No fim daquela tarde, depois das aulas, no mesmo parque onde Tsukasa havia tido um encontro nada agradável com os três delinquentes, estavam agora quatro crianças reunidas, sentadas sobre uma toalha de piquenique quadriculada em vermelho e branco. Uma das crianças era o próprio Tsukasa; Havia outro menino, mais alto e mais velho do que ele, um dos olhos azuis parcialmente encoberto por uma mecha de cabelo que caía pelo seu rosto. Ele vestia uma bluza azul meia-noite, assim como a cor de seus cabelos, com mangas compridas e com os dois primeiros botões abertos, uma calça preta meio desbotada e calçava tênis brancos com alguns detalhes em vermelho;

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Ao lado dele, estava uma garota trajando um kimono verde claro com estampa de flores de cerejeira e a estola cor de vinho. Ela tinha olhos dourados e penetrantes, e o cabelo castanho e longo, todo solto, exceto por uma fina trança presa atrás;

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E a menina de frente para o garoto de cabelo azulado era mais alta do que a primeira, possuía grandes olhos esverdeados, como esmeraldas brilhantes, cabelos curtos cor de fogo, presos em um rabo-de-cavalo alto, com um cachinho na ponta, usava uma camiseta branca com a gola em vermelho e com o número 05 estampado no peito, também em vermelho, era a blusa do time de vôlei do qual ela fazia parte, e um casaco roxo amarrado em sua cintura, fazendo parecer que era uma saia. Só parecia, pois, por baixo, ela usava um shorte preto de lycra que ia até metade de suas coxas.

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Os quatro estavam sentados em uma roda meio quadrada, cada um com um bolinho de cartas em suas mãos. No meio, havia uma pilha de cartas descartadas e, ao lado do menino mais novo, estava o monte de novas cartas para comprar. Ao lado da menina de kimono havia uma cesta de piquenique, com uma garrafa térmica de chá, copos descartáveis, bolo, biscoito, pão, e todo o tipo de guloseima que você possa imaginar dentro dela.

Essas quatro crianças possuiam um fato em comum: Todas eram possuidoras de um Shugo Chara. O Chara do menino de cabelo azulado usava um paletó roxo com uma gravata vermelha, calça cinza e um chapéu típico de músico, e segurava um minúsculo violino em suas mãozinhas. Tinha cabelos e olhos azuis escuros como os do dono; a Chara da menina de kimono um vestido longo, todo rosa e com babados, como o de uma Princesa, e tinha alguns detalhes em azul na cintura e nas mangas fofas. Tinha cabelos loiros longos e olhos azuis claros, e usava uma minúscula tiara na testa; E a Chara da jogadora de vôlei também usava um vestido, só que mais arroxeado, de um tom mais escuro e um modelo mais simples, de mangas compridas e com um avental branco por cima. Tinha o cabelo cor de rosa preso em duas maria-chiquinahs frouxas, e os olhos de um verde mais claro que os da dona.
Essa era a principal semelhança entre eles. E muito em breve teriam muito mais do que isso em comum.

– Droga, dei azar de novo... passo - a garota ruiva resmungou, descartando a carta que tinha acabado de comrpar
– Nee Tsukasa... o que foi isso no seu braço? - a menina de kimono indagou quando ele comprou a carta que a ruiva tinha jogado fora
– Ah, não foi nada... só o mesmo de sempre - o garoto tentou soar despreocupado, embora tenha tremido e quase deixou sua carta cair. Ele a colocou depressa no monte em sua mão e jogou outra fora
– Com "o mesmo de sempre" você quer dizer que foi espancado até quase desmaiar depois de se negar a entregar o dinheiro do seu lanche pros caras do sexto ano? - o garoto mais velho indagou, erguendo uma sombrancelha, e comprando uma carta da pilha de cartas novas em seguida
– Se você já sabe então pra que pergunta? - Tsukasa respondeu a pergunta dele com outra pergunta
– Que horrível, não acredito que aqueles caras fizeram isso de novo! - a garota ruiva exclamou, depositando suas cartas na toalha de piquenique para demonstrar melhor sua indignação com gestos largos. Seu jogo não estava muito bom mesmo, então não custava nada parar agora - Você realmente devia fazer alguma coisa sobre isso, Tsukasa! Já falou com seus pais sobre isso?
