Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 61
Um Sonho Vívido




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Despertou com estridentes soluços que pareciam vir do andar de baixo da mansão. Levantou-se, pois estava caído ao lado da cama, enrolado entre os trapos que dantes eram uma aconchegante coberta, ainda sentia os sinais da enxaqueca e a presença da fraqueza junto a cada célula de seu corpo, mesmo assim pôs-se a caminhar.

Descera lentamente cada degrau da grande escada que dava para o salão principal do casarão, deixou com que seus ouvidos lhe guiassem até a origem dos finos soluços. Eles vinham da sala de estar.

Seus passos eram suaves, como se pisasse em nuvens, fazia isto para que ninguém o ouvisse. O ferreiro deparou-se com as portas entreabertas mostrando uma luz alaranjada que oscilava freneticamente, ao espiar por entre a fresta, viu as chamas baixas da lareira e a silhueta encolhida de Andreea num canto do sofá.

Ela ainda vestia os trapos do que antes era uma maravilhosa camisola tão branca quanto um colar de pérolas, podia ver sua pele arrepiar-se a cada soluço sufocado, estava de costas para a porta, por isso não ouviu e sequer notou a presença do jovem amante. Ao seu lado, uma garrafa de whisky já vazia e um copo contendo apenas alguns mililitros da bebida, junto a eles, um cinzeiro no qual continha um cigarro já no fim, porém que ainda exalava uma tênue fumaça que subia alguns centímetros e logo desaparecia no ar.

Lágrimas se reuniram envolta de seus olhos azulados, culpa não era nem o início do que estava sentindo naquele momento, queria morrer da pior forma que fosse possível para que pudesse fazer passar aquela dor. A dor de tê-la feito sofrer.

Criou coragem, pois sabia que por dentro não havia restado nenhuma, e entrou no local de modo que seus gestos não a assustassem ou intimidassem. Percebeu que Andreea nem ao menos levantara a cabeça, sabia que ela sabia que era ele.

Os soluços se findaram e repentinamente a respiração da viúva estava amena, como se estivesse ouvindo uma relaxante melodia que a ajudaria a dormir, ela então começou a falar:

___ Não precisa se desculpar.

___ É tudo que posso fazer e eu quero fazer.

___ Eu não preciso do seu perdão e não o quero.

___ Não sei o que dizer.

___ Então não diga nada.

___ Vou entender se gritar comigo e me expulsar daqui, acho que isso não me surpreenderia, afinal, teria toda a razão em fazer.

___ Mas não vou.

Aquilo foi o que lhe surpreendera. Os olhos do adolescente acompanharam os movimentos de Andreea voltando seu rosto para o dele, encarando-o com estranha pacificidade que até o incomodava.

___ Não vai?

___ É claro que não.

___ E por quê?

___ Sei que precisava daquilo, precisava matar uma vontade estranha, um instinto lancinante, antes que isto o matasse.

Damian franziu o cenho sentindo-se confuso e apenas uma questão pairava por sua mente: “Como ela sabia disso?”.

Andreea deu alguns passos, mas ainda estava relativamente longe de Petrescu, ela então sorriu afavelmente, o que fez com que o rapaz achasse tudo isso ainda mais estranho.

___ Draga mea, não tenha medo! Deixe-o sair.

___ O quê?!___ a pergunta fora em relação ao tom despreocupado da voz dela e à fala desconexa, mas parece que Andreea lhe interpretara mal.

___ Seu dom, querido. Liberte-o das correntes que você mesmo lhe impôs ___ respondeu a mulher tendo admirável paciência e carinho em seu timbre feito uma mãe aconselhando um filho.

___ Do que está falando?

Damian não havia percebido, mas um dos braços da bela dama estava dobrado para trás e quando finalmente o mostrara, ela trazia em sua mão a estonteante adaga de prata adornada pelo solitário e refulgente rubi. Viu seus olhos refletidos na polida prata, o brilho pálido encontrando-se com o brilho de seu olhar confuso, tudo o que fez foi encarar a arma branca e o sorriso plácido no semblante da viúva.

___ O que vai fazer?___ havia tremura na voz do menino.

Andreea levou a ponta afiada até a superfície de seu pulso esquerdo, o ferreiro uniu as sobrancelhas quando assistiu à bela mulher fazendo com que o gume pérfido beijasse lascivamente sua tez dourada.

