Vida Interrompida (HIATUS) escrita por Allie Próvier


Capítulo 5
4. Eu não sou a única que necessita ser salva


Notas iniciais do capítulo

DEMOREI, MAS CHEGUEI! :D
Saberemos um pouquinho sobre a Anna agora... TANANANANNN...
Boa leitura!



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Capítulo 04: Eu não sou a única que necessita ser salva

“E você guarda todos os seus pequenos segredos. Você pode me mostrar todas suas antigas cicatrizes que você adquiriu de todas as antigas guerras. Você lutou e então pôde me dizer: "Eu não sou a única que necessita ser salva"”.

Blame It On Me - Parachute



  Já era Quinta-feira.

  Os dois últimos dias haviam passado como num borrão. Eu me dividi entre as lições de casa, treinos de basquete e sessões de aconselhamento para Kate. Na última sessão, finalmente, ela estava disposta a algo. Disse queria ter uma conversa séria e franca com Henrie.

  Já havia passado da hora disso acontecer.

  Saí da aula de Química, sentindo-me mentalmente cansado. Passei por um grupo de garotas, as amigas de Ashley que eu nunca lembrava o nome e elas sorriram para mim. Sorri de volta e continuei andando, mas elas me pararam no meio do corredor.

- Josh, o baile de Primavera está chegando... - uma delas, a ruiva, disse. -

Já sabe quem irá convidar?

  Forcei um sorriso, querendo fugir dali.

- Não, ainda não tenho ninguém em mente. - falei. - Quando será mesmo?

- Daqui a duas semanas. - a morena disse, enrolando uma mecha de cabelo entre seus dedos e sorrindo abertamente para mim. - Eu ainda não tenho um par, então se quiser...

  Sorri para elas, e logo as dispensei. Se fosse a um tempo atrás, eu já teria jogado meus braços sobre os ombros delas enquanto flertava. Mas agora a última coisa que eu quero é me envolver com qualquer uma delas, até porque quando elas decidem grudar no pé de alguém, não largava mais.

  Cheguei ao refeitório e respirei fundo ao ouvir a falação das pessoas. Procurei com os olhos por Kate ou Jake, ou os dois juntos, mas apenas avistei Jake sentado com os outros caras do time. Nada de Henrie e Kate.

- Finalmente apareceu! - Jake falou para mim, enquanto os outros continuavam conversando algo aparentemente engraçado entre si. – A Kate chamou o Henrie para uma conversa.

- Até que enfim. - resmunguei, jogando-me em uma cadeira ao lado de Jake. - Será que ela vai apenas dizer que já sabe das traições, ou irá terminar logo?

- Espero que termine. Não adianta eles continuarem juntos, Henrie não irá parar de traí-la.

  Concordei, roubando um pouco do seu lanche. Logo começamos a conversar com todos os outros, e eles me atualizaram sobre o jogo dos Yankees que teve no último Sábado.

  Logo o intervalo terminou e todos seguiram para suas outras aulas. Meu último tempo era de Física, e eu fazia essa aula com Kate. E ela até agora não havia aparecido.

  Eu ainda iria até a casa dela após as aulas para fazermos o trabalho de Biologia. Ele era para se entregue hoje, mas o professor havia faltado por problemas de saúde e a entrega foi adiada para a semana que vem, o que foi um alívio.

  No meio da aula, enquanto eu terminava os exercícios que o professor passou, senti meu celular vibrar no bolso do casaco. Sem que o professor percebesse eu o peguei, vendo que era uma mensagem de Kate.

“Estou indo para casa, te encontro lá após as aulas para fazermos o

trabalho. Não se atrase, Thompson.”

  Ela matou as últimas aulas? Por quê?

  Terminei os exercícios rapidamente, já que quem terminasse já estaria liberado. Logo guardei meu material e entreguei a folha dos exercícios ao professor. Saí da sala apressado, curioso em relação à Kate.

  Será que aconteceu algo entre ela e Henrie? Ela não era de matar aula, nunca.

  Passei por um último corredor, quase chegando até a saída que me levaria ao estacionamento, quando ouvi meu nome ser chamado.

  Retardei meus passos, olhando para trás.

  Não sei ao certo quando, nem como veio, mas veio. Em cheio. O punho acertou meu rosto com força e eu fui ao chão. Gemi, colocando uma mão sobre o local atingido. Toda a área do maxilar e nariz doía. Olhei para cima me sentindo tonto, e vi Henrie arfante e me olhando furioso.

