– Você me assustou – declarei indiferente, enquanto me levantava.

– Onde você vai? – ele perguntou segurando meu braço, demonstrando certa apreensão.

– Vou procurar algum lugar pra tomar banho e lavar esses machucados. – coloquei a mão na têmpora e vi que estava saindo sangue.

– Me desculpe, eu acabei te machucando. – ele lastimou enquanto também se levantava.

Virei o rosto para outra direção e fiquei pensando em alguma saída. Quando tomei coragem e me virei para encarar seus olhos, olhos grandes e castanhos de lobo me encaravam de volta. Jacob virou a cabeça um pouco constrangido. Agradeci mentalmente por ele não estar mais na forma humana, vê-lo nu estava me dando arrepios... Arrepios que eu não deveria ter. E mais uma vez me peguei amaldiçoando o dom que me deram.

– Eu também te machuquei, me perdoe. – abaixei a cabeça e fitei a grama macia sob meus pés sem ideia do que fazer. Me transformei também. Começamos a caminhar rumo a um riacho congelado que tinha por perto.

“Foi a primeira noite que eu não tive pesadelos macabros...”- pensei sozinha.

“Não posso dizer o mesmo...” Jacob me respondeu.

Passamos vários minutos em silêncio.

“Quem é ele?” – Jacob perguntou de repente.

“Ele quem?”

“O cara do seu sonho. Vocês pareciam bem... felizes...” Jacob riu maliciosamente fazendo seu pelo avermelhado se chacoalhar.

“Meu namorado. Ele já morreu. Não gosto de falar sobre ele.” – respondi da maneira mais brusca que encontrei.

“ Ele se parece comigo. Digo, ele também se transforma e tudo o mais.” – Jacob tentou puxar assunto mas não respondi. Jacob era mesmo parecido com Max, em vários aspectos.

Eu entrei no lago mas não fiquei mais do que o suficiente para me limpar, pois acabaria congelando. E Jacob ficou nadando por mais alguns minutos.

Me sentei abaixo de uma árvore e virei a cabeça em outra direção quando ele se transformou novamente em humano para se lavar melhor.

Fiquei distraída quando a visão do belo Jacob Black saindo da água gelada em minha direção e completamente nu me deixou em transe. Ele estava me provocando. Vi ele dar um leve sorriso escondido antes de se juntar ao meu lado.

– Sabe, a essa altura, o sanguessuga já deve ter feito de tudo com... – ele fez uma pausa e fechou os olhos por um breve momento – Ele já deve ter mordido a Bella e a transformado em um monstro como ele.

Concordei com a cabeça.

– Então não vejo motivos pra ficar vagando por aí, descontroladamente. Mas o que eu quero dizer é... Eu sou apaixonado pela Bella, eu faria tudo por ela... Morreria por ela, mataria por ela... – ele cerrou os punhos. – Eu só queria que ela fosse feliz com alguém projetado pra ser só dela. Como eu...

Me aproximei mais dele para mostrar que eu estava ouvindo e ele continuou desabafando com algumas lágrimas nos olhos. Deixei que ele se livrasse de todos aqueles sentimentos ruins, já que ele estava com coragem.

– Sempre fui apaixonado por ela, desde pequeno... Ela não tem ideia dos vários dias que eu passava planejando nosso namoro, casamento, nossos filhos... Pra mim ela era a mulher que eu sempre quis. Eu a entendia, assim como ela me entende... Mas esse desgraçado chegou e...

Me transformei em humana e peguei sua mão antes que ele socasse o tronco em nossas costas e ele continuou revoltado.

– Ele é tão repugnante, toda a raça dele é. Se alimentar de sangue de pessoas inocentes! Eles são aberrações na natureza, e a minha espécie – ele parou pra me olhar – A nossa espécie, foi criada exatamente pra aniquilar essas malditos! Como se já não bastasse sermos inimigos naturais ele ainda veio intervir na minha vida pessoal, na minha única esperança... No meu único motivo pra continuar respirando...

– Ela te ama, você sabe... – disse pra ele.

– Sim, ela me ama. Me ama mais do que pensa. Eu sei como ela fica quando estou por perto, eu sei o arrepio que ela sente quando toca minha pele... Ela sente atração por mim. Assim como aquele imbecil sente por você. – ele rosnou.

– O quê? – perguntei levantando uma sobrancelha, a surpresa me preenchendo.

– É evidente, você sabe. Ele não esconde que se sente atraído por você, pelo seu corpo, pela sua voz. No dia do casamento eu vi isso. O modo como ele te olhava, parecia que tinha esquecido da esposa a seu lado por um momento. E eu confesso que isso me deixou aliviado...

Senti algo amargo dentro de mim, mas consegui ignorar.

– Saber que ele não é tão perfeito assim. Que ele também erra... – ele continuou.

– Chega. Não me dê esperanças para voltar pra lá. Como você mesmo disse, me amar foi um erro. E não quero que repita isso, por que eu já sei. – levantei do chão e comecei a caminhar em direção ao fim da floresta, seguindo nossas pegadas na grama úmida.

