O Primeiro Massacre Quaternário - The 25th Hg escrita por Everaldo Tavares


Capítulo 2
O bilhete




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O suspiro de uma vida. É o que me resta até esse ponto e não há mais tempo para correr. Lenta, muito lentamente, acordo de um sono pesado. Estou em uma cama macia, confortável e aquecida. Afasto os cobertores de seda e levanto. Percebo que estou no quarto de um trem, pois a janela revela uma paisagem, toda borrada, em movimento.

                – Finalmente, querida! – grasna um homem, com o sotaque ridículo da Capital. Tento disfarçar uma risada, mas não consigo – Oh! Você está tão alegre assim? Isso é ótimo! Particularmente, prefiro vocês felizes mesmo. É uma honra estar aqui, não acha?

                Honra? Fico paralisada. A vontade de rir desapareceu e agora quero matá-lo. Não tenho certeza do que pode ser pior: estar perto da morte ou saber que meu distrito votou nisso.

No aniversário de vinte e cinco anos, para que os rebeldes não se esqueçam de que suas crianças estavam morrendo por suas escolhas violentas, cada distrito fará uma eleição e elegerão dois tributos para o Primeiro Massacre Quaternário da história.

E é nesse momento que uma onda de fúria toma conta de mim.

– Uma honra? – e a febre começa a se alastrar: do meu coração para as minhas pernas, mas o quarto está tão silencioso que pondero se devo ficar calada. Entretanto, por dentro, estou em erupção – Covardia isso, sim, o combinado era para escrevermos algo absurdo ou nada no papel! Eu fiz isso, meus pais fizeram isso, meus amigos fizeram! Não há nada de honroso em ser um tributo para vocês, entendeu? Nada! Vamos morrer naquela arena, enquanto vocês nos assistem pela televisão. Espero, com todas as minhas forças, que você engasgue com esse sotaque horrível!

A próxima coisa que sei é que estou armando um soco para descê-lo na cara daquele homem. Meu corpo reage antes da mente e saio correndo pela porta. Olho para trás e ouço um bater de palmas.

                – Bravo! Bravo! Quanta emoção, Lee, quanta intensidade! – como um daqueles brinquedos que batem dois pratinhos, ele não para de bater as mãos – É esse o discurso que você vai usar? Uma garota rebelde e inteligente? Olhe meus braços, garota, você me fez arrepiar e chorar! Você fez a minha viagem valer a pena! A propósito, meu nome é Náilon.

                Quando viro, novamente, para sair daquele aposento, percebo um rapaz alto de cabelos negros, parado na porta, apenas observando curiosamente. Vejo que está vestindo uma camisa lisa cinza, jeans branco e sandálias. De alguma maneira, parece estar se divertindo com tudo isso, pois vejo um sorriso em seus lábios. Sinto mais raiva ainda.

                – O café já está servido – diz ele, lançando um olhar de escárnio. Nesse momento, agradeço a Náilon por passar seus braços em volta de mim. Sinto-me um pouco mais calma diante desse garoto.

                – Já vamos, Tom. Vá indo na frente, preciso vesti-la ainda.

                Diria, pela sua expressão, que Náilon parece não gostar dele da mesma maneira que eu. Tom, concordando, vai embora por um corredor, enquanto eu e Náilon vemos a sua sombra desaparecer. Não consigo parar de pensar: quem é ele?

                – Vista essa roupa, Lee – diz Náilon, apontando para uma cadeira com um vestido branco dobrado sobre ela. Quando o coloco no meu corpo, vejo uma pessoa totalmente diferente no espelho. Estou parecendo tão frágil, como uma garotinha que acaba de completar dez anos. Reparo, no meu tornozelo, o pequeno furo feito pelo dardo, mas Náilon escolheu uma sandália que o esconde. Não entendo a atitude dele. Quando olho, em busca de uma resposta, encontro apenas um sorriso suave em seu rosto.

                – Gostou? – balanço a cabeça em aprovação. Sinto vergonha por ter agido daquela maneira. Deveria me controlar mais – Agora o último toque.

                Então ele pega meu cabelo e faz um rabo-de-cavalo. Simples, mas meu rosto fino e magro parece ter ficado mais forte, com certo ar de determinação. E, de repente, percebo que gosto de Náilon, apesar de tudo. Como sinal de agradecimento, tento sorrir da maneira mais gentil possível. Ele corresponde.

Em seguida sou guiada até o compartimento onde Tom está à nossa espera. Há uma cadeira livre ao seu lado. E, na mesa, existe tanta comida como eu nunca vi antes: leite, bolachas, bolos de aspectos deliciosos, frutas e incontáveis jarras de sucos e cremes. O cheiro forte de café empurra meu estômago para baixo e percebo que não como desde o jantar com meus pais.

Minha família.

Uma torrente de lembranças inunda minha mente, mas, em seguida, as rechaço do meu pensamento. Não posso desviar do meu foco que é sobreviver aqui. Sinto carinho por eles, só que, nesse momento, apenas me atrapalhariam. E, distante da maneira como estou, nada posso fazer por mais ninguém, a não ser por mim.

Rodeando a mesa, escolho o lugar livre ao lado de Tom. Mostrarei que não tenho medo de ninguém e que, sim, posso vencer esse Massacre Quaternário. Náilon senta de frente para mim. Quando coloco um pedaço de pão no meu prato, vejo um bilhete com meu nome escrito perto dos talheres. Abro-o e leio:

Eu vou te matar, nem que seja a última coisa que eu faça. Pode apostar que sim.

                Olho para Tom e ele apenas sorri de volta. E percebo que ele é o outro tributo escolhido.


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