A Dama E O Vagabundo escrita por Lasanha4ever


Capítulo 4
Capítulo 4




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  De manhã, a luz invade o quarto e eu acordo. Olho para cima; Ela não está mais dormindo. Levanto do chão e vou até o estúdio dela. Encontro-a sentada num banquinho, fazendo os detalhes finais da sua pintura mais recente: Eu com asas e auréola.

  - Bom dia. – murmuro ainda sonolento.

  Seus olhos brilham quando em vêm, e desta vez não são brilhos de lágrimas.

  Ela aponta para o quadro. Está pronto. Minhas asas são brancas com um leve dourado nas pontas, as auréolas são douradas. Estou com uma blusa branca e uma calça jeans clara. O ambiente escuro me destaca mais. O desenho está lindo, eu admito, mas não transmite a realidade.

  - Você é ceguinha, Marina. De anjo eu não tenho nada. Mas o desenho está muito lindo.

  Ela sorri. Pega seu caderno e se põe a escrever.

  “Bobo, você que é meio cego. Mas tudo bem, eu relevo. Os homens normalmente são lerdos para entenderem certas coisas.”

  Ignoro seu comentário e me sento no sofá.

  - Que horas são?

  Ela dá um sorriso antes de tacar seu celular em mim com a gentileza de um dinossauro. Nove e meia.

  - Eu preciso ir, mas não sei se quero. – assumo e ela se senta ao meu lado.

  Seus olhos pedem para eu ficar. Como eu quero obedecê-la.

  - Se eu ficar fora dois dias o dono do orfanato me mata.

  “E se eu pedir para eles? Não quero ficar sozinha com meus pais do outro lado da parede.”

  Ela me olha em pânico. Já estou decidido. Eu fico. Mas isso vai dar tanta confusão que seria bom eu ter logo dezoito, assim ninguém iria me irritar em relação a ela.

  - Ok, eu fico, mas eu preciso avisar ao pessoal de lá. E preciso de pizza.

  Ela sorri o sorriso mais lindo que eu já vi, e me abraça forte. Aquele abraço de urso, bem apertado.

  Ligo para o dono e dou as notícias, deixando no viva voz para a Marina escutar a fúria em pessoa. Ela até pulou de susto quando ele começou a berrar. Eu já me acostumei, vivo o fazendo querer berrar comigo.

  Desligo o celular dela e coloco na mesa. Ela se deita na cama e coloca a cabeça na minha coxa. Fico brincando com uma mexa do cabelo dela.

  - Não se esqueça da pizza. Frango com catupiry.

  Ela revira os olhos e sorri. Pega o seu telefone e liga. Como ela sabe o numero da pizzaria de cabeça? Viciada, só pode... Então, com a gentileza de um elefante, ela esfrega o celular na minha cara.  Claro, eu que peço a pizza.

  Assim que a pizza chega, nós nos deitamos na cama dela e abrimos a caixa. Ligamos a televisão e, por um milagre, ela concordou em colocar um filme que eu goste. Ficamos vendo atividade paranormal dois enquanto comíamos pizza.

  Quando começa a parte mais assustadora, que na verdade, para a Marina, é a partir dos créditos iniciais, ela começa a esconder seu rosto, ora no travesseiro, ora em meu peito. Eu só ria e a abraçava mais forte.

  Quando acaba o filme, certa pessoa já está dormindo em meus braços e certa caixa de pizza ainda está largada pela cama. Levanto lentamente da cama e deixo-a dormindo feito uma anjinha abraçada agora com o Husky Siberiano. Pego a caixa de pizza, fecho e coloco no chão do estúdio. Fecho a porta do estúdio. Então, como sou muito inteligente, pego um pedaço de Durex e prendo a chave à porta, de modo que não importa se eles colocam ou não as chaves para destrancar a porta, a chave do lado de dentro não sai. Tive essa ideia enquanto dormia, sinal de genialidade.

