Jogo de Palavras escrita por Blitzkrieg


Capítulo 5
Capítulo 5: O Jogo: Segunda Parte


Notas iniciais do capítulo

Religião era um assunto tão polêmico. Eu respeitava as opiniões de Ivan sobre o assunto,mas às vezes ele me soava tão “ofensivo’’. Normal. Enxergar ofensas nas palavras de um ateu como o Ivan, era realmente muito fácil naquela época, pois as pessoas desde a infância foram engessadas mentalmente, por palavras que evitavam que as mesmas questionassem a fé em um ser superior. E aceitaram esta crença que foi transmitida durante décadas por seus pais como uma verdade inabalável. Defender a inexistência de Deus era o mesmo que apresentar um álibi, porque o ateu não passava de um suspeito, de cometer um crime contra a fé pública, se assemelharia a crime de falsidade ideológica? Sei que é um absurdo esta analogia, mas por que não incrementar um pouco mais de absurdo aqui, por que as palavras não poderiam ser consideradas uma propriedade? Hipocrisia. O que os olhos não vêem o coração não sente não é? Estranho. Sinto que as pessoas deveriam ter aprendido a valorizar os olhos, o coração e assim todos os outros órgãos. Principalmente o cérebro,que era tão pouco valorizado. Não deveria, mas era.



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Logo após selecionarmos a letra fundamental para formarmos as frases de Bitul, eu e o meu melhor amigo revelamos as frases um para o outro.

-Aqui está. – disse enquanto estendia o bilhete com a minha frase para o Ivan enxergar.

-A minha é esta. – Ivan também me mostrou sua frase.

As duas frases eram:

Ivan – “ão tem nada nesse mundo que eu não saiba demais. ’’ (trecho da música ‘Eu nasci há 10 mil anos atrás’ de Raul Seixas)

Lucas –’’ão dirás falso testemunho contra teu próximo’’ (nono mandamento bíblico)’’

Podem notar que eu procurei destacar a letra escolhida, para que você leitor, possa se adaptar ao mecanismo do jogo facilmente.

-Isso é um mandamento bíblico? – indagou Ivan.

-Sim. – respondi.

-Você não me disse que era agnóstico? – indagou, me encarando.

-Eu não sei qual religião combina mais comigo. Como minha mãe é católica e meu pai agnóstico, eu acabo ficando em dúvida. Mas em relação a Deus, eu não sei exatamente se acredito na existência dele. Acho que acredito sim – tentei explicar para ele.

-Como é o Deus que você “acha” que acredita? – Ivan era ateu assim como seus pais, por isso eu me preparei para enfrentar suas palavras.

-Acredito em uma energia que move o universo. Esta energia eu chamo de Deus. Então acho que não sou agnóstico.

-Depende... – disse o cosplay do L, enquanto se posicionava na poltrona para se sentar como uma pessoa qualquer. – Seu “Deus” tem consciência? Ele possui livre arbítrio e sentimentos para interferir no universo?

-Claro que não. É uma energia, oras. – respondi, procurando desviar das palavras que me envolviam em uma jaula.

-Então você é ateu. – suas palavras se transformaram em um cadeado, que me trancou em seguida.

- Ateu não acredita em Deus. Eu acredito em Deus, porque para mim ele é uma energia. – protestei.

-Um ateu não acredita em um ser onisciente, onipotente e muito menos onipresente. O ateísmo, nega a existência de um ser que regula o universo por meio da própria vontade.

- Eu só sei que estou em dúvida. – minhas palavras se transformaram em ferramentas animadas, que procuraram me soltar da jaula.

-Vamos te soltar! Não se preocupe! – o alicate procurou me confortar.

-É só questão de tempo. - disse a chave de fenda.

-Por que você está imóvel? – indagou Ivan.

- Estou preso em uma jaula. – respondi.

-Hum... – murmurou depois da minha resposta. – Por que você não escolheu ainda a sua religião?

-Porque todas são tão rigorosas nas regras. Eu me sinto muito desconfortável com a maioria delas. Você sabe que eu detesto autoridade. – respondi.

-Você é livre, meu caro. Posso lhe afirmar com 70% de certeza de que não existe um ser que lhe vigia o tempo todo, e que controla as suas ações.

-70% não é uma certeza absoluta. – não pude deixar de retrucar a afirmação dele.

