Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 102
O Nascimento Para Uma Nova Vida




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Damian virou-se para o lorde, seu olhar estava úmido, um pouco das lágrimas também eram causadas pela dor lancinando em sua cabeça, alguns fios de cabelo colavam em seu rosto molhado de suor, Benjamin percebeu o quão o garoto estava destruído, sua alma estava em cacos, mas ainda parecia vivo, forte e poderoso, e isso fascinava o solene sujeito, saber que aquele menino podia suportar tudo que a vida jogasse sobre ele e ainda sair invicto, isso fazia com que o lorde o amasse ainda mais e lhe devesse total respeito.

___ Como me encontrou?___ inquiriu Petrescu como se a pergunta fosse cuspida, desprendida de suas entranhas de forma forçosa e nojenta, não queria, mas precisava saber.

___ Eu nunca o perdi de vista, nem você... Nem sua mãe. Ah draga mea, se parece tanto com ela, exceto os olhos, esses belos e penetrantes olhos azuis.

Grigore esperou por uma reposta, um som, qualquer coisa, mas então o silêncio o convidou a continuar com sua fala.

___ Sei que está confuso e tudo parece não se encaixar, porém o tempo lhe entregará as respostas numa bandeja de prata, elas virão facilmente e tudo estará bem diante de seus olhos, Damian, é apenas uma questão de tempo.

___ Tempo... O que você tem de sobra ___ falou ironicamente, todavia virando o rosto para não olhar para o tranquilo ser que parecia ser esculpido no mais frígido e robusto mármore.

___ Exato.

Ben abaixou os olhos como se fizesse uma afirmação vergonhosa, mas levantou-os segundos depois, acesos como faróis que guiam uma embarcação numa noite escura.

___ E eu gostaria de dividi-lo com você, băiatul meu ___ disse ele tentando se aproximar, mas parando quando percebeu que a cada passo dado, Damian se afastava.

___ Eu não quero ter nada em comum a você, eu não quero o teu precioso tempo ou coisa alguma que venha de você ___ a raiva contida era sentida em cada palavra pronunciada severamente.

___ Não pode dizer isto, eu sou parte de você, assim como você é parte de mim, estaremos sempre ligados quer queira quer não.

Damian deixou com que um pingo de fúria o corrompesse fazendo com que arremessasse uma cadeira contra a parede, fora apenas um acesso, um frenesi, logo havia retomado o controle de todo aquele sentimento efervescente aprisionando-o novamente, sentou-se sobre uma poltrona, a poltrona na qual Ionel sentava-se todo o fim de tarde quando chegava cansado da ferraria e lia o jornal da comuna fumando um charuto romeno, sempre tão atento às notícias, mas sempre pronto a ouvir o filho, quando este lhe interrompia.

___ Sei que por ora não suporta ouvir isso, mas é a verdade, Damian!___ falou Grigore alterando um pouco a voz, estava difícil manter a calma diante da verdade e da reação do garoto perante ela.

A cada frase dita, o silêncio se fazia ainda mais presente, Petrescu não sabia como continuar o diálogo, apesar de querer dizer tantas coisas entaladas em sua garganta, queria fechar os olhos e quando os abrisse não mais estar ali naquela sala, diante daquele ser asqueroso que assassinou o homem que mais amava no mundo, contudo ao mesmo tempo queria ouvir tudo o que ele tinha a dizer, sentia que precisava disso.

___ Como a conheceu?

A pergunta saíra como um sussurro, fraco porque não mais suportava a dor em sua cabeça, sentia que a qualquer momento iria desmaiar, mas estava suportando, pois temia que enquanto estivesse desacordado Benjamin poderia tentar algo que teria de conviver pelo resto de seus dias.

___ Numa festa da colheita, ela estava exuberante... Como um anjo. Pode não querer ouvir isso, mas quando olho pra você eu consigo resgatar o último sopro de vida que ela deixou para trás.

Grigore pôde ver o luar atravessando a janela e pousando em uma lágrima que acabara de brotar dos olhos então fechados do garoto, era como se pudesse respirar toda a dor que Damian estava sentindo, física ou não, ela estava começando a se entranhar em seu corpo frio, em cada célula morta ela se hospedava, em cada canto escuro de seu coração semimorto ela criava raízes, a dor de Damian era a sua dor.

