O Sol Da Meia Noite escrita por Midnight Sun


Capítulo 6
Ruínas: O Limite entre os Pesadelos e a Realidade




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Uma semana se passara desde que Kariel derrotara os dois trolls patrulheiros e partira sem rumo, adentrando a floresta. Cada dia que passava deixava o mago mais debilitado. Não surgiram outros inimigos senão a própria natureza que castigava o elfo a todo instante. Animais, enxames de insetos peçonhentos, vinhas espinhosas e emaranhados de plantas bloqueavam cada rota pretendida, frustrando as expectativas do mago de encontrar a saída.

Se Kariel possuísse as perícias de um caçador, talvez sua jornada tivesse terminado antes do pôr do sol do segundo dia. Mas ele vivia outra realidade. O poder arcano que poderia lhe tirar daquela situação em poucos segundos lhe falhara durante todos os dias. Os meridianos não respondiam as tentativas do arcanista de conjurar um portal ou teleportar-se para distante daquele tormento. A trama continuava instável e tentar desobstruir uma passagem forçada poderia custar-lhe a vida.

– Essa maldita floresta não tem fim? – Fala ofegante enquanto salta sobre um tronco coberto de musgo e esforça-se para ultrapassar uma frecha entre duas árvores à frente.

O elfo irrompe dos troncos, rasgando suas vestes que já estavam maltratadas. Por um instante, respira profundamente e, logo em seguida, apalpa os bolsos rasgados. Ele se vira e busca freneticamente por algo entre as raízes robustas.

– Esta é minha última porção... – Pronuncia em baixo tom e com um semblante de fraqueza e desestímulo no rosto, ao recolher um sachê quase vazio de pó arcano do solo.

Sua jornada se prolongara demais, fugindo a qualquer previsão, o que obrigara o mago a consumir seus suprimentos. A porção de reagentes que restara lhe concederia nada mais do que uma refeição razoável. E sem a perícia necessária, num ambiente hostil como as profundezas da floresta, não obteria alimento facilmente. Suas opções se extinguiam uma após a outra.

Mas do silêncio dos seus pensamentos, o ecoar de águas caindo lhe toma a atenção, fazendo com que ele se movesse rápido por entre alguns arbustos e galhos baixos até romper a mata que dava vista ao grande céu azul e à brisa suave do vento.

À frente, um penhasco gigantesco e um mar esmeralda formado pela copa das árvores, circundado por montanhas que ostentavam suas formas nubladas num horizonte distante, era um vale como nenhum outro conhecido. O som das águas partia de alguns metros a sua esquerda e recaíam num lago ínfimo, que por sua vez rasgava o manto da floresta abaixo por poucos metros até ser engolido pela vegetação exuberante.

A visão seria espetacular, não fosse a situação precária do elfo. Contudo, já não lhe restava mais nada a perder e após se aproximar da cachoeira para saciar a sede que o consumia há dois dias, ele paira contemplando a imensidão deslumbrante. Seu olhar profundo se perdia no horizonte.

Um visão inusitada causa espanto e lhe faz perder o equilíbrio.

– O que?! - Sua face inevitavelmente retrata a sensação causada pela queda livre.

Por alguns segundos, ele sentiu-se incapaz de agir. Mas retoma rapidamente o controle e retrai a velocidade da queda usando magia arcana.

Agora, mais atento ao cenário e buscando rever aquilo que lhe assustara, o mago percebe, mais adiante, ruínas engolidas pela vegetação e um vazio que não compreendia nem sabia explicar.

Lentamente Kariel descende sobre as águas cristalinas, pairando num estado de levitação que rompe voluntariamente, deixando-se afundar. Submergir era o escape da realidade, dos sons, dos olhares e, assim como fazia nas quedas de Elrendar, Kariel deixava abraçar pela paz e alívio do cansaço físico.

Seu corpo estava no limite e sua consciência falia pouco a pouco. Involuntariamente, o ar era expelido em forma de bolhas e o elfo afundava como metal pesado. Porém, antes de sucumbir totalmente, um voz melódica preencheu o vazio escuro de seu subconsciente.

– Não permita que seu destino seja traçado por outrem. Lute, resista e force o caminho que desejas. Não importa o que sobrevenha, saiba que sempre estarei vígil por ti. - O som familiar quase esquecido renova o espírito dele.

Kariel desperta bruscamente e nada, com ferocidade e vigor incoerentes ao seu estado, até a margem, onde permanece até desmaiar por exaustão. Algumas horas depois, o som do vento veloz acorda o mago como se fora um sussurro. Ele continuava fraco e à beira das águas.