  Pego um travesseiro e me deito no chão. Deixo a televisão desligada e caio no sono rapidamente. Essa menina me deixa com sono cedo...

  Quando acordo, tudo está exatamente igual, exceto pelo cheiro excessivo de tinta. Levanto do chão meio grogue e dolorido e vou em direção a Marina, que está pintando um novo quadro.

  - Bom dia. – murmuro enquanto bagunço o cabelo dela. Ela bufa e dá a língua para mim. Seus olhos estão brilhantes e seu sorriso, resplandecente.  – Tá pintando o que?

  Ela não me responde, mas aponta para a janela. Eu olho até lá. Tem um gatinho dormindo num galho grosso da arvore. Um gato preto. Adorável.

  Olho o desenho novamente. É, tá parecido (mentira). Tem uns rabiscos marrons do lado direito da tela, uma linha marrom atravessando a tela na horizontal. Uma bolinha preta em cima do rabisco marrom que está na horizontal e uma bola amarela alaranjada no alto, indicando o sol.

  Deixo-a desenhando e pego alguma coisa para comermos. Nosso café da manhã é biscoito recheado. Muito saudável e nutritivo, ignorem o sarcasmo...  

  De repente, um caderno é jogado no meu colo.

  “Vamos pra algum lugar hoje, cansei de ficar em casa.”

  - Claro, até porque hoje nós teríamos aula e eu tenho que trabalhar.

  Ela se senta ao meu lado e escreve no caderno.

  “Não tenho aula hoje. Conselho de classe.”

  - Ok, então... Topa ir lá onde eu moro? Eu preciso pegar roupas novas e avisar ao pessoal de lá que eu não morri.

  Vejo um sorriso tímido aparecer em seu rosto e ela balança a cabeça em sinal de concordância.

  Depois de arrumados, eu saio pela janela e ela deixa um bilhete aos pais dizendo que foi passear e que voltava mais tarde.

  Ficamos em silencio o caminho todo, mas os olhos dela brilhavam demais, pareciam duas estrelas. Eu devo ter ficado no mínimo, olhando feito idiota para ela.

  Ela me cutuca e pega seu celular. Digita rapidamente e me mostra a tela.

  “Falta muito?”

  Dou um sorriso fraco e nego com a cabeça. Posso jurar que a vi dando um suspiro de alivio. Cinco minutos depois, chegamos à minha “casa”.

  Guio-a até o meu quarto – do qual eu divido com mais dois garotos – e tento não apresenta-la a ninguém, por que... Não sei por que, só não quero que algum garoto fique gostando dela.

  Entro no meu quarto e me sento na minha cama, ignorando os outros dois garotos - treze e quinze anos – que estão brincando de luta. Mas eles não nos ignoram. Seus olhares estão todos em direção à Marina, o que me deixa um tanto quanto muito puto.

  - Ei, ei, ei, ei, ei! Para de secar a menina com os olhos, seus imbecis! – resmungo. – Marina, só ignorar. Eles têm abstinência às garotas, por aqui.

  Os meninos não ficam secando ela com o olhar, mas vira e mexe dão uma olhadinha e tal. Eu continuo muito puto. A minha cama é a cama de cima de uma cama beliche, de modo que fica apenas eu e a Marina lá em cima, deitados na cama. Sim, nós decidimos ficar aqui a ir passear no calor infernal.

  - Bem melhor a sua casa, não é mesmo? – pergunto a ela assim que os meninos saíram do quarto.

  Ela nega e escreve algo no celular. Eu leio.

  “Eu gosto daqui, é confortável, e não tem meus pais do outro lado da parede. Se colocar meus materiais de arte aqui, eu vivo na boa.”

  - Acredite, melhor ter pais chatos do que não ter ninguém.

  “Questão de opinião.”

  - Pode ser, mas acredite, é horrível ficar sozinho.

