Deuses e Diamantes escrita por André Tornado


Capítulo 12
Ideia.


Notas iniciais do capítulo

"Por vezes, quando olho
no fundo dos teus olhos
Juro que consigo ver
a tua alma."
James, Sometimes



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De repente, veio-lhe à cabeça uma ideia que lhe pareceu excelente e Goku anunciou triunfante:

- As bolas de dragão!!

Ozilia não reagiu. Número 17 estreitou os olhos desconfiado.

- O que dizes?

- Vou reunir as sete bolas de dragão e pedir a Shenron que abra uma porta para esse mundo onde está o Palácio do Tempo desse Lux. É uma excelente ideia!

Mas o entusiasmo dele não encontrava eco no humano artificial, nem tão pouco na criatura que permanecia desligada, sentada no chão, braços moles, cabeça pendida, como uma boneca de trapos abandonada. O sorriso de Goku ficou amarelo.

- Não acham uma excelente ideia?

Depois acrescentou para número 17:

- Sabes o que são as bolas de dragão?

- Não.

- Não? Ah, mas eu explico-te…

Uma mão decidida parou-lhe o discurso.

- Não quero saber, Son Goku – disse número 17 cansado. – Se queres procurar por essas tais bolas de dragão e achas que te irão ajudar, pode ser que seja uma excelente ideia. Quando abrires essa porta ajudado por esse Shenron, que também não me interessa quem possa ser, não te esqueças de a levares contigo.

Apontou para a criatura que parecia ter adormecido naquela posição.

Mas, nisto, os ombros de Ozilia foram sacudidos por um espasmo que a fez tremer toda, como se lhe estivessem a passar corrente elétrica pelo corpo. Um som surgiu, abafado, como um ronco e foi subindo de tom até combinar com os estremeções dela. Ria-se como se tivesse perdido o juízo. Lançou a cabeça para trás numa gargalhada boçal, abrindo a boca toda, mostrando os dentes, a língua, a goela.

- Estás mesmo determinado em encontrar-te com Lux! – Exclamou entre gargalhadas. – Nem sabes o que vais encontrar pela frente, mas queres participar nesse torneio. Eu digo-te qual vai ser o desfecho: Lux vai esmagar a tua bela galáxia na tua frente, vai assassinar todos aqueles que amas e depois vai eliminar-te.

Calou o riso demente e os olhos lançaram chispas na direção de Goku.

- Boa sorte, saiya-jin. Acabaste de provocar um combate que não irás vencer!

Levantou-se e entrou na cabana como um furacão. A porta de madeira bateu uma vez com estrondo e depois ficou a oscilar nos gonzos.

- Que bicho lhe mordeu?

- Está esgotada e quer descansar – respondeu número 17 e ainda considerou acrescentar “como eu”, mas não iria confessar isso ao seu inimigo.

Cruzou os braços, inclinou a cabeça, analisando a atitude descontraída de Goku, tentando perceber se era genuína, se apenas uma capa para tranquilizar os que o rodeavam. Não conseguiu decifrá-lo, o enigma era demasiado complicado e ele estava com o cérebro enevoado por estar tão exausto, apesar de não o querer demonstrar, e passou para a etapa seguinte. Mandá-lo, pela enésima vez, embora dali. Mas antes disse:

- Ela tem razão. Acabaste de provocar um combate impossível.

Ele uniu as sobrancelhas por cima de um olhar inflexível.

- Não é a primeira vez que tenho um combate difícil.

- Vais lutar contra um deus.

- Lutei e venci Majin Bu.

Número 17 voltou-lhe costas, encaminhando-se para a cabana, abrindo os braços, em sinal de rendição.

- Muito bem. Faz como entenderes. Sayonara, Son Goku. Lembra-te: quando tiveres forma de alcançar o mundo dos deuses, aparece.

- Aparecerei com as bolas de dragão e pedirei o desejo daqui.

Goku despediu-se e desapareceu com a ajuda daquela técnica que o fazia deslocar-se de um lado para o outro instantaneamente.

Finalmente!

Mas número 17 travou uma passada.

O que queria dizer ele com aquilo de pedir o desejo dali?

Queria dizer que iria voltar e número 17 sentiu um grande desânimo, o cansaço daquele dia abater-se sobre ele, como uma avalancha.

Shimata, não queria voltar a encontrar-se com Son Goku!