  Mas o que diabos...

- Seu... - ele rosnou, vindo para cima de mim novamente.

  Eu me senti ser levantado e jogado com força contra os armários. O baque soou por todo o corredor vazio, e eu olhei Henrie alarmado. Ele me segurava pela gola da minha jaqueta, o rosto a centímetros do meu com uma expressão de raiva profunda.

- O que você tem, cara?! - perguntei nervoso. - Me solta!

- Foi você, não foi? Seu viadinho de merda! - ele gritou. - Foi você que fez a cabeça de Kate e a fez terminar comigo!

  O olhei como se tivesse brotado outra cabeça em seu corpo. Tentei empurrar suas mãos para longe de mim, mas ele era forte demais.

- Do que você está falando?! - perguntei exasperado, sentindo um líquido quente escorrendo em meu nariz. Sangue. - Henrie, me solte e...

- E o quê? O que você fará, hein? - perguntou com um sorriso quase doentio no rosto. - Você é um merda que não sabe aonde, nem com quem se meteu! Katherine é minha, entendeu? Minha!

  Ele me largou ao mesmo tempo em que me empurrava novamente.

  Minha cabeça bateu contra o armário e eu senti tudo rodar. Passei a manga da jaqueta no nariz e vi que realmente sangrava, e muito. Olhei para Henrie, sentindo vontade de fazer nele o mesmo que fez comigo, quando ele me socou novamente e empurrou seu joelho contra a minha barriga. Cuspi o sangue que me veio à boca, e ele riu com escárnio.

- Vai ter troco. - murmurei.

  Ele apenas me lançou um último olhar e saiu para o estacionamento. Permaneci ali, escorado nos armários enquanto tentava respirar normalmente. A joelhada que ele me dera não acertou apenas minha barriga, mas o peito também. Eu sentia como se houvesse um peso sobre minhas costas, me impossibilitando de respirar normalmente.

  Minutos depois eu saí para o estacionamento, tentando estancar o sangue que escorria do meu nariz com a manga da jaqueta. Minha blusa já estava manchada de sangue e o cheiro de ferro já me deixava enjoado e atordoado. Joguei minha mochila no banco de passageiro do carro e bati a porta. Com dificuldade liguei o carro, já que uma das mãos ainda estava sobre o meu nariz.

  Dirigi cuidadosamente até a casa de Kate. Ela teria muita coisa para me explicar. Estacionei em frente à casa branca com varanda. O bairro de Kate era tranquilo e algumas crianças brincavam pela rua, mas nem isso aplacava a minha dor de cabeça pulsante e o meu nariz que eu acreditava estar com hemorragia.

  Henrie era louco.

  Peguei minha mochila e a pendurei no ombro, trancado o carro. Fui a passos rápidos até a casa de Kate e toquei a campainha. Ouvi sua voz gritando para que eu esperasse e segundos depois a porta foi aberta. O pequeno sorriso que Kate exibia desapareceu ao ver meu rosto, e ela arregalou os olhos.

- O que você fez?! - gritou.

- O que eu fiz? O que o Henrie fez! - falei com a voz fanha por causa do nariz. - Pelo amor de Deus, me deixa entrar e me ajuda com esse sangue. Kate me deu passagem para que eu entrasse na casa, me olhando atordoada. Logo trancou a porta e veio até mim, colocando o braço em minha cintura para me dar apoio.

- Amy, traga a maleta de primeiros socorros! - ela gritou aos pés da escada para sua irmã mais nova. - Rápido!

  Coloquei minha mochila num canto, aliviado ao me livrar do peso, e me sentei no sofá. Kate sentou ao meu lado, retirando minha mão do meu rosto para ver meu nariz. Ela fez careta e estremeceu.

- O que você falou para ele? - perguntei. - Ele veio com um papo de...

  Kate me interrompeu, balançando a cabeça negativamente.

- Depois falamos sobre isso, primeiro eu tenho que dar um jeito no seu rosto. - ela disse. - Amy, eu já disse para...

  Antes que Kate pudesse completar sua frase, Amy apareceu na sala afoita e com o rostinho corado devido à pressa. Ela segurava a maleta branca de primeiros socorros contra o peito, e veio até nós, me olhando com curiosidade.

