Fechadas As Portas Quebradas escrita por Ana Barbieri


Capítulo 1
Fechadas as Portas Quebradas


Notas iniciais do capítulo

Eu estava com saudades de Baker Street como já disse e ontem a noite essa imagem passou pela minha cabeça e eu precisei escrever... espero que gostem! Foi especialmente dolorido...



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Fechadas as Portas Quebradas

Ela não aguentava mais andar pela casa e sentir o vazio, pois ele machuca, dilacera e com o tempo, faz com que mesmo o mais forte dos seres humanos perca a vontade de continuar vivendo. Com ela não foi diferente. No começo, pensou que deveria se manter forte para que os outros não sentissem pena de sua miséria. Contudo, depois de refletir novamente sobre o assunto, percebeu que a única pessoa cuja opinião realmente pesava sobre suas ações... era aquela de quem a falta lhe provocava a dor.

            Ao abrir os olhos naquela fatídica manhã de terça-feira, sentiu seu corpo pesar sobre o colchão de uma forma completamente nova. Seus ossos pesavam e seus músculos não pareciam querer arredar da posição lateral na qual dormira. Ela se recusava a dormir no lado da cama dele... com o cheiro dele. Era demais, algo bem capaz de conseguir convencer o mais egocêntrico dos seres humanos a se suicidar. Ela fora alertada dessas possibilidades por seus livros, e por isso não dormia do lado dele da cama.

            Com muito custo conseguiu se sentar e mirar a vista da janela. Os dias em Londres sempre eram cinza, no entanto, após a morte dele tudo passara a ficar ainda mais cinza. A comida se tornava cinza na sua boca também, as roupas ficaram mais escuras... não havia mais ninguém que fosse admirá-la com elas, provocá-la enquanto as removia ou beijá-la por estar tão bonita com elas. Uma sentença engraçada, a morte. Muitos acreditam que leva apenas uma pessoa de um lugar para o outro, não se sabe se é melhor ou pior do que o antigo, mas para algum lugar. Entretanto, ignoram o fato de que as verdadeiras vítimas desse fato macabro não são os mortos, são os vivos.

            Os vivos se acostumam com os trejeitos de seus semelhantes, muitos ao ponto de escolherem um dentre esses para selarem o contrato de matrimônio. A paixão parece cegar-lhes a visão de que essa criatura – a morte – virá num determinado momento para acabar com a felicidade de um deles, de forma eterna. Não que se deva ser subjulgado ao celibato após o fim do primeiro casamento, e talvez mesmo ela viesse a se apaixonar novamente no futuro. O problema é que se acostuma tanto com as manias da pessoa antiga, que um modelo se fixa na memória... e difícil substituir um modelo, por mais imperfeito que seja. Nenhum amor é igual ao outro, mas existem tantos tipos de amor, quanto existem corações pulsantes no mundo.

            Ela costumava deixar os cabelos soltos simbolizando sua liberdade – e falta de paciência para arrumá-los todos os dias – de forma que, quando os prendeu em um coque pela primeira vez, foi estranho. Com os cabelos presos podemos ter uma visão melhor daquilo no que se transfigurou o nosso rosto. No caso dela, algo que já foi jovem e belo, finalmente demonstrava os anos que carregavam e a melancolia das tantas perdas já sofridas. Nem mesmo seus amigos poderiam convencê-la, reconhecê-la. Agir como se nada estivesse errado não faria com que se sentisse melhor, agir demonstrando que tudo está errado, também não. Ainda assim o papel de viúva caíra-lhe muito bem.

            A cada degrau pelo qual pisava fazia com que um rangido diferente repercutisse pelo assoalho. A governanta deveria estar na cozinha, ocupando-se da rotina diária, algo que antes era de obrigação da dona da casa. A morte também faz com que os vivos esqueçam-se de si mesmos, tornando-os meras marionetes do tempo. Na sala, as duas poltronas ainda estavam dispostas de frente a lareira, mas ela não se sentou em nenhuma delas. Tomou seu antigo lugar – quando ainda não era uma senhora – na costa da janela, de onde conseguia ter plena visão dos passantes. Rostos novos, rostos diferentes e nenhum que quisesse ver no momento. Se seu melhor amigo entrasse por aquela porta, ela não se levantaria para recebê-lo com a mesma vivacidade de outrora.

            Um livro estava esquecido ali por perto. O nome do autor estava escrito em grandes letras de forma. “Poe”. Somente a menção desse nome enchia seus olhos com lágrimas quentes de saudosismo da época em que era realmente feliz. Era feliz por que era casada ou se casara por que era feliz? Antes a reposta vinha tão rapidamente... todas as repostas, para todas as suas perguntas vinham rapidamente. Não mais. A morte levara isso também, sua capacidade de formular raciocínios, questões e repostas para os mesmos. Do que adiantaria continuar com aquelas memórias então? Deveria afastar qualquer resquício dele de sua vista...

            _ Anne, quer que eu traga o café até aqui? – a senhora Hudson perguntara a ela da forma mais cuidadosa que pôde.

            _ Do que adianta comer, senhora Hudson? Não sinto o gosto da comida... – a jovem que um dia atendera por Anne Holmes, mas que agora reificou-se, respondera.

            _ Não precisa sentir o gosto, somente coma. Ou teremos que fazer outro funeral ainda este ano.

            _ Essa não seria uma má ideia. – zombou ela. – Quem sabe? Ele sempre disse que no fim ficaríamos sempre juntos. Ele sempre a me provocar e eu sempre a irritá-lo.

            _ Não acho que o senhor Holmes...

            _ O que importa, não é mesmo? – ela agia como se não houvesse um interlocutor, apenas ela. – Se foi. Não pode mais explicar seu ponto de vista... impressionar-nos com ele.

            _ Anne... vou chamar o Dr.Watson, você está começando a delirar...

            _ No que Watson poderia ajudar? Ele não trará Sherlock de volta, trará? Nem mesmo ele conseguiria! – exclamou a jovem viúva Holmes indo em direção à governanta. – Ninguém conseguiria. Ele se foi! Partiu! Temos que aceitar isso, senhora Hudson. Foi-se e nunca mais voltará para me atormentar com seu violino durante a madrugada ou as inconsequentes injeções de ópio, para me irritar e me amar, me excitar com sua inteligência e luxúria ao me possuir... Oh não, senhora Hudson... ele se foi...

            Ela estava cedendo rumo ao chão, mas foi amparada pela amiga que a tomou nos braços em um abraço maternal. “Eu o quero de volta” murmurou a jovem viúva aos prantos.

            _ Todos queremos querida.

            _ Eu não posso viver assim. – ponderou ela. – Tranque o laboratório senhora Hudson. Com todos os meus livros de Poe e os diários de Watson que ele deixou para trás, tranque tudo... eu não quero mais vê-los... não quero mais vê-los...

            Ninguém se esquecera mais de si mesmo... Ninguém se perdera mais... Ninguém se acostumara mais com as manias de Sherlock Holmes do que ela.  


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Notas finais do capítulo

Então... é um prazer para mim e espero que para vocês também. Voltar a rotina desse casal de vez em quando. Deixem reviews lindas meus queridos leitores. Um Bjo! E para quem segue Memórias de uma Fênix, tem capítulo fresquinho hoje, prometo!



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