– Já, mas não adianta... a "vingaça por fazer fofoca pros outros" é muito pior - ele respondeu simplesmente
– Mas isso não pode simplesmente ficar assim...
– E não vai - Tsukasa interrompeu a amiga - Depois do que aconteceu hoje eu falei com o Diretor. Como de costume, ele disse que, se aconteceu fora da escola então ele não pode fazer nada, mas... eu pedi que ele criasse um Conselho Estudantil, pra dar um jeito nos alunos rebeldes como aqueles três, e pedi para fazer parte do Conselho
– Essa é uma boa idéia... se o Diretor não pode dar conta de vigiar seus alunos, talvez um Cosnelho Estudantil possa fazer isso - a garota de kimono comentou, comprando a carta que o menino mais velho tinha jogado fora - E se você fizesse parte desse Conselho, eles não poderiam mais mexer com você
– A idéia até que é boa, mas... tem só um pequeno furo - o garoto de cabelos azulados falou - Quem iria querer fazer parte de um Conselho Estudantil em uma escola problemática como a nossa?!
– Vocês - Tsukasa respondeu, e os queixos dos outros três despencaram ao mesmo tempo - Assim que sugeri a idéia do Conselho Estudantil, pensei logo em vocês
– O que?! - a garota ruiva exclamou, deixando o bolinho que ela furtara da cesta de piquenique da amiga cair - Ficou louco Tsukasa?! Olha aqui, eu gosto muito de você, e realmente lamento pelos problemas que você anda passando, mas o que te leva a pensar que um grupo de deslocados como nós serviria pra formar um Conselho Estudantil?! A Midori-chan talvez até sirva, do jeito que ela certinha, mas... o resto de nós simplesmente não se encaixa!
– Não pensei em vocês por serem ou não "certinhos", Mikoto-san, pensei em vocês porque são meus melhores amigos - Tsukasa respondeu calmamente - E, mais do que isso, porque assim como eu, vocês também vivem passando pelo mesmo tipo de situação que eu passo. Ou por acaso vão negar isso?
– Bem... não exatamente a mesma situação - Midori virou o rosto para o lado, incomodada - São só aquelas garotas do sexto ano me incomodando de novo... aquelas idiotas, só porque sou mais educada, graciosa e refinada...
– ...sim, só por causa disso elas acham que podem te dar uma "afogada" no banheiro feminino pelo menos três vezes por semana - o garoto de cabelos azuis completou, fazendo pouco caso. A garota de cabelos longos corou com o complemento dele - Aliás, não esqueça do "modesta", você tem muito disso - ele acrescentou sarcasticamente
– Ora, grande coisa! Como se você nunca tivesse enfrentado problemas desse tipo! - Midori rebateu, o rosto vermelho de vergonha e de raiva - Todo dia você cisma de trazer esse bendito violino pra escola, e por causa disso sempre tem que aguentar as piadinhas sem graça e as implicâncias dos senpais!
– Eu tenho que trazer meu violino, faço parte do Clube de Música, como vou praticar as atividades do clube sem ele?! - o garoto gritou de volta - Mas só porque eu sei tocar um instrumento musical, aqueles idiotas desmiolados ficam dizendo que violino é coisa de menina, e me chamando de mulherzinha... ou tentando me obrigar a vestir uma saia... droga, isso é inveja do meu talento!
– Sim, inveja, é claro... mas, ao contrário do Tsukasa, você simplesmente enche eles de porrada cada vez que os senpais fazem essas piadas - Mikoto lembrou, com a boca cheia de bolinhos que tinha furtado da cesta de piquenique
– Como se você não fizesse a mesma coisa - o garoto rebateu, estreitando os olhos enquanto a encarava - Cada vez que alguém te chama de mulher-macho e faz piadas sobre uma menina como você fazer parte de um clube esportivo, você espanca o pobre coitado até ele desmaiar!
