Andei pelo corredor estreito, procurando alguma cabine vazia. Achei uma mais para o final do trem, os pais ainda estavam do lado de fora, acenando para os filhos que embarcariam no expresso de Hogwarts e ficariam meses fora de casa.

Ajeitei meu malão em um canto, junto com a gaiola de Nightlight. Minha coruja cinzenta olhou para mim e piou, ansiosa para chegar a Hogwarts. Na verdade, eu não sei se ela estava ansiosa para chegar em Hogwarts, nem sei se corujas ficam ansiosas. Mas vamos fingir que sim.

Me sentei ao lado da janela, os pais ainda acenavam freneticamente para os filhos, já dentro do trem. A maioria dos pais que choravam eram aqueles que os filhos estavam indo para Hogwarts pela primeira vez. Os meus nunca ultrapassaram a barreira, são trouxas.

Minha mãe, Joanna di Roy é uma arquiteta americana que se mudou para Londres quando se casou com meu pai, Lewis, ele trabalha com alguma coisa relacionada a imovéis. Não sei bem, nunca liguei muito para isso e eles se divorciaram alguns anos depois que eu nasci.

– Por que não me mandou nenhuma carta durante o verão? -

Perguntou Lea, entrando na cabine e já se sentando.

Lea Louliese, corvinal, sétimo ano em Hogwarts, sangue-puro. Comecei a conversar com ela há mais ou menos um ano. Lea é legal, mesmo as vezes dando a impressão de que não está nem aí para nada.

– Não aconteceu nada comigo durante o verão - Respondi, me justificando. - Só fiquei fazendo os trabalhos de DCAT, que o professor Nélius pediu.

Lea fez uma careta, como se reprovasse o que eu tinha acabado de dizer.

– Sabe que eu sou completamente contra estudar nas férias.

– Eu realmente não entendo o chapéu seletor ter te colocado na Corvinal.

Na verdade, eu entendia. Lea é inteligente, sabe raciocinar e aprende as coisas muito rápido. Só não gosta muito de ler, estudar, fazer lições...

– Agora que reparei - Disse Lea, olhando para mim. - Resolveu mudar de estilo?

– Um pouco - Respondi.

Achei que ajudaria a demonstrar coragem e força, sabe... mudar um pouco o corte de cabelo, deixar as coisas menos sem graça. A maquiagem escura nos olhos, sem estar tão exagerado.

– Ah, tanto faz. Vamos para a minha cabine? Os Scamander estão lá, e o Lorcan acha você bonitinha.

– Bonitinha? - Perguntei, descrente, pegando um sapo de chocolate da montanha de doces que tinha comprado. Na minha opinião, bonitinha é aquela menina que você acha feia, mas está arrumada, então está "bonitinha". Resolvi não dizer nada disso a Lea. - Não , obrigada.

– Tudo bem então, fique aí... comendo seus sapos de chocolate. Daqui a pouco você vai estar obesa e sem nunca ter tido um namorado. Ou um amigo.

– Ei - Exclamei, fingindo estar ofendida, tacando um sapo de chocolate nela. - Não estou me sentindo muito bem, entendeu? Por isso vou ficar aqui...

Era verdade, não estava muito bem. Estava com uma dor de cabeça dos infernos e o barulho no expresso de Hogwarts é realmente exagerado.

– Vai se sentir melhor se eu te levar para a cabine do Alvo Potter? - Perguntou, com um sorriso malicioso no rosto. Joguei outra caixinha de sapo de chocolate nela, mas ela desviou.

Lea saiu rindo, em direção á cabine dos Scamander. O tempo passava tão devagar...

– Tem alguém aí? - Perguntou uma voz masculina do outro lado da porta da cabine, mas já abrindo. Vi quando entrou na cabine, percebi de primeira os cabelos ruivos intensos e logo identifiquei como Hugo Weasley. - Os alunos monitores vão precisar dessa cabine, então pediram para eu vir te levar para outra.

Droga. Peguei meu malão e minha coruja, deixando os doces para trás e segui junto com Hugo Weasley para uma cabine mais para a frente. Ótimo, pensei. A cabine mais barulhenta do trem.

