7 Horas Da Tarde escrita por Alceu Pantaleone


Capítulo 1
Capítulo 1




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Minutos antes daquela correria a Boston Street estava silenciosa, não considerando o barulho do tráfego da tarde e a chuva gelada que tinha passado por lá. A manada de fãs corria pelas ruas. Adolescentes loucos, jovens histéricos, gritando, exalando e marcando território com o odor teen de sempre. Os meninos e meninas perseguiam uma mocinha, tão jovem quanto eles mesmos.

Ela parecia brincar de pega-pega. A moça ria daquilo tudo e apressava o passo para não ser alcançada quando alguma fã maluca quase encostava nas costas dela. O que era fácil, seu corpo de bailarina facilitava a coisa. E tinha os cabelos castanhos e lisos, porque a genética assim os quis. Tinha os olhos puxadinhos e ao mesmo tempo arredondados, narizinho arrebitado e rostinho de boneca, porque assim Deus os quis, colaborando com a genética.

O que não facilitava muito seu desempenho na fuga era sua roupa de frio. Não era nada extravagante ou pesada, mas o tecido da calça e alguns de seus bordados não colaboravam com as passadas de suas pernoquinhas de ave. Ela segurava seu gorrinho felpudo, de um lilás fosco, enquanto os pompons miúdos dele tremulavam no percurso.

A moça por um momento hesitou, perdida, parou de correr. Avistou um beco comprido que dava para uma saída já em outro quarteirão. Correu por ele até o final, conseguindo despistá-los por alguns minutos. Chegou a uma rua arborizada. Olhou para os lados e tomou um susto ao ver uma multidão de mulheres, entre elas, senhoras de idade que vinham correndo no início daquela rua, tão enlouquecidas quanto seus perseguidores. Estariam todas ali em poucos segundos.

- Essa é novidade… As mães e as avós daqui também? – Cochichou para si, rindo.

Sem muitas opções de fuga, a jovem subiu na árvore mais próxima. Conseguiu subir em alguns galhos mais baixos, arranhou fina camurça de uma de suas botas, fez cara feia por causa disso e sacodiu a perna. E, finalmente, assustou-se ao ver que não era a única pessoa que estava ali em cima, escondida.

Quase escorregou com o espasmo do susto. Um homem a segurou e a puxou para o galho em que estava sentado. A jovem ia agradecer a ele, mas antes ele sussurrou:

- Certo, por favor, agora peça às suas amigas para acabarem com essa situação constrangedora… Já passou dos limites… – O homem franzia a sobrancelha arqueada.

A garota demorou um pouco para entender o que ele queria dizer, seu inglês não era dos melhores. E para atrapalhar mais sua compreensão da pronúncia britânica dele, avistou pelas brechas da copa da árvore seus fãs que vinham se espremendo ao longo do beco pelo qual chegou.

O homem ia falar mais alguma coisa quando a jovem conteve a boca dele com o dedo indicador. Na base da mímica, ela apontou para seus fãs que começavam a se aglomerar como figurantes em The Walking Dead pela rua e calçadas. E por último, apontou para si mesma, sorrindo.

- Estou me escondendo deles por um tempinho… – Ela falou baixinho e piscou o olho.

Ela, afinal, não tinha o perfil de uma típica fã dele. Parecia mais uma musa juvenil, só que asiática, obviamente. Ele olhou para o lado e avistou o “exército de damas com idade avançada” se aproximando. O que tinha dado na cabeça delas para o perseguirem desde a última estação de metrô?

- Posso dizer o mesmo de mim, eu acho… – Disse apontando para a gangue maternal dele, falando fofo por causa do dedo da garota que ainda estava sobre seus lábios minúsculos.

Ambos os grupos de fãs se estranharam logo no início. Disfarçaram então a euforia, começaram a dispersar em grupos menores. No fundo, bem no fundo, sabiam que correr atrás de seus ídolos era algo infantil demais para expor assim, para pessoas de idades tão diferentes das suas. Principalmente as senhoras, que tinham reputações a zelar.

Os dois sobre a árvore observaram calados a dispersão. Até que a jovem parou para observar o homem ali ao seu lado. Ele parecia chateado. Olhava para relógio do seu celular, que apitava em instantes, esperando uma nova carga.