___ Como aconteceu?___ os lábios de Petrescu, úmidos pelas lágrimas que morriam ali, moveram-se lentamente enquanto seus olhos buscavam uma direção desconhecida no escuro.

___ Éramos tão jovens, tão ingênuos, nossas famílias eram contra a nossa união, meu pai era um vendedor de pele de animais, viajávamos quase todos os meses oferecendo couro e lã para os vilarejos ao redor, nunca que a família de Katrina aceitaria que um alguém como eu a desposasse.

Assim como Benjamin, Damian também sentia a dor em cada sílaba que saía da boca dele, palavras verdadeiras, uma história verdadeira, uma dor verdadeira, Grigore não mentiria para ele, jamais.

___... Eu era humano ___ continuou Grigore ___, meu pai e eu estávamos sozinhos em uma estreita estrada de terra, cavalgávamos no meio da noite, meu pai informara-me de que se prosseguíssemos por mais algumas horas chegaríamos até uma pousada onde poderíamos comer e descansar até seguirmos viagem novamente. Eis que ouvimos alguns ruídos por entre as poucas árvores que nos cercavam, olhamos de um lado a outro, mas nada vimos, a neblina estava densa como um manto cinzento que cegava nossos olhos e quando percebi, estávamos no chão, nossos cavalos foram abatidos e quando notei... O corpo de meu pai jazia ao meu lado, havia sangue em suas roupas e também em seu corpo, fora apenas uma fração de segundo e ele já estava ali ao meu lado, sem vida. Lembro-me de um homem pálido e frio como a morte cravando suas presas em meu pescoço, eu não pude ver claramente seu rosto, mas pude sentir que não havia dor alguma, todavia um intenso prazer nunca sentido antes, sentia uma deliciosa sensação de que estava flutuando, aquele ser estava drenando o meu sangue tão rapidamente, em um piscar de olhos eu poderia estar morto e era exatamente assim que eu me sentia quando ele parou e jogou meu corpo no chão, minha cabeça pesava e o local da mordida latejava como se fosse picado por algum animal peçonhento, até que senti algo doce tocando meus lábios, minha visão estava turva, mas pude vê-lo despejando seu sangue sobre minha boca, a atração que sentia por aquele líquido fora intensa e momentânea, segurei fortemente o pulso daquele sujeito próximo aos meus lábios e suguei o máximo que podia, não queria parar, a cada gota que absorvia sentia-me mais forte e mais vivo, um tipo diferente de vida, uma vida que eu nunca conheci ou ao menos ouvi falar. O martírio que se seguiu por minutos a fio sempre será a mais tenebrosa lembrança de meus últimos momentos mortais, podia sentir o sangue quente correndo tão denso e lento por minhas veias até chegar ao coração, as batidas cada vez mais fracas, assim como a respiração... Até que tudo se tornou escuro como em uma cegueira temporária e quando a visão retornara... Eu já havia me tornado um morto-vivo, algo que havia visto somente em livros e pinturas medievais. Eu não sei por quê ele fizera isso comigo, podia ter se alimentado e largado meu corpo para ser devorado pelos coiotes, mas não, ele me dera uma nova vida e nem ao menos ficara ao meu lado para me amparar ou ao menos me receber de braços abertos nesta nova e confusa existência. Tudo estava diferente, a neblina não mais era um infortúnio, eu podia ver através dela e, por incrível e até inacreditável que estas palavras possam lhe parecer, eu pude senti-la entre meus dedos, tão fria e suave como o beijo amoroso da morte que me fora dado há apenas poucos minutos ___ um suave sorriso delineou os rubicundos lábios do lorde por um instante, logo a seriedade tomou seu lugar e a história retomou o ar lúgubre de antes ___. Retornei ao vilarejo, estava confuso e com medo, eu era um recém-nascido deixado de forma negligente por seu criador no meio da estrada, aquele sujeito havia desaparecido, não soube a quem recorrer, a não ser à Katrina...

___ Você a procurou?___ indagou o garoto abismado e voltando seus olhos para o sujeito a alguns metros de si.

___ O que mais podia fazer? A quem mais poderia recorrer?! Ela era tudo pra mim, a pessoa mais importante de toda a minha vida. Depois deste acontecimento, eu só a queria novamente em meus braços ___ Ben fizera uma pausa, talvez esperando que o ferreiro dissesse algo, mas fora mais uma vez presenteado com o silêncio, então resolveu prosseguir ___, ela não havia notado que eu estava diferente, tentei lhe explicar, contar como estava me sentindo, mas parecia não me ouvir, estava tão radiante com o meu retorno. Então deixei-me levar pela sua alegria, na esperança de que pudesse me contagiar.