A lâmina fora abrindo um caminho rubro de fora a fora e este caminho fora trilhando outros mais formando finos e grossos fios avermelhados que serpenteavam pela mão e pelo braço da viúva.

___ O que significa isto?___ seu tom agora adquirira mais medo.

___ Não tenha medo, draga mea, é para o seu bem.

___ O que? Do que é que está falando?

___ Aproxime-se, Damian.

Suas safiras encontraram-se com o fulgor carmesim do sangue de Andreea, suas pupilas dilataram no mesmo instante, sua respiração acelerara num ritmo confuso e incômodo, calafrios percorriam seu corpo fazendo sua pele arrepiar-se.

Só podia estar enlouquecendo, aquilo não podia ser real, todavia, o aroma roçava em suas narinas enquanto o som lascivo das gotas caindo ao chão lhe provocava um prazer inominável, um prazer que ora era força, ora era fraqueza e ambas eram uma corda que o puxava para cada vez mais perto do pulso ensanguentado de Andreea.

___ Venha, querido, não precisa ter medo, não vai acontecer nada.

Seus pés começaram a guiá-lo para perto da viúva sorridente, sua mente relutava, mas seu corpo estava vencendo esta batalha, a cada centímetro mais perto mais sua boca salivava e seus olhos arregalavam a ponto de quase saltarem das órbitas.

Sentiu o calor abandonar seus dedos, provavelmente suas mãos estavam frias como a morte, mas não desviaria o olhar para verificar por nada neste mundo, estava sendo dominado por uma força sobrenatural, algo que lhe comandava como um tolo e frágil marionete, estava tão vulnerável quanto uma criança longe de seus pais, estava tão entretido, nada o faria desviar sua atenção.

___ Venha, querido, venha!

Quanto mais próximo se encontrava de Andreea, mais parecia que ela estava distante, sua voz soava baixa e produzindo um eco fraco que se propagava poucas vezes em um canto desconhecido e escuro de sua mente, o rosto dela não estava tão nítido diante de seus olhos, pelo contrário, o que não saía de seu campo de visão era seu pulso sangrando.

Pegou suavemente a mão dela, como se fosse tirá-la para dançar, sentiu o calor penetrar em seus poros, sim, suas mãos estavam congelando por conta de um frio que vinha de dentro para fora enquanto a dela estava tão cálida como se houvesse colocado-a sobre as chamas da lareira.

Levou a mão de Andreea até perto de seus lábios secos e sem cor semelhantes a um murcho botão de rosa, a viúva largou a adaga banhada em sangue fazendo soar metalicamente ao tocar o chão, seu outro braço envolveu carinhosamente o tronco do rapaz e sua boca sensual estava a pouquíssimos centímetros de um dos ouvidos do ferreiro.

Damian não tirava os olhos do sangue que corria profundamente, fugia para nunca mais voltar, eis que ouve tão voluptuosamente ao pé d’ouvido uma ordem:

___ Beba!

Um calafrio bloqueando todas as suas ações correu da cabeça aos pés, mente e corpo entraram em contradição naquele instante. Sua boca salivava e sua língua estava quase se esticando para tocar o viscoso líquido fugitivo, mas sua mente não queria acreditar, estava tão fácil que era até digno de pena, não podia ser verdade.

Encarava o ferimento aberto no pulso da viúva como se fosse um oponente pronto a lhe atacar, o brilho que cintilava era como a fúria estratégica cobrindo o olhar do adversário, a solução estava a sua frente, amiga ou inimiga? Nem mesmo o ferreiro sabia dizer.

___ Beba, meu querido ___ sussurrou Andreea novamente.

___ Não... Não posso ___ murmurou Damian relutante.

___ É claro que pode, não vai acontecer nada.

___ Não, por favor, não me obrigue.

Não havia autoridade e certeza em sua voz e Andreea parecia aproveitar-se disso, usava esta ordem fraca contra o próprio adolescente, o forçando a trancar sua razão num canto obscuro de sua mente e lá deixá-la até que a emoção se satisfizesse.

