Ceifadores De Corações escrita por Magarax


Capítulo 4
Capítulo Terceiro - LEGADO




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/347802/chapter/4

Viraram a esquerda pela Datchet Red e seguiram até chegar na Thames Street, onde seguiram para a direita. De esquina com as duas ruas, fica o Bel & The Dragon Tea Room que para afins de narração e leitura chamaremos apenas de The Dragon , um dos locais que Peter usava para se desligar do mundo, exatamente como ao pé do carvalho. O dono do The Dragon era um senhor simpático vindo da Irlanda. Seu nome era Flynn, que ele se orgulhava bastante em dizer que significa filho do homem ruivo. Tinha um metro e oitenta de altura, calvo com cabelos ruivos na laterais, um bigode ruivo bastante cheio que reafirmava seus descendentes irlandeses, além de uma barriga proeminente. Você poderia classificá-lo como típico dono de taverna, e como Flynn sempre falava, ele se orgulhava desse fato. Entretanto, resolveu abrir uma casa de chá, afirmando que já tinha passado da idade de ficar cuidando de gente bêbada e, embora nunca tenha admitido pra ninguém, beber chá era um dos seus passatempo favoritos.

Aos passarem pelo The Dragon, Flynn estava preparando algumas mesas, já que dali a uma hora seria o Chá das 5h. Acenou alegremente de uma das mesinhas de fora para Peter e Priscilla enquanto passavam, pedindo para que voltassem lá assim que pudessem, com o sorriso simpático de sempre. Os dois continuaram seguindo adiante pela Thames Street. O prédio onde Priscilla morava era colado com o The Dragon. Tinha um forma quadrada com três andares, sendo que o terceiro era acoplado ao telhado, era cinza, bem cuidado e enfeitado com arranjo de flores. Ela dizia que este último detalhe foi um toque pessoal dela, para quebrar o cinza monótono. Peter achava um pouquinho exagerado, mas sempre elogiava as flores quando passava pela frente do prédio. Subiu os dois degraus da soleira e esperou até que ela procurasse as chaves na bolsa e abrisse a porta para que então pudesse beijá-la de surpresa quando ela se virasse para se despedir. Ele segurou sua nuca com a mão direita, enquanto apertava gentilmente a cintura com a esquerda. Priscilla, tomada pela surpresa, deixou a bolsa e as chaves caírem no chão, inertes. Envolveu Peter em seus braços delicados e retribuiu o beijo, sentindo um arrepio de prazer que subiu por cada vertebra de sua coluna. Tão subitamente como havia começado, eles pararam de se beijar, afastando lentamente os lábios, ligados apenas por um pequeno fio de saliva, que reluziu rapidamente à luz avermelhada da anunciação do crepúsculo. Vermelha, Priscilla pegou as coisas que havia deixado cair e após um tímido tchau fechou a porta do prédio, onde Peter conseguiu ver de relance seu sorriso, dando-se por satisfeito.

Até chegar em casa, ele precisava percorrer o restante da Thames St, passando pela frente da floricultura Flowerz e do café bar The Chocolate Theatre, dois lugares que eram parte do seu cotidiano, mas que ele ainda nunca tinha entrado e por isso, vocês não precisam de mais informações, por enquanto. Atravessou a ponte sobre o pequeno rio que passava languidamente por ali, passando para o outro lado da rua, onde ficava o The George Inn, uma hospedaria bastante agitada, que tinha uma aparência de taverna por ser constituída em sua maioria por móveis de madeira. Era agitada porque além de ser barata e aconchegante, era servida refeições a parte para qualquer pessoa. Sua casa era do lado do The George. Possuía dois andares, sendo que o térreo era o sebo de sua mãe e o segundo andar, o sótão. As duas janelas do térreo eram maiores, simulando um vitrine e permite que mais luz entrasse no sebo. Além disso, possuía uma segunda portal lateral, que era mais usada por ele e sua mãe, dando acesso tanto ao sebo quando ao andar de cima. Como já eram quase cinco horas, ele entrou pela porta de fregueses e encontrou sua mãe arrumando novos livros que haviam chegado. Ela tinha cabelos negros e lisos até a altura da omoplata. Seus olhos castanhos claros denunciavam que ela era mãe de Peter, pois eram extremante parecidos. Possuía um metro e setenta de altura, tinha quarenta e dois anos e estava usando um vestido florido até a altura do joelho, já que o aquecedor mantinha o frio afastado, mesmo que o frio só quisesse saber como todo mundo estava e se enturmar. Seu nome era Alicia Hall.

- Olá, Pete! Como foi o seu dia hoje, querido? - perguntou Alicia, em um tom alegre que mais parecia pertencer a uma menina de sete anos, mesmo sem ser forçado.