-No horário matutino, o risco de sofrermos um infarto é 40% maior para colapsos cardíacos súbitos, ruptura de aneurisma da aorta, embolia pulmonar e derrames. Se você considerar apenas as três primeiras horas após acordar, o risco triplica. – não entendi no momento, aonde ele queria chegar.

- Tá! E o que isso tem a ver com a nossa conversa? – indaguei.

-Em determinados períodos do dia, há mais chances de sofrer um ataque do coração do que em outros. Os períodos mais perigosos são a manhã e durante a última fase do sono. – Ivan continuou com a explicação sobre as chances de termos um infarto. - O perigo maior se concentra entre 6 e 12 horas.

- E daí? – eu detestava discutir sobre religião com ele, pois eu me sentia abalado com as palavras dele depois das discussões, e também me sentia assim graças as alucinações provindas de suas frases.

-Esta é uma citação de apenas um evento que possa ocorrer e que poderá promover a sua morte durante o dia. – o olhar sério dele me dava calafrios. – Se você fizer os cálculos, terá a probabilidade de você sofrer um infarto durante a sua vida. E com este resultado em mãos, eu gostaria que você me dissesse se você preferiria viver perigosamente desta forma, acreditando em um ser que controla sua vida ou se preferiria desacreditar em tal ser, para poder viver sem se preocupar se suas ações agradariam a ele, tendo 70% de certeza de que este ser não existe, como garantia.

- Mas... – fiquei confuso. O alicate e a chave de fenda tentavam desesperadamente romper o cadeado. – São 70% ! – gritei. Não resisti.

- Sim. E 30% de chance de ele existir. Prefere ficar com apenas esses 30% de chance e conviver com um risco de 40% de sofrer um infarto por dia, acreditando que um ser com baixíssima probabilidade de existir irá lhe compensar toda esta agonia? Se você escolher estes 30%, você tem plena consciência de que deverá viver para satisfazer as vontades deste Deus, para que você possa ter uma pouco provável recompensa após sua morte?

-Eu... – estava sem palavras.

- Sei que você é muito mais esperto para escolher a opção mais sensata. Então me diga. Você acredita em Deus? – as palavras de Ivan se transformaram em uma chave.

- Só 30%? – indaguei e ele me acenou positivamente me dizendo em seguida que este dado era verídico. – Então a resposta é não. - suspirei. – Não acredito em Deus. – direcionei o olhar á ele. – Tenho 70% de certeza de que ele não existe. – sorri, logo depois de lançar tais palavras contra Ivan.

-Que bom. – ele se recostou na poltrona, como se estivesse aliviado. Suas palavras se transformaram em duas mãos que guiaram a chave até o cadeado, e logo depois o mesmo se abriu, juntamente com a porta da jaula que logo em seguida se desmaterializou no ar, junto com as outras manifestações.

-Eu não entendo o porquê que você gosta do hebraico, sendo que você é ateu.

- A bíblia e os outros livros religiosos de outras religiões, são considerados por mim, patrimônios históricos culturais e nada mais que isto. Assim como as línguas representantes de tais religiões. – erguendo-se ele me explicou seu ponto de vista. - Como os contos da mitologia grega, em que os deuses do monte Olímpio são representados. Para mim, estas obras são raridades históricas. – Podemos continuar o jogo? – indagou.

- Ah! – lembro que devido ao caráter da conversa, eu me perguntei por um momento “Que jogo?”. – Vamos continuar!

- Agora que escolhemos as frases de Bitul. Vamos selecionar a letra que usaremos como referência para a formação das frases Kelipót.

-Certo!

- O procedimento para selecionar as frases Kelipót é diferente das frases de Bitul.

-Aham.

- O método de seleção consiste em utilizarmos o valor de cada dado pela ordem que foram jogados. O valor de cada dado especifica os “saltos” que daremos pelas letras, até a escolhida. Utilizando este método, selecionaremos 4 letras e posteriormente iremos por meio destas 4 letras selecionar a letra final. – logo depois da explicação, o Ivan retirou a tampa da canetinha vermelha para utilizá-la na seleção.

Para complementar a explicação do Ivan, fazendo ela se tornar mais didática. Eu citarei os valores dos 4 dados em suas respectivas ordens: o primeiro dado é 3, o segundo é 1 , o terceiro é 4 e o quarto é 3.

