Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 98
Como Num Quebra-Cabeça




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O ferreiro dava passos ainda mais longos do que suas pernas, corria sem olhar para trás, uma certa direção não era o que se passava em sua mente, apenas as palavras de Benjamin ecoavam em seu peito aturdido e assustado, ainda sentia vontade de chorar, mas não podia sentir o calor das lágrimas em seu rosto frio.

Descuidadamente, tropeçou em uma pedra entre a relva à beira de uma estreita estrada de terra, onde à tarde várias carruagens passavam para sair e entrar no povoado, estava deserta, escura, tranquila... Desistiu da ideia de se levantar e continuar a correr, sentiu a sensação de compressão em seus ossos, a fraqueza tão desonrosa dominando-o pouco a pouco trazendo algo que para muitos poderia ser um sinal de covardia, mas que para Damian era uma libertação, ali ele sentiu a primeira gota salgada e cristalina escorrendo por seu trêmulo semblante.

A grama era alta, deitou-se sobre ela escondendo-se, ninguém poderia vê-lo, estava seguro onde nunca havia imaginado estar, respirava soltando finos e baixos gemidos à medida em que seu pranto tornava-se mais aflitivo, suas mãos tremiam, um tremor que percorria cada centímetro de seu corpo, a velha e conhecida melancolia, por que agora tão mais cruel?

A pressão que fazia para conter toda a bagunça que se formara por dentro, colocava a língua para trás, a comprimia contra o céu da boca, mordia o lábio inferior enquanto que como das vezes em que o abençoado e esquecido lago presenciara seus momentos de cólera, mantinha um punhado de terra sufocado entre os punhos cerrados. Os olhos tão apertados que podiam até saltar das órbitas por conta da força exercida, tudo, tudo para não ter que expor o quão afetado estava, o quão perdido sentia-se naquele instante.

Todos os seus mais terríveis medos e os mais dolorosos sentimentos unidos em uma só coisa, tão grande e tão poderosa que mal cabia em seu âmago, poderia passar a noite lamentando sob o luar, seu amado e etéreo luar, a luz que lhe abrigava, a razão para abandonar o negrume para deixar que a claridade lhe beijasse suavemente. A lua estava ali para ele, como sempre estivera, sua confidente, conhecia aquelas lágrimas como nenhuma outra alma jamais pôde conhecer, pertenciam à ela, assim como aquele corpo rijo entre a grama alta, sua dor e sua carne sempre foram suas, apenas Petrescu ainda não havia notado. Seria inútil resistir, as lágrimas não se findariam e o tormento não partiria, como um fantasma, viveria para sempre em sua mente.

A única coisa que podia ver ao fechar os olhos era o soturno sorriso de Benjamin, sentia sua cabeça latejar a cada palavra pronunciada em sua recente lembrança, era como se ele estivesse bem ali ao seu lado, repetindo tudo em alto e bom som, várias e várias vezes até os ouvidos do rapaz sangrarem e o cérebro derreter.

A raiva era copiosa, raiva de quê? Simplesmente de admitir que a razão sempre esteve com Tristan, o tempo todo. Damian não passava de um garotinho tolo que não podia ver o mal nas pessoas à sua volta, tentando sempre absorver o que havia de melhor nelas e tentar lhes transmitir o mesmo. Dezoito anos de ingenuidade, mas agora passara dos limites, deixara-se levar, permitiu-se seduzir por mais uma aparente bondade e entre um sorriso atraente e uma gargalhada sarcástica, ele foi mais uma vez uma marionete movendo-se para lá e para cá num cenário quebrado de um mundinho perfeito, que nunca existira.

A verdade estava ali, porém seus olhos prevaleciam vendados, Damian somente queria um pouco de escuridão para sua alma enfraquecida poder descansar, seu rosto esquálido e seus lábios rachados levavam à uma conclusão.

Estava fraco, cheio de dores e lamúrias, e inesperadamente soube o motivo de sua fraqueza, tudo tornou-se tão confuso e ao mesmo tempo tão claro, sabia qual era a cura para todos os seus sofrimentos, sabia que se perdesse sua alma para a obscura eternidade, todas as noites poderia tentar reencontrá-la no ponto alto do cândido sabor do sangue.

Sabor este que lhe torturava, lhe afagava a memória despertando prazer e vontade. Podia ser um bonequinho ingênuo nas mãos de qualquer um que soubesse manuseá-lo, contudo, uma coisa era real, o fato de que fora apresentado à uma nova sensação, algo que beijou sua boca de forma ainda mais doce que lábios femininos, que lhe fez atingir o ponto alto de um prazer distinto que jamais poderia ser encontrado dentro do corpo quente de uma mulher, ou até poderia...

Tudo estava tão claro e flutuava em sua mente causando leves pontadas em sua cabeça, de tempos em tempos não sentia o solo sob seu corpo, assim como as respostas encontradas, parecia também estar flutuando, entretanto sua cabeça latejante era a única coisa que lhe puxava para baixo, doendo como se a acertassem com uma marreta e ainda estivesse intacta por fora, mas por dentro estivesse destruída.

O som dos grilos escondidos sobre a grama lhe atormentava, ecos altos e repetidos atingiam o ponto alto de sua dor, sua mente era uma caverna funda e escura onde os sons se propagavam e a cada repetição era emitida uma sílaba a menos, como se o sentido real de uma frase, de uma confissão, de um sussurro, fosse morrendo na escuridão.


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Notas finais do capítulo

Gente, peço desculpas, mas a foto do capítulo não apareceu, não sei o que houve, mas enfim, esse capítulo ficará sem foto :/