Os olhos dele estavam vidrados, a enxaqueca vinha mais forte, queimava e doía, sabia que havia uma cura para isso, havia um modo de fazer a dor ir embora, mas por que ser assim? Não compreendia e esmorecia-se nesta questão angustiante, não fazia sentido.

Realmente precisava fazer sentido? Damian se perguntava infindavelmente e a cada minuto mais questões lhe aborreciam e lhe bloqueavam enquanto o sangue escorria ainda mais vivo envolvendo sensualmente sua atenção.

Realmente precisava fazer sentido?

Sim? Não? Talvez? Não havia certo ou errado ou até um meio termo, era algo que não havia resposta, era pior que a dor latejando em sua cabeça. Por que não simplesmente ceder? Mas e quanto às consequências? Danem-se as consequências! Era isto que devia pensar? Era assim que devia agir?

___ Beba, Damian!___ a voz de Andreea era insistente ___ Beba e acabe com todas as dores destas perguntas sem resposta.

Como ela sabia? Não importava. Estava cercado e não havia para aonde correr, se esconder ou fugir, a resposta estava diante de si, tão vermelha e tão brilhante quanto um solitário e sublime rubi, estava ali! Gotas tão pomposas de rubi esperando por lábios para beijá-las.

___ Beba, meu amor!

Damian mordeu o pulso de Andreea como se fosse um suculento pedaço de carne, sentiu suas presas lúridas penetrando na pele macia, assim como há algumas horas estivera dentro do quente e luxurioso corpo da viúva.

Mais sangue saiu, desta vez pelos furos que fizera, fechou os olhos para deixar com que o sabor navegasse por toda a sua boca, explorando cada mínimo lugar onde o prazer fosse sentido na mais pura de sua essência.

Não queria engoli-lo, mas mantê-lo ondulante entre sua língua e o céu da boca, como um degustador de vinho. O sabor era magnífico, a textura e a cor eram envolventes, sentiu-se beijando os lábios de um anjo, seu corpo flutuava em puro êxtase, mas às vezes não sabia ao certo se estava mesmo flutuando ou mergulhando num oceano de volúpia.

A dor foi embora, não havia nem um vestígio do que antes lhe afligia, parecia que nunca havia existido, a fraqueza não mais se manifestava, sentiu-se forte e sadio como há dias! A vitalidade entrando por seus poros como o vento frio da madrugada, lhe arrepiando da cabeça aos pés, lhe tocando sensualmente, lhe convidando a viver outra vez.

Andreea gemia, desta vez havia satisfação em seus sons sexuais e aquilo excitou Damian e o incitou a continuar. Cravou ainda mais profundamente seus caninos no pulso da mulher e de modo voraz, sugava cada gota de sangue que fugia pelas lacunas.

Sentia que fazia amor com Andreea, um amor diferente, algo que dispensava toques e carícias, mas que ainda sim fazia estremecer sua alma. Sentia o calor do corpo dela como se estivesse cavalgando sobre o seu, ouvia seus gemidos como se lhe proporcionasse múltiplos orgasmos, mas apenas lhe estava ferindo.

Realmente estava? Damian jamais poderia compreender ou obter uma concreta resposta, a seu ver estava machucando-a, drenando seu sangue, roubando sua vida com uma espécie de beijo fatal, mas a ouvia gemer, a ouvia suspirar, sentia seu esbelto corpo contorcer-se junto ao seu, o que realmente estaria fazendo? Não importava, estava disposto a continuar e os sons emanados por aquela dama apenas o deixavam mais convictos de que parar não era uma opção.

Andreea aumentava a voz a ponto de exalar altos gemidos, como se aquela fosse uma cálida noite de amor. Petrescu envolveu a cintura da mulher com um de seus braços enquanto o outro mantinha firme o punho dela junto a seus lábios, a viúva enterrou suas unhas nas costas do rapaz o puxando para perto do sofá.

Ambos caem sobre o macio e quente veludo, ele sobre ela, Andreea novamente tinha a adaga em suas mãos e fizera um novo corte, desta vez em seu pescoço e sorrindo ordenou:

___ Beba!

Damian desta vez não relutou e inclinou sua cabeça fazendo com que sua boca absorvesse o fio de sangue que lentamente escapava pela ferida feita pela dama.

