Asas Negras escrita por Carolina Amann


Capítulo 1
Capítulo 1




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13 de Maio, 21:20 h.

Eu estava deitada em minha cama, Enter Sandman tocava alto em meus fones de ouvido. O dever de geografia jazia aberto sobre as cobertas. Observei as questões em branco com desânimo e dei um suspiro. Fechei os olhos e contei até dez. Abri-os devagar, esperando que as respostas houvessem aparecido milagrosamente em meu caderno. Não deu certo. Quem sabe se eu pensasse com mais força...

A empregada entrou em meu quarto e disse alguma coisa que não consegui ouvir, pois a música estava no volume máximo. Pausei-a e tirei um deles.

– Desculpe Cida, não te ouvi. O que disse?

– Vai acabar ficando surda desse jeito, menina! – brincou ela – O jantar está na mesa, querida. Hoje é escondidinho de camarão!

– Estou indo! – nada, nunca, me faria perder aquele prato.

O jantar na casa dos meus avós é servido pontualmente ás 21:30 h. Cida, nossa empregada, trabalha aqui desde que eu me entendo por gente. Ela é uma ruiva corpulenta, de olhos extremamente escuros e um coração enorme. Moro com meus avós, desde os oito anos de idade, quando aquilo aconteceu.

Era 27 de Julho, um dia como outro qualquer. Eu estava esperando que mamãe e o papai viessem me buscar na escola. Eles estavam duas horas atrasados. Parte de mim tinha pensamentos bobos e infantis achando que talvez eles houvessem me esquecido. Outra parte, gritava em minha mente, dizendo que algo ruim havia acontecido. Estranhei quando minha avó entrou na secretaria e trocou umas poucas palavras com a mulher de trás do balcão (que aliás, já havia ligado várias vezes para os meus pais sem obter resposta). Vovó aproximou com um sorriso trêmulo e um olhar triste.

– Vamos meu doce, a vovó veio te buscar, disse ela. Mesmo sem entender nada, eu fui. Ao chegar em sua casa, sentamos no sofá e ela me contou o que havia acontecido.

– Sua mãe e seu pai estavam, indo te buscar – ela falava pausadamente, com lágrimas nos olhos – quando, numa descida, os freios falharam e o carro capotou.

Eu ainda não havia entendido.

– Que horror vovó, mas eles estão bem? Estão no hospital? - perguntei com a inocência que somente uma criança poderia ter e quando ela não me respondeu por causa dos soluços, eu repeti - Responde vó! Cadê eles?

– Sua mãe está internada, mas seu pai... Ele não resistiu. Oh querida, sinto muito! - ela me abraçou e desabou em lágrimas.

E foi então que eu entendi, meu pai, meu querido e amado pai, estava morto.

Minha mãe levou quatro meses para sair do coma e quando acordou só conseguia dizer uma coisa: “As asas negras mataram meu marido! Elas virão atrás de mim também!”. Explicamos a ela o que realmente havia acontecido, mas ela não acreditava “Elas querem enganar vocês, não confiem nelas!”. Quando recebeu alta, eu tentei morar com minha mãe, mas no segundo dia ela esfaqueou as cortinas, dizendo que as “asas negras” nos observavam. Desde então, minha mãe está internada numa clínica psiquiátrica e eu vou visitá-la de quinze em quinze dias. Para mim, ela parece bem lúcida, conversa comigo e com os outros normalmente, só não esquece essa histórias das asas negras. Insiste que a vigiam e tem surtos de vez em quando. Foi difícil para mim, perder o pai e, de certa forma, a mãe também, acho que não lidei muito bem com a situação, pelo menos não da forma que eles queriam. Ainda com oito anos deixei as coisas de menina: o rosa, as bonecas, os contos de fada e tudo mais. Mudei de colégio, deixei de ser uma das populares, para tornar-me excluída. E foi assim durante um tempo... Até aquele dia no quinto ano.

Estávamos voltando das férias de julho, eu entrei na sala e sentei em meu lugar, o canto mais escuro e solitário do recinto. Eu havia acabado de sentar-me quando um garoto colocou a mochila na carteira ao lado e jogou-se preguiçosamente sobre a cadeira.

– E aí? – disse ele, vendo que eu não respondia, completou – Meu nome é João Paulo, mas chama de Punk

Como que por reflexo, eu respondi - Aurora.

– E como eu te chamo, princesa? - torci o nariz.

– Não sou uma princesa! – eu disse emburrada e ele sorriu com malícia.

– A princesa é minha nova vizinha, acabei de mudar, vi você vindo para o colégio – ele estava me tirando do sério, sabia disso e achava graça – A princesa curte rock?

Sem olhar para ele, respondi - Não ouço música - ele deu risada e a aula começou. No recreio, veio atrás de mim outra vez.

– Vai ficar me perseguindo? - perguntei incomodada. Ele sorriu.

– Acho que vou, princesa. Gostei de você.

Acabamos por nos tornarmos melhores amigos. Aos poucos fomos conhecendo mais gente, punks e roqueiros como nós. Foi nessa época que eu transformei minha aparência. A maquiagem passou a ser escura e pesada, realçando os olhos negros como a noite. O cabelo, já escuro e liso, repicado e rebelde. Minha avó ficou louca no começo, mas depois acabou se acostumando.

Desci as escadas e sentei-me na mesa dizendo:

– Boa noite vó Ângela!

– Boa noite, querida – ela respondeu com uma voz doce, em seguida mudou o tom – Aurora, nós precisamos conversar.

Parei com o garfo na metade do caminho até a boca.

– O que foi vovó, algum problema? – meus pensamentos voaram para minha mãe.

– Não fique tão assustada, meu doce. Clara está perfeitamente bem.

Soltei a respiração sem perceber que a havia prendido.

– O que é então?

– Me ligaram do seu colégio hoje – parei com o garfo de novo e baixei os olhos, sabia do que se tratava. – Suas notas estão péssimas, o rendimento em sala extremamente baixo, você tem chegado atrasada, dormido durante as aulas e não tem feito as tarefas! Algo a dizer?

– Desculpe-me, vó...

– Chega de desculpas, se eu receber mais uma ligação desse tipo você vai para o internato para garotas St. Louise.

– O que?!

– Você ouviu bem, mais uma nota vermelha, uma dormida em sala de aula ou um atraso se quer e você vai para o internato.

– M-mas...

– Chega de “mas”, a decisão já foi tomada. Seu avô está de acordo.

– Eu... Eu... Vou me esforçar mais.

– Assim espero.

– Cida – chamei com pressa. Quando ela chegou, eu lhe disse – Recolha meu prato, por gentileza. Não tenho fome – e subi para o meu quarto.


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