Damian recriava em sua mente cada momento que Benjamin descrevia com precisão, não queria imaginar, mas não suportava, sua mente assumia o controle e lhe pregava peças, não era hora de lutar contra seus próprios devaneios, estava fraco demais para isso.

___ Passamos a noite juntos... Eu era tão inocente e estava tão confuso... Nada mais era como antes. Eu não mais sentia o gosto dos alimentos e muito menos desejo por sexo, mas eu tentei e tudo que pude sentir foi um desejo, algo insano e ardente quanto as chamas sensuais de uma fogueira ascendente, ia e vinha e cada vez mais forte, cada vez mais persuasivo, mais cruel. Sei que não devia dizer-lhe tais coisas, porém sei que precisa saber ___ a voz de Ben voltou ao tom de súplica ___, tê-la em meus braços foi uma dádiva, um deleite cândido no qual não pude apreciar da forma tão pura e ingênua que jovens amantes o fazem. Percebi o quão longe havia ido... quando senti o doce e cálido sangue de Katrina beijando meus lábios.

As palavras que Damian ouvia o deixavam ainda mais confuso por dentro, como se todo o castelo que era sua vida estivesse desmoronando naquele instante, pedra por pedra, até ser reduzido a pó e levado pelo vento para bem longe, não conseguia dizer nada, queria que parasse, mas ao mesmo tempo queria continuar a ouvir, saber de toda a verdade.

___ A última lembrança que tenho, é de seu olhar assustado encarando-me infindamente, como se diante de si houvesse algum tipo de monstro... Um monstro ___ repetiu Grigore com pesar ___. E desde então eu nunca mais voltei, nunca mais atormentei a vida de Katrina nem de mais ninguém ao redor dela, até o dia em que soube que iria se casar.

Um breve silêncio, Benjamin deu alguns passos pela sala desviando do cadáver de Ionel bem no centro do lugar.

___ Os comentários alastravam-se pelo vilarejo como um poderoso incêndio, Katrina Benedek iria se casar com o maldito ferreiro Ionel Petrescu!___ o nome de Ionel fora emitido com uma furiosa ênfase e sem que o jovem percebesse, Ben olhou friamente para o corpo ao seus pés com regozijo ___ Já havia o visto algumas vezes e sabia de seus sentimentos por Katrina, estava tão claro! O jornal local dizia que Velkan Grigore e seu filho Benjamin haviam sido atacados na estrada, aquilo parecia um troféu para este desgraçado, não havia mais nada em seu caminho que impedisse de ter o que sempre quis, a minha Katrina!

Damian levantou-se dando poucos passos em direção ao vampiro e vociferando:

___ Não refira-se ao meu pai desta maneira!

___ Ele não é seu pai e nem nunca foi!___ gritou o lorde ainda mais alto que o menino, sua voz parecia percorrer as paredes fazendo a casa estremecer ___ Tudo o que ele fez foi tirar de mim o que eu mais amava! Por todos estes anos ele viveu a minha vida, a vida que um ser asqueroso tirou de mim, a vida que eu sempre sonhei ter, a vida que me foi negada graças a uma maldição banhada em sangue!

___ Eu também sou parte desta maldição?___ perguntou Damian voltando ao tom baixo e retraído de antes ___ Você amaldiçoou minha mãe e ela deu à luz a mim, quer dizer que não passo de uma maldição?

___ De modo algum, draga mea, você é tudo de mais precioso que ainda me resta. Acompanhei cada momento de tua vida, a noite fria na qual você nascera, a mesma noite em que Katrina se foi, gostaria de ter ido com ela, mas ainda havia uma razão para viver... Você. Sempre estive ao seu lado, o vi crescer, se desenvolver, tornar-se um homem, até mesmo nas noites soturnas de tempestade eu estava junto a ti, afagando seus cabelos, envolvendo-o em meus braços e sussurrando em teu ouvido a antiga canção de ninar.

Mais lágrimas se reuniram no canto dos olhos de Petrescu, sua boca se entreabriu, porém nenhum som fora emitido, estava perplexo e apavorado ao mesmo tempo, não podia acreditar nas palavras do sujeito, mas pareciam ser a única explicação para todas as suas antigas e recentes questões.


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