Anatomia do Amor escrita por whatsername, whatsernamebeta


Capítulo 1
Causa Mortis


Notas iniciais do capítulo

Oi, já deu tempo de vocês sentirei minha falta?
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Continuo não sabendo fazer sinopses, mas espero que vocês gostem desta história aqui também. Como disse, será curtinha e descomplicada. Apenas para distração mesmo.
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Sei muito pouco sobre jargões de medicina, se eu tiver escrito um absurdo, me falem.
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Sem mais, vamos ao capítulo. Boa leitura. ( :



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POV Edward


Eu só precisava do carimbo, nada mais. Procurei-o entre minhas coisas, mas tudo o que via era os instrumentos cirúrgicos friamente organizados dentro da maleta preta. Averiguei o relógio, praguejando meio mundo por os ponteiros indicarem que eu já estava um pouco atrasado.


Ainda procurando a porra do carimbo, caminhei pelo corredor. O primeiro sorriso da manhã aconteceu quando a vi deitada. Grace, como em todos os outros dias, estava quieta, dormindo em sono pesado. Os cabelos loiros eram uma bagunça, caindo até o meio das costas. Assim como em todos os outros dias, caminhei até a beirada da cama, sentando em um espaço minúsculo.


Filha?” Chamei-a em voz baixa, minhas mãos caminharam para as bochechas amassadas. “Acorde!” Pedi com mais energia, o timbre a fez se remexer na cama. “Já deu sua hora.”


Sorri verdadeiramente quando ela abriu os olhos. O verde era hipnotizador, nem mesmo o sono tirava a beleza do olhar. Ela era o meu presente, minha melhor parte. E realmente não importava mais nada, nem mesmo tudo o que nos levou até este exato momento. Eu nunca perdoaria o abandono, a indiferença, tampouco a falta de amor, mas, por outro lado, eu a tinha. Era perfeitamente bom ser o pai e a mãe da menina mais amável da face da Terra.


“Pai?” Ela falou em uma voz engraçada, meio falha e indecisa. “Por favor, diga que hoje é sábado. Eu preciso dormir por mais dez horas.”


Não poupei minha risada. Grace era meu equilíbrio e eu só consegui plantar um beijo na testa dela. “Bom dia, filha! Ainda é sexta e você tem que ir ao colégio.” Disse-lhe ainda segurando um sorriso. Ela apenas fez uma careta engraçada, rindo no final também. “Vou preparar alguma coisa para comermos. Arrume-se enquanto isso.”


“Deus! Pai, você é tão mandão!” O tom não foi nada além de divertido, o que a fez despertar por completo. “Eu não tenho cinco anos, você já sabe desta parte, não é?”


Grace era uma garota debochada pela manhã; as palavras levaram um vinco para meu cenho, pois, realmente, ela não tinha cinco anos. Sem eu ver o tempo passando, minha garotinha loira e de chupeta tornou-se uma menina bonita, absurdamente vaidosa e, para minha sorte, o tempo não me trouxe uma adolescente afetada e temperamental. Coisa comum para quem estava prestes a completar treze anos.


Saí da cama e a puxei, Grace deu um gritinho de surpresa. “Certo, pai; já estou descendo. Tem como você fazer suco para mim? Pode ser de goiaba.”


Ela caminhou pelo quarto, meio desorientada. “Shady, aquele cachorro safado, pegou meu tênis!” Grace falou assim que não encontrou o par do tênis. Nosso cachorro estava em algum lugar do primeiro andar. E, como ele era realmente um cachorro safado e pervertido, com certeza estaria tentando foder qualquer buraco que encontrasse em nossa casa, assim como pensar que nossas pernas e sofá eram uma fêmea qualquer.


Antes que eu desse-lhe licença, lembrei-me de minha busca incansável. “Filha, você viu meu carimbo? Não o encontro.”


