A Maldição De Shay escrita por Aline Yagami


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

oi meus amores. coisas mais lindas da minha vida
desculpa a demora meu not estava para concertar, eu nao tinha a história salva no meu celular...infelizmente esse é o penultimo....


Boa Leitura



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Capítulo IV







Shay acordou sozinha. Uma bandeja com o café da ma­nhã, deixada na mesinha-de-cabeceira, aguardava por ela com uma omelete, bacon, torradas, uma jarra com suco de laranja e uma torta de maçã inteira. Não bastasse isso, havia pétalas de rosas espalhadas pelos lençóis.



Ela sorriu consigo. E, mesmo perturbada pela noite de paixão que passara nos braços de Viper, conseguiu consu­mir um pouco de tudo que havia na bandeja.



Depois tomou seu banho, vestiu jeans confortáveis e uma camiseta, antes de sair para dar uma volta pela mansão.



Não lamentava o tempo que passara com Viper. Nenhuma mulher faria isso.



Mas não se sentia preparada para se encontrar com ele. Era difícil raciocinar quando Viper estava por perto.



Em meio ao pequeno passeio, encontrou um jardim de inverno encantador e aspirou fundo o perfume da terra e das plantas. Não havia ninguém por perto e ela entrou. Não demorou, e sentiu a presença de um vampiro.



Vejo que encontrou o jardim de inverno. Dante se aproximou do banco onde ela se sentara.



É lindo aqui.



Direi a Abby que você gostou. Ela teima que o único modo de se apreciar a natureza é tê–la civilizada e cercada de vidros... Ela também decidiu me domar, mas com menos sucesso. Diz que sou guerreiro e não poeta o suficiente. Shay sacudiu a cabeça, sorrindo.



Estive em sua biblioteca. É óbvio que é um intelectual.



Pelo amor de Deus, não deixe que Abby a ouça... Prefiro a imagem de guerreiro.



Ela caiu na risada.



Nunca lhe agradeci por ter ajudado a salvar Abby Dante disse de súbito.



Ora, ninguém mais do que eu queria ver Edra morta.



Há alguma razão para estar sozinha aqui?



Estava colocando os pensamentos em ordem.



Perfeitamente compreensível. Os shalotts sempre preferem caçar a ser caçados. Não é agradável ter de fugir de tantos inimigos perigosos.



Não, não é. Shay apertou as mãos, tensa. A expressão dele suavizou.



Pelo menos não está sozinha. Viper vai protegê–la.



Se não se importa, prefiro não falar sobre ele. Dante lançou-lhe um olhar curioso.



Viper a está perturbando?



Com uma risada sem humor, ela se levantou e se afastou do atraente vampiro.



Sempre.



Quer que eu fale com ele?



Não! Shay exclamou depressa demais. Dante não insistiu.



Nunca antes vi Viper tão envolvido com uma mulher. Ele costuma manter certa distância em seus relacionamentos.



Distância? Nunca vi alguém tão intrometido!



Como eu já disse, ele não vem se comportando como sempre reforçou Dante com um sorriso.



Não sei se devo lhe dar meus parabéns ou minhas condolências.



Ela também não sabia.



Não consigo entendê–lo falou com um suspiro.



Veja, mesmo pertencendo a nossos clãs, somos cria­turas solitárias. Há muitos vampiros que se excluem total­mente do convívio social, até que alguém os faça sair de suas conchas.



Shay franziu a testa. Não fizera nada para provocar a saída de Viper de sua concha.



Viper me contou que seu pai foi morto por um vampi­ro... Lamento muito.



Ela baixou o olhar.



Isso foi há muito tempo.



Mas você nunca esqueceu.



Não.



Repentinamente, ela percebeu que Dante estava bem perto dela.



Shay, Viper não matou o seu pai.



Sei disso.



Sabe mesmo?



A maior parte do tempo ela concedeu.



Shay...



Para um vampiro tão inteligente, Dante, você sem dú­vida gosta de viver perigosamente, não é?



Os dois deram um pulo quando ouviram a voz de Viper. Virando-se, Shay o viu entrar no solário. Vestia-se de preto, como de costume.



Eu sabia que ia aparecer mais cedo ou mais tarde. Dante sorriu algo sem graça.



Obviamente eu devia ter vindo mais cedo.



Não acho. Shay e eu estávamos nos distraindo bas­tante sem você... Dante provocou, sabendo que ia deixá–lo louco.



Tem sorte de estar casado com a Fênix, velho amigo. O outro vampiro caiu na risada.



Guarde os caninos, Viper, estávamos falando de você.



Era o que eu mais temia.



Abby já voltou? Dante mudou de assunto.



Sim, está na biblioteca com uma bruxa. Talvez você deva se reunir a ela.



Excelente idéia. O vampiro lançou um olhar diver­tido para Shay e deixou o solário.



Por que há uma bruxa na biblioteca? ela perguntou de pronto.



Veio verificar se a caixa não é enfeitiçada.



Shay levou as mãos ao peito de repente, sentindo um zumbido no ouvido.



Eu devia estar lá também. Não quero perder nada.



Shay... Viper a tomou nos braços por um momento, como se não quisesse que ela fosse embora. Então ele a li­bertou com um suspiro.



Shay deu um passo para trás com um misto de alívio e decepção.



Vamos à biblioteca? pediu em voz baixa. E, incapaz de se conter, ela o beijou no rosto.



Preciso saber o que há naquela caixa.



Sacrebleu! Levet entrou na biblioteca.



O que é essa maluquice?



Cale a boca ou vou grudar sua língua no céu da boca! a bruxa exclamou sem levantar a cabeça, enquanto con­tinuava a acender velas em um círculo.



Quem a convidou? Levet perguntou a Viper, o qual adoraria ver a bruxa transformar a gárgula em algo que não falasse.



Sugiro que feche a matraca ou vá se distrair em outro lugar ele o alertou, o olhar ainda atento ao delicado perfil de Shay.



Terminei. Com um gesto dramático, a bruxa apa­gou as velas.



A caixa pode ser aberta.



Viper endireitou o corpo quando Shay se aproximou do pe­queno baú de madeira com mãos trêmulas. Instintivamente, ele deu um passo à frente, querendo abraçá–la, mas sabia que ela detestava revelar suas fraquezas.



Havia uma carta dentro da caixa.



Está endereçada a mim ela murmurou, quebrando o silêncio. Levantou a cabeça e olhou para os presentes.



Se me derem licença, gostaria de ler a mensagem sozinha disse, virando-se para sair.



Viper não queria que ela ficasse só. Não quando ninguém sabia o que estava escrito na carta.



Mas a mão de Dante em seu braço o impediu de segui-la.



Respeite a vontade dela o amigo murmurou.



Ela está segura aqui. A casa é bem guardada contra demônios, e há alarmes que denunciarão a entrada de intrusos. Viper não pareceu satisfeito.



Não gosto de me sentir inútil. Dante deu uma risada.



Pois vá se acostumando, velho amigo. As mulheres tendem a fazer os homens se sentirem assim.



Ele torceu os lábios.



Não está me animando em nada.



Apenas dê há Shay alguns minutos. Nada vai aconte­cer a ela enquanto estiver aqui.



Viper reconheceu que o que Dante dizia tinha lógico. Era verdade que não estava dando a Shay a privacidade de que ela precisava.



Ficou andando de um lado para o outro na biblioteca. Tinha de ser honesto. Não gostava de tê–la fora de suas vistas.



O tempo se arrastou indefinidamente. Dante saíra para levar a bruxa para casa, e Abby lhe trouxera uma bandeja com uma garrafa de sangue quente.



Onde Shay se metera? Por que não voltava?



Havia algo muito errado. Sentia isso nas profundezas de sua alma.



Após uma hora, ele não aguentou mais. Saiu da biblio­teca e a procurou pela casa, indo direto aos quartos, depois ao jardim de inverno.



Levou pouco tempo para descobrir que ela não estava em lugar nenhum.



Droga!



Por fim, deixou-se levar pela impaciência e voltou ao próprio quarto. Pegou o amuleto e o colocou no bolso.



Sem dúvida, Shay não iria gostar de ser chamada como um cachorro. Ele mesmo ficaria furioso se estivesse no lu­gar dela. Mas, por hora, preferia enfrentar sua ira.



Fechou os dedos no amuleto. Minutos depois, ela entrou no quarto com fúria, a expressão desafiante, os olhos ver­melhos de tanto chorar.



Droga, Viper. Por que fez isso?!



É perigoso demais para você ficar andando por aí. Shay cruzou os braços diante do peito.





Não sou nenhuma estúpida. Não tenho a menor in­tenção de sair daqui, quando há alguém lá fora querendo me caçar. Só queria ficar um pouco sozinha.



Converse comigo ele pediu.



Diga-me o que há na carta.



Passou-se um longo momento, e Viper temeu que ela se recusasse a responder. Estivera sozinha por tempo demais. Ainda não confiava em ninguém.



A carta é de meu pai.



De seu pai? E não ficou feliz com isso?



Shay engoliu em seco, como se estivesse engolindo junto parte do próprio passado.



Foi ele quem mandou colocar o feitiço em mim. Viper acariciou de leve o rosto dela, seu toque frio ame­nizando um pouco da dor que pesava em seu coração.



Não pode ter certeza disso, querida. Isso pode ser uma armadilha.



Não, não é. A carta diz que ele fez isso querendo me proteger.



O quê?



Ele sabia que estava sendo caçado, mas desconhecia por quem e por que o queriam. Lançar-me o feitiço me es­conderia de seus inimigos.



Como assim?



O feitiço serviria como uma barreira, um campo de força que deteria os demônios.



Viper ficou pensativo por um bom momento.



Suponho que isso seja possível. Ainda assim, seria um jogo desesperado e perigoso. Ele a deixou à mercê de Evor.



Shay se afastou de Viper. Estar próxima dele lhe tirava a concentração.



Ele nunca pretendeu me deixar à mercê de ninguém falou, defendendo o pai.



Uma vez que o perigo passasse, a bruxa devia quebrar o encanto e me revelar à verdade.



Mas a bruxa foi morta antes disso.



Exatamente.



Um minuto se passou, sem que ele fizesse comentário al­gum. Shay não conseguia ler suas feições e ficou sem saber o que lhe passava na mente. Os vampiros eram mestres em esconder as emoções.



Seu pai só queria o seu bem, Shay. ele falou por fim. Estúpidas lágrimas surgiram nos olhos dela. Não estava conseguindo mais esconder o desgosto que sentia.



Eu sei, mas...



Em um instante, Viper novamente a tinha nos braços.



Em todos esses anos joguei a culpa de meu destino em cima de algum horrível monstro que teria colocado o feitiço em mim. Agora descubro que foi meu próprio pai.



Ele obviamente o fez com as melhores das intenções.



O que não muda o fato de eu ter passado cerca de oitenta anos como escrava. Shay rangeu os dentes quan­do as lembranças lhe voltaram à mente. Lembranças que havia tentado eliminar de sua memória.



Fui espancada, presa em correntes e vendida como um animal.



Sei que tem sido difícil, mas...



Difícil? Ela soltou uma risada amarga.



Não hou­ve um momento em que não estivesse sozinha. Nenhum momento em que não tenha sentido medo do que a próxima hora poderia me trazer. Nenhum momento em que não te­nha lutado para simplesmente sobreviver!



