A Rainha de Copas escrita por Kaya Terachi


Capítulo 13
Doce dor.




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– Coringa... Não vejo nada.
A garota murmurou, agarrando-se ao braço do outro que caminhava consigo.
– Já estamos chegando, esse é o caminho mais rápido até lá.
Um chute foi necessário para abrir a porta e lá estavam eles, sentados ao redor de uma mesa de poker, jogando e bebendo as caras cervejas postas sobre a mesa.
– Olhem só! Chegaram as duas cartas! - Um deles riu e a garota cruzou os braços fronte o peito.
– Engraçadinhos, mas eu aposto que com essas cartas você não quer jogar.
Adiantou-se o rapaz de terno roxo impecável, aproximando-se de um dos homens na mesa a lhe segurar o rosto e retirou a faca do bolso a pressioná-la em sua face, quase rasgando a pele. Todos se afastaram da mesa, levantando-se assustados.
– O que você quer, Coringa? - Falou um dos rapazes.
– Ora essa, eu quero o que você me prometeu.
– Todos os homens já foram enviados a você.
– É mesmo? E por que é que nenhum deles conseguiu chegar? Eu espero que você saiba, Blake, que não se engana um palhaço. Ainda mais um que pode te matar.
Ele disse a rasgar o pescoço do rapaz sentado num único e rápido movimento com a faca e a garota sorriu atrás dele.
– Todo seu se quiser, rainha. – Ele falou sem tirar os olhos dos rapazes de pé.
– Nós devolvemos o seu dinheiro, cara... Calma.
– Não... - Ele riu. - Não é pelo dinheiro, acha que eu me importo com algumas notas jogadas fora? Não... É pelos princípios. Vocês sabem a quem obedecer.
A ruiva os observava, de braços cruzados e atenta a qualquer movimento que qualquer um deles pudesse fazer. Porém, atenta aos rapazes ao centro, nem pôde prever quando um deles se aproximava pelo lado, surgindo das sombras. O palhaço permanecia imóvel, não percebera e preparava-se para andar até o outro lado da mesa, porém o rapaz ali escondido foi rápido, iria acertá-lo em cheio! Carregava em uma das mãos uma faca afiada com o cabo negro, embora soubesse que uma faca não poderia matá-lo, poderia pelo menos pará-lo por um tempo, tempo suficiente para fugir pela porta dos fundos. Eles estavam tão perto que tudo pareceu parar por alguns segundos, a garota observou atônita, tinha que fazer alguma coisa, mas o que faria? Droga! "Pense rapido Angelique!" ela pensou. Não fora uma boa ideia, de fato, mas ela colocou-se em frente a ele, abraçando-o. A faca acertou-a em sua cintura e o bandido assustado, sabendo que havia acertado a pessoa errada, largou-a ali. A garota gritou, levando a mão ao local ferido, tomou coragem e arrancou a faca. Todos foram muito rápidos, em um segundos, já haviam corrido, achando uma brecha para escapar enquanto a atenção do palhaço estava na garota junto dele, mas o líder, que corria para a sua liberdade caiu antes que pudesse alcançar a porta, fora acertado com a mesma faca em suas costas.
Coringa tentou não se alarmar, mesmo com o olhar de reprovação preso na garota, a pegou nos braços e seguiu em direção a porta, daria um jeito no imbecil no chão depois, mas agora tinha que salvá-la, e o chão se transformara numa poça de sangue.
– Você tem até segunda-feira, Blake. Não me faça voltar aqui ou é a sua cabeça que eu vou levar de troféu.
E com poucos passos, ele se fez livre do local imundo, a caverna de bandidos que era aquele bar.
– Droga, Angelique! Por que fez isso?!
Ela gemeu a pressionar a ferida aberta em sua cintura.
– Ele ia te acertar... Eu não podia deixar...
– E por isso se machucou no meu lugar? Grande ideia.
Ela uniu as sobrancelhas, aconchegando-se junto a ele, de fato sentia muita dor, e não tinha tempo para se preocupar se o outro a aprovava ou não, se sentia fraca com todo o sangue que perdera.
Ele bateu a porta atrás de si e a colocou na cama assim que chegaram à boate. Ela ainda gemia de dor a pressionar o local, mesmo já sem forças para fazê-lo. Ele não pensou muito para rasgar as roupas dela, arrancando o corpete de seu corpo magro, caminhou até o banheiro, onde pegou duas toalhas negras e voltou ao quarto junto a duas bolsas que a garota não pôde identificar com a vista embaçada. Ele lhe entregou a toalha menor e ajudou-a a se virar de lado na cama.
– Morda a toalha, isso vai doer.
Ela uniu as sobrancelhas, afinal já havia virado uma mania, e apenas assentiu, agarrando a toalha para si e a mordeu, abafando o gemido que deixou escapar ao senti-lo tocar o local sem cuidado algum, como de costume, e em seguida veio o grito com a primeira passagem da agulha pela sua pele. Sim, ele estava costurando a ferida por si mesmo.
– Coringa! Não! Ah!
E mais uma vez a agulha passou pela sua pele de um lado a outro.
– Calma, já vai passar. - Ele riu, e parecia animado com a dor dela, o excitava mais do qualquer outra coisa.
Ela gritou novamente, sentindo as lágrimas que escorriam por sua face e finalmente o último ponto.
– Pronto, está tudo bem.
Ele disse, e percorreu o corpo dela com os olhos, vendo-a nua da cintura para cima. Ela suspirou, tentando se recuperar da dor e notou o olhar descarado dele sobre si.
– Está ficando animado é? - Falou com a voz chorosa.
– Ah, você nem imagina o quanto. Mas não podemos brincar com esse rasgo na sua cintura.
– Geralmente você mesmo faz os rasgos em mim...
Ela falou e o sentiu limpando seu corpo com a toalha, retirando o sangue que restava ali. - Mas você mesmo costurar foi cruel.
– Queria que eu fosse até o hospital te carregando em meus braços, é? Vai sonhando princesa.
Ela sorriu a ele, mas antes que pudesse perceber, o tinha sobre o próprio corpo, e ele já havia retirado a parte de cima do terno, que agora estava jogado no chão. O outro não perdera tempo e já deslizava a língua entre os seios da garota deitada, limpando os rastros de sangue que deixara escorrer ali quando arrancou as suas roupas. Ela fechou os olhos a apreciar os toques e o sentiu deslizar a mão por seus quadris, maldito! Havia apertado a ferida. Ela gritou, sentindo a lágrima única escapar dos olhos e ele riu alto, gargalhando.