O sorriso de Grace foi grande, os dentes claros estavam lá, irradiando luz. “Pai, ele está em cima da mesa. Está ajuntado aos laudos que você terminou ontem.” Ela falou como se fosse muito óbvio. “Não me diga que você está ficando esquecido. Você é um médico, então tem que ser saudável para sempre.”


A fala engraçada me fez sorrir, Grace me acompanhou e buscou roupas no armário. “Sou médico de gente morta, acho que isto não vale para mim. Só tenho trinta e um, penso que terei qualidade de vida por um bom tempo.”


Grace apenas rolou os olhos. “A propósito, sua camisa não está tão branca. Pegue outra, tente trocar a calça também.”


Foi a minha vez de rolar os olhos, eu tinha uma filha extremamente perfeccionista. Não a recriminava, uma vez que herdara a qualidade de mim. Além de perfeccionista, ela era fissurada em moda e beleza, qualidades de minhas irmãs, Alice e Rosalie. Elas passavam muito tempo juntas; embora a diferença de idade fosse grande, as duas eram mais amigas do que tias de Grace.


Do alto da escada consegui ver Shady saindo de cima do sofá, ele latiu e subiu os primeiros degraus, abanando o rabo e quase sorrindo para mim. “Bom dia, cachorro safado!” Falei enquanto eu caminhava para a mesa. “Nada de subir em minhas pernas, a calça está limpa. Vá fornicar com o sofá.” Shady me olhou sem entender, obviamente. “Juro, vou arrumar uma fêmea para você.”


Aproveitei a demora de Grace para retificar os laudos espalhados pela mesa. O carimbo estava de fato perto dos papéis. Não havia alterações a serem feitas, as causas mortis eram condizentes e eu teria que depor para auxiliar a investigação de um homicídio. Uns diziam que eu era louco, principalmente Esme, a mãe mais medrosa do mundo. Outros diziam que eu tinha sangue frio demais, que não me importava em esmiuçar um corpo até saber a origem de todas as lesões, descobrir a trajetória de cada projétil. Outros mais diziam que era um dom e eu preferia concordar com eles. A medicina forense me dava a chance, por intermédio de um corpo inerte e frio, condenar os culpados e absolver os inocentes.


Enquanto eu rubricava meu nome no último laudo, Grace apareceu ao meu lado. Ela vestia o uniforme do colégio, os cabelos estavam penteados e o rosto alvo tinha um pouco de maquiagem, nada muito extravagante, preferi não insistir em dizer que ela era bonita sem nada. Eu já não me incomodava em ver os traços da mulher que aprendi a não lembrar no rosto de minha filha. Os olhos expressivos, o rosto arredondado e os cabelos loiros. Tudo me fazia lembrá-la, me fazia ficar ciente que ela estava em lugar desse mundo. Também me levava para o passado, para quando ela disse que Grace não estava em seus planos, que éramos novos demais para termos um filho. E mesmo com dezessete anos, quando deveria aproveitar minha vida, eu soube que o pequeno serzinho não tinha culpa de nada. Não importava as vontades de Katharine, eu criaria aquela criança com todo amor que eu tinha, um amor que pensei nunca existir. E tudo que Katharine fez foi gerar, esperar que os nove meses passassem rápido demais. Sem trocar uma palavra com a barriga grande e pontuda, sem acarinhar o fruto de uma relação curta e sem qualquer envolvimento romântico. E ela se foi, para qualquer lugar longe de nós. Dando-me todos os direitos legais sobre Grace. Deixando uma bebezinha loira e branquela sem saber o que era o amor de mãe.


Um estalo me trouxe à realidade. Grace sorriu quando pisquei meio perdido. “Pai, onde você estava?” Ela perguntou e sentou ao meu lado. “Fico assustada quando você desconecta deste jeito.” A fala continuou e tudo que fiz foi correr os dedos em meus cabelos. “Você não fez o meu suco, certo?”