Shay.



No rosto de Viper estava transparente o pesar que ele sentia pelo que ela tivera de suportar.



Desculpe-me ela murmurou.



Nem sempre fico me lastimando como agora.



Não se desculpe. Estive pouco com as bruxas, mas não duvido de que elas tenham tornado a sua vida um inferno.



Inferno, esta é a palavra. Quando Edra se aborrecia co­migo, colocava-me em uma cela. Mais de uma vez ela me dei­xou lá por anos. Não havia luz, nem comida, apenas insetos e ratos que rastejavam à minha volta. Houve tempos em que pensei que nunca escaparia dali. Pensei...



A voz de Shay tremeu, e ela foi forçada a parar de falar por um momento. Pensei que ficaria no escuro por uma eternidade.



A expressão de Viper era agora de neutralidade total, como se ele soubesse que ela não queria piedade.







Foi por isso que pediu que libertássemos os demônios que estavam presos nas prisões de Evor?



Foi. Ninguém merece tal tortura. Por um instante, ela ficou apenas olhando para Viper.



Mas você sabe que Edra não era o pior de tudo.



O que era?



Saber que eu sempre estaria sob o poder de alguém. Que nunca seria forte, rápida e inteligente o suficiente para escapar, pois não havia como escapar.



Viper balançou a cabeça como se a compreendesse muito bem.



Na verdade, sei precisamente como você se sente.



Você? Ela riu.



Como é possível? Ele ficou silencioso por uns instantes.



Nem sempre fui um chefe de clã– contou o tom de voz baixo e estranhamente seco.



Houve um tempo em que eu me via constantemente sob o jugo de qualquer vampiro que quisesse me dominar.



Shay o encarou, chocada. Era impossível imaginar aquela criatura arrogante sob o jugo de alguém. E, certamente, não nas mãos de outro vampiro. Viper parecia invulnerável.



Foi escravo de alguém?



Escravo e coisa ainda pior.



O que pode ser pior do que ser um escravo?



Não creio que queira saber.



Ela mordeu o lábio. Viper estava certo. Por mais que as bruxas fossem más, havia criaturas capazes de maldades ainda maiores.



Sacudiu a cabeça, ainda confusa.



Pensei que os clãs protegiam o seu povo. Viper soltou um suspiro.



Os tempos felizmente mudaram, e agora temos uma sociedade mais civilizada.



Civilizada? Acha que os vampiros são civilizados?



Comparados ao passado, sim. Houve tempo em que os clãs eram meramente legiões de guerreiros andarilhos. Para se tornar parte de um clã, o vampiro tinha de ser sub­metido a provas abomináveis.



Shay estremeceu.



Por que desejou fazer parte de um clã?



Estar sozinho era uma sentença de morte.



Eles o teriam matado?



Apenas os fortes sobreviviam.



Mas você se tornou um chefe de clã.



Tornei-me forte, mas minhas lembranças permane­cem vivas na memória, como as suas.



Shay observou Viper com novos olhos. Era surpreenden­te como ele mantivera o senso de honra e integridade.



Você sobreviveu e agora está livre. Viper bufou amargo.



Não exatamente, minha querida. Há forças que mes­mo eu tenho de respeitar.



Shay o olhou, surpresa.



Mas você é chefe de clã. Que forças são essas?



Não me é permitido falar sobre elas.



Ela percebeu que poderia insistir por uma eternidade e Viper não lhe diria nada.



Devo me sentir confortada por isso?



Um sorriso surgiu nos lábios dele. Aquele sorriso que fazia com que ela visse a escuridão menos sinistra.



Vamos descobrir onde está Evor, Shay. Ele a aca­riciou de leve nos lábios.



Assim quebraremos o feitiço de uma vez por todas.



Ela sentiu a boca seca e os joelhos fracos. Era uma in­sanidade. Pouco momento antes estivera mergulhado no desespero... Agora, com a proximidade dele, sentia-se outra.



Acredita mesmo nisso?



Os dedos perturbadores de Viper continuaram seu cami­nho pelas costas dela.



Só falo aquilo em que acredito. Shay segurou a respiração.



Você sabe, se o feitiço for quebrado, eu não serei mais sua escrava.



O sorriso dele aumentou. Em um instante, ele se virou e a levou para a cama.



Não preciso de amuleto para fazer uma mulher de escrava falou sem modéstia.



Shay revirou os olhos.



Sua arrogância não tem tamanho, vampiro. Se for tão bom quanto pensa...



Nem bem começou a frase, viu-se em cima do colchão com Viper em cima dela.



O que estava dizendo?



Shay estremeceu ao sentir a língua dele deslizando em seu pescoço e chegando ao ombro.



Eu estava jogando sem trapacear ela reclamou sob o efeito das carícias daqueles dedos experientes.



Viper riu e começou a tirar a camiseta, que ela usava.



Sou um vampiro. Jogo somente para ganhar.



E o que pretende ganhar? A respiração dela saía com dificuldade.



Eu já ganhei precisamente o que desejava ele mur­murou.



Agora a questão é quanto prazer você deve sentir para que jamais pense em sair do meu lado.



Ele soltou um gemido.



Não tenho certeza se quero sentir mais prazer do que posso aguentar. Corro o risco de não sobreviver.



O olhar dele se concentrou nos seios alvos.



Tenho fé em suas habilidades de sobrevivência. É algo que temos em comum. Acariciou os mamilos torturantemente.



Claro que não é a única coisa...



Shay não tinha certeza se algum dia conseguiria se can­sar daquele vampiro.



Tirando com impaciência a camisa de seda que ele usa­va, levantou os quadris para que Viper lhe ajudasse com os jeans. Com os lábios ainda unidos aos dele, começou a acari­ciar os músculos de seu peito. Era macio, tão perfeito.



Ela queria ainda mais.



Viper tinha explorado cada centímetro de seu corpo, to­cado em cada curva. Ele a havia beijado da cabeça aos pés. Não seria a vez dela agora?



Sem dar tempo a si mesma de se questionar mais, enla­çou-o com as pernas e, com um movimento rápido, levou-o para debaixo dela.



Minha vez murmurou, enquanto seus dedos traça­vam um caminho de fogo pelo peito largo.



Viper reagiu ao toque imediatamente.



Sua vez de quê? A respiração se tornou ofegante.



Minha vez de fazer isto... Ela inclinou-se e come­çou a lamber seus mamilos, até descer a mão pelo estômago reto e chegar ao cós das calças. Beijou-o também no umbigo, provocante.



Seus olhos se encontraram e os de Viper pareciam ainda mais negros. Os caninos estavam à mostra.



Pelo amor de Deus, mulher, me tire desse sofrimento.



Um sorriso surgiu nos lábios de Shay. Devagar, ela des­ceu o zíper das calças e as empurrou para baixo. Viper grunhiu os dedos se enterrando em seus braços quando ela passou a beijá–lo por cima da cueca. Depois afastou o tecido e usou a língua para acariciá–lo.



Shay...



Ela voltou para o abdômen bem definido, depois para o peito, e, finalmente, procurou pelos lábios de Viper.



Não consigo esperar mais... Ele ofegou, a voz rouca.



Faça comigo o que quiser Shay sussurrou o corpo já pronto para ser possuído.



Virando-a sobre o colchão, ele a penetrou rápida e pro­fundamente com uma exclamação de puro prazer.



Ficou parado um momento enquanto ambos absorviam o contato, a intimidade que desfrutavam. Certamente não havia nada que pudesse se comparar a tão intenso prazer. Nada que pudesse ligar tanto duas pessoas.



Shay abriu os olhos de leve e Viper começou a se movi­mentar gentilmente dentro dela.



Havia alguma coisa em seu negro olhar. Alguma coisa maravilhosa, fantástica, terrível...



Algo que poderia levá–la a querer fugir daquele quar­to, se os movimentos ritmados e profundos não estivessem se tornando mais exigentes, mais apaixonados... E o clímax não estivesse chegando.



Nada mais importava a não ser aquele estado de graça.



Viper andava de um lado para o outro na biblioteca com uma frustração que ele não tentava evitar. Uma semana havia se passado desde que ele e Shay tinham vindo para a casa de Dante. Uma semana gloriosa, naturalmente. Como não poderia ser, se ele dedicara a maior parte de suas noites a dar e receber prazer de uma mulher que tinha se tornado parte essencial de sua vida?



E não era somente pelo sexo, naturalmente fabuloso. Mas ter Shay por perto, ouvir sua voz... Eram momentos para ser reverenciados.



Ainda assim, apesar de todas as delícias, não se esque­cia, nem por um segundo, que o perigo não tinha acabado. Havia algo ou alguém com o único intento de levar Shay para longe dele. Para usá–la em algum torpe propósito.



Pois ele iria ao inferno e voltaria antes que deixasse isso acontecer.



Agora queria saber se Santiago, seu parceiro de confian­ça, descobria alguma coisa. Se houvesse alguma informação a ser obtida, o jovem vampiro a descobriria.



Lamento mestre. O rosto de Santiago não exibia emoção alguma, mas Viper percebeu que ele estava tenso.



Não descobri mais nada sobre shalotts.



Viper resmungou impaciente.



Não deve ter procurado em toda parte. Deve haver alguém que sabe quem está caçando uma shalott.



O vampiro balançou a cabeça.



Muitos se recusam a acreditar que ela seja algo mais do que um mito. Poucas shalotts têm aparecido no mundo.



Shay não é um mito.



Não, mas sua presença nunca foi sentida. Não entre os mais poderosos demônios.



Claro que não. O feitiço mascara sua presença.



Mesmo daqueles que poderiam nos ser de grande aju­da. Santiago deu de ombros.



Não há rumores, nada que se relacione a uma shalott. Nem mesmo aqueles que conheciam Evor sabiam que ele estivesse de posse de uma.



Viper torceu as mãos, tentando se controlar. Droga.



Continue procurando.



Naturalmente, mestre.



E não se limite a Chicago. A verdade está em algum lugar e temos de achá–la.



Como o senhor o desejar.



Com um gesto de cortesia, o vampiro se virou e deixou si­lenciosamente a biblioteca. Viper o viu sair e fechar a porta. Irritado, esmurrou a escrivaninha.



Calma, Viper, vamos conseguir descobrir esse misté­rio. Dante entrara silenciosamente no aposento.



Viper voltou-se para o amigo com um olhar cheio de de­sespero.



Quem quer que esteja com Evor, está tentando captu­rar Shay. Não posso ficar esperando outro ataque. Nem sei se conseguiremos vencer da próxima vez.



Compreendo sua frustração, mas estamos fazendo tudo o que é possível.



Seus contatos não deram em nada, Dante?



Infelizmente.



Com impaciência, Viper recomeçou a andar de um lado para o outro. Não queria ter de enfrentar aquela indefini­ção, não saber a quem deveria combater. O que queria era estar com Shay em seus braços, e fingir que nada poderia atingi-los.



Seus instintos o alertavam de que o tempo estava aca­bando. Se ele não conseguisse descobrir quem caçava Shay, o caçador poderia encontrá–los. E não se permitiria ficar en­curralado novamente.



Sabe que está cortejando o perigo, não sabe? Dante perguntou.