***

Ozilia sucumbira ao cansaço, aparentemente, tendo em conta que se tratava de uma deusa. Dormia enrolada, deitada sobre o lado direito, como um bebé no ventre da mãe, o diamante apagado no centro da forma compacta que o corpo dela formava em cima da cama. Ele tapou-a com o cobertor, estranhando-se por estar a fazer aquilo. O gesto não condizia com a sua apatia, nem o que ele pensava sobre toda aquela trapalhada que lhe havia caído no colo.

Despiu-se no centro da cabana, descartando-se das roupas que o estavam a picar. Sentiu frio e amaldiçoou-se por ter aquele revestimento fraco de humano. Preferia mil vezes ser totalmente sintético e não ter qualquer reação ao meio ambiente, assim seria um ser perfeito. Mas o maldito cientista louco criara apenas um androide perfeito, o monstro verde que o quisera aniquilar.

Outra coisa estranha, naquele dia de estranhezas. Recordar-se do passado. Talvez porque estivera com o seu inimigo, Son Goku. O idiota nunca se tinha apercebido, ou fingira não se aperceber, que era a primeira vez que se encontravam, apesar de existir aquele laço forte que os unia pelos piores motivos, mesmo que número 17 lhe tivesse enviado a sua energia para ajudá-lo a derrotar Majin Bu. Nunca haveria de lho revelar, era demasiado humilhante e contrário ao seu orgulho.

Sorriu, a pensar em como Son Goku estava iludido. Ele não vencera simplesmente Majin Bu, tivera ajuda de um planeta inteiro. E também ajuda dos seus inimigos.

Entrou no duche e deixou-se envolver pelo calor da água quente que lhe encharcou primeiro os cabelos e a cara. Depois o torso, os braços, as pernas. Quando se dobrou e molhou as costas, reprimiu um uivo. Era o seu pior ferimento, aquela queimadura extensa e fechou o chuveiro com um safanão. Ficou a fazer algumas distensões, movimentando as omoplatas, escutando a pele estalar. A dor era forte, mas ajudava-o a perceber a gravidade do ferimento e se a tisana era, de facto, suficiente para curá-lo.

Enrolou a cintura numa toalha, a cabana estava gelada. Foi descalço até ao fogão, acendeu um lume para aquecer o espaço. Olhou para a bancada, onde se espalhavam os restos de ervas, raízes e condimentos que utilizara na tisana, tudo numa confusão. Normalmente ele gostava de arrumar tudo, apreciava uma casa perfeita, com tudo no lugar, mas sentia-se esgotado para fazer o que quer que fosse a não ser caminhar até ao sofá, deitar-se e dormir.

Fazer como Ozilia. Dormir um sono perfeito.

Foi o que fez. Atirou-se para o sofá e ficou estendido de borco, um braço e as pernas pendurados, apenas tapado com uma pequena toalha, os cabelos negros húmidos e desalinhados a cobrir-lhe a cara.

E acabou por adormecer.

***

Estava a sonhar com umas esferas gigantescas e com um dragão assustador, que vomitava fogo pela boca, quando despertou estremunhado. Sentou-se repentinamente, impulsionado pela necessidade imperiosa de encher os pulmões de ar. Esqueceu-se que não estava na sua cama, mas num sofá estreito e desconfortável. O movimento foi tão repentino e impulsivo que desequilibrou-se e acabou sentado no chão.

Era a segunda vez que sonhava, num curto espaço de tempo. Estava com algum circuito avariado, era essa a possível explicação para aquela fraqueza inusitada. Teria de encontrar um exercício para restabelecer o equilíbrio do espírito, pensou. Porque ele odiava sonhar.

O fogo crepitava alegre, espalhando um calor reconfortante por toda a cabana. Estranhou. O pequeno toro de madeira que acendera no início da noite anterior há muito que fora consumido, pelo que aquele era um fogo novo, alimentado por outras mãos.

- Acho melhor cobrires-te. Isso não é maneira de te apresentares diante de uma fêmea.

Ozilia passou por ele, gingando as ancas. Usava um vestido curto, moldado às suas curvas perfeitas, de uma cor imprecisa mas selvagem, que fazia apelo a fantasias proibidas. Ele não tinha vestidos daqueles na cabana, pelo que número 17 deduziu que ela tinha conseguido aquela vestimenta com a ajuda do diamante.

Ele, pelo contrário, sentava-se no chão totalmente nu.

