Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 32
A Adaga de Prata




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Faltava meia hora para o estabelecimento se fechar, a noite já estava se aproximando, o sol tornava-se mais fraco, as primeiras estrelas iam surgindo e de trás das nuvens acinzentadas a lua começava a dar o ar de sua graça imaculada.

Ionel fora embora uma hora atrás, queixava-se de uma enxaqueca e o filho achou melhor que descansasse, o garoto, como sempre tão prestativo, ficaria para trancar o estabelecimento. O rapaz não perdera tempo, começou a guardar tudo rapidamente, estava ansioso e cansado, enfurecia-se quando as ferramentas caíam ao chão pela sua falta de cuidado ao arrumá-las, eis que ouviu uma voz masculina vinda da direção da entrada cumprimentar-lhe:

___ Noapte bună, meu de tineri.

O ferreiro nem ao menos viu quem era e já começou a falar:

___ Îmi pare rău, domn, já fechamos e...

Ao direcionar o olhar para o balcão ficara surpreso e boquiaberto.

___ Senhor Grigore?!

___ Pensou que fosse um fantasma?

___ Oh não! Me desculpe, senhor.

___ Bem, acho que já sabe o por que estou aqui, não é?___ indagou o sujeito sem perder tempo.

___ Ah sim, espere um instante.

De dentro do baú e cuidadosamente, o moço levara a encomenda até o balcão.

___ Aqui está.

As delicadas e lívidas mãos de Benjamin descobriram a arma deixando que seu prateado brilho sedutor refletisse em seus olhos de safira, ele a segurou com desvelo, demorou alguns minutos apreciando cada detalhe com os lábios rubros entreabertos, passou a ponta dos dedos sobre todo o instrumento cortante e sentiu-se maravilhado ao fitar o formoso rubi, direcionou seu olhar para o ferreiro, sorrindo.

___ Bom trabalho, meu de tineri, sabia que não iria decepcionar-me!

___ Fico feliz que tenha gostado.

___ Está perfeita, certamente tens boas mãos para fabricar este tipo de arma.

___ Para ser sincero, nunca havia feito nada parecido em toda a minha vida.

___ Não pode estar sendo sincero ___ Benjamin fitou o garoto com um olhar desafiador.

___ Estou sim ___ respondeu Damian, como se fossem mentirosas suas palavras e o rapaz a sua frente soubesse e estivesse lutando para arrancar a verdade a todo custo.

___ Como posso acreditar diante de algo tão deslumbrante?!

___ Dediquei-me intensamente a este trabalho.

___ E valera a pena?

___ Muito, ela é linda.

O homem pálido e sério a guardou escondida entre seu colete e o fraque azul escuro, quase negro e de seu bolso retirou mais um saco cheio de moedas atirando-o sobre o balcão.

___ Oh, meu senhor, já pagara pelo serviço.

___ Há algum problema em querer dar-lhe um acréscimo?

___ Bom...

___ Acredite, meu de tineri, dinheiro não é um problema para mim.

___ Deve possuir uma gorda fortuna ___ falou o adolescente.

___ Certamente e com ela, muitas terras!

Benjamin adorou notar um brilho diferente no olhar do humilde ferreiro, então sorriu.

___ Meu de tineri, gostaria de me acompanhar em um passeio noturno?

___ Ah eu não sei, eu...

___ Prometo que será breve!___ insistiu o outro entrecortando a voz indecisa do ferreiro.

Damian encarou os olhos do sujeito, olhos iguais aos seus, entretanto enigmáticos e persuasivos, não fora capaz de negar tal qual pedido ao lorde, tudo naquele homem era misterioso, porém atrativo.

Caminhavam por entre as árvores do solitário bosque adormecido, estava escuro, não havia ninguém por perto, apenas os dois eram os únicos seres vivos, tudo parecia morto e triste, ouvia-se apenas a grave e doce voz do abastado estranho falando sobre a paisagem.

___ Gosto de perambular pela noite, adentrar a materna escuridão onde ninguém pode me ver, sinto-me muito mais seguro sob a luz do luar do que em meio aos pérfidos raios solares, são um infortúnio!

___ Deve ser por isso que o senhor é tão pálido ___ observou o menino.

___ Minha palidez o incomoda de alguma forma?

___ Claro que não, domn, apenas mencionei. Rău.

___ Não há por que se desculpar, você é jovem, băiat¹, atento aos detalhes, com os hormônios explodindo por dentro, o sangue fervendo e fazendo o coração pulsar intensamente, novas sensações surgindo a cada anoitecer...

Damian nada disse, sentiu-se envergonhado por tal comentário, apenas ouviu tudo atentamente, uma parte de si estava encantado com as palavras daquele homem, às vezes jurava estar ficando louco, mas podia ver a si próprio através dos olhos do elegante estranho.