O olhar de Viper foi de poucos amigos.



Espera que eu largue Shay por isso?



Quero dizer que ela está em perigo.



Dante...



Agora me escute o vampiro mais jovem insistiu. Eu o conheço há séculos, e você nunca se mostraram inte­ressado antes por uma mulher.



Devo discordar de você. Sempre estive interessado em mulheres. Inclusive por várias ao mesmo tempo.



Teve amante e não companheiras Dante o corrigiu.



Nunca permitiu que uma delas entrasse em sua vida, como fez agora com Shay.



Viper franziu o cenho. Não gostava do rumo que a con­versa tinha tomado. Talvez até a temesse.



Aonde quer chegar? Dante sorriu.



Não estou querendo chegar a lugar algum, Viper. Estou apenas comentando que está com todos os sintomas de quem encontrou sua alma gêmea.



Pronto. Ele sabia que não gostaria do rumo da conversa.



Meu relacionamento com Shay não é da sua conta.



Se quiser jogar alguma coisa na minha cabeça, pode escolher esse vaso horrível sobre a escrivaninha. Não jogue os livros, por favor. Eles são insubstituíveis.



Viper grunhiu, exasperado.



Não me provoque Dante!



Levet entrou na biblioteca, batendo as asas.



Sacrebleu, aí estão vocês...



Não estou com paciência para aguentá–lo, Levet Viper alertou de pronto.



Saia daqui.



Non. Desafiando, Levet continuou onde estava.



Não sente algo no ar?



Mas, o que... ! ?



Espere Viper! Dante deu um passo à frente, os ouvidos atentos.



Ele tem razão.



À distância, ouviu-se o som de um alarme tocando. Viper sentiu o corpo gelar.



Droga! Levet vá buscar Shay e a traga para cá!



Não. Dante assumiu o comando.



Leve-a para os túneis, no sótão.



Levet lançou um olhar para Viper, que fez um gesto, con­cordando.



A gárgula saiu às pressas da sala, e Dante encarou o amigo.



Você também vai.



Não posso deixá–lo aqui.



Precisa proteger Shay. Além do mais, por mais que eu admire sua força e coragem, sei me defender muito bem.



Viper sentiu um calor começando a invadir o aposento. Abby sentira o perigo, e já colocara em ação o seu poder pela casa toda.



A Fênix!



Exatamente. Estaremos bem. Agora vá.



Antes de sair, Viper parou ao lado de Dante.



Obrigado. Você está fazendo algo que nunca terei como pagar.



Dante sorriu.



Não se esqueça de que ainda estou em dívida com você. Quem sabe, assim, possamos dizer que estamos qui­tes. Mas, tome cuidado, Viper. Se precisar...



Se eu precisar de ajuda, você será o primeiro, a saber Viper prometeu antes de sair da sala e seguir para os seus aposentos. Pretendia pegar algumas armas, antes de se reunir à Shay no porão.



O banheiro conectado aos aposentos de Viper era um convite à fantasia. Em preto e dourado, a área do banho daria para acomodar um exército, e o armário todo em vidro continha toalhas e uma linha inteira de produtos de pouca utilidade para vampiros.



Era a banheira, no entanto, que mais encantava Shay. Nela, dera-se o luxo de se banhar em águas perfumadas por horas. Um raro prazer para uma escrava que, usualmente, era forçada a se lavar apenas com o pouco de água que lhe passavam pelas barras das celas.



Um delicioso banho era o modo perfeito de começar a noite.



Ou talvez não.



Ruborizou diante do pensamento, enquanto vestia jeans e a camiseta que tomara emprestado de Abby. Escovando os longos cabelos, ela os puxou para trás, em sua habitual trança, e voltou ao quarto. Sabia que Abby devia estar es­perando por ela no jardim de inverno para uma refeição. Poderiam conversar e enumerariam um a um os defeitos dos vampiros. Uma rotina de que ela aprendera a gostar.



Calçando tênis de corrida, caminhou para a porta. Quando a abriu, quase foi derrubada por Levet, que vinha em velocidade.



Shay! ele disse sem fôlego.



Deus, Levet, nunca o ensinaram a bater na porta?



Viper mandou que eu viesse buscá–la.



Por que ele não veio pessoalmente? Ela estranhou.



Está esperando por nós. Temos que ir já!



Shay sentiu um arrepio de medo. Alguma coisa estava errada. Muito errada.



O que aconteceu, Levet?



Há demônios se aproximando. Levet balançou a cauda, agitado.



Temos de dar o fora daqui.



Ela perdeu a vontade de argumentar, e deixou que Levet a conduzisse.



Para onde estamos indo?



Dante mandou construir túneis embaixo da mansão. Shay lembrou-se dos túneis que Viper também construíra embaixo de sua própria casa. Parecia ser um costume entre os vampiros.



Usando as asas, que lhe davam maior velocidade, Levet seguiu sem nem sequer olhar para trás. Shay hesitou quan­do a gárgula começou a descer uma escada estreita. Podia sentir algo estranho no ar.



Mon Dieu. Não por aqui! ele exclamou, alarmado.



Os demônios?



Pior que isso... A Fênix!



Ela estacou, depois o seguiu por outro caminho. Lembrava-se bem de estar encurralada em uma cela com Abby se transformando, e preferia não repetir a experiên­cia. Especialmente porque os poderes da deusa acabavam por atingir outros, que ela não pretendia fritar.



Shay e Levet já esperavam por Viper quando ele che­gou ao porão, e o vampiro sentiu-se mais do que aliviado. Pensara ter de arrastar Shay para o porão, chutando e es­perneando. Para uma mulher tão inteligente, ela era, por vezes, teimosa ao extremo. Não queria fugir nunca do peri­go, por pior que este fosse.



Ajeitou a espada na bainha e colocou de lado a sacola pe­sada com as armas que pegara antes de seguir para o túnel.



Por aqui murmurou, indicando que Levet deve­ria ir à frente. Seguiu atrás da gárgula, e estendeu a mão em direção a Shay, que hesitava diante da fresta por onde passariam.



Odiava entrar em lugares escuros.



Por fim, compreendeu que aquela não era hora de ficar se lembrando do que passara nas mãos das bruxas. Sem mencionar Evor e sua masmorra. Quem poderia culpá–la de não querer estar em um túnel?



Estou aqui, Shay, e não vou a lugar algum sem você. Viper a segurou pelo braço.



Nunca mais vai estar so­zinha na escuridão. Confie em mim.



Mantendo-a bem junto dele, ele a forçou a segui-lo. Aspirou bem fundo, procurando determinar quem era o ini­migo que se aproximava. Não tinha, como Dante, a habili­dade de distinguir cada uma das diferentes espécies de cria­turas que havia no mundo. Ainda assim, tinha certeza de que não importava quem os estivesse perseguindo. O perigo não estava descartado e ele precisava, de alguma forma, se assegurar de que Shay estaria em segurança.



A presença dela o distraía e isso era ruim. Precisava se concentrar apenas em matar. Quando ele não tinha nada a lhe desviar a atenção, era muito bom nisso.



O túnel os levou para fora da casa. Quando sentiu a bri­sa fria, identificou os inimigos: eram cães do inferno.



Eles eram mais um aborrecimento do que um perigo pensou. Não podiam matar um vampiro, tampouco uma shalott, mas, de qualquer forma, teriam de lutar e perderiam um bom tempo. Era necessário saírem logo dali, antes que o inimigo principal chegasse.



Levet, venha aqui.



O que foi?



Viper colocou a mão em seu ombro.



Os cães do inferno estão se aproximando e precisamos confundi-los.



Com que tipo de distração, por exemplo?



Você.



A gárgula balançou a cauda, irritado.



Não pense que eu vou lutar contra essas bestas horríveis. Eles cheiram pior que o inferno.



É o único que pode voar. Viper colocou dois amuletos dentro de uma bolsa, e a pendurou no pescoço da gárgula. Os amuletos continham o cheiro tanto dele como de Shay. Com sorte, os odores dis­trairiam os cães do inferno por tempo suficiente para que os dois fugissem.



Escute-me aqui, vampiro, não sou...



Desculpe, mas não temos tempo para discutir. – deu um empurrão, e a gárgula foi lançada ao ar.



Vai pagar por isso, vampiro! Levet ainda gritou, antes de mergulhar na noite.



Sem responder, Viper pegou sua sacola de armas e co­locou Shay sobre o ombro. Tinham apenas alguns minutos antes que os cães do inferno percebessem que Levet não somente lhes era inacessível, como também estava sozinho. Logo eles estariam nos seus calcanhares.



Diabo coloque-me no chão! Ela o esmurrou.



Não posso lutar nesta posição.



Não vamos lutar, vamos fugir.



Mas Levet...



Os cães do inferno não podem alcançá–lo. Além do mais, ele é imortal, o que não temos certeza se é o seu caso.



As palavras diretas conseguiram amainar um pouco da raiva que ela sentia. Uma coisa rara, da qual Viper procu­rou tirar vantagem enquanto corriam pelas ruas escuras.



Já havia conseguido colocar uma boa distância entre eles e os cães, quando ouviu o suspiro frustrado de Shay.



Posso saber para onde estamos indo?



Tenho várias empresas no lado sul da cidade. Se al­cançarmos uma delas, meu clã nos protegerá.



Seu clã? Está brincando comigo?



Não.



Pretende me levar para junto de um bando de vampi­ros famintos? Por que não me deixa com os cães do inferno e foge sozinho? Pelo menos eu teria chance de vencê–los!



Ninguém vai lhe fazer mal algum.



Como pode ter tanta certeza?



Porque você é minha. Eles obedecerão às minhas ordens.



Ah, certo. Como se um vampiro obedecesse a alguém ela resmungou.



Viper não se deixou levar pelos argumentos.



Concordo que os vampiros sejam independentes, mas sou chefe de clã ele repetiu.



Desafiar minha autoridade é me desafiar. Quem não me obedecer, terá de me enfrentar em combate ou deixar o clã. Poucos ousariam fazer isso.



Têm tanto medo assim de você?



Viper parou em uma esquina e observou atentamente os arredores. Era tão tarde, que a maioria dos humanos devia estar em suas camas. Assegurando-se de que não havia nenhuma criatura por perto, seguiu em direção à rua mais próxima.



Sentiu Shay socando suas costas novamente.



Ponha-me no chão!



Viper rangeu os dentes e fez o que ela pedia. Tinha cap­tado o cheiro no mesmo momento que ela: trolls.



Tirou a espada da bainha e a entregou a Shay. Em se­guida, retirou duas longas adagas da sacola de couro. Trolls possuíam uma pele dura demais para ser transpassada por uma bala. Somente uma lâmina enfeitiçada tinha chance de fazer isso.



Mire a parte inferior do estômago comandou.



É o único lugar em que a espada pode entrar, além de ter uma artéria que pode ser cortada.



Shay se colocou de costas para ele instintivamente. O melhor modo de lutarem seria formando uma dupla.



Não precisa me ensinar como matar um troll mur­murou em um tom amargo.



Foi à primeira coisa que aprendi depois que Evor me forçou a ficar ao lado dele.



Não duvido de você, mas esses trolls estão desespe­rados, e não há inimigo mais perigoso do que aquele que prefere morrer a ser derrotado.