Tirei minha atenção dos laudos, me amaldiçoando pela falha. Ajuntei os papéis e os coloquei dentro da maleta. “Goiaba mesmo?”


Grace me deu um sorrisinho, meio tímido e doce. “Pai, deixe que eu faça para nós. Você dormiu tão pouco e deve ter um tanto de gente para você abrir hoje. Posso tentar fazer ovos com bacon, sei que gosta.”


Ignorei nosso atraso e deixei que minha filha cozinhasse. Ela era meio desajeitada, mas tentava dar o melhor que podia. O cheiro bom me inebriou e eu fiz uma divisão desproporcional entre nós.


“Não vai dizer que isto é puro colesterol?” Grace me perguntou antes de mastigar. “Onde está o médico desta casa?” A voz soou quente, assim como o café da manhã.


Permiti-me sorrir com ela. “Só sei que ele precisa ir trabalhar.” Falei-lhe já saindo da mesa. “Pronta para ir, filha?”


Ela assentiu e pegou a mochila e os livros. “Hoje tem prova de biologia e química. O que vai acontecer se eu for mal? Sabia que é muita pressão ter um pai médico? Todos pensam que sou tão inteligente quanto você.” Grace falou em uma voz diferente, mais séria e preocupada. “E eu não sou.”


Grace.” Eu praticamente cantei o nome dela, colocando muito sentimento na fala curta. “Você não precisa provar nada a ninguém, certo?” Coloquei com firmeza. “Só quero que você vá bem, não é por mim, é apenas por você. Nós estudamos, não fique preocupada.”


Eu ganhei um discreto subir de lábios, Grace sentou no banco do carona, já ligando o rádio. “Obrigada, pai.” Ela falou também sincera. “Amo você.”


Palavras como aquelas praticamente me faziam perder a direção, mantive o carro na pista e olhei-a de soslaio, agradecendo por ter uma filha absolutamente doce. “Amo também, filha.”


Grace rolou os olhos quando estacionei em frente ao colégio, existia uma multidão de uniforme e ninguém tinha planos sobre ir para a aula. “Eu te busco.” Apenas coloquei com displicência. “Boa prova, fique calma.” Desejei-lhe e depositei um beijo na testa dela. “Se não souber a resposta, apenas escreva tudo o que sabe sobre o assunto. Invente com coerência, certo?”


“Eu não sei o que é pior. Se são essas meninas sorrindo para você ou você me dando dicas de como se fazer uma prova.” Grace falou com diversão, dando um beijo em minha bochecha. “Pai, por que você é tão bonito? É um problema sempre ter que explicar que você é meu pai.”


Apenas para confirmar, olhei para o lado de fora, pela fresta do vidro. Existiam muitos olhares e eu ri, Grace bateu em meu braço, fingindo estar chateada. “Não alimente as esperanças delas, por favor!” Ela pediu enquanto saía do carro, com a mochila em um ombro apenas. “Embora você pense que não, você é um ótimo partido.”


Minha risada acompanhou o balançar de minha cabeça. Grace estava subindo as escadas quando dei partida no carro, aumentei o volume do rádio, concentrando-me na música arrastada.  O centro de Seattle não mudava, morar em Washington era bom, eu me via ali. Era impossível ver Grace e eu morando em outro estado.


Depois de pouco tempo enfrentado semáforos e um trânsito meio congestionado, saquei minhas coisas e entrei onde qualquer pessoa teria medo de estar. Para mim era um lugar normal, mesmo sendo um necrotério e tendo a certeza que algumas dezenas de corpos me esperavam.


“Sete minutos de atraso, Edward.” A voz grave de Emmett soou antes de eu trancar a porta atrás de mim. Não era uma represália; o homem de aparência bruta, mas com alma de bebê estava comigo desde a faculdade. Um bom amigo e, secretamente, apaixonado por Rosalie. Eu sempre me perguntava o porquê de ele não se tornar meu cunhado. Estava nos olhos dos dois, apesar das pouquíssimas palavras trocadas entre eles.