- Você está horrível! - ela disse com sua vozinha fina e infantil, me fazendo sorrir. - Quem fez isso?

- O namorado da Kate. - respondi fanho.

  Kate crispou os olhos para mim, e Amy fez uma carinha convencida, colocando as mãos na cintura e batendo um pé no chão.

- Eu disse que ele era mau, Kat! - ela falou, fazendo Kate revirar os olhos. Amy virou para mim. - A Kat nunca acredita em mim, ela diz que eu tenho que ir brincar de plíncipe e plincesa.

- Príncipe e princesa. - Kate corrigiu, colocando um remédio num pedaço de algodão. - Vai brincar, Amy.

  Sorri diante das duas. Amy bufou se fazendo de adulta, e pulou no sofá no meu outro lado, olhando com curiosidade para Kate enquanto ela limpava o sangue do meu nariz com o algodão. A sala ficou toda silenciosa enquanto Kate dava um jeito em meu rosto. Amy olhava a tudo com os olhos levemente arregalados.

- Uau. - falou baixinho. - Você está horrível.

  Eu e Kate sorrimos levemente. Logo meu rosto já estava limpo, mas Kate havia enfiado pedaços pequenos de algodão nas minhas narinas, me incomodando.

- É necessário? - perguntei, tendo que respirar pela boca.

- Sim, caso contrário irá sujar o tapete da minha mãe e você nunca mais vai ver a luz do dia. - falou, dando um sorrisinho de quem gosta de ver o sofrimento dos outros.

  Revirei os olhos. Logo Amy subiu para o seu quarto e voltou com várias revistas de colorir. Era sempre assim quando eu tinha que vir aqui para fazer algum trabalho, ou quando Kate trazia qualquer outra pessoa. Amy gostava de ficar por perto, não para incomodar, mas apenas para ter companhia e se sentir “crescida”. Ela ficava em um cantinho do tapete deitada ou sobre o sofá enquanto coloria os desenhos.

  Kate logo trouxe seus livros, notebook e cadernos, colocando-os sobre a mesinha no centro da sala.

- Eu já fiz o trabalho inteiro enquanto você não chegava, mas deixei um trecho para você procurar na internet, para você ter algo para fazer. - falou.

  Apenas assenti e joguei o assunto do trabalho no Google em seu notebook. Ficamos em silêncio novamente, enquanto eu procurava as coisas restantes do trabalho e Kate olhava distraída para Amy com um leve sorriso, enquanto a pequena cantarolava e balançava seus pés no ar, deitada de barriga para baixo do tapete felpudo da sala, enquanto coloria uma princesa.

  Eu gostava de observar as duas. Kate tentava dar uma de irmã mais velha durona, mas sempre caía nos encantos de Amy. Qualquer um caía, na verdade.

  Dez minutos haviam se passado e eu terminei a minha parte do trabalho. Kate salvou tudo em um arquivo de documento para imprimir tudo depois. Logo eu a ajudei as arrumar as coisas e quando terminamos, nos olhamos. Ficamos nos encarando em silêncio, e logo ela suspirou, parecendo se dar por vencida.

- Venha comigo, vou preparar um lanche. - falou, se levantando.

  Eu sabia que além de preparar um lanche, ela queria trazer o assunto “conversa com Henrie” à tona longe dos ouvidos de Amy. Eu a segui até a cozinha sentindo vontade de arrancar aqueles malditos algodões das minhas narinas e jogá-los longe.

  Sentei em uma das cadeiras altas da bancada, que ficava ao lado da janela da cozinha, enquanto Kate mexia na geladeira e nos armários.

  Fiquei observando-a enquanto ela preparava uma bandeja com bolo, suco e alguns biscoitos, que eu acreditava ser para Amy. Logo ela foi até a sala com a bandeja e rapidamente voltou para a cozinha. Colocou uma fatia de bolo de chocolate num prato para mim e me entregou.

- Parece com o que a minha mãe faz. - falei.

  Kate sorriu levemente.

- Ela me passou a receita. Espero que tenha ficado bom como o dela, eu ainda não provei. - falou, servindo uma fatia para si mesma.