-Estou lembrando – disse, enquanto aguardava.

-Vamos lá. Lembre-se que o sentido da seleção será da direita para a esquerda, devido ao valor do primeiro dado. – em seguida ele direcionou o olhar á cartolina.

A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T U V X Z

- Uhum. – eu já sabia qual era a letra. Ele estava sendo muito cauteloso, eu achava toda aquela cautela um saco.

A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T U X Z

- Como o primeiro dado tem valor 3, a primeira letra escolhida é a letra V. – disse enquanto circulava a letra V, com a canetinha vermelha. – A partir desta letra que selecionamos, “saltaremos” para a próxima, utilizando o valor do segundo dado. – acrescentou, enquanto trocava de canetinha, para utilizar a de cor laranja.

A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T X Z

- A letra U é mais fácil de fazer as frases do que a V. – comentei, enquanto ele circulava a letra escolhida.

- Você acha? – indagou, erguendo seu rosto para me encarar. – Eu prefiro a letra V. – abaixou seu rosto novamente, para prestar atenção na cartolina. – Vamos para a próxima. – acrescentou, trocando de canetinha para utilizar a de coloração roxa.

A B C D E F G H I J L M N O P R S T X Z

-Vamos logo para a próxima. – eu estava ansioso.

A B C D E F G H I J L M O P R S T X

-Pronto. Temos as 4 letras. – disse Ivan, enquanto circulava a letra N com a canetinha de coloração verde.

-A letra N é melhor que a Q. – comentei.

- Não acho.

-Você discorda de tudo que eu falo.

- Não discordo.

-Viu?

- Besta. – disse enquanto ria. - Você se lembra do que devemos fazer agora?

- Não muito bem. – respondi.

- Vamos selecionar a letra final dentre essas 4. Para isto, teremos que colocar as 4 letras lado a lado e depois selecionaremos da direita para a esquerda, utilizando o número da somatória dos valores dos dados. A letra referencial sempre é a primeira letra do sentido da esquerda para a direita, assim como utilizamos anteriormente a letra A como referência. Neste caso, a letra referencial é a letra N.

- A letra Q é uma letra complicada para se fazer as frases de Kelipót. – era realmente uma letra difícil. Concordo comigo mesmo.

- Mas você consegue se lembrar de que as frases de Kelipót terão que ter a letra Q situada na terceira letra, contando com a primeira, não consegue?

-Que confusão! Não! Isso é regra nova?

- Aiai... – o Ivan era muito paciente. – O valor do primeiro dado é o mais importante. Ele especifica até a posição das letras das frases Kelipót. Neste caso, as frases Kelipót terão que ter a letra Q na terceira letra contando com a primeira. Vou dar um exemplo: ‘’Enuanto eu possuir pontos para utilizar as frases de Bitul, eu não perderei este jogo.’’

- Que frase mais clichê.

- Não enche. – balbuciou Ivan. – Lembre-se que podemos utilizar a letra Q de outra forma, o exemplo é bem mais explicativo: ’’Eu ueria me tornar o mestre das palavras ao menos uma vez’’.

- Ah! – eu adorei ouvir aquelas três palavras. – Eu quero ser o mestre das palavras! Você sempre ganha. Eu nunca fui.

- Disso você se lembra muito bem. – disse Ivan, enquanto pegava mais algumas balinhas de coco. – Toma. – me entregou algumas. – Enxe a boca e me deixa explicar.

-Tá. – peguei algumas e coloquei na boca.

- Agora vamos relembrar a prática do jogo.

-Uhum. – disse com a boca cheia de balinhas de coco.

- As regras do jogo serão aplicadas quando os jogadores estiverem próximos um do outro e em um mesmo ambiente. Para que assim eles possam analisar as frases pronunciadas de seu adversário. Esta é a condição para que o jogo ocorra. – eu somente acenei com a cabeça depois de ouvir tais palavras, porque senti que meus lábios estavam grudentos e se eu pronunciasse algo, eu correria o risco de molhar o chão com os litros de saliva que eu provavelmente derrubaria. - No mesmo ambiente os jogadores competirão utilizando as frases Kelipót. Tais frases possuem a finalidade de silenciar o oponente. O valor do primeiro dado especifica a quantidade de minutos em que o oponente deverá ficar em silêncio após a pronúncia da frase Kelipá e também especifica os dias em que o jogo ocorrerá.

