógio, mas tudo que vi quando olhei para trás foi um rosto sorridente e divertido. “Tchau, senhorita Swan.” Ela disse enquanto acenava com a mão. “Obrigada pela companhia.”


(...)


Para minha segurança, mantive-me longe de Grace durante a semana. Nós nos esbarrávamos nos corredores, ela me dava sorrisos e cumprimentos, eu, por outro lado, apenas sorria e dava passos mais largos. Eu era muito jovem para morrer e ser jogada no cemitério clandestino do pai dela.


Ponderei sobre denunciá-los, uma boa cidadã faria aquilo. Era injusto deixá-los enriquecer com o dinheiro sujo, Grace sempre estava bem vestida e estudava em um colégio tradicional e caro demais. A mensalidade seria o montante de uns cinco corações traficados. Aquela menina era um perigo e imaginei o que esperar do pai dela, talvez algumas tatuagens no antebraço, um cabelo cortado de maneira duvidosa e, claro, um brinco ridículo em uma das orelhas.


Nem mesmo em minha casa me sentia segura, tranquei as janelas e apaguei as luzes. Com certeza, Grace faria tudo para conseguir meu endereço e deixar que o pai dela me esquartejasse. Em algum momento cogitei estar pirando, eu estava louca. Tudo aquilo era mania de perseguição infundada. Sentindo-me uma doida, andei pela casa escura. Não tropecei em nada, por sorte.


“Kim?” Chamei minha cadelinha com energia. “Princesinha, onde você está?” Tentei mais uma vez, procurando-a perto do sofá, o escuro não ajudava em nada. “Preciso de você, não quero ficar sozinha.”


Talvez minhas palavras tenham-na comovido. Kim esfregou-se em minha perna, eu me perguntava se ela não era uma gata, pois tinha hábitos felinos demais. Trouxe-a para meu colo, só faltei beijá-la. “O que será de nós nessa sexta-feira quente? Eu deveria estar enchendo a cara, não acha?”


Ela apenas latiu e me encarou, ajeitei o lacinho lilás que lhe enfeitava a orelha. “Acho melhor dormimos.” Avisei-lhe com um sorriso, já subindo os poucos degraus. “Amanhã é sábado, podemos passear um pouco, conhecemos muito pouco de Seattle.”


Kim abaixou as orelhas, entendi aquilo como um consentimento. Abri a porta de meu quarto e encontrei minha cama toda desarrumada, cheia de roupas e sapatos. Só consegui rir para minha desorganização. Calcei minhas meias e intensifiquei o ar condicionado, tornando meu quarto uma zona glacial. Kim preferiu dormir no tapete perto da cama, ela pegou no sono antes que eu.


O sábado veio com pressa demais, depois de poucas horas de sono. Saí da cama com certa lentidão, tropeçando e arrumando meu pijama amarelo. Meu cabelo estava em minha cara, alguns dentro de minha boca. Nojento, eu sei. Trôpega e sonolenta, escovei meus dentes e constatei que eu precisava de um banho para eu acordar por completo.


O dia parecia bonito, embora tivesse sol demais. Kim não demorou a me seguir pela casa, dei-lhe um pouco de leite e pedaços de pão, sabendo que ela adorava a comida de seres humanos. O plano de passear ainda existia, procurei minhas roupas mais fitness e acabei entrando no short apertado e na camisa justa e sem decote. O tênis, para minha sorte, estava limpo e eu fiz Kim aceitar a coleira que tinha o nome dela.


Ignorei o calor irritante, as ruas largas e arborizadas conferiram certa temperatura amena, mas não fora o suficiente. Na medida em que minha caminhada se tornava uma corrida leve, meu suor escorria pelo meu rosto, deixando-me pegajosa e arfante. Kim, ao meu lado, também corria. Ela conseguia ser mil vezes mais graciosa que eu.


Quando minhas pernas tremeram, decidir voltar para a caminhada. Muita gente fazia o mesmo na manhã de sábado. Sentei-me na sombra de uma árvore qualquer, sem me importar com a grama suja e cheia de folhas secas. Minha cadelinha estava morrendo de sede e eu me culpei por não ter pensado nela. “Estamos quase voltando, certo?” Soltei enquanto a acarinhava nas orelhas. “Também estou com sede.”


Minha coxa e panturrilha ainda tremiam, as contrações eram quase irritantes, mas realmente me esqueci do incômodo quando avistei um cachorro vindo em minha direção. Ele era grande e estabanado. Sem saber se aquilo era possível no mundo animal, assustei-me ao perceber que os olhos dele estavam em Kim. Deus, ela só era uma cadelinha virgem!


O cachorro realmente não queria saber se minha cachorra tinha vida sexual ou não, ele a rodeou, cheirando e cortejando-a. Kim apenas cedeu e aquilo me deixou revoltada. Ela não tinha o direito de dar para o primeiro cachorro que aparecesse na frente dela, literalmente.