Shay soltou uma risada amarga.



Eles não podem estar mais desesperados do que eu. Viper não podia argumentar contra a lógica. Na ver­dade, não havia tempo para isso, pois os trolls surgiram à frente deles.



Um erro e tudo acabariam mal. Aquelas criaturas podiam não ser inteligentes, mas tinham uma sede de sangue. É impressionante, o que os tornava perigosos em batalhas. Somente um idiota os subestimaria. Um idiota morto.



Mantendo as adagas escondidas, Viper observou-os se aproximarem. Não atacaram imediatamente. Cada grupo tinha sua hierarquia, e os líderes mandariam primeiro os mais fracos, para avaliar a habilidade do oponente. Uma perda de soldados, mas um bom meio de descobrir como me­lhor ganhar a luta.



Procurou concentrar sua atenção nos menores. Quando estes atacaram, ignorou a cabeça e focou na parte mais bai­xa do corpo.



Ouviu-se um grunhido quando Viper enterrou a adaga. Não hesitou em revirar a lâmina, até que um cheiro horrível en­chesse o ar. Ele puxou a adaga, e chutou a carcaça para o lado, pronto para o seguinte.



Lançou um breve olhar por cima do ombro. Shay ainda estava de pé e lutava bravamente. Vendo que um dos ini­migos pretendia pegá–la pelas costas, ele se moveu para o lado, atraindo a besta. Em seguida, mirou o chão e recitou as palavras especiais.



Houve um barulho, e o pavimento começou a se abrir. No segundo seguinte, vários trolls desabavam para dentro de uma enorme fenda. Um deles tentou se segurar, e foi apunhalado em sua parte mais vulnerável.



Um sorriso surgiu nos lábios de Shay enquanto ela lu­tava. Até agora conseguira vencer todos os inimigos, e não tinha nenhum arranhão. Os trolls continuavam atacando, cheios de fúria e frustração, e acabavam vítimas de sua es­pada ou das adagas de Viper.



Por fim, Shay se viu diante apenas de corpos. Voltou-se, e viu Viper ainda lutando.



Vai continuar brincando com esse troll a noite intei­ra? perguntou com malícia.



Apesar disso, ficou aliviada quando Viper despachou o monstrengo com um poderoso golpe, e depois a conduziu pela rua escura, sem comentário algum. Era demais espe­rar que ele não tivesse notado o corte que tinha no queixo. Um dos monstrengos conseguira atingi-la, mas o ferimento fora pequeno demais.



Ela havia notado, porém, o olhar de alerta que Viper lhe lançara quando isso tinha ocorrido. E depois, quando passara a ficar mais atento ao que ela fazia do que à sua própria luta.



Com um esforço, conseguiu alcançá–lo e caminhar ao lado dele, em vez de atrás.



Ela não era de se esconder de ninguém. Nunca fizera isso.



Ignorando o olhar que ele lhe lançou, atentou para as sombras, querendo ver se havia alguém escondido à espe­ra deles.



E aquela era uma área perigosa. Tinham deixado para trás as mansões e a área de negócios. Agora as ruas eram esburacadas e malcheirosas.



Quando sentiu um arrepio, pensou ser meramente uma reação à decadência do lugar.



Somente quando se voltou para Viper, é que compreendeu.



Vampiros ele murmurou.



Droga. Instintivamente, ela deu um puxão nervoso na trança.



E suponho que não sejam os seus vampiros...



Não.



Claro que não eram.



A noite parecia cheia de surpresas. O que poderia ser mais desagradável do que encontrar vampiros em uma rua escura?



Talvez eles estejam apenas passando.



Viper sacudiu a cabeça, as feições endurecidas fazendo com que ela se lembrasse de precisamente o que e quem ele era.



Ninguém ousaria entrar em Chicago sem minha per­missão. A não ser que estejam declarando guerra.



Shay engoliu em seco.



Quantos são?



Seis. Ele levantou a cabeça, cheirando o ar.



E um deles é o chefe.



Isso quer dizer que estamos perdidos?



Viper praguejou enquanto procurava nas sombras por vampiros escondidos.



Não era um bom sinal, pensou Shay. Não queria vê–lo preocupado. Queria que ele continuasse arrogante, superior e confiante.



Maldição ele resmungou. Fui um idiota!



Por quê?



Os cães e os trolls foram apenas uma estratégia para que deixássemos a mansão de Dante ele grunhiu.



Caímos direto na armadilha deles.



Shay sentiu um arrepio.



E o que vamos fazer agora? Fugir ou lutar?



Conheço esse vampiro... Nós vamos fugir Viper a surpreendeu com a resposta.



Pareceu uma excelente idéia a Shay. O melhor dos guer­reiros sempre sabia quando fizer uma retirada estratégi­ca. Segurando a espada de lado para não se machucar, ela permitiu que Viper a puxasse pela rua escura. Não sabia aonde iam, mas qualquer lugar seria melhor do que o que estavam. Pelo menos ela contava com isso.



Podia correr muito e saltar mais alto que os humanos, mas, droga... Estava praticamente voando!



Entrando em um armazém, Viper diminuiu o passo, a cabeça voltada como se estivesse cheirando o ar.



O que você...



Shh! Ele pressionou um dedo sobre os lábios, antes de puxá–la para os fundos do prédio.



Por aqui.



Deram a volta em uma pilha de barris enferrujados, Viper se abaixou e a puxou para junto dele.



Por que paramos aqui?



Não conseguimos despistá–los. Eles já nos cercaram ele murmurou.



Tem um plano?



Ele fez que sim com um gesto de cabeça. Shay o observou atentamente, e viu a determinação em seu olhar.



Por que sinto que não vou gostar desse seu plano?



Um leve sorriso surgiu nos lábios de Viper.



Porque você é teimosa e cabeça dura.



Diga logo qual é ela ralhou nervosa. Ele demorou um momento para responder.



Há um túnel logo a seu lado. Quero que o use para escapar enquanto eu distraio os vampiros.



Não vou fazer isso.



Shay, escute...



As palavras dele foram interrompidas pelo som de pas­sos se aproximando.







Pode aparecer Viper! O armazém está cercado. Você não tem saída.



Shay deu um pulo ao ouvir a voz ressoar na penumbra. Notou um vampiro vindo à direção deles. Era alto. Tão alto como Viper, e com ombros mais largos. Seu tamanho era en­fatizado pelo longo manto negro, que ia do pescoço ao pé.



Mas não era apenas o porte que fez com que ela arre­galasse os olhos. Era o tom bronzeado de sua pele. Era o primeiro vampiro que via sem a palidez habitual que os ca­racterizava. Os cabelos eram negros e longos, presos para trás em uma trança. Parecia mais um príncipe asteca.



Quem é ele? perguntou baixinho. Havia alguma coisa inquietadora naquele vampiro.



Styx. Ele passou a ser chamado assim por deixar um rio de mortos em seu rastro Viper explicou, sem afastar os olhos da criatura que se aproximava.



É um dos mais famosos guerreiros de minha espécie.



Amigo seu? Ela tentou engolir sem grande sucesso.



Em certa época, sim.



Mas por que ele está nos perseguindo? É ele que quer o meu sangue?



É o que pretendo descobrir. Viper se voltou e lhe di­rigiu um olhar firme.



Mas não antes que você saia daqui.



Mas...



Ele envolveu o rosto de Shay nas mãos.



Styx é leal aos vampiros. Não me atacará se não for preciso fazer isso. Você, no entanto, corre um grande risco. Deve fugir se quer que ambos sobrevivamos a isto.



Shay cerrou os dentes. Era insultante que ele lhe pedisse para ser covarde, enquanto ficava ali no papel de herói.



Infelizmente, seu orgulho não podia competir com o bom senso. Se ela ficasse, Viper lutaria até a morte para pro­tegê–la. E, chefe de clã ou não, ele não seria páreo contra seis vampiros determinados a se apoderar do sangue dela. Mesmo que fugissem juntos, acabariam em alguma situa­ção idêntica. O melhor era se pudesse escapar e arranjar ajuda antes que ele fizesse algo estúpido.



Se você se deixar matar eu... O beijo a fez parar de falar.





Nunca vai se livrar de mim. Agora vá.



Shay sentiu uma forte dor no peito quando tocou de leve no rosto de Viper. Jogou a espada no túnel e se preparou para descer.



Ele tornou a segurá–la pelo braço.



Deixe a sua camiseta.



O quê?



Precisa deixar o seu cheiro para trás, ou Styx saberá que não está mais aqui no armazém. A conversa que tere­mos não levará muito tempo, mas espero que seja o sufi­ciente para você fugir.



Não bastava ter entrado em um túnel fedido. Agora ela teria de seguir por ele, nua e gelada!



Mesmo assim, quanto antes fosse mais cedo poderia en­contrar Dante e voltar para salvarem Viper.



Tirou a camiseta e a jogou de lado, depois colocou a mão no nariz, tampando-o para suportar o cheiro forte. Pulou e se viu no meio da lama.



Perfeito. Se saísse ilesa daquele buraco imundo, ela pró­pria iria enfiar uma estaca naquele maldito vampiro!



Não estou com humor para brincar de esconde-esconde, Viper! rosnou Styx.



Viper surgiu por detrás dos barris silenciosamente. Podia sentir Shay se movendo para mais longe, porém seu cheiro ainda impregnava o ar. Com sorte iludiria os vampiros que cercavam a área.



Também eu não estou com humor para ser tratado com um mero criado, meu amigo. Parece que se esqueceu de que sou chefe de um clã.



Styx lhe dirigiu um olhar mais sério do que arrogante.



Eu não me esqueci de seus poderes, Viper, nem de sua posição.



Então apenas se esqueceu dos bons modos? O vampiro balançou a cabeça.



Tem razão em me censurar. Este não é o modo como eu gostaria de tratá–lo. Infelizmente, minhas necessidades superam qualquer outra consideração.



Viper sentiu a raiva aumentar. Não entendia como um ex-amigo e companheiro estava envolvido em uma caçada à sua shalott. Porém, a súbita presença de Styx era mais do que mera coincidência.



O que você quer Styx?



Todas as suas respostas serão respondidas em tempo. Por hora, quero apenas que chame a sua companheira e a mande vir até mim.



Viper cruzou os braços.



Receio que esteja sendo vago demais. Terá de me per­doar se eu quiser saber mais antes de prosseguirmos.



Styx observou Viper por algum tempo, sua expressão não se alterando nunca.



O que mais você quer saber?



A razão de estar neste horrível armazém em uma noi­te fria como esta.



Naturalmente estou aqui atrás de você.



Por quê?



Não é lugar para tal conversa, Viper. Se você e sua companheira vierem até mim...



E se eu me recusar a fazer isso?



Isto seria muito ruim.



Viper apertou os olhos, os caninos em alerta.



Você me pegaria contra a minha vontade? Contra as leis que nos governam? Diga-me, Styx, o vampiro a quem eu admirava acima de todos agora se tornou alguém não melhor do que aqueles contra quem lutamos uma vez?



Chega. A voz não se alterou, porém Viper percebeu que Styx não recebera bem a observação.



Não sabe nada dos problemas que enfrentamos.



Sei que não entramos no território de clãs sem pedir passagem ao chefe ele prosseguiu.