Bati no ombro dele, tentando não atrapalhar a incisão que ele fazia no peito de um corpo rígido e com inúmeras marcas nas costelas. Vítima de um espancamento com certeza. “Não achava meu carimbo. Você já sabe, eu tenho uma filha que demora demais para vestir um uniforme e pentear os cabelos.”


Emmett abriu um sorriso engraçado e escreveu algumas deduções na prancheta. “Não vou demorar neste aqui, tem mais uns oito no refrigerador. Quer ficar com os baleados?” Ele perguntou enquanto descolava a pele que recobria as costelas. Até mesmo um olhar leigo conseguiria ver as três costelas quebradas, o que também resultou no rompimento do baço.


Caminhei para a maca de ferro, sobre ela estava um jovem, meu olhar analítico e treinado me dizia que ele tinha cerca de um metro e setenta e não passava dos dezenove anos. A etiqueta no dedão do pé me disse que eu estava certo. Minhas mãos foram rápidas e eu anotei tudo sobre as roupas dele. A calça jeans estava limpa, ao contrário da camisa que estava tingida de sangue. Os olhos estavam abertos, fixos no teto cheio de luzes frias e claras. Ele não parecia morto, mas as pupilas embaçadas diziam exatamente o aposto.


Olhei para o lado, Ângela já estava perto de mim, acompanhada de Tyler. Ao meu sinal, eles, lutando contra a rigidez do corpo, tiraram as vestes do jovem que fora identificado como Peter. O tórax também não tinha nenhuma lesão. Nós três sorrimos, pois sabíamos que nossa surpresa aconteceria quando o colocássemos de costas.


E lá estava a consequência de um tiro na cabeça, um assassinato. Caixa craniana completamente aberta, com perda notória de massa encefálica, era um buraco cheio de sangue e vísceras e, no meio daquelas partes moles e ossos estourados, eu teria que encontrar o projétil. Traçar a trajetória e determinar a causa da morte. Pode parecer que não, mas aquela era a melhor parte.


Não demorou muito, Tyler fez o trabalho árduo e cerrou o crânio do rapaz. Uma hora e meia depois encontrei o projétil alojado na testa, entre ossos pequenos. O calibre era pequeno, apenas trinta e dois. Mais uma vez fiz as anotações, indicando que o jovem fora morto com apenas um tiro certeiro, dado a longa distância, sem qualquer chance de defesa.


Enquanto eu colocava o projétil em um saco plástico devidamente identificado, Ângela e Tyler recolocavam a tampa craniana no lugar. Aquela menina de vinte e pouco anos era uma boa costureira, ninguém nunca falaria que tínhamos aberto a cabeça daquele rapaz.


Dei uma última olhada no corpo frio e esguio. “Tudo feito, Peter.” Falei e, apenas por inquietude, fechei as pálpebras dele com minhas mãos. E aquilo era tudo, eu não iria lamentar, nem mesmo tentar entender o que motivou aquele assassinato. Não existiria vínculo, embora eu ainda tivesse a certeza de que ele estava indo cedo demais.


No meio da tarde, quando já não existiam corpos para serem autopsiados e liberados, sentei-me na não tão confortável cadeira que tinha ali. As luzes brancas estavam fortes e eu agradeci quando Emmett diminuiu-as. Ele era o retrato do cansaço, então não hesitou em se deitar no colchonete.


“Amanhã vai ser ainda pior.” Ele falou em bom baixo, o que não era típico. “Hoje, por ser sexta, as pessoas vão beber, motivar brigas e dirigir de qualquer jeito. Pode apostar, teremos um amontoado de gente morta amanhã.”


Relaxei meu corpo na cadeira, analisando o estado de meu jaleco. “Sim, nós teremos.” Apenas concordei, vendo que existia um pouco de sangue na manga; culpa do corpo em estado avançado de decomposição. Além dos gases, sempre éramos agraciados com esguichadas de sangue.