– Espanco mesmo! Se os outros não ficassem com esse preconceito idiota sobre uma garota não poder jogar vôlei, não seriam espancados! - ela gritou de volta, cuspindo farelo de bolinho na cara do amigo enquanto falava
– E é exatamente por todas essas razões - Tsukasa falou pacientemente - Que preciso de vocês no Conselho. Todos vocês, assim como eu, já foram vítimas desses abusos, xingamentos, e piadas de mau gosto só por causa da aparência, personalidade ou gosto particular que temos. Não é justo maltratarem uma garota só porque ela prefere praticar esportes e não gosta de usar saia. Não é justo judiarem de um garoto só porque ele gosta de música e sabe tocar um instrumento musical. Não é justo atormentar uma menina só porque ela sabe se portar como uma verdadeira dama refinada e de bons modos. E não é justo espancar um menino só porque ele tem baixa estatura e não é atlético. Não é justo com nenhum de nós passar pelo que nós passamos. E se o Diretor não quer nos ajudar, então nós temos que resolver isso por nós mesmos. Vamos aproveitar essa chance que ele nos deu, criar um Conselho Estudantil, e pôr um basta nisso de uma vez por todas, para que não sejamos mais humilhados diariamente como somos, e pra que nenhuma outra criança passe pelo que nós passamos
– Olha, Tsukasa... tudo isso que você falou é muito lindo... mas, mesmo se criarmos um Conselho, quem garante que não vão continuar nos incomodando?! - Mikoto indagou
– Porque passaremos a ser uma autoridade na escola, e se algo assim acontecer, aqueles delinquentes serão punidos mais severamente. E não falo de uma simples visita à sala do Diretor, falo de suspensão, ou talvez até expulsão - ele respondeu, com os olhos brilhando de confiança - E, se mesmo assim continuarem nos atormentando... nós ainda temos algo que aqueles garotos não têm. Certo, Mirai? - ele olhou para a figura minúscula que estava sentada em seu ombro
– Isso é verdade... o Tsukasa e vocês três são os únicos daquela escola que possuiem Shugo Charas afinal, nenhuma das outras crianças podem nos ver - o Chara dele concordou
– Ahh, isso é verdade! - a Chara de Mikoto lembrou - Se a coisa ficar feia, vocês ainda podem apelar para o Chara Change!
– Mas... mas isso é errado - a Chara de Midori falou meio amedrontada - Não é certo usar o Chara Change contra crianças comuns que nem sequer podem nos ver
– Não vai ser errado se for pra eles se defenderem... também não é certo espancar os colegas de escola, mas aqueles caras vivem fazendo isso afinal - o Chara do garoto mais velho argumentou
– Bom... eu não gosto muito da idéia de usar o Chara Change contra pessoas comuns, mas... se for pra gente se defender... - começou Midori, parcialmente convencida pelo discurso de Tsukasa
– Não, Midori! - sua Chara repreendeu - Usar o Chara Change de forma tão imprudente é errado! Uma dama de verdade não deve se portar assim, muito menos uma Princesa de verdade!
– Mas Hime-chan, o que eles disseram faz sentido... - Midori insistiu
– Hime-chan, não seja tão severa com a sua dona, vai... é melhor do que ela levar aquelas "afogadas"! - o Chara do garoto de cabelos azuis exclamou
– Não se meta nisso Jiyuu! Você não sabe nada sobre ter bons modos! - a Chara loira retrucou
– Hime-chan... você sabe que geralmente eu concordaria com você, mas dessa vez o Jiyuu tem razão - a outra Chara fêmea disse pacientemente - Também não acho certo usar as transformações contra crianças comuns, mas, se os adultos não estão dando conta de resolver esses problemas, então cabe às crianças resolver sozinhas. E é nossa obrigação como Shugo Charas delas ajudar nossos donos a resolver isso
– Mas Haa-san...!