- Foi bem tranquilo, mãe. O clube de leitura não teve atividade hoje à tarde já que estamos próximos da época de provas. - Peter havia achado que o clube de leitura seria a opção menos trabalhosa como atividade extracurricular e poderia servir de desculpas para passar a tarde deitado debaixo do carvalho ancião do colégio.

- Então deixe-me adivinhar. Só chegou agora porque estava esperando Priscilla sair da aula de canto, certo?

- Err... sim. - disse Peter, corando um pouco.

Alicia deu uma risada curta, colocou os últimos livros em suas respectivas prateleiras e bateu uma mão na outra, tirando o pó.

- Ok, mocinho, já para cima tomar banho! Sei que você não gosta muito de chá, mas queria que você se sentasse comigo hoje. Por isso, nada de sentar-se à mesa sujo, está me ouvindo? - zombou Alicia. Depois que Peter subiu as escadas, ela começou a arrumar a mesa para o chá das cinco horas.

Mesmo no banho, Peter conseguia ouvir o tintilar da porcelana, indo da cozinha até a sala nas mãos de sua mãe. Ela estava usando um conjunto de xícaras e bule branco e azul, com flores de lótus detalhando. Nunca conseguiu descobrir onde sua mãe tinha conseguido aquele conjunto, tendo se espantado da última vez em que tinha pesquisado o preço de um conjunto com aquelas especificações. A questão agora não era essa. Ele sabia que toda vez que sua mãe usava aquele conjunto era porque tinha algum assunto mais sério para tratar e isso estava deixando-o nervoso. Não que ele tivesse nada de errado, mas na última ocasião em que isso acontecera, ela usou o conjunto da flor de lótus para lhe contar que seu pai havia morrido.

Enxugou-se, penteou os cabelos para trás como sempre fazia, pegou a primeira roupa que viu no guarda-roupa e foi para sala. Sua mãe já lhe esperava na mesa. Estava descansando os sachês com as folhas de chá no bule com água fervente. Sobre a mesa, se encontrava o pote com os cubos de açúcar, leite em uma leiteira de prata, pequenos recipientes com mel e um prato com fatias de limões. Peter sentou-se, pegou sua xícara, depositou calmamente dois cubos de açúcar e aproximadamente um quarto dela de leite. Alicia, que lhe observava desde então, fez um sinal com a cabeça, dando a entender que o chá já estava pronto. Ele pegou o bule, completou a sua xícara e encheu a de sua mãe, que não havia colocado nada lá previamente. Mexeu o conteúdo com uma colher-de-chá prateada e adornada nas bordas até que ficasse homogêneo e sorveu.

- Sei que você recebeu más notícias nos últimos tempos desse jeito, mas prometo que hoje não será nada parecido. - Alicia brincava com o chá, afundando a colher horizontalmente na xícara a ponto de poder observar a tensão superficial se romper.- Enquanto estava arrumando o sebo hoje, foi ao sótão para dar uma limpada, jogar algumas tralhas que aparecem com o tempo e, no meio dessa arrumação, achei um coisa esquecida por mim a muito tempo.

Ela procurou algo no bolso esquerdo do vestido. Tirou um pequeno embrulho, enrolado com um barbante que mais parecia ter cem anos de idade e um pano maltrapilho, que a muito tempo tinha desistido de acreditar na existência do sol de tão mofado que estava. Quebrado a etiqueta do chá das cinco, colocou o embrulho em cima da mesa e começou a desembrulhá-lo solenemente. O objeto protegido pelo embrulho era um anel. Feito de prata, o anel não tinha marcas de idade e possuía uma insígnia em ouro velho. Peter não precisava olhar com atenção para descobrir qual era a forma da insígnia. Já tinha visto aquele anel. Era o responsável por suas visões. Um coração com correntes cravadas por cima de um foice reluzia a luz da sala. A sigla HS, no centro, parecia brilhar.

- Este anel me foi dado por minha mãe quando fiz dezoito anos. Ela me orientou que eu entregasse ao meu primogênito quando ele atingisse a maioridade, pois o uso do anel não o faria bem antes disso. - Viu uma expressão de incompreensão na cara de Peter. Não me pergunte nada além disso.- Apenas sei o que você sabe agora. De qualquer forma, aqui está o anel. Espero que você consiga descobrir o que ele significa. Nunca entendi a sua avó, era realmente uma mulher misteriosa.