Emmett estava perto de cochilar, aproveitei para sair da sala fria e impessoal. Deixei o jaleco pendurado perto de minhas coisas. O celular estava em algum lugar na maleta, assim que o encontrei, caminhei para fora do necrotério. Antes mesmo que eu corresse meus dedos na tela e ligasse para Grace, a chamada de meu pai roubou minha atenção.


“Oi, pai!” Tentei usar minha melhor voz quente.


Houve um silêncio breve, mas consegui ouvi a risada de Carlisle. “Oi, Edward!” Ele usou o mesmo tom. “Tenho algo interessante para te mostrar, acabei de sair de uma cirurgia. Consegui uma boa quantidade de células cancerígenas, retirei um tumor no intestino.”


Embora eu fosse um médico que apenas acusava a morte, a vida também me agradava. Assim como qualquer médico do mundo que se prezasse, eu ainda queria que todas as doenças tivessem cura, como também desenvolver artifícios que as prevenissem. Carlisle era o melhor exemplo a ser seguido, o oncologista com trinta anos de carreira já tinha diversos estudos publicados, outros mais a serem feitos.


“Isso é bom!” Falei-lhe depois de averiguar o relógio. “O plantão vai terminar as seis, preciso buscar Grace no colégio e depois passo aí para ver. Aproveito para dar um beijo em minha mãe e em minhas adoráveis irmãs.”


Carlisle sorriu mais. “Como Grace está? Vocês poderiam passar o fim de semana conosco.” Ele colocou com despretensão. “Preciso de algum tempo com aquela branquela.”


Também sorri e me lembrei de Grace, então sorri mais ainda. “Ela está bem, precisamos pensar no aniversário dela, está chegando. Eu preciso voltar, nos vemos logo mais.”


Meus passos me levaram para a sala fria, Emmett estava dormindo como um bebê. Não que eu fosse uma pessoa chata, mas bati meu pé no dele, fazendo-o despertar em um sobressalto. “Hora da soneca já acabou.” Eu disse em um tom acima do normal. “Temos um autocídio bem ali.” Apontei para a maca, que sustentava uma mulher loira e cheia de marcas roxas no pescoço. Os lábios também estavam na mesma cor, evidenciando a cianose.


(...)


Eu me empenhava em duas coisas. A primeira e mais importante era dar o melhor para Grace, não era sobre dinheiro. Era apenas sobre ser o melhor pai para ela. A segunda, a mais estranha e também importante era tomar banho. Tirar o cheiro nauseabundo de mim, pois era claro que o odor de sangue coagulado e víscera sempre estavam me rondando. Eu me sentia terrivelmente sujo depois de cada plantão, os banhos eram demorados e eu me esfregava como se quisesse trocar de pele a cada fim de tarde.


Vesti minhas roupas limpas e pensei sobre o perfume, decidi que estava bom só com o desodorante. Existiam algumas ligações perdidas de Grace, o que me preocupou. Sem tirar os olhos da pista, liguei para ela.


“Filha, o que houve?” Perguntei antes mesmo de qualquer cumprimento. “Já estou indo te buscar.”


“Pai, respire!” Grace pediu entre risadas. “Não é nada de mais, só quero saber se você pode dar carona para Louise e para o Ethan, eles moram lá perto de casa.”


Soltei uma interjeição de frustração. “Nós estamos indo jantar com seus avôs, mas os levo sim. Não demoro, filha.”


Grace soltou uma risada. “Certo, pai. Estamos te esperando, o vô me ligou e falou que eu tenho que ver não sei o quê do intestino de um paciente que ele operou.”


A vontade de Carlisle ver mais uma médica na família era de outro mundo. Eu conhecia minha filha, ela era inclinada às artes, ela gostava de criar. Nada de se vestir de branco e fazer plantões intermináveis.


