Quill já estava à beira de um colapso nervoso. Ela já devia estar na Colina a mais quinze minutos, mas como convencer uma senhora conservadora de quase 80 anos que ela precisa encontrar um garoto numa colina afastada da vila? Quill sabia que era impossível, então, o jeito, era sair escondida, como quase todas as noites. Mas excepcionalmente hoje, sua avó não queria se deitar, apesar de que, motivos ela tinha de sobra para ter insônia. Mas, mesmo assim, ela precisava ao menos tentar convencê-la:

“Vovó, a senhora não acha que já está na hora de dormir? Amanhã o dia será bem... Estressante.” Quill estremeceu no final da frase, que saiu quase como um murmúrio.

Sua avó estreitou os olhos para a neta, como se procurasse entender a preocupação dela, mas sua expressa logo suavizou e ela falou:

“Fazia décadas que eu não me preocupava mais do que o necessário com esse dia, pequena, mas, de dois anos para cá, isso vem consumindo o que restou do meu juízo.” Sua voz era calma e lenta, mas muito firme, principalmente para uma senhora. Ela coçou a nuca branca e continuou:

“Só de lembrar que você ainda passará mais quatro anos nessa tortura... mas não vamos falar sobre isso, não agora. Está muito tarde para uma velha como eu estar acordada falando de fatalidades com sua neta desmiolada, venha cá e ajude sua avó Jodhi a ir para a cama.”

Quill ficou observando a avó durante alguns instantes. Jodhi era baixinha, tinha por volta dos 1,50m de altura, tinha a pele muito enrugada e levemente bronzeada; seus olhos negros eram pequenos e parcialmente encoberto pelas muitas rugas, mas vívidos e profundos; seus cabelos eram ralos e brancos, presos em um coque no alto da cabeça. Tinha, no máximo, cinco dentes e cheirava a alho. Mas para Quill ela era perfeita, a pessoa mais sábia e gentil que já conhecera.

“Vamos, Quillana! Pare de ficar pensando na morte da bezerra e venha me ajudar!”

“Claro, vovó! Me dê sua mão.” Quill disse ainda meio submersa em seus pensamentos, tentando levantar sua avó do banquinho do terraço. Sua avó já vira de tudo nessa vida, trabalhou a vida toda cuidando dos mais diversos animais, desde simples cabritos a bois modificados para terem o dobro do peso; passou por diversas Colheitas da Capital, onde viu e perdeu amigos e parentes. Apesar de aparentar ser rabugenta, Jodhi também é muito atenciosa, mas não muito carinhosa. Quill só percebeu que haviam chegado quarto quando sua avó deu um cascudo em sua cabeça dizendo para que ela acordasse e deixasse de ser tão avoada.

Jodhi tirou as sandálias dos pés e, com certo esforço, conseguiu se deitar na cama, que era feita apenas de palha e madeira. Ela olhou para a neta e com um suspiro falou:

“Você já pode ir. Não precisa esperar que eu durma para ir encontrar aquele garoto...”

Quill olhou surpresa para a avó, foi quase com levar um tapa. Muito sem jeito ela ainda tentou replicar:

“Como assim vovó, do que a senhora...”

“vamos minha neta, eu estou velha, não burra. É claro que eu sempre soube que você saía sem minha permissão para encontra aquele garoto. Aliás, você é tão silenciosa e discreta, quanto um boi no cio”

Quill estava muda. Ela olhava perplexa para a avó sem saber o que dizer, fora que o comentário sobre o boi não havia ajudado nada em sua situação. Todo esse tempo tentando esconder isso da sua avó e ela sempre soube de tudo? Ela a havia subestimado aquela pobre senhora.

Jodhi olhava fixamente para os olhos da bonequinha de palha que ficava numa prateleira logo acima da janela. Sem se mover ela falou:

“Só que eu não tenho mais idade para ficar brigando com netas malcriadas, então agradeça e saia logo, antes que eu me aborreça”

Quill estava em choque. Ela não sabia o que fazer.

“Vamos Quillana! Eu estou com sono!”

Mesmo confusa, Quill começava a assimilar melhor a situação, afinal, ela já deveria ter acostumado com isso; sua avó era assim, imprevisível. Certa vez, ela passou três dias desaparecida, sem dar notícias. Ao voltar pra casa, quase bateu em Quill por ela ter perguntado onde ela havia ido e porque não havia dado notícias “Eu não preciso dar satisfações da minha vida para uma menina! E vá varrer a casa!” disse ela. Ainda pensando nisso, Quill disse com um sorriso besta no rosto:

“Obrigada, Vovó Jodhi.”