Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 62
Andreea, minha doce criança!




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Seus olhos apertaram-se ao notar o pérfido sol cruzando o vidro da janela, levantou-se mantendo sua mão na frente de seus olhos para protegê-los daquela terrível claridade, caminhou até perto da janela e por fim fechou as pesadas cortinas de veludo carmesim.

Não sabia que horas eram, podia ser manhã ou tarde, não fazia a menor ideia, mas ouviu a mansão mergulhada num estranho silêncio, silêncio este que era quebrado apenas pelo fino som de soluços contidos, sons estes que vinham do andar debaixo.

Ainda sentia os sinais da enxaqueca e a presença da fraqueza junto a cada célula de seu corpo, mesmo assim pôs-se a caminhar.

Descera lentamente cada degrau da grande escada que dava para o salão principal do casarão, deixou com que seus ouvidos lhe guiassem até a origem dos finos soluços. Eles vinham da sala de estar.

Por um momento, passara pela cabeça do ferreiro uma sensação de Deja Vú. Prosseguiu com passos tão leves e silenciosos como se pisasse em nuvens, fazia isso para que ninguém pudesse ouvi-lo, os pés descalços eram tão ágeis e naquele momento agradecia por não estar calçando nenhum sapato.

O ferreiro deparou-se com as portas entreabertas, porém nenhum brilho afogueado pintava as paredes e fazia as sombras dançarem, ao espiar por entre a fresta, viu a lareira apagada sem nem ao menos sinal de que fora acesa em algum momento e a silhueta encolhida de Andreea num canto do sofá.

Ela ainda vestia os trapos do que antes era uma maravilhosa camisola tão branca quanto um colar de pérolas, podia ver sua pele arrepiar-se a cada soluço sufocado, estava de costas para a porta, por isso não ouviu e sequer notou a presença do jovem amante. Ao seu lado, uma garrafa de whisky já vazia e um copo contendo apenas alguns mililitros da bebida, junto a eles, um cinzeiro no qual continha um cigarro já no fim, porém que ainda exalava uma tênue fumaça que subia alguns centímetros e logo desaparecia no ar.

Lágrimas se reuniram envolta de seus olhos azulados, culpa não era nem o início do que estava sentindo naquele momento, queria morrer da pior forma que fosse possível para que pudesse fazer passar aquela dor. A dor de tê-la feito sofrer.

Criou coragem, pois sabia que por dentro não havia restado nenhuma, e entrou no local de modo que seus gestos não a assustassem ou intimidassem. Percebeu que Andreea nem ao menos levantara a cabeça, sabia que ela sabia que era ele.

Os soluços se findaram e repentinamente a respiração da viúva estava amena, como se estivesse ouvindo uma relaxante melodia que a ajudaria a dormir, ela então começou a falar:

___ Não precisa se desculpar.

___ É tudo que posso fazer e eu quero fazer.

___ Eu não preciso do seu perdão e não o quero.

___ Não sei o que dizer.

___ Então não diga nada.

___ Vou entender se gritar comigo e me expulsar daqui, acho que isso não me surpreenderia, afinal, teria toda a razão em fazer.

___ Mas não vou.

Novamente a surpresa, um ardor repleto de medo cobriu seu corpo como um manto, tudo estava acontecendo como em seu sonho ___ ou teria sido um pesadelo? ___, temia que ela se levantasse, temia ver a prateada adaga, destinada a Benjamin, em suas mãos, temia ver o brilho rubro de seu sangue e sua sensual voz chamando seu nome, clamando para alimentar-se de seu corpo, de sua vida.

Tudo estava caminhando como imaginara, como algo que já houvesse vivenciado, uma música que já ouvira, uma dança que cronometrara os passos; cada fala, cada gesto da viúva fazia o medo alternar suas sensações térmicas, não sabia se o que percorria seu ser era frio ou calor, mas aquilo lhe fazia arrepiar e paralisar.

___ N-não vai?___ gaguejou o rapaz temendo ter certeza da próxima ação da amante.

___ De que adiantaria?

Um suspiro quieto foi tudo o que pôde fazer, retraído e exalado aos poucos para que Andreea não pudesse perceber, finalmente algo saíra do compasso, mas ainda o pavor corria por suas veias, ela parecia tão calma com a situação ao invés de culpá-lo, poderia até mandá-lo para a prisão por estupro ou até mandar que o matasse, Damian não tiraria sua razão, afinal, errara e este foi o pior erro que pôde cometer, pelo menos deveria ser.

Petrescu, ainda de costas para a viúva, pôde vê-la enxugar algumas lágrimas que caíam de seus olhos, a viu inclinar a cabeça para trás e respirar fundo e pesadamente, aquela respiração lhe fez parar os batimentos por alguns poucos segundos, nada lhe fora tão doloroso quanto sentir a angústia exalando pelos lábios daquela mulher.

