Asas Negras escrita por Carolina Amann


Capítulo 23
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mas saiu! Perdoem os possíveis erros ortográficos, escrevi "na louca". E pra quem já estava pensando que eu só dou ponto sem nó, não se preocupe, sou uma escritora bem atenta aos detalhes, não me esqueci do que houve no laboratório haha (caso fique meio perdido, volte ao capítulo 18 e releia-o). Boa leitura :D



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Respirei fundo. Pelos meus cálculos levaria cerca de 15 minutos para o trem parar na estação certa. Meu tornozelo direito começou a latejar, lembrei-me do urso empalhado que havia caído em cima de mim e te ter sentido algo se quebrar. Ergui a calça e tirei o tênis. Podia ver como ele estava inchado por baixo da meia, abaixei-a apenas o suficiente para constatar que, além de inchado, meu tornozelo estava da cor “roxo-necrose” e que eu, muito provavelmente, não conseguiria andar. Suspirei, como não havia percebido antes? Talvez fato de ter estado com seres sobrenaturais tivesse algo a ver com isso, ou talvez eu só estivesse em choque. Guardei o tênis dentro da mochila e estiquei o pé no banco em que Daniel estivera sentado há alguns minutos atrás, peguei minha carteira e contei o dinheiro duas vezes. Acho que conseguiria pagar um táxi da estação até o hospital. Meu celular vibrou. Peguei e constatei que eram 11:45 h, o tempo tinha voado. Duas mensagens esperavam para ser lidas.

A primeira era de Punk, perguntando onde eu estava. Pensei em responder, mas decidi esperar, responderia do hospital. Diria que tropecei na escada, enquanto voltava do laboratório, caí e quebrei o tornozelo. Até porque, o que mais eu poderia dizer? Que “um anjo caído transformado em corvo atacou a mim e ao Ethan, o que fez com que eu acabasse me machucando feio, e em seguida Ethan saiu voando comigo pra um lugar totalmente deserto, mas tudo bem porque ele me explicou que eu era a Sétima-Alguma-Coisa-do-Apocalipse e então, quando eu estava no trem voltando para a cidade, o anjo caído que fez com que eu quebrasse a perna, entrou no vagão e demos uns amassos”? Francamente, além de surreal era nojento. Quer dizer, eu e Punk estávamos meio que saindo, não? Então tipo, eu não deveria ter ficado me engolindo com Daniel, por mais irresistível que fosse, até porque, ele era “do mal”, ou algo assim. Respirei fundo. “Ah, que ótimo” pensei “Então agora, além de punk, má aluna, semiorfã e sobrenatural, eu ainda era uma vadia.”. Suspirei, em seguida olhei a segunda mensagem. Eu não conhecia aquele número, mas não era necessário, sabia quem era o remetente. O visor de meu celular exibia a seguinte mensagem: “Me desculpe por ter quebrado seu tornozelo. Irei compensá-la por isso”.

Era só segunda-feira e a semana já estava uma merda.

Quando o trem parou na estação certa, abri a porta e chamei por uma das ajudantes. A mesma que teve a bondade de interromper minha sessão de amassos com o Daniel veio me atender. Ela era loira, o cabelo reluzente amarrado em um coque firme, seus olhos azuis eram tão claros que pareciam ser de vidro. Ela sorriu. Em seu crachá podia-se ler “Srta. Martinez”.

– Acho que quebrei o pé – exclamei sem jeito, se ela perguntasse como, eu não saberia explicar – Será que você poderia chamar alguém para me acompanhar até a entrada da estação? De lá eu pego um táxi.

– Oh, pobrezinha! – exclamou ela – Só um momento senhorita, vou pedir para que um dos meninos da estação venha te buscar. Não se incomode com o táxi, eu ligarei para a agência. – ela respondeu, encarando com seus olhos cristalinos cheios de compaixão.

Menos de dois minutos depois um homem barbudo de feições simples, típicas de quem teve de trabalhar desde muito cedo, apareceu na porta de minha cabine.

– Com sua licença moça - disse ele – Sou Francisco, o jardineiro. Se a senhorita me permitir vou te carregar no colo até a frente da estação – olhei no fundo daqueles olhos castanhos e fui invadida por uma onda de nostalgia. Num instante, estava de volta a minha antiga casa com papai e mamãe lendo de mãos dadas na varanda enquanto eu corria pelo jardim e gritava para o jardineiro: “Tio Chico, tio Chiiiiico, faz esse arbustos virar um coelhinho pra mim? Faz?” e ele sorria e respondia “Claro bonequinha, mas só se você regar as cenouras que eu plantei na horta”, nessas horas eu saía correndo atrás do regador.