Era um hábito, Grace sempre me esperava sentada na escadaria da entrada do colégio. Ela não estava sozinha, eu teria que dar carona para a menina de cabelos escuros e para o menino que sorria demais para Grace. Eu buzinei para eles me notarem. Os três desceram as escadas e entraram no carro, sem qualquer cerimônia.


Grace beijou minha bochecha, sendo doce e rápida. “Como foi o dia?” Ela perguntou, mas corou logo em seguida. “Ah, estes são Ethan e Louise, dividimos algumas aulas.”


Eu olhei para os dois no banco de trás, o menino foi o primeiro a se pronunciar. “Sério que você é legista? Não acreditei quando Grace me contou!”


Não contive meu sorriso, o que fez todos sorrirem também. “Não é tão macabro. Eles estão mortos, não podem fazer nada contra mim.” Falei-lhes, ganhando, em troca, três piscadelas. “Só devemos temer quem está vivo.”


O trajeto até a casa de meus pais fora acompanhado por um silêncio entre mim e Grace. Ela mantinha os olhos nos prédios que pareciam correr junto com o carro. “Está tudo bem, filha?” Perguntei-lhe baixinho, olhando-a de lado. “Você está calada.”


Ela ergueu o rosto com delicadeza e hesitação, fugindo de meus olhos. “Estou bem, não se preocupe, preciso de Tia Lice e Rose.” Grace segurava certo rubor nas bochechas. Ela estava me escondendo alguma coisa, mas fiquei feliz em ver os olhos verdes cheios de coisas boas.


Eu era um pai ciumento, era fácil saber que Grace não me dizia muita coisa sobre ela. Tudo em mim dizia que aquilo era sobre garotos e eu preferi dar-lhe espaço. “Sou seu pai, certo? Não deixe de conversar comigo também.”


Grace corou ainda mais e sorriu timidamente. “Você está me deixando envergonhada.” Ela disse encarando as próprias unhas. “É coisa para se discutir com Alice e Rose, elas me darão as respostas.”


Perguntei-me o que ela me escondia, estava ficando demais para o meu entendimento. “Menstruação?!” Soltei vagamente, sabendo que o ponto não era aquele. Grace já sofria com as cólicas há alguns meses e realmente foi embaraçoso quando aconteceu pela primeira vez.


“Não, não é sobre isto.” Ela falou em tom de fim de conversa. “Pai, não é nada demais.”


Decidi encerrar aquele tópico. Grace e eu saímos do carro e encontramos Alice nos esperando na garagem. “Deus, vocês demoraram tanto!” Ela falou com efusão, me abraçando. “Você parece cansado, teve alguma coisa legal hoje?”


Antes que eu a respondesse, Alice puxou minha filha para um abraço ainda mais apertado. “Como está, branquela? Só você para ficar bonita de uniforme!”


Grace estava sem ar, Alice sorriu e a soltou. “Vamos jantar, só estávamos esperando vocês.” Ela falou enquanto nos levava para dentro de casa. “Rose comprou roupas para você, Grace.”


“Eu estou cheia de roupas, tia!” Minha filha falou o óbvio. “Não preciso de nada, só penso que preciso cortar meus cabelos e pintar minhas unhas.”


Juro que vi Alice pulando ao meu lado. “Podemos fazer isto hoje!” Ela cantou para Grace, perguntei-me se ela realmente tinha vinte e quatro anos. “Rose é boa em cortar cabelo.” Antes que eu enlouquecesse com aquela conversa, entrei em casa, vendo minha mãe tirar os olhos da televisão.


“Edward!” Ela exclamou e caminhou para mim. “Então meu filho desnaturado resolveu me visitar? Onde está minha neta?”


Abracei-a, deliciando-me com o carinho. “Grace está com Alice, acho que ela vai cortar os cabelos, espero que Rosalie não a deixe careca.”