– Por que não deixa a sua dona decidir isso sozinha Hime-chan? - Mirai a interrompeu
– Eu não sei... não tenho certeza se é uma boa idéia criar um Conselho Estudantil junto com vocês - Midori murmurou pensativa - Quero dizer, olhe pra vocês! Um delinquente disfarçado de músico com língua afiada - ela apontou para o garoto mais velho, que ergueu uma sombrancelha ceticamente para ela - Um menino franzino com alto potencial para ser vítima de algum filme de terror de quinta, com uma carinha fofa que parece dizer "eu sou frágil, abuse de mim!" - ela apontou para Tsukasa, que corou, mas manteve o olhar firme - E uma jogadora de vôlei forte e musculosa que eu aposto que nunca usou saia na vida mas mesmo assim se ofende quando não a tratam como uma garota! - ela apontou para Mikoto, que riu sem graça para ela, coçando atrás da cabeça - Aff, não sei nem porque ando com vocês...
– Porque somos as únicas pessoas daquela escola inteira capazes de tolerar o seu constante mau-humor, o seu jeito petulante, e essa sua cara de azeda, é por isso, senhorita Princesa da Perfeição - o garoto mais velho respondeu simplesmente
– Argh... obrigada por me lembrar, Aruto-kun. De novo – ela resmungou entre os dentes
– Às ordens, Princesa - ele fingiu uma reverência
– Bem, isso é motivo suficiente pra você, Midori-san? - Tsukasa voltou a perguntar quando se recuperou da indireta que a garota lhe lançara - Eu quero ajudar vocês e todos os outros alunos que são maltratados naquela escola, mas preciso da ajuda de vocês pra isso. Não seremos um mero Conselho Estudantil, seremos como os guardiões daqueles pobres alunos indefesos que estão à mercê dos nossos senpais irresponsáveis. Seria como... como em um jogo de cartas - ele falou, e pegou um Às da pilha de lixo - Mikoto-san é uma garota mas ainda assim pratica esportes e é atlética, ela ela seria como um trunfo, um Às na manga para lidar com os alunos que só possuem força física porque praticam algum esporte - ele falou, olhando para a ruiva, que corou com a comparação dele. Em seguida largou o Às e pegou a carta Dama da pilha de lixo - Midori-san, por outro lado, tem o porte de uma verdadeira dama da alta sociedade, é quase como se fosse uma Rainha... ela seria a dama refinada e nobre que servirá como modelo e exemplo do que é ter uma boa educação, pra ver se assim aqueles encrenqueiros adquirem alguma - ele encarou a outra amiga, que empertigou-se, meio pomposa - E Aruto-kun, você seria o meu Valete, meu braço direito, alguém que está sempre disposto a lutar pelo que é certo e justo - ele explicou, tirando a carta do Valete das que estavam em sua mão, e amostrando ao outro garoto - Você é alguém que não tem medo de lutar pelo que acredita, pelo que é correto. Tem uma aura de refinamento e polidez ao seu redor, mas ao mesmo tempo não consegue ficar preso às regras da sociedade, quer ser livre pra fazer o que você acredita que é certo... essa mistura de impulsividade e nobreza seria essencial para o Conselho. E por último - ele tirou outra carta de sua mão e mostrou para todos, revelando ser um Rei - Temos a pessoa que guia todos os outros, alguém com objetivos claros e que quer proteger à todos, um líder que une e que protege os demais. Se vocês não se importarem, eu gostaria de ser esse líder... e gostaria que todos vocês me ajudassem também. E então, o que me dizem? - ele perguntou, com entusiasmo brilhando em seus olhos infantis, e estendendo a mão direita. Quase que imediatamente Aruto também depositou a mão sobre a dele
– É, eu desisto... como posso dizer não depois desse seu discurso poético? - ele soou brincalhão, mas tinha ficado realmente empolgado com a idéia
– Bem... se é por uma boa causa, então acho que posso ajudar... e também já estou cansada de ser atormentada sem fazer nada, então... por que não? - Midori respondeu, fingindo não estar empolgada, embora tivesse ficado profundamente emocionada com as palavras do amigo, e colocou a mão sobre a de Aruto
– É isso aí, vamos detonar com aqueles senpais desmiolados e mostrar quem é que manda naquela escola! - Mikoto não se deu ao trabalho de disfarçar a empolgação, e colocou a mão sobre a da amiga. O entusiasmo contagiou a todos e eles levantaram juntos as mãos no ar, com energia renovada e uma forte chama de esperança ardendo em seus corações.

*** Próximo Capítulo: O Nascimento dos Guardiões ***