Sentiu uma pressão nas virilhas e corou ao perceber o efeito que ela tinha sobre as suas partes mais humanas, que reagiam alegre e ansiosamente só com a leve promessa do cheiro dela. Agarrou na toalha amarrotada, empurrada para um canto do sofá e tentou tapar-se, apesar de o volume entre as pernas ter ficado ainda mais destacado. Se não estivesse tão entorpecido, ia enfiar-se debaixo de um duche frio.

Espreguiçou-se, braços esticados ao alto, unindo as mãos. A queimadura das costas estava curada. Sentia-se francamente melhor, repousado, sarado. Ela também lhe parecia recomposta do combate contra o guerreiro gigante. Sentava-se na mesma cadeira que já antes usara, pelo que marcara a peça de mobiliário como indubitavelmente sua, naquela posição peculiar de botas peludas assentes no tampo, joelhos puxados até ao peito. As tranças estavam perfeitas e tinham agora reflexos dourados. O olhar prendia-se em nenhures e mostrava uma cara misteriosa. Segurava no diamante com ambas as mãos, dissimulando-o atrás dos joelhos.

Não lhe dissera, mas sabia que ela precisava de se alimentar com qualquer coisa. Talvez lhe bastassem líquidos, pois ainda não a vira comer nada sólido. Número 17 vestiu-se e foi preparar um chá. Ele tinha fome, contudo e lembrou-se que o guisado de coelho-bravo estaria à sua espera na taberna da aldeia.

A cabana estava silenciosa e ele gostou disso. Não suportava ter de inventar uma conversa. Estendeu-lhe uma malga de chá, ela não fez qualquer movimento para aceitar. Ele ficou confuso. Mas também irritado, por estar a preocupar-se com ela, que não pertencia àquele mundo, que não teria as mesmas necessidades de uma mulher normal e que o considerava como um humano patético.

Respirou fundo, com a malga na mão. Não estava para aturar caprichos de criaturas divinas. Iria descer até à aldeia e comer o seu habitual guisado de coelho-bravo. Aliás, iria recuperar todas as suas rotinas, pouco se importando se tinha uma convidada em casa. Mas ela surpreendeu-o ao dizer com uma voz sofrida:

- Ele tem de vencer.

Número 17 suavizou a cara irritada e perguntou:

- Ele, quem?

- O saiya-jin. E tu vais ajudá-lo.

Ozilia tinha os olhos rasos de água, como se estivesse prestes a desfazer-se num pranto angustiante.

- Son Goku e eu somos inimigos – explicou ele, de malga fumegante na mão.

- Mas tu já o ajudaste uma vez.

- Como é que sabes?

- Pensaste isso, ontem à noite.

Ele crispou a testa.

- Tu lês os meus pensamentos?

- Só quando tu me deixas.

- Eu nunca te deixei que fizesses tal coisa.

- Isso julgas tu. Começaste a deixar que eu te entrasse na mente quando me viste, ferida, na floresta. Não sei o que queres de mim.

A malga tremeu na mão dele.

- Diz antes, o que queres tu de mim.

Ela confessou, sempre no mesmo tom de voz:

- Queria… Talvez aquilo a que vocês, humanos patéticos, chamam de esperança. Uma pequena esperança de poder derrotar o tirano.

- Tu mesmo afirmaste que ele é invencível. Até para um super saiya-jin como Son Goku.

- Mas não posso ter essa fraqueza? Ter… esperança?

- Como queiras – concluiu indiferente e ia afastar a malga quando ela agarrou no pulso dele fazendo o líquido verde-escuro ondular.

- Promete-me que vais com o teu inimigo e que vais participar no torneio do tirano.

Número 17 susteve a respiração.

- Eu…

Era como se as palavras lhe cortassem a garganta ao pronunciá-las, mas foi sincero com ela.

- Eu não sou tão poderoso quanto um super saiya-jin.

- Mas tu precisas de estar com ele. Acredita em mim.

De seguida, ele respirou fundo.

- Farei alguma diferença?

Ela aceitou a malga de chá, aconchegou-a entre as mãos delicadas. O diamante palpitava suavemente entalado entre as rótulas perfeitas e o peito quase liso.

- Viste o futuro, ou coisa parecida? – Insistiu ele, sem demonstrar grande interesse em ter uma resposta.

Mas ela respondeu-lhe, sorvendo um pequeno gole de chá:

- É só uma ideia.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Dragão.



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