“Quem está falando sobre mim?” A voz de Rosalie ecoou na sala, fazendo-me sorrir e procurá-la. “Só poderia ser meu irmão sumido.”


Perguntei-me desde quando eu era uma pessoa tão estimada, o abraço de Rose foi apertado e ela beijou minha bochecha. “Como está, Edward?” Perguntou-me e levou os olhos para um ponto atrás de mim e, depois, sorriu. “Grace tem um dilema, eu posso ver.”


No mesmo instante, me virei, vendo Grace sorrir para nós. “Oi, tia Rose!” Ela falou com felicidade, vindo para o meu lado. “Pai, posso dormir aqui hoje? Você vai ter que trabalhar amanhã e eu não quero ficar sozinha.”


Ponderei por um breve instante, sabendo que aquela era uma boa opção. “Certo filha, mas não dê trabalho aos seus avôs.”


Ela rolou os olhos e recebeu um sorriso grande de Esme. “Vó, o que tem para comer? Estou morrendo de fome!”


“Abigail fez o frango com o molho que você gosta.” Minha mãe disse enquanto caminhávamos para a sala de jantar. Meu pai estava na cozinha, beliscando um pedaço da carne.


Quando ele nos viu, o sorriso foi grande. “Oi, crianças! Eu já estava cansando de esperar vocês.”


Nós ocupamos nossos lugares na mesa, sentei-me ao lado de Grace, do mesmo modo que acontecia quando ainda morávamos com meus pais. O jantar nunca seria silencioso, gostávamos de conversar sobre nossos dias, até mesmo fazer planos para o domingo livre. Grace foi rebocada para o segundo andar por Alice e Rose, elas riam e trocavam olhares cúmplices. Era coisa de menina.


Esme meu deu um olhar e um sorriso, ela ajeitou os talheres no prato. Aproveitei para avaliar um dos rostos mais bonitos que conhecia. Tudo era doce e maternal. “Grace está tão bonita e crescida.” Minha mãe falou com calma. “Nem posso acreditar que já passaram quase treze anos.”


“Nem eu.” Respondi-lhe com evasão. “Não existe filha melhor, embora eu pense que ela está cheias de segredos.”


Meu pai foi o primeiro a sorrir. “Edward, você tem uma menina, é claro que ela vai esconder muita coisa de você. Ela não faz por querer, ela é adolescente e não querer falar sobre garotos com você.”


Soltei um gemido de frustração, mas sabia que aquilo era uma verdade. “Tudo seria diferente se ela tivesse uma mãe, não acham?” Perguntei-lhes sem alterar a voz. “Eu sei que ela sente falta.”


Os dois me olharam com complacência, minha mãe pegou minha mão, deixando um carinho bom. “Filho, você criou essa menina sozinho. Katharine lhes abandonou, você ama Grace duas vezes mais e, mesmo que você pense que falte algo, Grace é feliz com você, embora eu realmente ache que você precise de alguém. Você abdicou de muita coisa para cuidar de Grace, está na hora de pensar em você.”


As palavras tiveram o efeito esperado, eu pisquei para minha mãe, discordando de cada sílaba. “Eu não preciso, mãe. Estou bem assim.”


“Edward, eu não vou discutir.” Minha mãe falou, com os olhos nos meus. “Tudo o que você faz é trabalhar e trabalhar. Sua filha não é um bebê, pense em você também.”


“Certo, mãe.” Finalizei a conversa inoportuna. “Pai, vou subir e ver os tecidos que você trouxe.”


Subi pulando os degraus. Ouvi as vozes animadas de Grace, Rose e Alice, o escritório de meu pai estava cheio de livros e amostras de remédios. Olhei os livros recém-adquiridos, escolhendo quais eu leria. As lâminas estavam sobre a mesa, olhei-as no microscópio, vendo as células mutantes. Apenas por hábito, desenhei-as e anotei cada característica. A noção de tempo já estava distante, quando tirei meus olhos da página, já se passava das onze.