___ Aprecio muito as pessoas jovens, a juventude é a melhor fase da vida, não há medo, não há limites, se pode morrer e nascer logo em seguida, a escuridão é como uma cúmplice, sempre acobertando tudo, não há doenças, não há dor ou lágrimas amargas, apenas a beleza que parece ser eterna, somente uma doce beleza correndo pelas veias... Gosta de ser jovem, meu de tineri?

___ Da ___ afirmou o rapaz com um fio de voz.

___ O que faria se um dia ao despertar... Percebesse que todos os seus mais belos dias juvenis morreram, escorreram por seus dedos e nunca mais voltarão?

___ Nu știu².

___ Certa resposta, meu de tineri, pois quando a juventude se esvai, nada mais importa, para o mundo você está morto, sua pele está horrenda, não há mais vida dentro de seu corpo, apenas padecerá esperando que o Anjo da Morte tenha piedade de sua alma, assim levando-a para junto dele.

O moço engoliu em seco após ouvir aquelas palavras.

O homem tocou o rosto do adolescente com suas frias e níveas mãos observando cada traço delicado e atraente.

___ Gostaria de ser assim para sempre, meu de tineri? Gostaria de ter tudo e todos aos teus pés quando e como quisesse?

___ Por que está me fazendo esta pergunta?

___ Percebo como realmente é por dentro, um jovem belo e cheio de sonhos que julga impossíveis, por quê?

___ São absurdos.

___ E por que sonhos absurdos são impossíveis, meu de tineri?

___ Ah eu não sei, gostaria de algo a mais em minha vida...

___ Está vazio por dentro, băiat, sinto que tudo que você mais quer é um sentido, um motivo para viver.

___ Exato...

___ Bem, e se eu pudesse lhe dar esse motivo, se pudesse dar um sentido à sua vida tão vazia?

___ Como faria isto?

Benjamin sorrira.

___ Nu... Ainda não é o momento oportuno para isto, meu de tineri.

___ Momento oportuno para quê?

___ Não se preocupe, logo saberá, porém não será esta noite.

Continuaram a caminhar em silêncio, o garoto não entendeu muito bem as palavras do lorde, todavia não o questionou, não o conhecia e de nada sabia sobre ele, não quis contrariá-lo. Andaram até chegar às margens do lago que ficava localizado no centro daquele funesto bosque, pararam e o homem passou a admirar o luar e as serenas águas imutáveis.

___ Como a noite é magnífica... Não sei o que de mim seria se ela não existisse, como seria terrível viver em um mundo banhado somente pela forte luz calorosa do sol!

___ Creio que sim.

Do bolso de sua calça, o rico estranho retirou um cantil banhado à prata, o abriu e tomou um gole soltando um suspiro, olhou para o garoto estendendo a mão.

___ Aceita um gole?

___ Oh, eu não bebo.

___ Ora o que é isso, băiat! Estamos a sós aqui, se não contar, também não contarei.

Damian sorriu, não poderia resistir ao tom persuasivo da voz do estranho, pegou o pequeno cantil das mãos do sobranceiro sujeito, levou-o até os lábios e tomou uma pequena dose que descera quente proporcionando-lhe uma sensação agridoce, o ferreiro franzira o cenho suspirando.

___ Nunca havia bebido whisky puro antes, meu de tineri?___ indagou o lorde de forma doce e não tão surpresa, como se o tom de sua voz já lhe entregasse a resposta.

___ Não, apenas pequenas doses de vinho e cerveja.

Grigore riu.

___ Ora essa! Tens que conhecer os melhores sabores, apreciar as melhores coisas da vida, afinal, és jovem, não deve-se desperdiçar esta gloriosa fase da vida... Beba mais um gole.

Como ordenado, o garoto deixou mais um pouco daquele líquido descer amargamente doce sobre sua garganta, novamente fazendo uma cara feia, não estava acostumado ao sabor característico. Entregou o cantil ao sujeito dizendo:

___ Mulțumesc, é o suficiente para mim.

___ Preciso lhe ensinar muito sobre os mistérios e prazeres da vida, meu de tineri, ah e a propósito, gostara de meu presente?

___ Presente?___ inquiriu o ferreiro contraindo a testa.

___ A viúva Voiculescu.

___ Então foi o senhor?___ deduziu o menino com os olhos saltados.

___ Da, pensou que fosse aquele velho bêbado que a escolhera como prêmio e a destinou a você?

___ Bem...

Novamente Benjamin soltou uma gargalhada grave e espontânea.

___ Está tudo bem, băiat, e não precisa agradecer, Andreea me disse que a deixara exausta.

O adolescente enrubescera-se.