Ele abriu a portinha, indicando para eu entrar primeiro. Pelo barulho, o lugar parecia cheio, mas só haviam três pessoas. Duas tinham cabelos ruivos como os de Hugo e pareciam vermelhas de tanto rir. Um dos meninos tinha os cabelos muito claros e um rosto fino, outro tinha olhos muito verdes e exibia um sorriso irritante.

Lily Luna, Rose Weasley, Scorpius Malfoy e Alvo Potter estavam sentados naquela cabine, junto com Hugo Weasley. E eu teria que ficar ali até chegarmos em Hogwarts.

Entrei na cabine como se não estivesse percebendo o olhar curioso dos três sobre mim. Ajeitei mais uma vez meu malão em um canto e coloquei Nightlight ao lado de uma coruja de penas em um tom alaranjado. Me lembrava muito a família Weasley.

– Quem é essa? - Perguntou Alvo, me olhando da cabeça aos pés. - Grande demais para ser aluna nova.

Só aí eu percebi que sou realmente invisível naquela escola. Olhei para ele com raiva, embora disfarçasse isso muito bem com uma expressão esnobe.

– Estou na escola desde o primeiro ano - Comentei, mordendo a língua para não xingar Alvo de coisas feias. - Agora, se me dão licença, preciso colocar minhas vestes. Acho que já estamos chegando.

Saí da cabine, de nariz empinado, parecendo uma daquelas Sonserinas nojentas que vivem grudadas nos meninos. Ainda ouvi Alvo comentar algo do tipo "Nós não estamos nem na metade do caminho...".

Voltei já com o uniforme, entrei na cabine, Hugo tinha um pacote muito grande de feijõezinhos de todos os sabores nas mãos. Alvo olhou fixamente para a gravata amarela e preta e o brasão da Lufa-lufa na minha roupa e deu um sorrisinho de lado, olhando para o brasão da Sonserina nas próprias roupas.

– É, tinha que ser da Lufa-lufa - Comentou ele, com Scorpius. - Não faria diferença alguma se essa casa sumisse. Hogwarts continuaria a mesma.

Como alguém tão legal como Harry Potter e simpático como Ginny Weasley pode dar luz á um ser tão desprezível como Alvo Severo? Ele foi criado em uma familia exemplar, nunca teve nada contra os trouxas, os nascidos trouxas... mas parece que aquele sonserino escolheu implicar com os lufanos. Agora ele olhava com orgulho para o símbolo da casa das serpentes.

– Cale a boca, Potter, antes que eu faça você engolir essa porcaria que você tem na mão - Disse, me referindo ao brasão da Sonserina que ele observava com orgulho. Meus punhos estavam cerrados, não que fizesse muita diferença.

Ele me olhou admirado, porém, o sorriso irritante permanecia intacto no rosto dele e não parecia nem um pouco assustado. Alvo não disse mais nada, então me sentei como se nada tivesse acontecido. Segundos depois, eles começaram a conversar normalmente.

Estavam pegando os feijõezinhos de todos os sabores das cores mais estranhas possíveis e desafiando-os a experimentá-los. Na maioria das vezes, não conseguiam identificar o sabor do doce, mas sempre era um gosto ruim. Menos com Rose, que até agora só havia pegado um de baunilha e mordido a ponta de um que tinha gosto de bacon.

Alvo tirou a mão de dentro do pacote de feijõezinhos de todos os sabores, ele tirou um de uma cor verde-musgo e o examinou por um tempo.

– Quem quer experimentar esse aqui? - Perguntou ele, ninguém disse nada.

A maioria das pessoas naquela cabine eram grifinórios, e grifinórios são reconhecidos por sua coragem. Mas aqueles, bem... não tinham coragem para experimentar um feijãozinho de cor estranha.

– Eu experimento - Disse Lily, mas ela não parecia estar certa disso. Alvo riu, negando.

– Eu quero ver a Lufana - Disse ele, só nesse momento desviei meu olhar da janela e prestei atenção no que ele estava falando. - Vamos, experimente.

"Ah, então era só isso?" Arranquei o feijãozinho da mão dele e comi, sem nem experimentar antes. Péssima ideia.

O gosto era horrivel, parecia gosto de sabão em pó. Nunca comi sabão em pó para saber qual é o gosto, mas parecia. Depois, quando engoli, senti o gosto de gambá, não que eu já tenha comido um gambá para saber qual é o gosto. Disfarcei, sorrindo.