  Kate sentou na cadeira alta ao meu lado, comendo o bolo. Incrivelmente o bolo ficou com o gosto idêntico ao da minha mãe, e isso era um grande feito para Kate, porque ela era péssima na cozinha. Eu sabia bem disso porque geralmente eu era sua cobaia humana sempre que ela preparava “uma receita maravilhosa que achou na internet”.

- Ok, agora pare de me enrolar e conte como foi. - falei.

  Ela me olhou pelo canto dos olhos e suspirou.

- Você não deixa passar nada... - murmurou. - “Péssimo” define toda a conversa.

- Motivo?

  Ela suspirou, deixando o bolo de lado e colocando o rosto nas mãos. Deixei meu bolo na bancada e virei meu corpo na cadeira, ficando de frente para ela.

- Ele te machucou? - perguntei, analisando-a.

- Não fisicamente. - ela falou, suspirando e tirando o rosto das mãos e me olhando com um sorriso desanimado. - Ele me chamou de algumas coisas que eu prefiro não lembrar agora, gritou comigo e perguntou se eu estava transando com você.

  Bufei.

- Ele me parou no corredor e me socou, me acusando de ser o motivo pelo qual você terminou com ele. - falei, fechando as mãos em punho.

  Kate fez uma careta, balançando a cabeça.

- Será que ele não percebe que a culpa foi inteiramente dele? – ela pareceu perguntar mais para si mesma. - Eu disse que já sabia e havia presenciado as traições dele, e ele continuou gritando e me ofendendo, dizendo que eu iria me arrepender da minha atitude.

  Suspirei.

- Eu não vou deixar ele fazer nada com você, não se preocupe. - eu a tranquilizei, colocando uma mão no topo de sua cabeça.

  Até sentada Kate era baixinha. Ela revirou os olhos.

- Ele não é louco ao ponto de pensar em tocar um dedo em mim para fazer algo ruim. Minha preocupação é com você... Ele te ameaçou?

  Com palavras? Não. Mas eu sabia que estava extremamente ferrado, para não usar outra expressão.

- Não, ele não me ameaçou. - falei o que não deixava de ser verdade. – Vai ficar tudo bem, não me preocupe.

- Se ele ameaçar te bater novamente, você corre. Entendeu? – ela falou, me olhando emburrada.

- Eu tenho cara de quem foge em uma situação crítica?

- Quer que eu seja sincera?

  Revirei os olhos e Kate riu. Levantei e peguei nossos pratos, os levando até a pia. Kate me zoou, como sempre, quando eu peguei a esponja para lavar a louça que sujamos, mas eu era um cara educado.

- Só falta o avental para completar o visual! - ela riu. - Vou comprar aqueles lencinhos para você colocar na cabeça, vai ficar uma dona de casa linda!

- Kate, pegue esse lenço e...

  Ela me interrompeu com sua risada alta, e eu revirei os olhos, rindo também.

- Nada de palavras de baixo calão aqui, Thompson! Agora larga essa louça aí e vamos para a sala ver algum programa de humor duvidoso. Preciso rir de alguma piada sem graça!

  Terminei de lavar o último prato e sequei minhas mãos, ainda sob o olhar risonho de Katherine. Ficamos a tarde inteira assistindo séries com Amy dormindo em nosso colo. Quando deu seis horas da tarde eu peguei minhas coisas para ir embora. Logo seus pais chegariam do trabalho, e a mãe de Kate, a Jen, não podia me ver que queria me prender nessa casa para sempre. Algo em mim a fazia querer preparar todos os pratos culinários que ela sabia, e se ela me visse aqui, eu não iria embora tão cedo.

  Eu me despedi de uma Amy adormecida e de Kate. Finalmente eu pude tirar aqueles algodões nas narinas, e conseguia respirar normalmente.

  Meu rosto estava um pouco inchado, e eu tenho certeza que amanhã ao acordar estará bem pior.

  Dirigi rapidamente até em casa. Assim que estacionei na garagem, vi o carro da minha mãe e as luzes de casa todas acesas.

  Minha mãe estava na cozinha, cantarolando uma música antiga enquanto preparava o jantar. Ela pulou de susto quando eu beijei seu rosto, mas sorriu.

- Eu já estava ficando preocupada, onde você estava até agora? – perguntou, mas quando me olhou bem, arregalou os olhos. – E o que aconteceu com o seu rosto?!

   Suspirei. Eu teria que mentir.