– Putz! Minha cabeça gira... Devo ter desmaiado. – Kariel fala segurando a cabeça com ambas as mãos até ouvir o som de seu estômago revirando-se faminto.

Ele conjura do pouco pó arcano restante, uma porção de ração especial élfica, usada pelos andarilhos em missões de reconhecimento de longa duração. O sabor era horrível, mas a carga de nutrientes nela seria capaz de restaurar-lhe um pouco da força e suprir suas necessidades por mais um dia.

Após engolir, ele se agacha à margem buscando colher água com as mãos em formato de concha. Para sua surpresa, ele as vê cobertas por sangue e ao reparar para seu reflexo sobre a água, se depara com a imagem de Kael'thas, que o faz saltar metros para trás.

– O que é isso?! O que está acontecendo?! - Sua expressão era de incerteza e estranheza.

Num instante Kariel observava o rio que adentrava na floresta em correnteza e no outro, o povo de Quel'thalas vibrando em sua direção, em pleno espiral Sunstrider, acompanhado do Rei Anasterian. Era o mesmo sonho que tivera em Dalaran, só que agora o via pelos olhos do próprio príncipe Kael'thas. Não tarda até seu corpo se mover involuntariamente e sacar Felo'melorn da cintura do Alto Rei, desferindo o golpe mortal. Mais uma vez seu corpo está coberto de sangue.

O cenário muda novamente num turbilhão de imagens antes que Kariel pudesse digerir os eventos. Ele agora recai estático e trêmulo no platô da Sunwell, posando com traços infantis e banhado em sangue das pilhas de guardas mortos à sua frente. O sabor do líquido rubro que escorria pela sua face lhe causava desconforto. Mas não se comparava a ameça e presença imponente que esmagava sua existência. Arthas, o senhor do flagelo, chegava à Sunwell e eles restava somente o jovem elfo, aterrorizado. O olhos dele perfuravam a carne de Kariel, fitando unicamente sua alma.

– Não há escapatória! – Sentencia. O príncipe das trevas sacode lamento gélido num golpe que partiria a frágil criatura em dois.

O golpe é impedido pela reação da Sunwell ao grito estridente da criança, ofuscando a todos com uma luz intensa e radiante. Uma nova realidade se configura, onde as sombras consumiam o ambiente. Kariel, de joelhos, com os braços acorrentados por enlaces de sangue e paralisado em meio à escuridão, observa o eclipse solar e o círculo escarlate que envolvia o sol, como uma coroa nefasta.

O silêncio impera.

Então, das sombras emerge o som devastador, arrebentando tudo aquilo em seu caminho até chocar-se com o mago. Do caos pôde-se distinguir: “Não há nada que possa fazer!”

O corpo de Kariel colapsava em espasmos a cada experiência brusca que sofria enquanto desacordado. Após o último impacto sombrio, ele para totalmente. Nem mesmo sua respiração ou o bater do coração eram perceptíveis.

Um último e violento espasmo acontece fazendo-o despertar com dificuldade de respirar. Seu rosto traduzia a decadência do seu corpo enquanto seus poros o banhavam com suor gélido. Suas mãos trêmulas, perceptivelmente carentes de energia, mal podiam sustentá-lo. Porém, após alguns minutos em latência, o mago começa a recompor-se assistido pelo entardecer.

– Preciso me recuperar... e de um lugar seguro para passar a noite. – Ele observa os arredores esboçando um ar decrépito.

Com dificuldade, Kariel escala alguns rochedos escorregadiços e adentra numa caverna de pequeno porte localizada logo atrás da queda d'água. Anoitecia rápido e o silêncio compartilhado com os ruídos próprios da noite na floresta brotavam.

Após conjurar e comer a ração andarilha especial, semelhante a qual sonhara, o elfo acosta-se nas paredes úmidas, sentindo-se saciado. A escuridão da caverna era temperada com a luz fosca de musgos luminescentes em conjunto à enxames de vagalumes que tentavam esquivar das investidas de uma exótica wyrn de mana.

Uma vez mais Kariel perde-se em seus pensamentos enquanto observa a dança dos seres, num ritmo lento, como se a gravidade não lhes atingisse, até serem dispersos pelo ataque da criatura desajeitada.

– Nunca pensei que seria puxado ao meu limite pela natureza, em sua forma mais bruta e irracional – Respira em silêncio – De certo, não imaginei que jamais fosse necessário recorrer a este método. – O mago ergue seu braço, ao tempo em que fecha os olhos num instinto involuntário de negação ao próprio ato.