– Tio Chico? – sussurei vacilante. Ele me reconheceu na mesma hora.

– Princesinha? – disse ele. Vi lágrimas brotando em seus olhos pequenininhos, escorregando entre as pequenas rugas de sua pele marcada pelo sol. Abracei o com força com a mochila pendurada nas costas, no mesmo instante em que ele me pegava no colo.

– Tem certeza de que pode mesmo fazer isso? – brinquei – Estou vendo umas ruguinhas, será que o bom velhinho já não ficou fraco pra essas coisas? – Ele torceu o nariz, fingindo-se de bravo.

– Veja só como fala mocinha! Eu já não te expliquei para que servem os espinafres? – rimos entre as lágrimas de um reencontro inesperado. Tio Chico havia sido o jardineiro de minha antiga casa e, sem dúvida, um dos adultos mais legais de minha infância, perdendo apenas para os meus avós. Ele me ensinou quase tudo sobre as plantas, apenas contando para mim aquilo que aprendera com seu pai, que por sua vez aprendeu com o pai dele e assim por diante. Ele me contou o significado das flores, quais ervas faziam bons chás e quais davam alergia. E mesmo sempre tendo tido uma ótima relação com a minha família, nunca mais nos vimos depois do acidente. Olhar para ele era como olhar para um passado distante, carregado de inocência e boas lembranças. Era quase como olhar para o meu pai. Uma pequena voz irritante gritou do fundo de minha mente que eu só estava “chorando e dizendo essas coisas melosas porque estava na TPM”. Mas eu não acho que isso seja verdade, os últimos dias foram tão traumatizantes que mais pareceram uma vida.

Enquanto ele me carregava conversamos sobre todo tipo de coisas banais. Sobre o colégio, as provas, meus avós, o jardim... Por fim ele me pôs no chão. Estávamos em frente à estação e o táxi já me esperava.

– Foi bom te ver, pequena – disse ele, contendo a emoção – Cuide-se e venha aqui me ver. Trabalho nesses jardins toda terça e quinta.

– Pode deixar, Tio Chico, vou sim – dei um sorriso amarelo, os olhos embaçados novamente. Não tinha percebido como sentira sua falta. Trocamos um abraço apertado e eu entrei no táxi.

– Hospital Carlos Gomes, por favor – a motorista virou-se para mim e sorriu. Era a atendente do trem. Dei um pulo para trás, grudando no banco enquanto ela arrancava e dizia:

– É pra já!

Meus olhos estavam arregalados e eu suava frio. Que brincadeira de mau gosto era aquela? Anjos, demônios, reencontros emotivos e agora teletransporte?

– O que...? Como você chegou aqui? – perguntei debilmente – Você estava no vagão...

Pelo retrovisor vi seu olhar faiscar, mas foi tão rápido que poderia ter sido imaginação minha. Ela me encarou com uma expressão confusa.

– Não senhorita, não estava... – em seguida pareceu lembrar-se de algo – Ah... Talvez você tenha visto a minha irmã gêmea, ela trabalha como atendente de vagões – esclareceu com um sorriso brilhante.

– Sim – disse em voz baixa – deve ter sido isso...

Ela voltou a concentrar-se na direção, o cabelo loiro caindo ondulado por suas costas. Um ondulado não-natural. Eu podia ver a marca de um elástico de cabelos, atravessando as mechas loiras. Era a atendente, eu tinha certeza. Suspirei e encostei a cabeça no teto. Pela milésima vez nos últimos três dias, rezei para que o despertador rezasse logo. Era um sonho, tinha que ser. De qualquer forma, não fazia sentido pensar na identidade da taxista agora.

– Chegamos – exclamou ela. Estávamos de fato, em frente à entrada do setor de pronto atendimento do hospital, mas parecia que tínhamos voado até ali. Foi tão rápido! – Quer que eu peça para um dos enfermeiros vir te buscar? – balancei a cabeça de modo afirmativo, peguei o na carteira o valor que o taxímetro exibia: R$ 3,75. Isso era impossível, o hospital ficava relativamente longe da estação, o taxi deveria dar no mínimo dez reais.