___ Como pode dizer isso? Cometi um erro! Um gravíssimo erro e você tem todo o direito de me condenar de todas as formas que julgar necessárias!___ replicou o rapaz um tanto inconformado com a brandura dela.

___ Não seja tão ríspido consigo mesmo, draga mea ___ falou Andreea com um tom rouco peculiar de quem passara longos períodos chorando.

___ Não estou sendo ríspido, apenas estou sendo realista. Como pode estar tão amena a tal execrável fato?!

Damian percebeu que Andreea não reagia às suas palavras, mas mesmo assim continuou falando:

___ Nunca imaginei que pudesse ser capaz de...

___ Já chega, Damian!___ agora havia fúria em sua voz, uma farta fúria.

A viúva levanta-se do sofá encarando o rosto do garoto, o ferreiro entristecera-se quando notou o fulgor das lágrimas nos verdes e sublimes olhos da dama. Seus olhos tão vermelhos e inchados, tanto pelo pranto quanto pelo sono que não viera lhe embalar na madrugada que se passou, o tormento fora ainda maior quando sabia que era por sua causa aquelas nefandas manchas carmesins, pareciam que chamavam por seu nome condenando-lhe incessantemente.

___ Por Deus, quer parar com isso?! Já disse para não se culpar desta maneira!

___ Eu não compreendo.

___ Oras, sou eu quem não compreende! Pare de ser tão fraco assim!

___ Do que está falando?

___ De ser tão tolo quanto uma criança! Já estou farta de ver tanta bondade estampada em teu rosto! Não é possível que alguém seja tão correto assim.

___ Assim como?

___ Assim como você! Em um mundo onde somente sobrevivem os mais fortes, como pode ter tanta compaixão pelos fracos?

___ Qual é a diferença entre os fortes e os fracos? O que define um e outro? O dinheiro? A fama? A linhagem?

___ O poder, Damian! Ele difere um do outro! É o poder que seleciona, é o poder que mantém viva uma espécie, é o poder que perpetua uma raça!

___ O dinheiro é o poder, estou certo?

___ Não, não é sobre esse tipo de poder que estou falando.

___ Então sobre qual é?

___ O poder que vem de dentro... A força, a coragem, a persuasão, o charme, a conquista, o domínio sobre o mais fraco, isto que é o verdadeiro poder!

___ E eu tenho este poder?

___ Mais do que imagina, meu querido.

Damian não podia compreender as palavras que saíam da boca de Andreea, sabia que estava ferida e zangada, mas por que lhe desferir todas aquelas frases desconexas sobre poder?

___ Aonde você quer chegar com este assunto?

___ Quero que pare de ser tão covarde. Quero que pare de choramingar por inutilidades.

___ Então eu tê-la estuprado foi uma inutilidade?___ indagou o rapaz perplexo.

___ Sim! Por que deveria se importar com o que penso ou com o que sinto? Eu não passo de uma meretriz barata e todos sonham estar em seu lugar, sonham em fazer comigo o que fizera na noite anterior. Acha que eles se importariam com meus sentimentos? Acha que eles viriam até mim para se desculparem?

___ Mas eu não sou como eles.

___ E é isto que me perturba.

Ela pôs-se a chorar de novo, dessa vez por uma compaixão tão confusa que era sentida em seus soluços e em suas palavras.

___ É isto que me faz amá-lo cada dia mais.

Damian foi surpreendido por uma compaixão, mas não a mesma de Andreea, algo que lhe partia o coração, porém que unia todos os pedaços com um cálido sopro de vida.

___ Por que ainda está aqui? Sei que não é pelo dinheiro ou pela fama, pois em nenhum de seus dias pude sentir uma única essência de ganância exalando de si, então... Por quê?

___ Porque eu te amo.

___ Está mentindo. Não importa como descobri, a questão é... Que não entendo por que ainda permanece aqui. Pena, talvez? Pena desta solteirona mal falada pelo povo desta comuna?

___ Talvez ___ respondeu ele, percebendo que não havia mais razão para mentir.

Andreea o encarou sem um pingo de surpresa, mas a dor pareceu ser maior quando ouviu a verdade dos lábios daquele seu amado anjo.

___ Talvez eu te ame, porém acho que... Não do jeito que queria, mas espero que possa aceitar o amor que tenho para lhe oferecer.

___ Já existe outro alguém recebendo seu amor, não é?

___ Acho que já sabia disso quando me conheceu.

___ Pelo menos eu deveria saber ___ riu ela de forma dolorosa ___, não sei por que estou tão atordoada, já devia esperar por isto, já devia saber que um rapaz como você jamais sentiria alguma coisa concreta por alguém como eu.

___ Agora sou eu que lhe peço para não falar assim.

___ Ora, Damian, eu sou tão fácil, tão inútil, tão...

___ Tão bela, tão frágil, tão sublime ___ disse ele ao se aproximar tocando suavemente o semblante triste e molhado dela.