- Levei uma bolada no rosto durante os treinos... – falei, e ela me olhou desconfiada, mas não prolongou o assunto. – E fui à casa da Kate fazer um trabalho de Biologia.

  Ela sorriu, e eu revirei os olhos.

- Só fizemos o trabalho, mãe. - resmunguei, pegando uma lata de refrigerante na geladeira.

- Ah querido, por favor, me poupe dos detalhes sórdidos! - falou risonha.

  Quase cuspi o refrigerante, e ela riu mais.

- Vai tomar um banho porque o jantar já está quase pronto. – falou mandona, mas ainda sorrindo.

  Resmunguei “Sim, senhora” e subi para o meu quarto. Joguei minha mochila em um canto qualquer e deixei a lata de refrigerante sobre a escrivaninha, já retirando minha camiseta. Chegar em casa depois de tantas aulas e socos na cara era um alívio.

  Tomei um banho de ducha e coloquei uma blusa e uma bermuda. Sequei meus cabelos com a minha toalha e sai do quarto. Planejava ir até a cozinha fazer companhia para a minha mãe, mas passei pelo quarto de Anna...

  Ela estava estranha desde dois dias atrás, quando eu a encontrei no canto da cozinha toda suja e assustada. Ela iria me contar algo, mas minha mãe chegou na hora. Desde então Anna parece fugir de mim. Marchei até seu quarto e dei duas batidas na porta. Ela não respondeu nada. Decidi entrar mesmo assim.

  Seu quarto estava escuro, apenas a luz azulada do poste da rua iluminava parcialmente seu quarto, entrando pela janela. Vi a forma de seu corpo debaixo do edredom na cama, e acendi as luzes. Ela se remexeu e colocou a cabeça para fora do cobertor, me olhando sonolenta.

  Encostei a porta e fui até ela. Anna sentou na cama, me olhando com curiosidade e, ao mesmo tempo, receosa.

  Eu me sentei ao seu lado.

- Como está? - perguntei.

  Era uma pergunta idiota de se fazer, é claro. Era óbvio que ela não estava bem – nunca estava. Mas ela iria dizer que sim. Como sempre.

- Estou bem. - murmurou.

  Observei seu rosto sonolento e receoso, enquanto ela evitava me olhar.

  Debaixo de seus olhos verdes-escuros estavam as olheiras, resultado de

noites mal dormidas.

  Mal dormidas por quê?

- Tínhamos uma conversa marcada, lembra? - falei, sorrindo levemente, na

tentativa de descontrair um pouco.

- Não tínhamos não.

- Tínhamos sim. Você ia me contar o porquê de ter aparecido toda suja. Ia me contar o porquê daquele surto na cozinha e sobre aquilo de você... De você sempre ir aos enterros. Por que foi ao enterro de Holly, se não a conhecia? - falei tudo rapidamente, ávido por informações.

  Eu precisava entender o que se passava na cabeça da minha irmã. Ela me olhou brevemente, logo desviando o olhar.

  Ela olhou ao redor, parecendo acuada, e abraçou a si mesma me olhando quase com desespero. Agonia.

- Eles me chamam. – ela sussurrou. – É quase como...

   Fiquei olhando-a, enquanto ela engolia em seco, parecendo incerta se devia me contar ou não.

- Como o que? – perguntei. – Não precisa ficar com medo de contar, Anna.

   Ela assentiu minimamente, e mordeu o lábio inferior.

- É quase como um pedido de socorro. – ela sussurrou novamente. – E eu não tenho como negar. Eu praticamente sou puxada... – ela falava com dificuldade, a voz fraquejando e seus olhos assustados. – Quando olho ao redor, estou . E é perturbador, eles não param de gritar na minha cabeça, são várias vozes ao mesmo tempo e a Holly me chamou.

   Segurei delicadamente em suas mãos trêmulas, e a olhei assustado. Anna desencadeou a falar, enquanto suas mãos tremiam e seus olhos me olhavam sem piscar. Senti um arrepio por toda a minha espinha ao ouvir suas palavras, e de repente o ambiente ao nosso redor pareceu ficar mais frio.

- Ela gritava tanto... – Anna murmurou. – Por todos aqueles dias e...

- Espera. – falei minha voz saindo embargada. – Como assim? Ela te gritou por todos os dias? Como assim? Eu não entendo, Anna.

- O espírito dela. – Anna sussurrou como se contasse um segredo, mas não parecia com a minha irmã.