Eu não sabia o que fazer para separar aqueles dois, meu estômago realmente virou quando o cachorro abusado subiu nela. “Kim, por Deus, saia daí!” Pedi, mas tudo que vi foi o cachorro investindo contra minha cadelinha. “Princesinha, você vai ser estuprada! Já viu o tamanho desse cachorro? Ele vai te arrombar!”


Realmente não soube precisar o momento em que comecei a gritar para aquele cachorro sair de cima de Kim. Eu estava meio desesperada e as pessoas riam de mim, deixando-me nervosa e constrangida.


Perguntei-me quem era o dono daquele cachorro pervertido que, sem qualquer pudor, estava deflorando minha cachorra. Eu estava absolutamente indignada por estar presenciando o coito de dois animaizinhos. Era traumatizante e tudo que fiz foi tapar meus olhos, vendo a cena nojenta por uma fresta minúscula. Fiquei sem ação ao perceber que Kim estava gostando muito daquela meteção desenfreada.


“Shady!” Uma voz conhecida soou desesperada, mantive meus olhos fechados, mas sabia que aquela voz era familiar. Era doce e engraçada. “Shady, seu cachorro safado, saia de cima dessa cachorra!” Ela pediu sem conter o riso. “Saia agora!”


Ainda escutava os gemidos dos dois animais corrompidos, mas o barulho constrangedor deu espaço para uma risadinha. “Senhorita Swan, é você?”


Não tinha como ficar pior. Lentamente abri meus olhos e encontrei uma menina risonha e alegre, também vestida com roupas de corrida. Apenas um conjunto preto. Grace sorriu mais, olhando-me com diversão. “Desculpe pelo meu cachorro, ele é safado assim mesmo.”


A mania de perseguição voltou e o medo também. Grace só queria meus órgãos, nada mais. “Seu cachorro estuprou minha cadela!” Soltei com uma pitada de raiva e ironia. “Isto foi completamente não consensual.”


Antes que Grace tirasse o cachorro de cima de Kim, ouvi uma risada baixíssima, muito baixa mesmo. “Moça, não existe consenso no mundo animal. Você sabe o que é instinto?”


Juro, eu me arrepiei apenas com a voz. Exalando confusão, ergui meu rosto à procura do dono daquela voz rouca e de timbre gostoso. Meus olhos não estavam preparados para aquilo. O homem era uma delícia, simples assim. Minha boca secou e eu abri ainda mais meus olhos, fotografando o homem alto e meio pálido, de camisa regata e short preto, suado e de sorriso engraçado. O cabelo estava molhado de suor e ele me olhou, o verde era sólido, mas também era repleto de felicidade e de uma pontada de cansaço. E ele tinha me feito uma pergunta.


“Lógico que sei o que é instinto!” Falei-lhe com irritação e com cara de menina retardada. “Isso não absolve seu cachorro nojento da culpa. Kim não queria nada disto. Ela foi usada!”


Ele riu mais, sendo acompanhada por Grace. “Moça, sua cachorra está no cio, culpe-a também!” A voz era completamente boa de ouvir, ele estava brincando com minha cara, mas, ainda assim, preferi continuar ouvindo a voz dele. “Shady não a machucou, ele pode ser um cão abusado, mas sabe ser cuidadoso.”


Não acreditei que estava tendo aquele tipo de conversa com um desconhecido bonito e gostoso demais. Sério, que homem era aquele? A Flórida não era agraciada com seres de tanta beleza, naquele momento agradeci mortalmente por ter vindo para Seattle.


“Se minha cachorra ficar grávida, vou te procurar no inferno, sim?” Joguei para ele, saindo de minha posição sentada e percebendo que o homem era alto. “Não vou cuidar desses filhotes sozinha.”


A risada de Grace foi cantada, o que fez o homem sorrir também, não existia som melhor. “Pai, esta é minha professora, a senhorita Swan.”


Oh, certo. Eu estava completamente encrencada! Meus olhos foram para o homem delicioso, ele sorria para mim. Procurei as tatuagens, principalmente um nome feminino no antebraço. Procurei também os brincos na orelha, o cabelo era uma bagunça excitante e eu estava ficando tarada. Nada importava, ele estava ali para ter qualquer pedaço de meu corpo, ele era um traficante. Um traficante irrevogavelmente sedutor. E ele era o pai de minha aluna.


Aquele homem era jovem, cerca de uns vinte e oito, não fazia o menor sentido ele ter uma filha e, normalmente, traficantes morriam antes de chegarem à maioridade. Os olhos verdes eram incontestáveis, a cor era a mesma, embora fosse mais límpido em Grace. Eram pai e filha. Aquilo me assustou e eu tentei falar qualquer coisa, pedir uma morte indolor e implorar-lhes para não tirar meus rins enquanto eu agonizava. Olhei para Kim, despedindo-me dela.