Meus pais assistiam a um filme qualquer, eu me despedi rapidamente, indo procurar Grace. Abri a porta do quarto de Alice, vendo as três conversar baixinho. “Atrapalho?” Perguntei apenas para elas me notarem. “Já vou indo, filha.”


Grace deu um pulo de susto, ela saiu da cama. Sorri para o pijama grande demais, as unhas estavam vermelhas e procurei alguma mudança no cabelo. Ela acompanhou meu olhar e me olhou sugestivamente. “Não cortei, não! Tia Rose não me passou confiança.”


Também sorri e desci a escada com Grace ao meu lado. “Pai?” Ela me chamou baixinho, meio incerta. “Hoje é sexta, por que você não sai um pouco?”


O discurso não fez nenhum sentido, eu iria dormir para encarar mais um dia de trabalho. “Estou bem assim, Grace.”


Ela abriu um sorriso mínimo, a mão quente me puxou para o sofá da sala. “Só acho que você deve fazer as coisas que você gosta, não ficar só trabalhando.”


Perguntei-me o motivo de todos acharem que eu estava me deixando de lado. “Filha, eu gosto de trabalhar. Eu gosto de dar o melhor para você, isso me faz feliz.”


“Ninguém é feliz sozinho, pai.” Grace falou com seriedade, me assustando. “Você é o melhor pai que existe, mas quero te ver feliz também.”


Prendi meus olhos nos dela, buscando cada emoção. Ela, repentinamente, traçou um padrão aleatório em minha mão. “Eu tenho medo de você enlouquecer. Olhe onde você trabalha, é de enlouquecer, ainda mais para quem não tem ninguém.”


“Eu te tenho.” Falei rápido demais, sentindo meu corpo enrijecer. “Aonde você quer chegar, Grace?”


Minha filha me deu um sorriso bonito. “Você merece toda a felicidade do mundo. Não sei, quem sabe uma namorada? Juro que não terei ciúmes dela! Nem lembro quando foi seu último encontro, acho que eu ainda tinha uns nove anos.”


A fala me causou um sorriso. “Uma namorada?” Eu repeti, sabendo que aquele era um ponto difícil. Também me perguntei quando estive com uma mulher depois de Grace nascer, as lembranças eram desfocadas e um tanto frustradas. Não que eu não sentisse falta, pois eu realmente sentia. Era a necessidade de qualquer homem.


Grace procurou meus olhos. “É, um amor de verdade.” Ela falou entre sorrisos. “Vai te fazer bem, pode apostar.”


“Isso é sobre você querer uma mãe?” Perguntei-lhe com real interesse, vendo-a corar.


“É sobre querer te ver feliz. Você sempre faz tanto por mim, trabalha como louco, mas nunca pensa em você.” Grace usou toda sinceridade que tinha. “De qualquer modo, seria bom ter alguém para eu conversar.”


Abri um sorriso, ele fora completamente espontâneo. “Não está bom apenas você e eu?” A pergunta não era tão pertinente, mas resolvi fazê-la, sem medo da resposta.


Grace levou os olhos para os meus, o verde estava mais claro e cheio de felicidade. Eu não desviei o olhar, ansiando a resposta. “Tudo pode ficar ainda melhor, pai.” Ela disse mais baixo, ainda com sinceridade. “Tudo.” A voz tornou-se mais quente. “Permita-se, por favor.”


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Notas finais do capítulo

Bem, eu continuo sendo uma louca viciada em reviews. Não deixem de comentar, ficaria muito contente se minhas leitoras me acompanhassem aqui também. Leitores novos, comentem também. O que vocês têm a dizer sobre isso tudo?
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Tenho alguns capítulos adiantados, mas tudo depende da receptividade, sim? Semana que vem tem mais, porém muitos comentários me fazem postar antes.
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Beijos, até : )