Numa situação inusitada como aquela, em uma cidade relativamente nova para ela, o negócio era puxar conversa. E puxar conversas era sua especialidade:

- Em cima de uma árvore… Fugindo de fãs animados… Londres realmente é… Heheheh… Oi, meu nome é Summer, prazer em conhecê-lo!  - A moça estendeu a mão, sorridente.

O homem olhou um pouco envergonhado para ela. Summer, reparando naquele momento, viu que o moço era atraente. Tinha os cabelos negros, olhos azuis, roupas bacanudas e porte de gentleman, perceptível mesmo estando ele empoleirado em um galho. Um inglês idealizado, só faltava o ramalhete e a caixa de chocolates nas mãos. E tinha um nariz grande e manly incluso no pacote. Mais outra generosidade de Papai do Céu e da Mamãe Genética.

Guardou o celular, tirou a luva da mão direita e a cumprimentou. Summer conseguiu não se sabe como aumentar o sorriso que havia dado.

- Richard, prazer… Vou ter que pedir para que repita seu nome, vou demorar a aprender a pronunciar ele direito… – Tentou contribuir à sua maneira na hora de quebrar aquele gelo, dando um sorrisinho escondido.

- Me chame de Summer, Richard.

- Acho que já dá para a gente descer daqui, o pessoal já foi embora.

Richard foi primeiro a tocar o chão e ajudou Summer a descer da árvore. Esta saiu tagarelando ao seu lado sobre como havia se desencontrado de suas oito amigas e companheiras de trabalho, da Coréia assim como ela, numa peripécia iniciada por sua gula fora de hora, por não querer dividir um doce de não sei o quê que comprou escondida delas no aeroporto. Aproveitou para andar pela cidade, se perdeu e foi reconhecida por umas gurias, fãs internautas de seu trabalho como cantora. E o resto da história Richard havia presenciado.

Summer perguntou como ele tinha entrado naquela confusão toda e soube que as fãs malucas dele o reconheceram no metrô a coisa desandou. As pra-titias ficaram enlouquecidas por encontrarem aquele ator dando sopa, cochilando na humildade do transporte público. E o resto da história, Summer havia presenciado ela mesma.

Agora, a jovem tinha a quem pedir informação sobre a cidade, ou, se quisesse voltar ao hotel em segurança.

- E onde você está hospedada? – Richard arrumava o casaco de couro enquanto atravessava a rua.

- Ih… Espera, tenho anotado aqui… – Summer tirou um boleto de dentro da bolsa, ainda andando – Esse aqui…

- Bem longe daqui, você andou um bocado… Não seria melhor você pegar um taxi?

- Nããão, queria conhecer a cidade um pouco mais. E a melhor forma de se conhecer uma cidade é andar por ela. – Summer explicou dando saltinhos de jogging.

- Correndo da molecada dificulta um pouco as coisas… Estou pensando em fazer a mesma coisa, pegar um táxi… – Richard coçou a nuca, incomodado com possibilidade de não poder usar o metrô novamente naquele dia e ter de dar uma de estrela.

- E você, ia para onde?

- Eu prometi para um amigo que ia pegar um roteiro de um musical que ele escreveu. Mas vou deixar para outro dia…

 “Gotcha!”

- Ah, então vem comigo. Poderia me mostrar a cidade, não poderia? – Summer perguntou charmosa e desinibida. Mas as suas mãos iam em direção oposta, apertavam a bolsa com certo nervosismo.

Richard não estava com humor para ser guia turístico. Ela era uma gata, de fato. Mas uma idol coreana ao seu lado, falando potoca e atraindo mais fanzocas era indiscrição demais para uma só tarde. O ator sorriu sem graça e pôs a mão no ombro de Summer, quando sua fala foi interrompida por um grito de guerra de uma de suas fãs militantes:

- OLHA ELE ALI, MENINAS!

 “Gotcha Gotcha !”

Summer não ia perder a oportunidade de se divertir um pouquinho na Terra da Rainha. Sorriu mordendo os lábios, puxou o Richard pelo braço e correram dali sem saber aonde iam.

³º3º³


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