“Prazer, sou Edward.” A voz de timbre viciante falou antes de minhas súplicas. Atordoada, levei meus olhos para os dele. Ele estendeu a mão, convidando-me a um cumprimento. “Eu realmente peço desculpas pelo comportamento de Shady, ele é tarado, precisava de um pouco de alívio.”


“E ele estuprou minha cadela.” Falei novamente, sem saber o porquê de eu ter ressuscitado aquele tema.


Edward abriu um sorriso de lado, Grace olhou para nós e sorriu também. “Moça, sua cachorra gostou, sim? Olhe como eles estão bem.”


Também sem motivo, corei. “Eu não acredito que Kim se deixou levar desse jeito.” Falei apenas para mim, mas Grace, ao meu lado, abriu uma gargalhada, o que me fez ficar vermelha de vergonha.


“Senhorita Swan, você é tão engraçada!” Grace falou enquanto me olhava. “Sua cachorrinha é uma graça, serão filhotes bonitos.” Ela continuou em tom animado. “Não serão, pai?”


“Certamente, filha.” Ele falou com uma voz diferente, mais branda e pausada. Uma voz de pai carinhoso. “Shady, seu safado, venha cá.” Edward falou entre risadas curtas. “Eu nunca mais vou te deixar sem coleira, olhe só na confusão em que você me meteu.”


“Quer ir caminhando conosco, senhorita Swan?” Grace me perguntou em tom doce. “Tentaremos mostrar que somos legais, não apenas os donos de um estuprador.”


Grace era uma menina louca e completamente boa em disfarçar. As chances de eles me jogarem em um carro e me amordaçarem eram enormes. Eles eram uma dupla e tanto, eu entendia o motivo de eles serem ricos, era realmente fácil seduzir novas vítimas. O pai era um ultraje de tão delicioso, a filha era doce como um bolo cheio de chantilly. Era um convite tentador.


Kim, depois de aproveitar muito do pau de Shady, veio para o meu colo. Ela era minha cachorra, mas tive nojo de pegá-la depois de ver o que ela fez. “Eu moro aqui perto. Será uma caminhada curta.” Avisei-lhes, andando ao lado de Grace. Ela só distribuía sorrisos, os olhares se alternavam entre mim e o pai dela.


Tentei ser discreta, sem saber se consegui ou não, encarei o pai dela. Eu ainda tentava entender de onde tinha vindo tanta beleza. Ele era um homem e tanto, daqueles que te fazem pensar em besteiras. Também me fez esquecer meus princípios. Homens não prestam, até o mais gostoso deles. Ele ainda era um mafioso, o que tornava a situação mil vezes pior.


“Pai, Bella é minha professora de fotografia, lembra que falei com você?” A voz de Grace foi nada além de risonha. “Se você disser que não se lembra, vou ficar preocupada.”


Ele riu para a filha, apenas para ela. Edward correu os dedos pelos cabelos loiros de Grace e, depois, trouxe os olhos para os meus. “Como me esquecer, filha? Você passou uma noite inteira falando sobre ela.”


Soltei um barulho engraçado. Então eles já discutiam como usariam meus órgãos, eles passaram uma noite planejando minha execução. “Fotografia é legal, Grace gosta delas, temos bons vídeos de quando ela era criança.” Edward falou em pausas, ainda me encarando. “É uma profissão legal.”


Ponderei por um breve instante, eu tinha uma boa brecha. “E você, Edward, trabalha com quê?” Perguntei-lhe, querendo muito a resposta. Ela teria a chance de ser um criminoso sincero ou um mentiroso completo.


Grace e ele sorriram, foi absolutamente sincronizado. Ela prendeu os cabelos no alto, olhando para mim com diversão. “Se meu pai disser, você ficará assustada.” Grace cantou, jogando a franja para trás. “Não é mesmo, pai?”


Edward parou de caminhar, pois Shady decidiu sujar a calçada. “Grace, você está assustando-a.” Ele falou sem tom de advertência, existia um sorriso discreto até. Ele me olhou e piscou, uma piscadela tímida. “Sou médico.” A voz saiu engraçada, como se ele tivesse me escondendo muita coisa, mas, mesmo assim, era verdadeira. “Médico de gente morta.”



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Notas finais do capítulo

É, eu disse, a Bella é meio pirada, não é? Ela nos rendera boas risadas nos próximos capítulos.
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Não deixem de comentar, quero saber o que vocês acharam desta Bella. Será que conseguiremos 40 reviews? Conto com vocês!
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A fanfiction será curtinha, então já podem começar a recomendar, sim?
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A propósito, Anatomia do Amor terá cerca de dez capítulos. Possivelmente com postagens semanais.
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Beijos, nos vemos nos comentários.