___ Não é preciso envergonhar-se, Damian.

O herdeiro Petrescu surpreendera-se e indagou:

___ Como sabe meu nome?

___ Obviamente este é um vilarejo muito pequeno.

___ Oh sim.

___ Bem, está ficando tarde, vamos! Acompanhar-te-ei até em casa.

Sem questioná-lo outra vez, o rapaz assentiu e ambos seguiram para fora do bosque em direção à casa do ferreiro, em silêncio.

No caminho, Damian passou em frente à morada de Rosalind, ele a viu estirada sobre a sacada admirando o céu límpido e estrelado, ao olhar para baixo e acenar, o jovem sentiu seu coração bater mais forte, Benjamin o encarou seriamente dos pés à cabeça admirando principalmente o tolo sorriso que se abriu nos lábios rubicundos do garoto, então resolveu libertar novamente sua grave e excitante voz logo após distanciarem da casa da senhorita:

___ É uma bela dama.

___ Certamente, senhor ___ concordou o adolescente ainda não contendo as batidas aceleradas e a respiração arquejante.

___ Desde quando a corteja?

___ Como é? Oh não, senhor, somos apenas amigos.

___ Não era o que me pareceu.

Os lindos olhos de safira do moço arregalaram-se.

___ Somente um tolo não poderia notar que morre de amores por aquela donzela, meu de tineri.

___ Não havia percebido que meus sentimentos estavam explícitos de tal forma, senhor.

___ Meu de tineri, não há por que desculpar-se ou sentir vergonha, o amor é um lindo sentimento, principalmente na juventude! Dois tenros corações que não conhecem a dor, muito menos as lágrimas, ambos batendo juntos e sonhando não separarem-se, nem mesmo na morte.

___ Com toda a certeza, senhor, é algo lindo.

___ E etéreo também, não há nada mais sublime e cândido que o amor, porém pérfido e mortal, o amor é um sentimento fúnebre, băiat, viva-o e o absorva até a última gota, antes que faça de ti outra vítima como tantas.

___ O senhor já amou alguém?

Esta questão fez com que o elegante cavalheiro detivesse-se, ficara ainda mais lúrido, passou a língua entre os lábios rubentes, sua expressão mudara completamente, levantou uma das mãos e apertou fortemente o camafeu de ouro que trazia em seu pescoço, após um sufocante silêncio, disse com uma voz baixa e rouca:

___ Há muito tempo, meu de tineri.

___ E... O que aconteceu?___ perguntou o garoto aparentemente curioso.

Os celestes olhos do abastado homem buscaram o nada, queriam chorar, mas não tinham lágrimas para dar, apenas uma aparente melancolia.

___ A vida nos separou.

___ Lamento, senhor.

Grigore sorriu e deu um leve tapa no ombro de Petrescu.

___ Não é preciso lamentar, Damian, a vida nos separou, porém a morte poderá nos unir... Para sempre.

O ferreiro sentiu um arrepio passar por todo o seu corpo, o tom de voz do sujeito fora assustador e intrigante, não entendera bem o que queria dizer com aquela frase macabra, porém nada disse, era a segunda vez que o via e não queria aborrecê-lo com perguntas invasivas.

Ambos pararam em frente a dois imensos portões com grades de ferro, podia se ver uma longa estradinha de terra cercada por coloridas flores que adquiriam um tom azul claro quando iluminadas pelo pálido luar, terminava na porta da frente de uma humilde casa de madeira de dois andares cujo telhado era quadrado na forma de um trapézio, Benjamin olhou para todos os lados rapidamente e disse:

___ Bem, está em casa agora, băiat.

___ Obrigado por me acompanhar, senhor Grigore.

___ Foi um prazer, acredite, era o mínimo que podia fazer depois que me presenteara com meu sublime adorno ___ falou o lorde tocando o lado do fraque no qual guardou a adaga de prata ___ , espero vê-lo em breve, jovem Petrescu.

___ Eu também, senhor Grigore, tenha uma boa noite.

___ Você também, meu de tineri.

O educado estranho observou o garoto distanciar-se, seus olhos azuis destacavam-se na escuridão, fitou-o andar lentamente, pensativo, sem nenhuma pressa até à porta daquela residência, avistou que antes de entrar, Damian olhou em sua direção e acenou, Grigore acenou de volta com um leve sorriso nos lábios, pôde ouvir nitidamente o som da porta se fechando.

Estava sozinho no escuro em frente à casa dos Petrescu, segurou novamente o camafeu em seu pescoço e engoliu em seco dizendo sombriamente:

___ A vida nos separou, porém a morte poderá nos unir... Para sempre.


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Notas finais do capítulo

1. "Băiat" significa "menino, garoto, jovem, rapaz" em romeno.
2. "Nu știu" significa "eu não sei" ou simplesmente "não sei".