  “Eu sou tão solitária quanto você. Meus pais e nada só são diferentes porque meus pais me castigam.”

  Estou prestes à contra argumentar quando a porta é escancarada.

  - IGOR MADDOX, QUAL É O SEU PROBLEMA EM SEGUIR AS REGRAS?! – o dono do orfanato entra berrando, assustando a Marina, que dá um pulo e crava suas unhas em meu braço, mas solta assim que repara que não foi nada demais.

  - Oi, Jeferson. – resmungo e me sento na cama, com as penas balançando no ar. A Marina continua deitada.

  - O que você está tentando fazer? Virar um delinquente?!

  - Não. Só estou curtindo a minha vida. Ah, Jeferson, essa é a Marina. Marina, esse cara é o dono dos berros que você escutou ontem.

  Ela acena com a mão e o Jeferson dá um sorriso amigável.

  - Só me diga que isso não vai se repetir, Igor, e eu te deixo em paz.

  Olho para a Marina, o rosto dela parece meio culpado. Seus olhos mostram exatamente o que eu quero.

  - Então me perturbe bastante, Jeferson, eu vou começar a passar alguns dias fora, sim.

  Depois do sermão de quase meia hora, ele nos deixa em paz. Eu e a Marina decidimos ir logo para o meu trabalho e depois assistir um cinema, ou qualquer coisa assim. Logo que saímos do quarto dez garotos do orfanato estavam nos esperando. Pararam de conversar e olhavam fixamente para a Marina.

  - Caralho, nunca viram uma garota não? – resmungo e seguro a mão dela nas minhas, guiando-a até a saída do orfanato. – Desculpa por eles, Marina. É que é um orfanato só para garotos desde 2009, aí eles ficam assim quando alguém leva uma garota para lá.

  “Pare de me chamar de Marina, parece meus pais. Que tal um apelido?”

  Sorrio.

  - Já que é assim, eu escolho o apelido.

  Ela revira os olhos e concorda.

  - Cyndaquil?

  Ela se vira para mim com os olhos esbugalhados. Rio alto.

  - É um pokemon de fogo, pensei que ia ficar legal.

  Vejo-a negando com a cabeça.

  - Já sei. Vou te chamar de Verão. Ou o melhor é Summer?

  Ela digita alguma coisa no celular.

  “Nem um nem outro. Credo, não sabe inventar apelido não?”

  - Claro que sei, mas eu quero um que fique legal numa ruiva. E verão é o nome de um pássaro vermelho muito lindo, falou?

  Preciso dizer que ela revirou os olhos? Que tal princesa? Esse pássaro também é chamado de príncipe, então princesa surte o mesmo significado que Verão. E, na real, ela é uma princesa para mim, muito perfeita.

  - Que tal princesa? – sussurro em seu ouvido e ela cora muito, ficando vermelha pra caralho, e muito fofa.

  “Definitivamente não!” – ela escreve rapidamente no celular, toda sem jeito e envergonhada.

  - Vai ser esse, princesa. E nem adianta bater o pé, eu sei que você também gostou. 

  Ela me ignora o resto do caminho, mas seu rosto ainda estava corado de vergonha. Princesa combina muito com ela. Chegamos ao trabalho e meu chefe permitiu que a Marina trabalhasse comigo enquanto eu vendia os ingressos, desde que também use o uniforme. Duarte essa semana vai ser só para a adaptação dela, depois ele iria contratá-la ou não.

  Eu não consigo parar de rir, ela está usando aquele boné com orelha de gatinho, e uma blusa do parque, e maquiagem estranha, com a pontinha do nariz e três riscos em cada bochecha, tudo pintado de preto. Ela fica linda até com uniformes, mas não acho que ela concorda comigo.