– Serena! – ele me chamou mas não dei ouvidos. Que garoto mais arrogante, eu só queria ajudá-lo.

“Edward me amou, mas isso foi um erro. Me amar é um erro. Eu sou um erro...” – minha cabeça fervilhava com aquelas palavras e meus passos se tornaram cada vez mais rápidos até virarem uma corrida.

“ Quero distância de quem me faz sofrer. Eu odeio sofrer. ” – pensei decidida.

– Serena! Espera! – Jacob corria atrás de mim tentando me alcançar.

– Você é um idiota se pensa que não errou ao amar aquela humana. Amar Bella foi um erro tão grande que nem ela quis ficar com alguém tão errado Jacob! – gritei por cima do ombro e quando percebi que ele parou de correr, também parei e me voltei pra ele cheia de raiva e ódio não resolvidos.

– Você é o pior dos erros Jacob, por que além de ser inconsequente, é só um garoto que desperdiçou a vida por uma menina que não te quis e nunca vai te querer. Você comparado ao Edward, não é ninguém.

Jacob permaneceu parado me olhando com olhos inexpressíveis. Aquilo tinha doído nele, e sua dor era palpável. Mas é claro, eu não estava satisfeita.

– E não fique me olhando com essa cara de cão sem dono por que felizmente você sabe que tudo o que eu disse é verdade! Você errou feio e escolheu a pessoa errada, a mesma pessoa errada que deve estar vendo estrelas na cama com o vampiro enquanto você fica aí parado. E aliás... mesmo que estivesse se mexendo, isso não muda o fato de que eles se amam, e vão ficar juntos independente de qualquer coisa. Confie em mim eu sei o que é amar alguém e ser correspondida. Você não vai querer largar a pessoa por nada! – cuspi as palavras sem nenhum receio. – Quando for amado verdadeiramente por alguém você me dará razão.

Jacob permaneceu do mesmo modo, mas agora cerrava os punhos com muita força. Logo ele começou a tremer violentamente. E eu estava pronta.

Ele se transformou em lobo um pouco antes de mim e quando eu achei que ele ia pular em mim, ele pulou por cima e saiu em disparada em outra direção. Lágrimas de ódio e tristeza se misturaram em uma mistura homogênea em meu rosto, não conseguia discernir os fatos. Queria lutar com ele, mas ao mesmo tempo queria me desculpar pelas palavras grosseiras, eu sabia que ele estava muito magoado... E dessa vez não sabia se tinha volta. Assim que o enorme lobo avermelhado foi sumindo de vista, foi como se minha segurança fosse junto com ele... Minha companhia dos últimos dias estava me deixando.

Estava ficando cada vez mais frio.

Quatro dias se passaram, e eu mal dormia à noite, comera apenas para não morrer de fome. Jacob se fora. Estava sozinha naquela floresta fria e não sabia o caminho para casa, por que novamente eu estava sem um lar... Deitei no solo branco, me camuflando naquele tapete de neve. Não sabia onde estava, mas sabia que estava longe de casa. Estavamos no fim de agosto. Ouvi passos ao longe e um peso enorme saiu de minhas costas, Jacob havia voltado para me ajudar? Eu precisava desesperadamente pedir perdão pelas palavras frias que falei... Aquilo estava me matando de arrependimento desde o momento em que o vi partir.

Estava fraca, mal conseguia me mover. Não me restavam forças suficientes para levantar e sair correndo na direção de seus braços. Então os passos foram se multiplicando, parecia mais de uma pessoa. Por um momento pensei que Jake tivesse trazido a alcateia com ele mas não...

Um barulho ensurdecedor espantou os poucos pássaros das árvores, e quando me virei para ver, uma bala de espingarda estava presa no tronco acima da minha cabeça. Tentei me levantar mas cai. Vozes altas começaram a gritar. Eram caçadores.

“Preciso correr, preciso sair daqui...” – pensei quase desesperada. No estado em que eu estava não tinha dúvidas de que não conseguiria sobreviver, tão pouco lutar contra eles. Cinco homens avançaram em minha direção eles davam ordens entre si em um inglês com sotaque direferenciado. Todos vestiam casacos grossos e toucas e todos portavam algum tipo de arma. Me levantei com dificuldade e comecei a correr e qualquer direção. Estava apavorada, pois no fundo eu temia que minha morte finalmente estivesse próxima.

Minhas patas estavam ensanguentadas pela corrida frenética e os galhos baixos das árvores e arbustos atravessavam minha pele enquanto eu corria o máximo que podia. Infelizmente o meu máximo naquele momento não passava de um trote apressado, já que minhas forças se esvaiam de mim a cada passo que eu dava. Logo, os nove caçadores já estavam atrás de mim, atirando frenéticamente, tentando me acertar. Meu choro e meus ganidos não duraram muito, minha voz também estava me deixando. Minha visão começava a ficar turva, e meus ouvidos apurados já não discerniam os sons da floresta e dos caçadores, mas mesmo assim não me permiti desistir de tentar. Olhei para o céu e avistei o sol logo acima de mim, por entre as árvores. Por um breve instante todo o gelo e a neve desaparecera, e o calor da floresta Amazônica me cercou. Ouvi o som das araras vermelhas, o rugido da onça pintada, o fluir dos riachos e toda aquela brisa quente que movimentava meus pelos.

