Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 5
Oh, doce criança!




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/345394/chapter/5

Algumas coisas preocupavam a dedicada empregada, porém decidira não aborrecer o ferreiro com tais problemas, pensava que era apenas fruto de sua fértil imaginação, conhecia tão pouco da vida em si e era isto que tranquilizava-lhe, acreditava que por não saber muito sobre os assuntos mundanos apavorava-se com coisas que as demais pessoas podiam julgar normais.

Por mais que tentasse convencer-se de que tudo não passava de um maldito devaneio, havia ainda um sopro de dúvida em seu peito, desde a lembrança da ausência de sombra na parede do quarto do garoto nunca mais dormira sossegada, algo sempre perturbava sua mente e cada vez que notava coisas estranhas na aparência e no jeito do menino entrava em pânico.

Sempre algo diferente em cada época, em cada fase que enfrentava as mudanças eram bem aparentes, porém os fenômenos que julgara estranhos nunca eram permanentes, como numa metamorfose as características iam modificando-se e moldando-se ao corpo em crescimento do jovem ser humano.

Quando completara sete anos, o garoto começou a ter estranhos e assustadores pesadelos que não o deixavam dormir, era assim quase todas as noites, não podia entregar-se inteiramente, não podia fechar seus olhos, criaturas lhe agarravam e rasgavam sua carne deliciando-se com seus gritos infantis.

Numa noite, o garoto estava sonhando com imagens estranhas e confusas, ouvia-se gritos e sangue sendo derramado, os gritos eram de sua mãe, Ionel sempre lhe mostrara um retrato pintado por um habilidoso artista do vilarejo no qual a jovem estava com uma volumosa barriga, ambos felizes e ansiosos para a chegada do menino, era a lembrança mais sublime que tinha da mãe que nunca conhecera.

No sonho Katrina chamava por ele, porém Damian não podia ir até ela, não podia salvá-la, o menino a via sangrar morrendo aos poucos, deixando sua vida escapar por uma ferida causada em seu pescoço, seus olhos castanhos brilhavam na escuridão, suplicavam por uma ajuda qualquer, estava sofrendo e a morte demoraria a chegar, ela vinha rastejando na noite, alguém estendeu a mão a ele, mas não conseguiu ver seu rosto somente podia ver os lábios manchados com o sangue de sua mãe.

Estava caído num solo coberto de terras e folhas, usava uma camisola branca que aos poucos adquiria um tom amarronzado, olhou para cima e encarou um sujeito alto, magro, porém apenas isso conseguia notar. A escuridão o protegia tanto quanto uma leoa protegendo seus filhotes, não podia vê-lo completamente, a única parte iluminada de seu corpo era sua mão pálida, grande com dedos longos e nas pontas unhas finas, transparentes e afiadas.

O coração do menino bateu mais rápido, nada mais podia ver a não ser a mão daquele estranho ser, havia sangue entre os dedos além de estar nos lábios delineados e compridos, Damian olhava para a mão do sujeito e para os lábios, o medo gelou e apertou ainda mais seu coraçãozinho quando notou o corpo da mãe bem atrás dos pés do misterioso homem.

Katrina estava debruçada sobre as folhas secas e a terra fria, seu braço esquerdo esticado servindo de suporte para a sua cabeça tal qual o braço direito estava dobrado com a mão próxima ao seu peito, algumas mechas negras de cabelo tapando a visão de seu ebúrneo e apavorado semblante, foi a última emoção que tivera ao morrer, pavor. Os olhos castanhos ainda buscando o inocente olhar azulado do filho enquanto o estranho a sua frente permanecia com a mão estendida de modo apático e paciente.

Damian revirava-se na cama soltando dolorosos gemidos como se aquilo fosse mais que um sonho, uma voz aveludada invadiu seu subconsciente chamando por seu nome, ao abrir rapidamente seus olhos deparou-se com um rosto carinhoso, não conseguia falar nada, estava ofegante e aparentemente assustado.

___ Está tudo bem, fiul meu¹?

Num rápido movimento, a criança envolvera seus braços ao redor do pescoço de Irina, ao encostar seu rosto no da mulher, ela notara que estava suado.

___ Teve outro pesadelo?

___ Foi.

___ Acalme-se, draga mea², já passou.

Irina aconchegara seu pequeno corpo num caloroso abraço materno afagando seus volumosos cabelos lisos, até que começou a sussurrar uma antiga canção de ninar na esperança de acalmá-lo:


A noite vem espantar os teus medos


Hoje não precisa dormir cedo

Tua pele branca reflete o luar

Por que choras, linda criança?

Estou aqui com você

E nada vai te acontecer

A noite foi feita só pra nós

Não quero que sofras, não!

As estrelas refletem teu olhar

Meu coração por você, sou capaz de dar

Não tenha medo, você é o que é

Piedade ou perdão

Você tem neste pequeno coração

Oh, linda criança, a noite é só tua

A noite é só tua!

Não deixarei ninguém te impedir

De correr e de sorrir

Você é minha... Minha razão

De sofrer a noite eterna

Nesta escura caverna, em forma de mansão

E... ao chegar a luz do dia

Eu morro enquanto você dormia

Agonizando em silêncio, pra não te acordar

Doce criança, doce criança, doce criança

Tão doce...


___ Shhh... Está tudo bem agora, draga mea.


A mulher continuou a canção, porém somente cantarolando-a, Damian fora embalado por aquele som tão doce que conhecia desde muito pequeno e não pôde evitar que o sono novamente o dominasse.

Ao observá-lo agora tão tranquilo a criada transparecia um certo medo, um estranho e terrível medo que somente crescia a cada nascer do sol, queria gritar, chorar, abraçar fortemente aquela pequena criatura e nunca mais soltá-la, pois despertava em si um carinho de mãe, porém tudo que fez foi somente fitá-lo, sem gritos, sem lágrimas e como na cantiga, agonizava em silêncio para não acordá-lo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

1. "Fiul meu" significa "meu filho" em romeno.
2. "Draga mea" significa "meu querido" em romeno.

Espero que gostem da cantiga, há alguns anos a criei, mas somente agora encontrei um lugar onde ela se encaixava =)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nascido Do Sangue" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.