Tampouco convoca­mos demônios ou bruxos para fazer o nosso trabalho, ou comandamos o assassinato de outro vampiro. Agora me diga. Por que está aqui, Styx?



Pela primeira vez as feições douradas apresentaram uma expressão genuína: exasperação.



Não discutiremos isto em público, como trolls briguentos. Espero mais de você, meu velho companheiro de lutas.



Viper deu um passo ameaçador.



Está quebrando nosso tratado, Styx, e se proclaman­do um inimigo de meu clã.



Houve uma movimentação nas sombras, e cinco enormes vampiros apareceram em espetacular velocidade. Como Styx, eles vestiam mantos negros e eram altos.



Muito altos.



Viper se preparou para lutar. Podia morrer, mas preten­dia levar alguns deles junto.



Os vampiros pararam diante de um gesto de Styx.



Estou aqui a mando de meu mestre, que me colocou acima dos tratados, como você já percebeu. Ainda assim, não há razão para que não possamos agir de forma razoável.



Razoável? Viper ironizou.



Se deseja conversar, voltaremos à casa de Dante, e poderemos pôr um fim nisso. Um sorriso surgiu nos lábios de Styx.



Por mais encantadora que seja a nova companheira de Dante, não desejo tomar chá com a Fênix. Lamento ve­lho amigo, mas o tempo é curto. Chame sua companheira, e eu a colocarei nas mãos de minha guarda.



Styx voltou-se para um dos vampiros.



DeAngelo, traga-me a shalott. O vampiro obedeceu prontamente.



A shalott escapou pelo túnel! DeÂngelo exclamou pouco depois.



Devemos segui-la?



Styx olhou para Viper com raiva.



Não, isso não será preciso. Viper tem o amuleto que a chama de volta.



Nunca vou chamá–la, Styx.



Oh, vai sim. Ou morrerá. A escolha é sua.



Levet era esperto o suficiente para voar bem acima das ruas estreitas. Havia toda sorte de comida podre, roupas puídas, lixo, e outras coisas que ele nem queria ver, menos ainda tocar. Não era o primeiro lugar horroroso que via. Já vivera uma parte de sua vida em esconderijos medonhos, apenas para sobreviver.



Ainda assim, tinha vindo para os Estados Unidos na es­perança de encontrar algo melhor. Ali havia menos demônios para atormentá–lo, e espaço suficiente para ter seu pedaço de terra e viver em paz. Ou pelo menos esta havia sido a sua intenção.



Claro que suas boas intenções tinham-no levado de um desastre a outro, reconheceu com um suspiro.



Seguindo Dante, Levet apontou para o lixo.



Que cheiro... Como os humanos aguentam isso?



O vampiro lhe dirigiu um olhar impaciente. Tinha pen­sado em não levar a gárgula com ele, mas sabia-se lá a ra­zão, terminara achando que a criatura poderia ser de algu­ma ajuda.



Uma bobagem.



O desespero sempre possui um cheiro desagradável, seja de um humano ou de um demônio.



Levet o fitou surpreso.



Pensei que Viper fosse o filósofo e você o guerreiro.



Voando mais baixo, Dante cheirou o ar das ruas estrei­tas e sujas como um cão de caça. O medo que Levet sentia de que algo podia estar acontecendo a Shay aumentava a cada minuto. Viper não raciocinava? Não bastara lutar con­tra trolls e cães do inferno? Tinha de levar Shay para onde estavam seus piores inimigos?



Espere! Dante exclamou.



Sacrebleu, por que temos de esperar? Precisamos en­contrá–los!



O irritante vampiro arqueou a sobrancelha.



Parece ansioso demais, gárgula. Não pensei que se importasse.



Aquele vampiro me atirou aos lobos, ou mais pre­cisamente, aos cães do inferno. resmungou Levet.



Ninguém a não ser eu tem permissão para matá–lo. Por que paramos?



Os trolls estiveram por aqui. Levet pareceu surpreso.



Não me diga que teme os trolls?



Não esses... Estão mortos.



Foi Shay Levet concluiu com uma ponta de orgulho.



Não sozinha gárgula. Viper lutou ao lado dela.



Se as bestas estão mortas, nesse caso podemos ir.



Dante sacudiu a cabeça.



Os trolls não foram os únicos que passaram por aqui. Também passaram vampiros.



Levet soltou um gemido.



Quantos?



Seis. E nenhum de nosso clã.



Nenhum de seu clã?! Levet sentiu uma pontada no coração.



Isso significa que...



O rosto pálido de Dante revelou sua apreensão.



Estão aqui para matar Viper.



Qualquer que fosse a intenção deles, Shay estava em pe­rigo, e era isso o que mais importava, Levet pensou.



Não podemos esperar. Temos de ajudá–los!



E cairmos na armadilha? Dante balançou a cabeça.



Não seria de ajuda alguma.



E como espera ajudá–los se escondendo nas sombras enquanto eles são chacinados?



Os olhos de Dante brilharam de raiva.



Fique quieto e me deixe pensar, ou cortarei essas suas asinhas ridículas!



Levet alçou vôo.



Muito bem. Você se esconde nas sombras e eu descu­bro o que está acontecendo!



Droga, Levet!



Tarde demais. A gárgula voara para longe, sem dar aten­ção aos xingamentos de Dante. Levet percebeu os movimentos na escuridão, lá embaixo, e parou em um telhado, em absoluto silêncio. Não mais se importava com o fedor. Nem mesmo com a quietude na vizinhança. Via apenas Viper sendo forçado a entrar em uma limusine preta, seguido de um enorme vampi­ro. Mesmo à distância, podia sentir a tensão no ar.



Estava prestes a chamar Dante, quando percebeu a limusine partindo, seguido por outra.



Shay estaria dentro de algum dos veículos? Certamente.



Bateu as asas, nervoso. Podia não morrer de amores por Viper, mas sabia que o vampiro lutaria até a morte para mantê–la em segurança. Estava-se voluntariamente se dei­xando levar como refém, isso só podia significar que os vam­piros já haviam capturado Shay.



Voou de volta até Dante, que agora parecia muito irritado.



Na próxima vez, lhe arrancarei o coração e o comerei no jantar, gárgula! vociferou ele, agarrando-o pelo pescoço.



Não tempos tempo para nossas briguinhas. Levet o fitou de olhos arregalados.



Um enorme vampiro forçou Viper a entrar em um carro e partiram!



E quanto a Shay?



Presumo que estejam com ela também. Dante concordou.



Viper deve ter compreendido que era impossível lutar Dante resmungou.



Ou ameaçaram fazer alguma coisa contra Shay. Em qualquer dos casos, se atacarmos os carros agora, as coisas podem piorar ainda mais.



Infelizmente, devo concordar com você. As limusines seguiram para o Sul. Eram enormes e pretas. Levet uniu as sobrancelhas.



Por que esse apego dos vampiros a tudo que é preto?



Dante lhe dirigiu um olhar frio.



Tem algum plano?



Vou segui-los e, quando chegarem ao seu destino, vol­to e lhe passo a localização.



Surpreendentemente, Dante fez um gesto de cabeça, concordando.



Os vampiros estarão atentos. Um erro e estará morto! Levet soltou uma risada.



Olhe para mim. Mal tenho um metro de altura... Estou sempre atento, seu tolo.



Dante respirou fundo.



Vou reunir o resto do clã. Estaremos preparados para quando você voltar.



Levet alçou vôo e seguiu o caminho das limusines.



Boa chance, mon mi Dante falou lá de baixo. Levet se permitiu um sorriso. Um vampiro que falava francês... Não podia ser assim tão ruim.



Shay saiu do túnel e, aliviada, respirou ar puro. Ou quase isso, pensou, franzindo o nariz. Estava gelada, cheirando mal e quase nua. Exatamente como tinha previsto.



Mas, surpreendentemente, ninguém a seguira.



Pensando bem, não era assim, tão surpreendente. O vampiro alto e bronzeado, conhecido por Styx, não lhe pare­cera nenhum estúpido. Frio, cruel e inflexível, talvez.



Olhando atentamente para a rua, para ver se não havia algum vampiro nas sombras, começou o caminho de volta para a casa de Dante. Precisava de ajuda e depressa.



O pensamento mal lhe passou pela cabeça e ela captou um cheiro familiar. Olhou para o alto de um prédio e lá estava ele: Levet!



Graças a Deus...



Com novo ânimo, correu pela rua estreita, subiu a esca­da de serviço do prédio velho e aparentemente silencioso, chegando ao terraço superior.



A pequena gárgula se encontrava na beirada de uma marquise, mas o som dos passos dela o alertou. Abruptamente, balançou as mãos como se estivesse enviando um feitiço.



Não, Levet! Sou eu!



Shay?



Sim.



Oh, mãe de Deus... Quase me faz ter um enfarte. A gárgula procurou retomar a respiração normal.



Cruzes, que cheiro é esse? Onde está sua camiseta? Você...



Shay levantou a mão com impaciência.



Onde está Dante?



Foi reunir a cavalaria. Levet colocou as mãos nos quadris.



Como conseguiu escapar? Pensei que estivesse com aqueles vampiros.



Ela estremeceu, e não apenas de frio.



Usei um túnel para escapar de um armazém, mas Viper ficou lá para enfrentá–los.



Não está mais lá.



Como não?



Eles o obrigaram a entrar na limusine e foram embora. Shay sentiu uma dor profunda no coração.



Droga! praguejou, tentando afastar o medo.



Temos de ir atrás dele.



Era o que eu ia fazer quando você chegou.



Muito bem, então vamos.



A gárgula bloqueou o caminho de Shay, preocupado.



Acha mesmo uma boa idéia vir comigo? Eles estão atrás de você. Se chegar muito perto, eles...



Shay procurou cobrir o corpo com as mãos. Estava gela­da. Precisava arranjar uma roupa... E uma cruz. E muitas, muitas estacas.



Vou junto, Levet.



A gárgula revirou os olhos.



Se pretende nos colocar em perigo, então que seja.



Já estou em perigo. Shay deu de ombros.



Não se voltar para a Fênix. Não há demônio que ou­saria desafiá–la.



Nem mesmo Abby pode me proteger agora.



Claro que pode. Ela é uma deusa.



Pense Levet. Eles estão com Viper e eu sou escrava dele... Viper está com o meu amuleto.



Oh! A gárgula empalideceu.



Mas, Shay, Viper jamais vai chamar você e colocá–la nas mãos de seus inimi­gos. Posso achar esse vampiro um arrogante, mas ele nunca permitiria que algo lhe acontecesse.



Agora o arrepio que ela sentia não era de frio.



Não intencionalmente. Ambos estivemos em poder de inimigos, Levet. Sabemos o que é ser torturado. Lealdade e honra só existe nos contos de fadas. Sob tortura, uma pessoa pode ser forçada a fazer qualquer coisa.



Levet tocou nas cicatrizes de seu peito. Os trolls acha­vam divertido torturar uma gárgula em miniatura...



Não Viper. Sacudiu a cabeça com veemência.



Ele nunca fará isso.



Era o que ela mais temia. Não que ele pudesse ceder sob tortura, mas que ele não cedesse. Viper seria capaz de se deixar matar antes de chamá–la com o amuleto.