-Uh...hu..m... – eu mastigava, mas quanto mais eu mastigava, mais saliva inundava a minha boca. O pior de tudo é que as minhas palavras tinham assumido a forma de diferentes chapéus à medida que eram pronunciadas, e estes chapéus flutuavam sobre a cabeça do Ivan até pousar sobre ela. Logo depois do pouso, o chapéu sobre a cabeça evaporava e depois surgia outro em seguida repetindo o mesmo ato.

- Imediatamente o jogador deverá perceber que tal frase tratasse de uma frase Kelipá. Deverá permanecer em silêncio durante 3 minutos. A quantidade de minutos é especificada pelo valor do primeiro dado. Se houver necessidade de fala do jogador por motivos exteriores ao jogo, tal jogador deverá utilizar uma das duas frases de Bitul, selecionadas anteriormente, somente assim poderá ter o direito de fala. Em outras palavras, o jogador que ouvir uma frase Kelipá, só poderá retomar a fala antes do tempo se esgotar, somente por meio da pronúncia das frases de Bitul. – enquanto o Ivan tagarelava, eu me divertia com o chapéu de penas, estilo nobreza da idade média que repousava sobre sua cabeça.

-HumHum...Hum....Sim...Certo... – eu me esforçava para lançar mais palavras no ar para ver em quais chapéus elas se transformariam.

- Se um dos jogadores não perceber a frase Kelipá e continuar a fala após a pronúncia da sentença, perderá um ponto dentre os 3 que possui; tais pontos também são especificados pelo valor do primeiro dado.O jogador que cometer 3 erros esgotando os 3 pontos perderá o jogo.Somente será considerado erro do jogador em que ele não perceber que a frase pronunciada era uma Kelipá, se o jogador que a emitiu fizer esta observação. – neste momento o Ivan me observou com um olhar desconfiado, e eu procurei disfarçar.

-...Continua... – minha palavra flutuou no ar e se transformou em um Kippot, que era um gorro usado por judeus; eu segurei o riso.

- Está bem. Se não tem problemas, vou continuar. – observei o gorro flutuando no ar até cair sobre sua cabeça; meus olhos umedeceram.

- Cada jogador poderá utilizar somente 3 vezes qualquer das frases de Bitul, sendo que tal valor não se aplica a cada frase separadamente, portanto, independentemente da escolha da frase no momento, o jogador terá 3 chances de pronúncia; tais chances também são especificadas pelo valor do primeiro dado.Se o jogador errar a pronúncia da frase de Bitul perderá 1 ponto.

-...humm..Lembro disso... – naquele momento eu aprendi que encher a boca de balinha de coco, dava a mesma sensação de encher a boca de paçoquinhas. Enquanto eu saboreava as balinhas, eu assistia aquele gorrinho acompanhando o movimento da cabeça do Ivan.

- O vencedor do jogo será considerado o mestre das palavras e terá o poder de silenciar os demais jogadores por meio de sua presença até o término dos dias em que ocorrer o jogo. Os perdedores não terão opções para fugirem do silêncio. – parecia que Ivan estava prestes a finalizar a explicação. – Em uma situação hipotética, o jogador A utiliza, uma vez, uma das frases de Bitul, restando desta forma apenas 2 chances de pronúncia.O jogador A logo depois, decide permanecer em silêncio até o tempo se esgotar por ser a melhor alternativa e também procura se afastar de seu oponente, jogador B, retirando-se para não se comprometer. Desta forma, cada jogador deverá controlar as palavras corretamente para que não passe por problemas junto de outras pessoas; que não estejam participando do jogo. – suspirou aliviado. – Pronto. Acho que é tudo.

Eu não resisti e soltei uma gargalhada, mas logo procurei me segurar porque além da gargalhada eu também liberei toda a saliva que estava acumulada.

-Babei. – disse, direcionando o olhar á Ivan.

-É. Percebi. – o garoto de cosplay do L se dirigiu até a mesa da qual servia de apoio para seu computador e retirou de dentro de uma gaveta alguns lenços.

- Obrigado. – agradeci enquanto ele me entregava.

Às vezes eu me divertia com as alucinações. Porém, algumas vezes eu sofria graças á elas.


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Notas finais do capítulo

Comentem please.