– Nada mau - Disse, fingindo não dar muita importância. Aquele gosto horrível continuava na minha boca.

– Qual era o gosto? - Perguntou Lily, risonha. Dei de ombros.

– Sei lá, só sei que não tinha nada demais.

Alvo riu e voltou ao jogo. Lily Luna fez uma careta engraçada quando acabou comendo um que tinha gosto de pé. Ainda não entendo como é "gosto de pé", mas posso deduzir que não é algo muito agradável.

– Chegamos - Disse Hugo, já se levantando. Me levantei também, enquanto as outras meninas arrumavam suas coisas. O gosto de sabão em pó ou seja lá oque ainda estava na minha boca.

Como sempre, os alunos estavam todos admirados, mesmo os do último ano de Hogwarts. Os mais novos estavam indo de barco, como de costume, olhavam o grande castelo de boca aberta e olhos brilhando. Me lembro de quando vi Hogwarts pela primeira vez.

Tentei procurar Lea mas desisti, encontraria ela no salão principal. Provavelmente estava com Lorcan e Lysander.

O salão principal, como sempre, estava perfeito. Os alunos do segundo ano para cima entraram, cada um sentando na mesa de suas casas, observando o momento em que os alunos mais novos chegariam e seriam selecionados. Um banquinho já estava cuidadosamente colocado na frente do salão, esperando pelos alunos.

Fui para a mesa da Lufa-lufa, sorrindo para algumas pessoas, como se estivesse as cumprimentando. Sentei em um lugar mais para o meio da mesa, esperando, como todos os outros, Professora McGonagall com os alunos.

Logo uma fila imensa de pessoas baixinhas vestidas de preto entraram pela grande porta. Os rostos assustados me divertiam, logo eles estariam tão acostumados com Hogwarts que iriam querer morar aqui, mas me lembro de que eu provavelmente estava daquele mesmo jeito no meu primeiro dia em Hogwarts, ainda mais com o fato de que sou nascida trouxa.

A diretora pegou um grande pergaminho e começou a ler os nomes. Logo de primeira, a Lufa-lufa ganhou um novo membro. O garoto andou sorridente até a nossa mesa, que aplaudia.

Só quando o último aluno foi selecionado (Um novo grifinório) eu despertei, saindo dos meus pensamentos e voltando a atenção para o discurso de McGonagall. Ela disse a mesma coisa de sempre e depois, todo o tipo de comida que você pode imaginar apareceu na mesa.

"Finalmente" Pensei, enquanto cortava um pedaço de frango. Estava morrendo de fome. Vi Lea conversando com Lorcan na mesa da Corvinal, mas ela não me viu. Depois, fui para a sala comunal da Lufa-lufa, que fica perto da cozinha.

Fui para os dormitórios, tudo já estava lá. Sentei na cama que durmia desde o primeiro ano em Hogwarts. Logo as outras meninas chegaram, conversando sobre suas férias.

Seria um longo ano. Acordei com o sol entrando pela janela do quarto. O sol sempre estava presente na sala comunal da Lufa-lufa. Mesmo nos dias de chuva, é como se aquele lugar fosse claro por natureza.

Me levantei, ainda sem saber muito se estava acordada ou dormindo. Demorei um pouco até perceber que estava em Hogwarts. Fui a primeira a acordar, andei até o banheiro, tomando um banho e colocando o uniforme da Lufa-lufa de qual tanto me orgulho.

Como no dia anterior, baguncei um pouco o cabelo e coloquei uma maquiagem preta nos olhos. Estava gostando daquilo, ficava bonito e tirava a cara de boba que eu tenho desde que nasci.

Os horários já estavam definidos. Primeira aula seria de feitiços, a segunda de Defesa contra a arte das trevas - (Esperava que Prof Nélius tivesse se aposentado, mas no dia anterior eu o vi sentado na mesa dos professores, então, infelizmente, o nosso dia de sorte ainda não chegou, prof Nélius continua na escola). E terceira aula, Herbologia, para a alegria dos Lufanos.

Sinceramente? Não sei oque toda a lufa-lufa vê em Herbologia.

Ficar trancada em uma estufa cuidando de plantas estranhas não me parecia uma coisa muito legal. E não era.

Becky di Roy, Lufana e não gosta de Herbologia.

Lea Louliese, Corvina e não gosta de estudar.

Nada faz sentido nessa vida.