Peter pegou o anel da mão de Alicia sem muita convicção. Sentiu o peso do objeto metálico em sua mão, lembrando de todos os pesadelos que ele havia lhe causado, quatro anos antes. Na oitava série, quando voltou para casa depois da aula, encontrou um bilhete de sua mãe avisando-o que ela e seu pai tinham saído para resolver um problema financeiro e que era para ele tomar conta do sebo enquanto estavam fora. Claire havia dito que naquela tarde iria sair com os pais e por isso ele sabia que aquela tarefa ia ser, no mínimo, tediosa, já que iria ficar a tarde toda sozinho com um monte de livros. Para quebrar um pouco da monotonia, resolveu fechar o sebo por alguns instantes e ir explorar pelo sótão. Trancou a porta a porta principal e através da porta lateral subiu as escadas para o primeiro andar, onde foi até o final do corredor central do apartamento e puxou uma corda no teto, que fez descer um tampo e descer a escada que dava para o sótão. Com um rangido metálico, a escada alcançou o estiramento máximo, permitindo que Peter subisse por ela e entrasse no cômodo, que estava mal iluminado devido a algumas caixas tapando a janela, além de exalar um fedor de mofo. Se arrependeu da decisão no momento em que entrou, já que só conseguia ver nada além de caixas em todo o cômodo, mas como já estava lá, se aproximou da caixa mais próxima e abriu. Na superfície, encontrou fotografias de sua mãe na juventude, algumas cartas velhas, objetos que deveriam ter alguma importância especial para serem guardados naquela caixa e, quando estava quase desistindo, o anel embrulhado. Após abri-lo, resolveu experimentá-lo e para sua surpresa, o anel se ajustou ao seu dedo. Ficou empolgado e maravilhado com o que acabara de ver, precisava contar aquilo para Claire. Eram amigos a tanto tempo que quase não existia nada na vida um do outro que eles não soubessem. Fechou a caixa com rapidez, pulou para fora do sótão, quase perdendo o equilíbrio na aterrissagem, recolheu as escadas, desceu para o térreo e saiu em disparada para a casa de Claire, torcendo para que ela já estivesse em casa.

Atravessou a ponte com toda a velocidade que conseguiu até chegar perto de uma árvore onde tinha quatro bancos dispostos, onde parou. No primeiro momento, ele viu um casal brigando, a mulher em prantos e o homem sem saber o que fazer. Nada do que ela falasse conseguia convencê-lo. Até que ele decidiu pôr um fim naquilo, e disse que estava tudo acabado entre eles. Foi então que Peter viu. Exatamente nesse momento, o tempo pareceu desacelerar, onde surgiu um espectro atrás do homem. Ele não tocava o chão, era coberto por um pano preto totalmente rasgado, onde era impossível reconhecer sua face. Carregava na mão esquerda, cinzenta e esquelética, um foice tenaz, do mais puro aço negro, medindo um metro e meio de comprimento. Peter olhava para os lados. Ninguém parecia ter notado aquele ser fantasmagórico que simplesmente acabara de surgir no meio da rua. O espectro levantou a foice calmamente, mas de maneira impiedosa. Elevou-a até por cima da cabeça e, em um movimento rápido e cruel, cortou a mulher diagonalmente. Peter esperava que muito sangue jorrasse, mas não havia nada. A mulher continuava em pé, encarando o homem estaticamente, sofrendo silenciosamente. Foi então que ele viu. O espectro tinha voltado a sua posição original, apoiando a foice no chão. Cravado em sua lâmina, estava um coração pulsante, onde sangue escorria por suas cavidades, subitamente cortadas. Uma corrente se materializou na mão direita do espectro que, agindo por vontade própria, se enrolou na cintura do homem, que também não notava o que estava acontecendo. Uma ponta da corrente ficou pendendo até que o espectro abaixasse a foice e ela penetrasse o coração, que continuava pulsando, prendendo-o com firmeza. O espectro, a corrente e o coração desapareceram da mesma maneira súbita com que tinham aparecido, fazendo com que o tempo voltasse a seu curso normal. A mulher então desabou no banco da praça, as lágrimas escorrendo no rosto continuamente e soluçando sem parar. O homem não quis continuar vendo aquela cena e saiu andando em direção a Peter, perpassando, atravessando a ponte e sumindo de sua vista. Peter respirava com dificuldade. Tremia e estava com a visão embaçada, desejando apenas ver alguém conhecido, tocá-la, ter a sensação de que estava no mundo real. Correu como nunca havia corrido na vida, sendo atrapalhado apenas pelas lágrimas que agora voavam do seu rosto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Nesse capítulo temos a apresentação de Flynn e Alicia, além da aparição do anel e do espectro. Continuo adaptando a realidade da ruas de Windsor para que flua melhor.

Peço de novo que as pontas soltas na história vão ser explicadas mais a frente, como a morte do pai de Peter, e que se você sentirem falta de alguma descrição, como a da casa deles por exemplo, peço que tenham paciência, ok? Estou tentando deixar o texto com a leitura menos maçante possível!

Por hoje é só! Qualquer dúvida, é só perguntar! :D



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ceifadores De Corações" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.