A luz da caverna, gerada pelos insetos, vegetais e pela wyrn de mana é afetada instantaneamente pela vontade do mago. Aos poucos a luz natural sucumbe à escuridão fria e, ao fim do processo, apenas o barulho das águas caindo se percebe. A claridade desvanecera.

– Está feito. – Ele abre os olhos que, agora, reluzem intensamente num verde vibrante e continua, logo após cerra-los novamente.

– Amanhã será um novo dia. Pela graça da Sunwell, que o sol seja condescendente.

No dia seguinte, o sol nasce numa aurora revigorante.

Kariel banhou-se sob os primeiros raios solares. A sensação era realmente de energia e vigor restabelecidos. Em seguida, partiu seguindo o curso do rio. Especulações recheavam sua mente e encontrar um meio de sair da floresta já não lhe era prioridade. Seus instintos sentiam a presença de algo maior agindo e seus olhos estariam bem abertos para compreender e decifrar os enigmas da realidade.

Pouco mais de uma hora de caminhada o trouxera às ruínas. Um complexo de estruturas destruídas pela ação do tempo, muitas delas encobertas pela vegetação e outras quase completamente soterradas. Todas eram inquestionavelmente antigas, mas o mago não possuía conhecimento suficiente para datá-las.

A vegetação era um pouco mais escassa naquela região, possibilitando uma passagem com menos esforço. Isto foi favorável para o mago colher detalhes, sinais e inscrições das estruturas. Dentre tantas formações, um arco de pedra lhe chamara maior atenção devido ao seu tamanho e seu estado quase não deteriorado, mas nada significante foi encontrado junto a ele.

A busca continuou por mais algum tempo até que Kariel retornara ao rio para saciar a sede e percebeu que suas águas desembocavam em nada, estranhamente desapareciam por completo e sem motivo aparente.

– Intrigante... Se eu estiver certo, devo estar diante de... – Kariel agacha-se e recolhe uma pedra do chão a qual arremessa no ar. Seu olhar fitava a trajetória quando ela desapareceu sem vestígios.

O mago se levanta com a certeza de que havia confirmado sua teoria.

– Uma barreira. O que uma barreira estaria protegendo numa área desolada como essa? E quem estaria mantendo-a ativa?

Ávido por respostas, o mago eleva seu braço, ao tempo em que o imbui com magia arcana. Cauteloso, busca alcançar lentamente os limites da barreira. No entanto, ao toca-la, uma força atrai o membro do elfo, prendendo-o e repulsando-o violentamente em seguida. A imagem negra e distorcida anterior surge novamente.

– Não é possível… Esse complexo é absurdamente... colossal. Praticamente todo o vale está sobre seu raio.

Dando alguns passos para trás, seus olhos percebiam o que havia sentido ao chegar ao topo do penhasco e ao tocar a barreira. A magnitude do encanto era assustadora. Aos poucos o manto protetor se convalescia à sua frente, erguida por magias vis de natureza semelhante ao vodoo troll, mesclando-se nos tons verde e negro.

– Mortal tolo! Eu vi as sombras de sua alma. – o som reverberava enquanto tornava-se audível e intimidador – Eu agora te conheço... Não há futuro para você!”

Dos escombros cercos, vinhas se rompem e cascalhos desmoronam. A própria terra se erguia. Uma garra se distingue e à medida que o entulho cai sobre o solo, a forma da criatura torna-se mais inteligível, era um dragão. Kariel tenta se equilibrar devidos aos tremores causados pela ascensão da serpe e aproveita essa oportunidade para absorver o máximo de informações sobre a criatura.

– Uma wyrm verde?! – O tom do elfo transmitia a insegurança de enfrentar uma criatura daquele porte.

As memórias de um livro antigo, de conhecimentos únicos sobre os dragões, seus aspectos e poderes, concederam a Kariel detalhes da iminente ameaça. Uma página ressecada e maltratada pelos efeitos do tempo retratava em seu bojo o corpo de uma Wyrm e mencionava, com clareza, os artifícios de batalha da criatura, entre eles: Escamas talhadas com esmero pela natureza, de resistência física e mágica inigualáveis dentre todos os elementos, uma obra-prima que tende a se apurar a cada nascer do sol e deitar de inimigo.

Os aspectos e detalhes da serpe condiziam com as de uma wyrm. Aparentemente, o dragão era milenar, dotado de diversas cicatrizes de batalhas vencidas e ostentava uma presença assassina intimidadora, em comunhão com seu tamanho.

– Assegurarei que viva eternamente no pior e mais sombrio dos seus pesadelos. Nada, nem ninguém estará a seu favor. – As palavras brotavam da boca da fera, num ressoar sinistro, sem que os lábios se movessem para prolatá-las.


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