Era um sacrifício que acabaria com ela mais do que tudo.



Eles o matarão e eu ainda estarei em poder deles. Levet levou as mãos às têmporas.



Está me deixando com dor de cabeça. O que quer dizer com isso?



Se eles estão com Evor, mesmo matando Viper ainda poderão me forçar a ir até lá. Não posso escapar da maldição.



Levet praguejou em francês sem parar.



Temos de salvá–lo, Levet. E temos de fazer isso agora.



Viper decidiu que a limusine de Styx não se comparava à dele. Apesar do espaço e dos bancos confortáveis, não havia qualquer outro luxo. Nem música suave, nem TV de plas­ma, nem champanhe no gelo.



Claro, ele tinha de conceder, sua própria limusine não contava com algemas penduradas no teto, que podiam man­ter quieto o mais furioso dos prisioneiros. Logo que saísse daquela encrenca, providenciaria um par.



Ignorando as que prendiam seus pulsos, voltou-se para o traidor sentado no banco à frente, vendo Styx tirar a capa.



Vai sair machucado graças a essa sua teimosia, Viper. Viper estreitou o olhar para o companheiro que, um dia, lutara a seu lado. Mesmo que tivessem sido amigos no passa­do, jamais perdoaria Styx pelo que estava passando agora. E jamais era um tempo muito longo para os imortais.



Pensa que vou para a morte sem lutar? As feições frias não se alteraram.



Estou tentando evitar que você tenha de enfrentá–la.



A troco de quê? Viper caiu na risada, furioso consegue e com a criatura que o dominava agora.



Tenho sido perseguido por toda Chicago por bruxos, cães do in­ferno, trolls...



Mera diversão.



E o Lu? Viper retrucou.



Eu lhe asseguro que foi mais do que distração. Ele quase me arrancou a cabeça.



Alguma coisa se alterou na expressão de Styx. Pouca coi­sa, mas Viper começou a sentir uma leve esperança de que o vampiro pudesse se arrepender.



Aquilo não foi á meu mando.



De quem então? De seu senhor? perguntou cuida­dosamente.



Sabe que é melhor não perguntar. Styx cruzou as mãos diante do peito.



Fale-me sobre a shalott.



Viper cerrou os dentes.



Ela mede mais de um metro e oitenta de altura e pesa pouco mais de cinquenta quilos, o que é surpreendente, já que come como um cavalo. Styx sibilou, irritado.



Não é hora para brincadeiras, Viper. Se quiser que eu o salve, tem de cooperar.



Viper sentiu vontade de mandar Styx para o diabo, mas pensou melhor. Não tinha como escapar no momento. Quem sabe, se o encorajasse a falar, poderia prever o que vinha pela frente.



E o que essa cooperação envolve?



Quero saber qual o seu envolvimento com o demônio. Seus olhares se encontraram.



Ela é minha escrava.



Mais do que isso, eu creio. Está arriscando sua vida para salvá–la. Por quê?



Você sabe a razão.



Os olhos de Styx escureceram.



Nutre sentimentos por ela?



Viper deu de ombros. Não adiantava negar o que sentia por Shay. Isto estava claro demais.



Jogo perigoso para um vampiro. E mais perigoso ain­da para um chefe de clã.



Viper sacudiu inconscientemente as algemas.



Qual o seu interesse em meu relacionamento com Shay?



Styx ficou em silêncio. Por tanto tempo, que Viper pen­sou que o vampiro não lhe responderia.



Então, bem devagar, ele enfrentou o seu olhar.



Seria melhor se cortasse o seu elo com o demônio e fosse embora. Dê–me o poder sobre o amuleto que a une a você, e eu mandarei parar o carro e o deixarei descer.



Viper era inteligente demais para rir dessa ridícula su­gestão.



E se eu não fizer isso?



Eventualmente, serei convencido a fazer o que você bem sabe. Temo que não vá se divertir muito no processo.



Viper estreitou os olhos.



A tortura tem sido proibida, mesmo pelo anasso fa­lou, referindo-se ao líder de todos os vampiros.



A necessidade, às vezes, exige sacrifícios.



Sou o sacrifício? Viper quis saber.



Espero que não. Ele balançou a cabeça.



Isto não combina com você, Styx. Em todas as suas batalhas você sempre manteve a honra.



Styx se recostou ao banco, mas Viper não deixou de per­ceber que ele tremera levemente diante da acusação.



Eu sempre prezei mais o meu dever ele respondeu a voz sem emoção. Como se temesse revelar mais do que desejava.



Viper observou as feições que um dia lhe haviam sido tão familiares. Styx não tinha envelhecido, naturalmente. Na verdade, era o mesmo de muitos séculos.



Mas havia uma inegável tensão em todo o seu corpo. Uma angústia que lhe tirava o brilho dos olhos. Como se os anos tivessem lhe roubado alguma coisa de muito precioso.



Dever ao anasso?



Dever a todos os vampiros. Nossa existência depende disso.



Viper franziu a testa.



Está sendo melodramático para um vampiro que es­colheu a existência de um monge. O que pode ser assim tão terrível?



Não pode simplesmente confiar em mim?



Não.



Styx levou a mão a um pequeno medalhão que tinha pendurado no pescoço. Era um antigo símbolo asteca do qual ele nunca se separava.



Está tornando esta situação mais difícil.



Não estou fazendo nada disso, Styx. Eu estava em paz em minha casa com Shay, sem perturbar uma alma. Você é quem me meteu nesta desgraça.



A frieza pareceu envolver ainda mais o outro vampiro.



Ordens do anasso. E é isso o que importa. O diabo que importava.



Foi você quem capturou o troll que detém a praga de Shay?



Não, ele conseguiu escapar.



Viper estremeceu. Styx podia ser evasivo, ou simples­mente se negar a responder uma pergunta, mas nunca mentiria. Assim, onde estaria Evor?



Tentou fazer com que os fatos ocorridos nos últimos dias fizessem algum sentido. Tudo o que ele sabia agora é que tinha sido o anasso quem determinara a captura de Shay desde o começo. Mas por quê?



O que quer de Shay? Seu sangue?



Styx voltou o olhar para a paisagem da janela do carro.



O sangue dela é vida. Viper sentiu um arrepio.



Vida para quem?



Chega Viper. Styx afastou o olhar da janela.



Eu já lhe disse tudo o que pretendia revelar.



Viper engoliu a frustração. No momento, não estava em posição de fazer exigências.



Mas tinha confiança de que tudo mudaria. E quando isso acontecesse...



Forçado a mudar de tática, tentou voltar ao assunto que perturbara Styx.



Nunca entendi por que você se ligou tanto ao anasso. Sempre foi tão independente.



Styx deu de ombros.



Descobri, enquanto os séculos foram passando, que precisava de algo mais do que apenas existir.



Mas a sua vida não era uma mera existência Viper retrucou.



Não somente era um temido guerreiro, mas o chefe de um dos maiores clãs que existiu neste mundo. Um feito invejado por muitos.



Os olhos negros brilharam de raiva.



Por mais ridículo que fosse Viper descobriu que estava satisfeito em ver essa rara exposição de emoção por parte de Styx. Isso provava que ainda havia algo no ex-amigo que ele admirava.



Oh, sim, invejado por todo tolo que sonhava com a glória de chegar à minha porta e me desafiar o vampiro falou com amargura.



Raro era o ano em que não me via obrigado a lutar.





— É o custo da liderança Viper retrucou. Nunca foi fácil.



Não me importo em trilhar um caminho difícil. Até dou boas-vindas a ele. Mas não quero mais um caminho sangrento. Cansei de matar.



Viper compreendia bem essas emoções. Ele, melhor do que ninguém entendia o arrependimento de ter sangue nas mãos.



Assim como ele, Styx tivera sua experiência de excluído. Um vampiro sem clã era presa fácil, até que se tornasse forte o suficiente para se defender.



Como, agora, ele se colocava na dependência de alguém novamente?



Também cansei falou finalmente.



Mas isso não explica por que você se ligou ao anasso.



Todos nós o servimos. Ele é o senhor de todos nós. Viper sacudiu a cabeça.



Não como um soldado de sua guarda pessoal. Você vendeu a sua alma.



Não. A palavra foi menos que um sussurro. Estou tentando recuperá–la.



A sua alma? Viper estremeceu.



Chame-a de vontade. Styx fez um gesto de impa­ciência com a mão.



Um sentido para a vida.



Viper estava surpreso. A última coisa que esperava, era debater filosofia enquanto era mantido prisioneiro em uma limusine. Naturalmente, isso tinha de acontecer. Aquele era Styx, afinal de contas.



Está me soando como um humano Viper observou.



Não são os humanos que sempre lutam para descobrir um destino além de si mesmo?



E estão errados? Não devemos lutar para deixar um legado que enriquecerá nossos irmãos?



Viper apontou para as algemas de prata que faziam ar­der sua pele.



Acredita que é isso o que está fazendo? Enriquecendo os irmãos?



O vampiro teve a decência de franzir o cenho, embora sua voz permanecesse macia.



Você parece se esquecer de que foi o anasso quem lide­rou a batalha para civilizar nossos clãs. Foi sua força que nos permitiu derrotar aqueles que nos mantinham presos à igno­rância. É sua presença que evita que a anarquia volte. Penso que você, Viper, mais do que todos, deveria entender isso.



Viper não havia se esquecido do passado. Ou das ba­talhas sangrentas e brutais em que lutara. Muito menos que tinha sido o anasso a liderar a mudança. Sem dúvida, sem seus esforços eles teriam continuado a viver como sel­vagens.



E assim o fim justifica todos os meios, não é, Styx?



Está caçoando de mim, Viper?



Um leve sorriso surgiu nos lábios dele.



Não, na verdade eu entendo. Encontrei satisfação como chefe, mas como você diz, há mais na vida do que o poder. Somente agora achei um propósito para a minha.



Styx o olhou com curiosidade.



E que propósito é esse?



Shay ele disse simplesmente.



Não importa o que venha a acontecer, farei tudo para mantê–la em segurança. Amaldiçoarei a raça inteira dos vampiros se for preciso.



Styx colocou a mão em seu medalhão.



Você deveria era usar o bom senso e chamar a shalott, meu amigo.



As cavernas se pareciam mais com quartos de um cas­telo medieval do que com buracos. As paredes, e até mes­mo os tetos, estavam forrados por ricas tapeçarias; o chão, coberto com carpetes grossos e macios; e a escuridão fora afastada com o uso de candelabros de bronze, cada um com uma dúzia de velas. A mobília era de madeira ricamente entalhada.



Definitivamente, o lugar não se assemelhava a um abri­go de vampiros.



Ainda assim, o anasso nunca tinha perguntado a opinião dele quando decorara os quartos.



Styx soltou um suspiro. Era inteligente demais para expor sua opinião naquele caso. Durante o século anterior, seu senhor havia se tornado uma pessoa de reações tão imprevisíveis.



Aproximou-se bem devagar da enorme cama. Como o anasso tinha mudado naqueles últimos cem anos...



A doença atacara seu mestre. Damocles empesteava as cavernas com a sua indigna presença.



Styx?



A voz rouca encheu o ar.



Sim, milorde.



Ouvi dizer que me trouxe Viper, e que logo ele poderá chamar a minha shalott.



