Sim, Grigore sentira alguma coisa, uma intensa dor que gritou por dentro...

Ao abrir os olhos, a primeira coisa que viu foi uma peculiar e soturna ira nos formosos olhos azuis de Damian, ouvira apenas um ruído metálico cortando o silêncio e lancinando imediatamente em sua carne pútrida, vira o próprio reflexo perplexo no olhar do garoto, um olhar sem luz ou piedade, um olhar tão semelhante ao seu...

Com o outro braço dobrado e fazendo pressão contra o lorde, Petrescu não se movia, em sua mão o cabo prateado adornado com um lindo e solitário rubi, mal podia ver o gume tão pérfido e afiado, pois encontrava-se enterrado e perfeitamente centralizado no peito do adversário com três fios de sangue escorrendo parcialmente, fora um golpe certeiro e preciso, quase não havia brecha para onde o sangue pudesse fugir, como se já houvesse um lugar para depositar a arma branca, um lugar antecipadamente preparado especialmente para ela.

A adaga brilhando à luz do luar, um som cruzando a escuridão, gotas frágeis de rubis caindo ao chão, olhos azuis suplicando no sublime silêncio sufocante....

___ A única diferença entre nós... ___ começou Damian ___ É que dentro de mim ainda há um sopro de humanidade, e mesmo que me tornasse imortal, isto nunca iria embora.

As palavras sussurradas no ouvido de Benjamin doeram mais que o golpe desferido pelo próprio filho, somente conseguia observá-lo em silêncio, não lutaria, não o machucaria, não lhe faria mal algum.

E uma vasta lista de “talvez” se seguira. Talvez Ben estivesse fraco para reagir ao garoto mestiço. Talvez não quisesse usar sua força contra ele. Talvez estivesse tão excitado com o momento que nem ao menos percebera ou talvez pudesse sentir aquele brilho sensual cravando em seus olhos antes mesmo de tocar em sua carne morta.

Talvez esperasse por isso, rezasse para acontecer, torcesse para que no último instante, Damian se provasse tão mais forte que o próprio vampiro. Em um canto tão sombrio de seu âmago não suportaria ver tua mais cândida e bela semente cruzando a eternidade em noites vazias e solitárias.

E talvez Damian pudesse ler os pensamentos do verdadeiro pai... Pudesse ouvir o morto interior que gritava incansavelmente para que fizesse aquilo. A adaga entregue de bom grado a ele há algumas semanas, o fato de Petrescu ter se acovardado e desistido de atirá-la para ser esquecida no fundo daquele lago, a certeza de que sabia que ela estava em seu bolso de trás e mesmo assim não fizera nada para impedi-lo... Talvez fora o próprio Benjamin que condenara-se indo à ferraria naquela noite tão comum para o tenro ferreiro.

Nada precisava ser dito, nada precisava ser feito, não houve outro e qualquer momento em que ambos encontravam-se mais interligados de uma forma tão terna e até doentia. Damian era Benjamin ou Benjamin era Damian? O traidor tornou-se o traído ou tudo ocorrera conforme o planejado? O traidor minuciosamente pensou e deu vida às suas ilusões para que o traído pudesse então matá-las, resgatando o traidor deste pesadelo interminável no qual estava vivendo.

O sangue de Benjamin fugia lentamente pela pequena fresta em seu peito, a adaga ainda estava lá, perfeitamente encaixada em seu coração como uma chave enterrada no buraco da fechadura. Damian entrelaçava seus lívidos dedos no cabo prateado, adoraria penetrar até o punho, mas apenas a manteve reta, imóvel, fazendo com que a piedade macabra que o invadia concedesse ao lorde alguns minutos extras de intensa dor ao invés de simplesmente deixá-lo ir.

Enquanto a semivida de Ben se esvaía lentamente pela lacuna em seu peito, a de Damian fazia ainda mais sentido, naquela noite ele era jovem e belo... Naquela noite... Ele estava livre e seguro para voar.