   Não parecia a Anna, - minha irmã – ali na minha frente. Olhei fundo em seus olhos, sua feição angustiada, e parecia outra pessoa. Ela fincou suas unhas em minhas mãos, e senti minha carne doer, mas não retirei minhas mãos da sua. Ela ainda tremia.

- Ela não estava morta, mas era como se estivesse. – ela sussurrou. – Ela gritava em minha cabeça, todos eles gritavam e eu não sabia o que fazer. – Anna fincou ainda mais suas unhas em minhas mãos, e eu a olhei atônito, sem me mover, enquanto seus olhos lacrimejavam. – Eu nunca sei o que fazer, e parece que toda a minha força é sugada. Eu não sei o que fazer.

- Anna... – tentei falar, mas seu corpo curvou-se para frente, e ela soluçou alto soltando minhas mãos e abraçando-se novamente.

- Eu nunca sei o que fazer. – ela repetiu entre soluços, levando suas mãos aos próprios cabelos e puxando-os. - Eu nunca sei o que fazer. Eu nunca sei o que fazer.

   Senti minhas mãos trêmulas, e a abracei desajeitado. Anna continuava a repetir a frase sem parar em murmúrios, e eu tentei tranquilizá-la. Tirei suas mãos de seus cabelos, temendo que ela se machucasse, e ela voltou a se abraçar de forma protetora. Seu rosto estava corado e úmido devido às lágrimas. Engoli em seco.

   O que foi isso? O que ela quis dizer com tudo isso?

   Olhei ao redor, tentando achar algo que me explicasse tudo aquilo, que me fizesse enxergar claramente o que acontecia. Passei os olhos pelo quarto ao meu redor, e meus olhos pararam sobre os desenhos presos na parede com fita adesiva sobre a escrivaninha. Apertei os olhos para tentar enxergar o que havia neles da distância que eu estava, mas não consegui entender do que se tratava. Senti as mãos de Anna me empurrarem levemente, e olhei para ela.

- Eu preciso ficar sozinha. – ela murmurou.

   Apenas assenti fracamente e rapidamente peguei o seu prato de comida quase intocado. Eu sabia que ela não iria comer mais nada. Rapidamente saí de seu quarto, ainda a tempo de vê-la se encolher debaixo das cobertas. Senti um aperto no peito, e uma vontade absurda de conversar com alguém. Levei a louça suja para a cozinha e me apoiei no balcão, respirando fundo.

- Josh? – minha mãe chamou. – Está tudo bem?

   Assenti rapidamente, forçando um sorriso. Minha mãe avisou que iria dormir e foi para o seu quarto. Logo eu subi para o meu próprio quarto e peguei meu celular, me jogando na cama enquanto digitava o número de telefone já conhecido por mim.

- Alô? – Kate falou no outro lado da linha, parecendo nervosa.

- Sou eu. – falei. – Preciso da sua ajuda.

   Ela ficou em silêncio por alguns segundos, e pude ouvir gritos abafados ao fundo. Eu me sentei na cama, estranhando aquilo. Será que...

- Josh, agora eu estou meio... – ela arfou. – Eu estou meio ocupada.

- De novo? – perguntei. Eu sabia que ela iria entender.

- Sim. – ela murmurou.

   Bufei, passando a mão no rosto. Os pais de Kate viviam brigando... Seu pai tinha um bom emprego, era um homem bom, mas era alcóolatra. Por vezes ele chegava em um estado deplorável em casa após o trabalho, e a mãe de Kate se estressava. E no fim das brigas, quem sofria as consequências era Kate. Senti a raiva subir à cabeça.

- Sai dessa casa. Vem para cá. – pedi.

   Eu a ouvi soluçar. Droga, ela chorava.

- Eu não posso deixar Amy sozinha. – ela falou, e pude ouvir um choro baixo ao fundo. – Vai saber o que meu pai pode fazer com ela?

- Pode trazê-la com você. Avisa a sua mãe que eu levarei vocês ao colégio amanhã. – falei agoniado. – Sai daí, por favor.

   Kate concordou, e se despediu, prometendo estar em minha casa em 20 minutos.