O perfume dela com o gosto vicioso do sangue se misturavam numa explosão de novas e excitantes sensações, como na noite em que tivera o sangue de Mihaela misturado ao pavor entre seus dentes, aquele gosto solitário e especial lhe fazia delirar, era ainda melhor quando sabia que isto despertava prazer.

Sentiu as pernas de Andreea entrelaçarem-se em seu tronco, uma de suas mãos mergulhada em seus negros cabelos enquanto a outra passeava por suas costas cobertas por uma pálida camisa de seda, um dos muitos presentes da libertina viúva.

Petrescu ainda não acreditava que aquilo poderia estar acontecendo, a cada gole ingerido de sangue, Andreea parecia mais excitada, gemia e contorcia seu corpo como se sentisse as contrações de um delicioso orgasmo, não apenas um, mas vários, um após o outro, infinitamente.

Aquilo o excitava e o garoto continuava.

___ Ei, eu estou aqui, Damian, você não vai se livrar de mim ___ sussurrou ela no ouvido do ferreiro.

Os lábios dele ainda traziam o ardor e o tom rubro do sangue dela, afastou-os do ferimento no pescoço para erguer a cabeça e os olhos, mirando os olhos de Andreea, mas o que vira não era a viúva Voiculescu.

Mihaela estava deitada sob si, a cabeça pendida quase tocando o ombro, havia um grande inchaço em seu pescoço pintado por tons de roxo, a saliência de seu osso quase rasgando a pele, seus olhos agora não estavam mais enegrecidos como uma noite sem luar, mas tão azuis quanto às safiras apavoradas do jovem ferreiro. Ela abriu um sorriso largo de orelha a orelha e soltou uma gargalhada esganiçada e veemente que fez o corpo do adolescente arrepiar.

Com um súbito salto para trás, Damian afastou-se daquela horrenda visão ficando encolhido na ponta oposta do sofá onde se encontrava a falecida filha do Conde, sentiu seu coração bater mais forte bombeando seu sangue e o de Andreea por todo o seu corpo, ambos transformando-se em apenas uma única essência apavorada.

Mihaela aproximou-se ainda carregando o terrível sorriso em sua face encanecida, seus olhos tão azuis e concentrados na figura assustada de Damian, parecia alimentar-se de seu pavor, assim como ele alimentara-se do seu e, além disso, provou de seu sangue, devorou sua confiança e engoliu sua dor, tomou-a para si brutalmente.

Agora ela estava sobre o rapaz, encarando aquelas safiras apagadas pelo medo, sua pele estava fria e lúrida tal qual um tétrico fantasma, pairava uma dúvida de quem realmente era o cadáver inanimado e quem era o ser vivo no qual respirava e sentia.

Ela trazia em suas mãos e prateada adaga, deixou com que o brilho sensual ofuscasse a visão do rapaz, atormentando-o ainda mais.

___ Você não é real, você não está aqui, vá embora!___ gritou Damian usando o restante de força e coragem que estavam escondidos em seu peito trêmulo.

___ Eu estou aqui, Damian, você não vai se livrar de mim!

Após dizer isto, Mihaela ergueu a arma branca acima da cabeça do garoto, a melodia para aquela cena eram os pavorosos risos da moça morta, ela deitou sua cabeça para trás e quando voltou a fitá-lo, seus olhos haviam adquirido o tom negro de quando a viu ___ ou a imaginou ___ na carruagem voltando para Chiajna.

Não sabia o que pensar naquele instante, o medo selava seus lábios, apenas observava temendo o que poderia acontecer.

Mihaela lançou suas vazias lacunas indo de encontro às safiras terrivelmente apavoradas e um grito alto e estridente cruzou a sala de estar, a mansão, a noite, seguido de um golpe certeiro da adaga rumo ao peito do rapaz.



Damian levanta-se repentinamente exalando um suspiro sufocado, como se estivesse se afogando e alguém lhe puxasse para fora da água, ouvia as batidas de seu próprio coração enquanto seus olhos corriam por cada canto do local onde estava, o silêncio só voltou a reinar quando tivera a absoluta certeza de que ainda estava no quarto de Andreea, perdido entre trapos do que antes era uma aconchegante coberta.


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