Quando ela voltou, conferi o valor com ela. Estava certo. Paguei a corrida e deixei que os enfermeiros me conduzissem até uma sala de raio X.

De fato, meu tornozelo estava quebrado. Em 3 lugares diferentes. Até o momento eu nem sabia que o tornozelo tinha tanta parte para quebrar. Eram, no mínimo, 3 meses de gesso. Assim que terminei de assinar a ficha do aluguel de muletas, sentei na sala de espera com elas ao meu lado e liguei para o Punk.

Tu-tu-tu-...- Deixe seu recado após...

Desliguei e liguei de novo.

Tu-tu-tu-...- Deixe seu recado após...

Mais uma vez. Eu sabia que ele estava fazendo birra, mas sinceramente, não tinha motivo. A menos que ele soubesse que eu havia me pegado com o Daniel no vagão do trem (algo que estava fazendo eu me roer as unhas de remorso), mas eu duvidava muito.

Tu-tu-tu-click.

– Fala. – disse ele, a voz seca. Suspirei.

– Preciso de você.

– O que é? O estagiário não foi o suficiente? Quer me chamar pra terminar o serviço? – ele estava muito irritado. Eu podia sentir o ciúmes escorrendo por sua boca em forma de palavras. Aquilo me tirou do sério.

– O quê? – perguntei incrédula – O quê você disse João Paulo? Acha mesmo que eu sou do tipo de garota que fica se amassando com o estagiário no laboratório e depois vai embora? – okay, eu tinha feito algo bem parecido com isso no trem, mas aquilo não era algo do qual eu me orgulhasse. Eu não pretendia beijar o Daniel novamente. – Para a sua informação, seu babaca sem cérebro, eu caí da escada enquanto voltava do laboratório e quebrei o tornozelo em três partes diferentes! Tudo o que o Ethan fez comigo, foi me carregar até a enfermaria do colégio, que por sua vez me encaminhou pro hospital em que minha avó está.

– Ah é? – perguntou ele, ainda irritado, mas com um pouco de culpa – Então porque o Daniel saiu carregando as suas coisas com um sorrisinho todo presunçoso na cara? – aquilo foi a gota d’água.

– Porque ele é um ridículo metido a besta que vive de provocar os outros! – algumas pessoas ao me redor me olharam assustadas, então baixei o tom de voz – Aposto que ele ouviu alguém comentar sobre a “menina que caiu da escada” e decidiu dar uma de espertão de novo. – completei impaciente, a conversa estava tomando um rumo perigoso. Senti uma súbita vontade de escovar os dentes, arrancar a saliva daquele anjo desgraçado da minha boca.

– Ele esteve aí, não esteve? - perguntou Punk.

– Sim – disse baixinho – Deixou minhas coisas e foi embora depois de torrar a minha paciência.

– Desculpa princesa... – respondeu ele, dava para sentir o quanto estava arrependido, só pelo tom de sua voz. Merda, eu era quem estava me sentindo culpada. Punk era tão bom para mim que me dava vontade de chorar e então, ao invés de investir nele, eu saia me agarrando com um babaca duas caras vindo do inferno, literalmente. Fechei os olhos. A voz do outro lado do telefone completou – Acha que consegue voltar de moto?

– Não sei, – respondi – tem as muletas... Talvez se você dirigir bem devagarinho... – ouvi seu riso baixo do outro lado da linha.

– Pode deixar princesa, estou indo. – e desligou. Pus o rosto entre as mãos e em seguida penteei os cabelos para trás. “Ele é mesmo um príncipe, não é?” pensei comigo “Ele é um príncipe e eu sou uma ogra babaca metida à princesa”. Respirei fundo. A vida era bem mais fácil quando se resumia a príncipes e princesas, anjos definitivamente não deveriam ter entrado nesse conto de fadas. Suspirei novamente.

“Sétima Trombeta do Apocalipse, em? Onde será que minha avó guarda a bíblia?”. Um plano havia começado a se formar em minha cabeça. Se eles pensavam que eu ia ficar quietinha enquanto eles decidiam o que iam fazer da minha vida, estavam redondamente enganados.


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Notas finais do capítulo

E aí gostaram? Reviews são sempre bem-vindos. Daqui a pouco tem mais :D



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