Sim, mestre.



Eu preferiria que tivesse trazido o demônio, mas fez um bom trabalho. Naturalmente é o que sempre faz. Mas noto algo em sua voz... Os olhos negros do anasso o fi­taram por um longo momento.



Certamente não é arre­pendimento?



Não gosto de ferir um amigo.



Presumo que esteja se referindo a Viper.



Styx apertou as mãos. Quando tinha recebido a ordem de capturar Viper junto com a shalott, havia discutido e argumentado contra isso. Não aprovava esse tipo de traição entre vampiros.



Ele é um vampiro honrado. Não merecia ser tratado dessa maneira.



O anasso suspirou profundamente.



Meu velho amigo, sabe que eu alegremente o recebe­ria como irmão se ele usasse o amuleto para trazer a sua escrava. Ele fez isso?



Não. Styx cerrou o maxilar.



Ele nutre senti­mentos por sua shalott.



Uma pena. O velho vampiro alisou o veludo do rou­pão, como se estivesse entretido em profundos pensamen­tos, mas Styx não deixou de notar que seu olhar escurecera.



Como você, eu também não gosto de torturar ninguém da minha espécie. Infelizmente, não podemos evitar que isso aconteça agora. A shalott está quase em nossas mãos. Ele tem de usar o amuleto.



E se ele não o fizer?



Tenho fé de que será convencido pela sua guarda.



Deu ordens para que o torturassem?



Essa foi sua decisão, não minha, Styx o anasso lem­brou gentilmente.



Eu preferiria uma solução um pouco mais simples.



Styx sentiu um frio na espinha, o rosto endurecendo com desprazer.



Queria assassinar Viper e pegar a shalott à força? Alguma coisa brilhou nos olhos escuros, antes que o vampiro retomasse a expressão de paciência infinita.



Uma acusação dura, meu filho.



Como o senhor a chamaria?



O anasso assumiu um ar indefeso.



Um infeliz sacrifício por uma causa maior. Styx sacudiu a cabeça.



Belas palavras não fazem a solução ser menos desprezíveis.



Pensa que não tenho arrependimentos? Que eu não alteraria o passado se isso fosse possível? Culpo-me pelas circunstâncias em que nos encontramos agora.



E o que deveria fazer, Styx pensou. Tinha sido a fraque­za dele que os havia levado àquele momento: o apego ao proibido, que poderia bem matar o nobre vampiro.



Estou ciente disso, milorde.



O anasso cerrou as sobrancelhas.



Talvez acredite que deveríamos deixar Viper e a sha­lott seguirem seu caminho. Mas, sem ela, certamente eu morrerei.



Deve haver outros meios de evitar isso.



Busquei todos os meios possíveis, até mesmo as dro­gas que aquele duende me impingiu. O vampiro sacudiu a cabeça.



Não há nada que cure a doença, a não ser o sangue da shalott.



Shay Styx falou suavemente.



Como?



O nome da shalott é Shay.



Sim, claro. O silêncio reinou no quarto por alguns momentos.



Styx?



Sim, milorde?



Se mudou de idéia, eu entendo. Eu o coloquei em uma posição difícil, pela qual me arrependo muito. Estendeu a mão e o tocou no braço.



Deve saber que a fé e a lealdade significam mais para mim que a própria vida.



Styx sentiu um aperto no peito.



O senhor é muito bondoso, milorde.



Não bondoso. Um leve sorriso surgiu nos lábios deformados.



Lembra-se de quando nos conhecemos?



Eu lutava contra os lobisomens, se me lembro de bem. O anasso riu.



Você me disse que eu teria de esperar pela minha vez para ser morto.



Styx soltou o ar, desgostoso.



Eu era ainda jovem e impetuoso.



Lembra-se do que eu disse?



O vampiro se voltou para a lareira onde as brasas ar­diam. Não era nenhum estúpido. O anasso queria que ele se lembrasse de que, nessa ocasião, ele lhe fizera uma pro­messa. E talvez também quisesse lembrá–lo de que a causa os mantinha unidos.



Uma causa que fora além deles próprios.



Disse que pretendia parar com o rio de sangue fa­lou em voz vazia.



Escrever o destino da raça vampira nas estrelas. Unir a nós todos e nos tirar do caos. Depois me pediu para caminhar a seu lado.



Ao meu lado, Styx. Nunca atrás. Houve uma pausa estratégica.



Quero que esta seja sua decisão, meu filho. Acredita-se que é melhor soltar Viper, e permitir que a shalott continue livre, pois que isso seja feito.



Não, milorde. Voltou-se para o doente, protestan­do.



Não posso...



O vampiro fez um gesto, interrompendo-o.



Pense nisso, Styx, mas pense depressa. Não temos muito tempo.



Levet observou com curiosidade a charmosa área de campo, nas proximidades do rio Mississipi. Não se pare­cia em nada com um lugar onde se instalasse um bando de vampiros que pretendia voltar a agir como nos velhos e sangrentos tempos.



Claro, podia ser um pouco difícil se esconder em um cas­telo gótico, cheio de morcegos e criaturas estranhas. Era o tipo de coisa que as pessoas tendiam a notar.



Escondida no meio de alguns arbustos e rochas caídas, Shay massageava os músculos das pernas. Tinha corrido por cerca de seis horas, seguindo o rastro da limusine nas estra­das de Illinois. Isso não seria possível se estivessem dentro de um automóvel... Mas a pé, o cheiro de tantos vampiros fora o suficiente para que ela e Levet os seguissem até lá.



A adrenalina a levara a tal façanha, até chegarem ao Monte Rushmore, quando aproveitara para arranjar uma camiseta em um varal de uma fazenda próxima.



O tempo está passando Levet.



Eu sei ele resmungou. Depois ficou atento.



É aqui. Sinto o cheiro. Vamos ou não vamos?



Shay respirou fundo. Fitou os buracos negros diante dela e suas mãos começaram a suar. Havia jurado que nunca mais entraria em uma caverna escura depois de sua expe­riência com as bruxas.



Mas se lembrou da promessa que Viper lhe fizera: Nunca mais vai ficar sozinha no escuro.



Não que estivesse sozinha agora. Levet estava a seu lado, e Viper devia contar que ela o salvasse.



Estou indo. Sua voz saiu firme, apesar de tudo. Entraram em um dos túneis. Shay inspirou e não sentiu por perto sinal de humanos nem de demônios.



Ninguém passa por este túnel há anos.



Levet olhou uma enorme rachadura em uma parede.



Porque é instável.



Quanto?



Parece suficientemente seguro por hora, mas eu não me arriscaria a usar algo como dinamite aqui dentro.



Vou me lembrar disso...



Levet estendeu a mão e pegou a de Shay.



O sol vai surgir, e quero sua promessa antes que eu seja obrigado a virar pedra.



Ela lhe sorriu com carinho.



Que promessa?



Não posso evitar que procure por Viper, mas quero sua palavra de que não vai tentar nada estúpido.



Shay revirou os olhos, irritada.



Por que as pessoas vivem me dizendo isso?



Porque você é impulsiva e se deixa levar demais pelo coração. Seja cuidadosa.



Eu serei, prometo.



Ela se inclinou e beijou o rosto da gárgula, exatamen­te quando a primeira luz do amanhecer invadiu a caverna. Levet virou pedra no mesmo momento.



Com um último gesto de carinho na cabeça do amigo, Shay se voltou e entrou no túnel.



Embora a imortalidade tivesse muitas vantagens, havia alguns problemas em se viver para sempre: o interminável tédio da Idade Média. O aborrecimento por ter de se apren­der novas tecnologias.



E, pior de tudo, sobreviver às mais brutais torturas.



Viper perdera a noção do tempo desde que entrara na caverna. De alguma forma, estar preso por correntes ao teto e ter a carne chicoteada ininterruptamente estava sendo uma distração e tanto.



Só não sabia por quanto tempo mais resistiria àquela perda de sangue. E estava se tornando difícil demais man­ter a cabeça no lugar com o brutal ritmo dos chicotes res­soando pelo ar: nunca parando, nunca se apressando, nun­ca se alterando. Um ritmo lento e contínuo, que dilacerava suas costas e pernas.



O fim veio sem aviso. Em um momento o chicote se en­terrando em sua carne, no outro, os silenciosos vampiros deixavam a caverna sombria.



Teria grunhido de alívio se não tivesse sentido que Styx entrava na sala e ficava bem diante dele. Não ia permitir, de jeito algum, que seu captor percebesse nele qualquer si­nal de fraqueza.



Capaz de ler facilmente os pensamentos, o vampiro alto resmungou:



Por que tem de ser tão teimoso, Viper? Isso não lhe serve de nada. Tudo o que precisa fazer é chamar a shalott e será libertado.



Ignorando a agonia que sentia ao menor dos movimen­tos, Viper levantou a cabeça e encarou aquele que, em um tempo distante, fora seu amigo.



No momento em que me libertar, eu o matarei. A expressão no rosto de Styx não se alterou.



Não sou seu inimigo.



É assim que trata os amigos? Viper cuspiu sangue nos pés de seu captor.



Posso lhe dizer que sua hospitali­dade é uma droga.



Eu nunca quis que fosse torturado. Nunca desejei mal a nenhum de meus irmãos. Quero salvar a todos do caos e da ruína.



Não Viper sibilou.



Você quer sacrificar uma mu­lher jovem e inocente para salvar um vampiro que só lhe arruinou a vida. Ou nega a fraqueza do anasso?



Styx apertou as mãos. Nem mesmo ele podia esconder inteiramente o seu desprazer diante da doença que havia atacado o mais poderoso dos vampiros. Era quase um segre­do que os vampiros podiam ser afetados quando tomavam o sangue de viciados em drogas. E mais segredo ainda que os vampiros podiam se viciar também.



O sangue contaminado poderia, vagarosa e impiedosamente, destruir qualquer um de sua espécie. Mesmo o anasso.



Isso já ficou no passado Styx retrucou por fim, com uma voz fria.



Você se refere a quando ele foi curado pelo sangue do pai de Shay?



Sim.



Viper cerrou os dentes quando uma nova onda de dor nos braços o atingiu. Os vampiros não deviam ficar pendu­rados em tetos, presos a algemas de prata. Assim como não deviam ser raptados por antigos companheiros, nem chicoteados como cães selvagens.



Se isso ficou no passado, por que ele está doente de novo? Viper exigiu uma resposta.



Para sua surpresa, Styx começou a andar de um lado para o outro, tenso.



Isso importa?



A horrível dor que Viper sentia foi esquecida quando a fúria falou mais alto.



Considerando a sua intenção de matar a mulher que eu amo, importa bastante!



Styx estremeceu visivelmente, como se Viper tivesse, por fim, conseguido atingi-lo.



Eu lamento a necessidade. Não sabe quanto, Viper, mas deve pensar no que vai acontecer se o anasso morrer.



Lentamente, ele dirigiu a Viper um olhar atormentado.



Um vampiro se levantará contra outro. Alguns irão que­rer dominar os demais, e outros simplesmente voltarão aos tempos que tínhamos antes do anasso. O sangue dos clãs será derramado sobre nós, enquanto os chacais voltarão para o seu lugar na glória.



Chacais? Viper estremeceu.



Está se referindo aos lobisomens?