Petrescu a aconchegou em seus braços, assim como fizera com Mihaela na noite em que foi morta, e desse modo pôde, sem querer, absorver cada emoção que emanada do trêmulo e desejado corpo de Andreea.

O hálito quente roçando seu pescoço assim como as lágrimas cálidas beijando sua pele, como era delicioso sentir aquele tétrico calor penetrando em sua tez tão fria, era como se ela estivesse lhe dando parte de sua vida, não somente por coisas tão singelas quanto um suspiro ou uma lágrima, mas também por algo tão íntimo como um pedaço de sua alma.

Damian sentia esse pedaço de alma estremecer confuso e assustado no interior daquele lascivo corpo e se perguntava: Quantas lágrimas cabiam nos tantos sorrisos que ela distribuía? Quantos gritos ela sufocava no silêncio de ser submissa? Quanta tristeza atopetada na alegria ilusória ela podia suportar?

Ele a amava, era uma verdade tenaz, mas o que também era de fato, era que o amor que lhe oferecia não era o que ela desejava, mas sobre isto nada poderia fazer, era impossível tentar transformar esta essência tão livre e avassaladora, era até injusto, poderia se dizer e naquele instante ele a amou mais do que em qualquer outra ocasião em que esteve com ela.

Ela estava ali, tão desprotegida, sem aquela armadura que a tornava tão forte e solene, ela estava ali... Uma criança ansiando por uma atenção que nunca lhe fora concedida, ela estava ali fervendo por um sentimento tão cândido quanto o amor, nada mais é capaz de ser tão puro e forte quanto a dor, pois ela se prova mais real do que qualquer sentimento, emoção, sensação.

Andreea suspirava dor, alimentava-se e vomitava ela quase que diariamente, mas olhos tão pobres nunca foram capazes de enxergar tal cena tão sombriamente penosa, pobre criança perdida, ninguém a ouvia gritar, ninguém a via chorar, ninguém sentia a sua dor.

Damian então pôde senti-la, tão profunda e viva em sua alma quanto o fogo que destrói impiedosamente, parecia que estava absorvendo a vida daquela cândida criatura de forma tão brusca, até execrável, mas somente a tinha em seus braços, sincronizando seus batimentos com os dela, ambos sendo apenas um.

Afagava seus cabelos, juntava seus lábios para exalar um amoroso Shhh enquanto sua outra mão a segurava fortemente como se, em um pequeno descuido, ela fosse cair ou quebrar, a vida dela estava em suas mãos e não somente isto, mas estava também em cada uma de suas respirações e em cada um de seus batimentos, Andreea estava dentro de si.

E então uma lágrima nasceu no canto de seus olhos e fugiu em silêncio, como um ladrão que ataca na calada da noite pensando que ninguém notaria sua presença. Andreea sentiu aquele ardor tocando seu rosto e mais um suspiro fora libertado, desta vez tão leve quanto uma pena levada pela brisa do final da tarde.

Aquilo parecia ser demais para o ferreiro, não sabia o que precisamente, se era a tristeza de Andreea impregnando-se em seu ser, se era a falta de alimento resultando em fraqueza, o desejo por algo nefando ou talvez um pouco de cada coisa resultando na volta da lancinante enxaqueca.

Ao abrir os olhos, sua visão estava turva, mas pôde ver algo tão nítido em sua frente, as veias do pescoço de Andreea saltavam e se destacavam de forma sublime por debaixo daquela pele dourada, separou seus lábios para libertar pesados suspiros levando dor e tormento para fora de seu corpo, todavia, assim como quando chorava e pensava que estaria matando o sofrimento, nunca estava e nem nunca estivera, quando uma lágrima mortificando morria, outra nascia em seu lugar e tal qual era com seus suspiros.

Precisava manter distância, pois as imagens de seu pesadelo logo vieram flutuar em sua mente atordoada, encostou-se em uma das paredes da sala de estar, se não o fizesse provavelmente cairia, não estava sentindo o chão sob seus pés e o lugar parecia girar rapidamente.

A visão embaçada de Andreea se aproximando o contraiu no canto da sala, tinha medo que, ao se aproximar pudesse feri-la, não estava suportando conter o desejo de rasgar a pele daquela mulher e ver o sangue escorrer das veias rompidas de seu pescoço.

Não podia crer em tais pensamentos, estava cada vez mais apavorado e a mulher se aproximava ainda mais perguntando de modo afetivo e preocupado:

___ O que houve, draga mea?

___ Não chegue perto de mim, por favor!___ falou ele, arfante.

Sentiu sua cabeça pesar e pender para baixo, a imagem de Andreea a cada instante tornava-se mais distorcida, a luz que entrava pelas janelas do local logo ia diminuindo como se alguém fechasse a válvula de querosene de um lampião, até por fim tudo se tornar trevas.


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