   Eu não suportava aquilo. Cansei de ver Kate chegar ao colégio com blusas de manga comprida para esconder os hematomas. Seu pai, completamente alcoolizado, partia para cima da mãe dela e Kate apanhava em seu lugar para protegê-la. Bufei, nervoso. Logo tratei de ir para a sala para esperar por elas lá. Liguei a TV e fiquei zapeando pelos canais ansioso.

   Kate... Anna...

   Holly.

   Porra, eu vou ficar maluco.

   Olhei no relógio. Quarenta minutos se passaram. Kate não chegou.

   Escutei a campainha ser tocada e levantei num pulo, correndo até a porta. Eu me deparei com Kate segurando Amy no colo, e com uma mochila nas costas. Seu rosto estava em um vermelho vivo em uma das bochechas, e seus braços trêmulos. Peguei a mochila dela e ela entrou. As levei até a sala, e Kate colocou Amy deitada em um dos sofás. A pequena se encolheu, e vi que seu rostinho estava úmido.

- Vou pegar algo para você comer, tá? – falei baixinho para ela, que apenas assentiu.

   Levei Kate para a cozinha e a sentei em uma das cadeiras altas do balcão. Parei na sua frente, e ela me olhou com uma das mãos escondendo o vermelho de sua bochecha.

- Deixe-me ver isso. – pedi, retirando sua mão de seu rosto, e ela suspirou. – Ele te bateu?

- Ele não quis me deixar sair. – ela murmurou. – Me bateu e me empurrou, então se você tiver alguma pomada para hematomas, eu agradeceria muito...

   Assenti, sentindo meu peito doer por vê-la naquele estado. Fui até a caixa de primeiros-socorros e achei uma pomada para hematomas que minha mãe sempre usava quando era preciso. Voltei até ela, e pedi que me mostrasse o local machucado. Ela levantou um pouco a blusa na região da cintura, e eu passei a pomada sobre a mancha arroxeada. Aquilo iria ficar feio.

- Pronto. – falei quando terminei de medicar.

   Kate abaixou a blusa, sem me olhar. Levantei seu rosto e ela desviou o olhar do meu.

- Eu odeio te ver assim. – murmurei.

- Desculpe. Eu também odeio tudo isso. – ela sorriu amarga. – E obrigada por ter nos deixado passar a noite aqui. Eu já não sabia o que fazer para acalmar Amy.

   Suspirei e beijei sua testa. Fui até a geladeira e peguei o pedaço de lasanha que havia lá. Esquentei no micro-ondas e coloquei suco em um copo. Fomos para a sala, e Amy ainda estava na mesma posição, assistindo a um desenho que passava na TV.

   Dei a comida para ela, e ela sorriu timidamente. Sentei com Kate ao seu lado, e ficamos observando-a comer em silêncio.

- Josh, está tudo bem? – ouvi minha mãe falar descendo as escadas, e logo ela apareceu, olhando surpresa para Kate. – Céus, o que aconteceu com você?!

   Kate a olhou sem graça. Minha mãe sabia do que acontecia na casa de Kate. Ela rapidamente explicou o que havia acontecido, - novamente – em sua casa, e minha mãe a abraçou.

- Você é bem vinda aqui sempre, querida. – falou. – Eu irei arrumar o quarto de hóspedes para você e Amy, ok?

   Kate sorriu, assentindo, e minha mãe voltou para o segundo andar da casa.

- Aliás, você disse que precisava da minha ajuda. – Kate lembrou. – Em quê?

   Engoli em seco.

   Toda a conversa com Anna se passou em minha mente. Eu devia contar à Kate? Ela provavelmente me acharia um maluco, mas... Talvez pudesse me ajudar a entender o que acontece com a minha irmã. Talvez eu finalmente entendesse o porquê dela ser assim, e por que Holly está metida nisso tudo se ela está... Morta.

   Por que tinha que ser tudo tão confuso?


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Notas finais do capítulo

Josh é um "pouco" lerdo. Só acho. HAUHUAHAHAHHAUHUA
Desculpe a demora, e espero que tenham gostado! Deixem reviews, comentem... Tem 18 leitores nessa fic, e eu recebo só 3 reviews nos capítulos, gente... Isso chateia bastante. Se a história não está agradando, digam o que poderia melhorar. Eu só não excluo por consideração à uma leitora (sim Tory, é você), se não já teria desistido.
ENFIM, comentem, please! Vou tentar não demorar no próximo! Se tiverem alguma dúvida, só falar! ;)