Despertei dos sonhos com uma dor lancinante na pata dianteira esquerda, eu havia tropeçado. Não tardou muito até que eu sentisse uma dor no tronco, e depois mais outra, e outra, e outra... Parecia que todos os meus sentidos haviam desaparecido, e o único resquício que eu tive daquele momento foi um cheiro forte de sangue e pólvora. E tudo ficou escuro novamente, e eu já não sentia mais frio.

Abri os olhos e não enxergava nada além de escuridão. Ouvia vozes de homens conversando e passos mas pareciam abafadas e distantes. Tentei me mover mas não pude, meu corpo foi atacado por dores em todas as partes. Aquilo foi a dor mais insuportável que eu já tivera. Consegui virar a cabeça para o outro lado, onde tinha um pequenino orifício claro por onde eu espiei. Eu estava dentro de uma grande caixa de madeira, sendo carregada por todos os caçadores que me perseguiam. Assim que assimilei onde estava tentei prestar atenção as vozes dos homens, já que estava incapacitada por conta das dores, da fome, do sono, do cansaço e da fraqueza.

Consegui entender que eles estavam me levando para a cidade, queriam comer minha carne e vender meu pêlo. Se vangloriavam pela caça a um lobo “desse tamanho” e pelo fato de ser um lobo tão raro. Também descobri que eu havia levado 4 tiros de espingarda...

“Imbecis! Que tipo de pessoa come um animal raro ao invés de vendê-lo? É a opção mais favorável! ” pensei surpresa com a burrice de meus captores.

Minha respiração estava apenas superficial quando depois de muito tempo resolveram abrir aquela maldita caixa. Tentei inalar uma grande quantidade de ar mas algo líquido bloqueava minha garganta e meus pulmões. Tossi violentamente todo aquele sangue. Em uma visão nublada, percebi que muitas pessoas se aproximavam ao meu redor e todas conversavam, soltavam suspiros e sons de surpresa. Mas eu não ligava pra nada daquilo, eu estava morrendo.

Eu não teria minha chance de me desculpar com Jacob. Esse seria o meu maior arrependimento.

Um menininho de pouco mais de 5 anos de idade se aproximou de minha forma inerte no chão e ficou meu observando. Movi meus grandes olhos azuis para o garotinho como eu faria se estivesse em minha forma humana. E então ele deu um chute muito forte em meu focinho, fazendo mais sangue sair do meu corpo. Ele gritou palavras ofensivas que eu não pude entender e então algum adulto o tirou de lá. Eu me sentia péssima por estar morrendo, mas me sentia pior por ver o quão cruel a raça humana podia ser. Estava desolada, desamparada, desesperada.

Fraca. Pela primeira vez na vida, eu me via fraca. Sem forças pra lutar e sem intenção de reagir.

Edward passou por minha mente, sua forma calma e tranquila de lidar com as coisas, sua pele fria como o inverno. Seu sorriso triste porém sincero... Quando o vi chorar naquela escada, e sua reação surpresa quando ele sentiu novamente a sensação de estar chorando. Quantas vezes ele devia estar sério por fora mas querendo chorar por dentro? Eu teria adorado consolá-lo cada vez que se sentisse assim...

E Jacob... Oh, Jacob. Sua pele tão quente quanto o inferno, sua voz tão envolvente que me fazia querer ouvi-la sem parar. A sensação de conforto em seus braços. O seu sorriso incrivelmente branco e divertido. Seus olhos tão profundos que pareciam abrigar centenas de grandes batalhas internas. E sua boca tão perfeita, que eu jamais vira igual. A mesma boca que permaneceu muda quando a minha disse coisas tão cortantes e agressivas...

“Não, Jacob... Não queria magoá-lo...” pensei enquanto sentia meu corpo esfriar.

“ Papai... Me ajude.”

– Esperem! – uma voz longe se pronunciou – Eu tenho uma solução que vai agradá-los muito mais.

Tentei lutar contra a escuridão que ameaçava me engolir.

– Troco o animal por uma fortuna em dólares. – a mesma voz disse com confiança.

Alguns segundos depois meu corpo foi balançado violentamente e senti meu sangue jorrando ainda mais e então não resisti mais. Esperei que a escuridão viesse enquanto me perguntava se encontraria meu pai ou Max.

Tudo ficou em um estranho silêncio e minhas dores pareceram sumir. Uma voz feminina e conhecida se pronunciou no escuro.

– Minha querida, eu vou cuidar de você! Como eu sempre cuidei.

Se eu pudesse chorar, estaria chorando. Se eu pudesse gritar, estaria gritando. E se eu pudesse me mexer, me levantaria sem demora e correria para os braços de minha salvadora. A mulher que cuidou de mim sempre, e aquela que estava salvando minha vida agora.

Meu anjo chamado Zafrina.