  Eu, pelo contrário, estou apenas com o boné ridículo e a blusa do parque. Ficamos naquele lugar apertado chamado cabine, enquanto eu vendia os ingressos. Deixei-a só olhando pra ver se aprendia. Revezávamos a cadeira, brincávamos, fazíamos piadas e mexíamos no boné um do outro, mas quando começou a escurecer e ela começou a ficar com sono, deixei-a sentada na cadeira e apoiada na parede. Eu ainda tenho uma hora de trabalho. Eu entro às quatro da tarde e saio às nove da noite. Terrível, eu sei.

  Finalmente passa uma hora. Adivinha quem já está dormindo? Pois é, ela tem sono cedo, parece um bebê. Acordo ela e aviso que estamos saindo. Ela se troca no banheiro e eu me troco logo depois dela. Mas de tão cansada que ela está, a maquiagem ainda está no seu rosto.

  Fico rindo da cara dela, mas não aviso por que. Pegamos um ônibus lotado e levo-a até o fundão, onde eu posso deixa-la descansando longe desse empurra-empurra. Ela fica apoiada na lataria do fundão do ônibus, meus antebraços um em cada lado do seu rosto. No meio do caminho ela fecha os olhos e apoia o rosto em meu braço, usando-o como um travesseiro. Abracei-a com o meu braço livre de modo que, se ela dormir, não vai cair. Ela não se afastou.

  Quando chegamos à sua casa, ela já está dormindo. Pego-a no meu colo e carrego-a como se ela fosse um bebê. Entro na sua casa pela janela da cozinha. Desta vez seus pais não aparecem. Eles não estão nem na casa. Entro em seu quarto e coloco-a na cama, cubro-a com o cobertor e tranco a porta do quarto do meu jeito (com o durex prendendo a chave), para ela não acordar com seus pais malucos berrando com ela.

  Vou para a janela do estúdio dela e me preparo para pular, mas ela me segura no braço.

  Olho em sua direção, seus olhos pedem para eu ficar, mas eu preciso ter certeza.

  - Que foi princesa?

  Ela revira os olhos e eu rio. Sou puxado para longe da janela e ela se senta na cama, batendo no lugar ao seu lado, para eu sentar ali. Eu sento, ela pega o caderno e uma caneta e se põe a escrever, mesmo grogue se sono. Mas acredite, a letra dela saiu quase ilegível.

  “Fica comigo essa noite, tô com medo dos meus pais aparecerem.”

  - Mas se eles aparecerem, o que eu poderia fazer?

  “Ficar do meu lado. Só preciso de alguém que fique do meu lado.”

  - Já que você está implorando tanto...

  Ela me dá um soco no braço e sorri.

  - Ah, só outra coisa. Você tá um charme com essa maquiagem de gatinho.

  Seus olhos ficam arregalados e ela corre para o banheiro, quase tropeçando no próprio pé.

  Quando volta, já está com a cara limpa e de pijama, uma calça comprida e larga quadriculada e uma blusa branca de alça colada. Linda.

  Ela deita na cama e eu pego um travesseiro e deito no chão. Sinto que ela está me cutucando.

  Olho para cima. Ela está apontando para a cama.

  - Quer que eu deite com você? – pergunto confuso.

  Ela diz que sim com a cabeça.

  - Sabe, eu fico feliz que você tenha me salvado, ao invés de outra pessoa, porque todos os homens que eu conheço até agora já teriam tentado alguma coisa com você contra a sua vontade.

  Ela me ignora, eu deito na cama de frente para ela. Ela fica por baixo do cobertor e eu por cima.

  - Boa noite princesa.

  Vejo seu sorriso e então ela dorme. E eu perco o sono completamente. Passo a noite toda mexendo no cabelo macio e cheiroso dela. E me passa pela cabeça por uns minutos, na verdade praticamente a noite inteira, aquela música da banda Aerosmith, I Don’t Wanna Miss a Thing. Tô parecendo um idiota, não é? Bem, são cinco da manha, deixa-me recapitular: tô parecendo um zumbi idiota.


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