Eles se reuniram sob o comando de um novo rei. Um jovem e destemido lobisomem, que sonha com o dia em que eles governarão a noite. A voz de Styx soou cheia de preocupação.



É apenas o medo que eles têm do anasso que ainda os impede de nos atacarem.



Viper sacudiu a cabeça lentamente. Pelo sangue dos jus­tos. Styx estaria assim tão cego? Ficara enfiado tempo de­mais dentro das cavernas escuras para não ter idéia do que estava acontecendo no mundo?



Você é um tolo, Styx.



Não duvido que muitos concordem com você, mas nunca ousam fazê–lo na minha cara!



Como se um monte de insultos fizesse diferença. Viper acabou sorrindo com amargura. Ele já estava sendo tortu­rado. O mais poderia acontecer?



Abra os olhos, velho companheiro. Não é o anasso que impede que os vampiros se dilacerem uns aos outros. Nem mesmo o que detém os lobisomens de nos atacarem.



Styx olhou para Viper como se escutasse uma blasfêmia. E talvez fosse mesmo uma heresia para ele. Havia dedicado toda a sua existência ao anasso. Não podia, pois, ver nada, além disso.



Claro que é insistiu. Ele é quem nos levou ao triunfo.



Talvez ele nos tenha liderado, mas ninguém tem visto nem conversado com o anasso há séculos. Ele é pouco mais que uma vaga sombra lembrada por seus feitos no passado.



Eles o temem. Temem o poder que ele detém.



Não. Eles temem você, Styx. Você e sua guarda. Você é quem tem governado os vampiros, queira isso ou não.



Styx endireitou o corpo, as feições tensas.



Isso é traição.



— É a verdade nua e crua. Viper franziu o cenho, mal aguentando manter a cabeça erguida. Sua força estava se esvaindo com a perda de sangue.



Deixe este lugar e visite os clãs se quer saber a verdade, Styx. Sua lealdade o cegou.



Styx soltou um grunhido.



Vim aqui na esperança de fazer você cair em si. Obviamente, a sua loucura é maior do que eu temia. Estendeu a mão e tocou no medalhão em seu peito.



Quando estiver preparado para chamar a shalott eu volta­rei aqui.



Dando as costas, o vampiro deixou Viper entregue à dor e à escuridão.



Não que Viper realmente se importasse com isso. Enquanto as correntes de prata dilaceravam sua pele, e seus músculos se contraiam em agonia, ele podia jurar que sentia o doce perfume de Shay.



Os túneis terminaram por se revelar um verdadeiro la­birinto que levava a nada, ou pior: levavam ao mesmo ponto de partida. Meia hora de busca infrutífera, e Shay percebeu estar perdida.



Começou a praguejar em francês. Não sabia o que significavam as imprecações, mas pareciam perfeitas na­quele momento.



Praguejou de novo ao bater a cabeça no teto. O lugar obviamente não tinha saída. Era escuro, cheio de limbo e muitas aranhas.



Sem falar agora no cheiro inconfundível de vampiros.



Oh, benditos fossem os céus! Preferia um bando de vam­piros raivosos a ficar mais um minuto presa naquele lugar!



Identificar o cheiro de vampiros, no entanto, e se ver cara a cara com eles, era duas coisas bem diferentes.



Shay franziu o cenho. Olhando bem, não parecia ser um túnel. Após outras tantas voltas sem sucesso, finalmente deu com tochas acesas, presas às paredes. Um ou outro ta­pete revelava que devia estar perto da gruta dos vampiros.



Em uma encruzilhada, parou para tomar fôlego. Os vam­piros deveriam estar à direita. Pelo menos sete deles. Mas, à esquerda, havia cheiro de humanos. Em bom número, e todos cheirando a medo e doença.



Havia algo mais. O cheiro de um duende e de um troll!



Seu coração disparou. Seria Evor? Ele estaria perto o sufi­ciente para que ela o capturasse logo depois de salvar Viper?



Shay se virou na direção dos vampiros e afastou os pen­samentos da criatura. Tudo o que importava no momento era encontrar Viper.



O túnel se tornou mais largo e, obviamente, mais transitável, porém curiosamente deserto. Com sua habitual falta de sorte, ela esperava encontrar um vampiro a cada curva.



Para sua surpresa, não viu nenhum.



Foi assim que sentiu o cheiro de Viper.



Viper! - ela chamou em voz baixa.



Não recebeu resposta alguma. Droga, ele devia tê–la es­cutado. A não ser que...



Não, não e não, Não queria nem pensar nisso!



Engolindo em seco, pegou uma das tochas e forçou os pés a seguirem adiante.



Bem à sua frente havia uma entrada estreita. Viper es­tava lá. Podia sentir com cada batida de seu coração.



Cuidadosamente, ela se esgueirou pela estreita abertura.



Uma vez dentro de uma pequena caverna, levantou a tocha, tentando ver à frente.



O que encontrou quase lhe dilacerou o coração. Viper es­tava mesmo ali: pendurado pelos pulsos ao teto. Havia sido chicoteado até que suas costas e pernas ficassem com os os­sos à mostra. Havia sangue em toda parte: em seus cabelos, em seu rosto perfeito.



Viper! Droga, o que fizeram com você?! exclamou, horrorizada.



A tocha caiu ao chão antes que ela conseguisse se con­trolar.



Céus, a última coisa de que Viper precisava naquele mo­mento era ver uma crise de histeria.



Shay tentou se controlar. Sempre afirmara ser uma guerreira. Era hora de começar a se comportar como uma.



Engoliu em seco. Os vampiros haviam prendido Viper com correntes e o tinham espancado como se ele fosse um animal.



Cerrou os dentes, irada. Pretendia vê–los no inferno as­sim que conseguisse colocar Viper em segurança.



Uma tarefa que provou ser mais difícil do que imaginava.



Em vão, tentou mover a pesada corrente que mantinha Viper preso ao teto. Pelo menos era de prata e não de ferro, embora Viper não pudesse se alegrar com o fato.



Soltou um gemido. Podia sentir o cheiro do metal quei­mando a pele dele. Devia ser extremamente doloroso estar exposto, assim, a uma substância terrível para os vam­piros.



Pressionando, puxando, revirando, finalmente ela con­seguiu tirar a corrente do teto da caverna. O sucesso, natu­ralmente, teve um custo. Viper caiu pesadamente no chão.



Correu para o lado dele, e conseguiu livrá–lo das correntes.



Por anos ela amaldiçoara a força de demônio que a di­ferenciava dos humanos. Achara-se uma aberração. Uma criatura de que todas as crianças caçoavam e que os adultos temiam. Agora, pela primeira vez, apreciava os dons que herdara do pai.



Colocando a cabeça de Viper sobre o colo, ela limpou o sangue do belo rosto agora marcado pela dor.



Viper! Viper, pode me ouvir?



Não teve resposta alguma no primeiro momento. Por fim, o corpo dele estremeceu.



Shay?...



Ela inclinou a cabeça para que ele conseguisse escutá–la.



Não se mexa, estou aqui.



É um sonho?



Ela soltou uma risada histérica.



Deve ter tido sonhos melhores do que este...



Venho sonhando com você há meses. Não. Venho so­nhando com você por uma eternidade. Viper abriu os olhos com incrível dificuldade.



Pensei que nunca a en­contraria, mas encontrei. Não podia deixá–la ir embora. Não quando preciso desesperadamente de você. Nunca vou deixá–la partir.



Os olhos de Shay se encheram de ridículas lágrimas. Ele, sem dúvida, delirava e estava totalmente fora de si com a dor. Mas ninguém jamais dissera palavras que a emocio­nassem tanto como aquelas.



Como se pudesse se livrar de mim agora. Viper, você precisa acordar.



Com esforço, ele procurou voltar à consciência.



Não devia estar aqui. É perigoso.



Perigoso? Uma caverna cheia de vampiros desesperados para drenar o sangue dela? Bobagem.



Não se preocupe, já estamos indo embora.



Vá você... Agora!



Ambos iremos. Ela estendeu o braço e colocou o pu­nho contra os lábios dele, decidida.



Mas, primeiro, você tem de beber.



Sentiu que ele estremeceu ao ouvir as palavras.



Não Shay. Não vai querer que eu tome o seu sangue.



Meu sangue vai curá–lo, Viper. Por que acha que as shalotts são tão procuradas?



Ele sacudiu a cabeça.



Vá, Shay! Ou eles irão matá–la!



Ela balançou a cabeça em uma negativa.



Primeiro vão ter de me pegar.



Não é tão forte como pensa.



Vou lhe mostrar o quanto sou forte, se não beber ela ameaçou, pressionando o punho contra os lábios dele.



Tem de fazer isso agora, Viper, ou ambos morreremos.



Seus olhares se encontraram por um longo e silencioso momento.



Então ele a mordeu.



Shay arregalou os olhos, e seu corpo inteiro entrou em choque quando dois caninos ultrapassaram a pele de seu pulso. Não sentiu dor, mas quase desejou que o fosse. Isso era comum em batalhas...



O que sentiu, foi uma poderosa onda de prazer percorrer seu corpo. Um prazer torturante, agonizante...



Era possível? - perguntou-se, atordoada.



Em meio à deliciosa sensação, percebeu que Viper recu­perava as forças. O sangue dela funcionara como mágica. A doce pressão dos dentes dele em seu punho alcançou um ponto máximo, e ela gritou de prazer.



Tombou para a frente e enterrou a cabeça nos cabelos de Viper, ofegante. Estava tonta e fraca agora.



E muito embaraçada. Não era hora para desfrutar os prazeres da carne.



Shay? Shay, fale comigo!



Droga! ela exclamou, forçando-se a encontrar o olhar de Viper.



Eu a machuquei?



Não exatamente.



Ele a observou por um longo momento, até compreender o que tinha acontecido.



Está ruborizando?



Eu... Ela parou de falar e o fitou com preocupação.



Melhorou o suficiente para cairmos fora daqui?



Um grande sorriso surgiu nos lábios dele.



Estou curado. Completamente curado! exclamou, surpreso.



Não é de surpreender que o anasso esteja tão ansioso para colocar as mãos em você.



Shay franziu o cenho de leve enquanto ainda detinha o olhar nos caninos pontiagudos.



Não são as mãos dele que quero em meu corpo... Viper sorriu e a beijou na boca.



Você me deu um grande presente, Shay. Um presente do qual nunca me esquecerei.



Promessa é promessa. Eu tinha uma dívida de sangue com você.



Agora fique quieta, mulher. Logo pretendo lhe dizer como foi maluca em me seguir e colocar sua vida em ris­co. Por hora, simplesmente quero que saiba que honrou seus ancestrais. Nunca conheci ninguém, vampiro, demônio ou humano, que possuísse sua coragem e sua lealdade... Você é uma guerreira da qual seu pai se orgulharia. Um forte rubor tomou conta do rosto de Shay.



Acho que devemos pensar agora era como sair daqui ela disse apenas.



Viper estreitou os olhos escuros.



Há momentos em que me desespero por sua causa... Realmente me desespero. Ele a beijou com paixão.



Mas está certa. Vamos sair daqui. O quanto antes melhor.




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Notas finais do capítulo

comentem estou com saudades de voces comentem mais por favor...



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