O dia passou, Angelique se recusou a receber qualquer pessoa em seu quarto, queria ficar sozinha, somente ela e as lembranças de uma noite maravilhosa, que sequer existiu. Vez ou outra se levantava e caminhava até o espelho, só para vislumbrar sua pele branca como a neve e os lábios vermelhos. Ah, e tinha uma bela aparência, parecia até mesmo um vampiro, pensou e riu consigo mesma. O quarto era grande, espaçoso, podia andar se quisesse, mas não devia, não sabia os efeitos daquilo, não sabia se estava realmente curada, afinal, a noite não existira, talvez não fosse nada demais. Ela olhou o teto, entediada e por fim, deu-se por vencida. Dormiria mais um pouco já que não tinha o que fazer, afinal, ao fim da tarde chegaria Bruce e provavelmente ia querer conversar ou saber como estava, e não podia recusá-lo em seu quarto.
Bruce bateu algumas vezes na porta, mas como não teve resposta, entrou para averiguar se não tinha nada de errado com ela. A encontrou na cama, e dormia, porém não estava muito certo disso, estava quieta demais, parecia que nem respirava. Ele se aproximou e a observou de perto, estava virada de costas e de frente para a parede, tinha o cobertor a cobrir todo o seu corpo, talvez num escudo contra a luz, afinal, cansara de tentar arrumar a cortina teimosa do quarto. O rapaz puxou o cobertor que cobria o corpo dela, retirando-o a descobrir apenas o suficiente para que pudesse ver a garota respirando suavemente, porém, ao fazê-lo teve uma enorme surpresa. A garota usava uma camisola transparente, típica dela, mas não foi a roupa que chamou sua atenção, e sim o enorme número de cicatrizes que ela tinha em suas costas. Elas cobriam toda a extensão de seu corpo e acabavam ao chegar em suas nádegas que Bruce não ousou descobrir, eram de todos os tamanhos e pareciam feitas com uma faca em cortes sem uma forma exata. Abaixo de seu pescoço, bem no centro no inicio das costas ele pôde ver as letras que formavam uma frase peculiar, como não havia prestado atenção naquelas palavras antes? Elas estavam ali mais cedo? Sim, estavam, era uma tatuagem afinal, que dizia “Sweet Pain”.
A garota se moveu, deixando escapar o gemido sutil ao ter o sono incomodado pela presença do outro. Ela se virou na cama e ele se afastou, vendo-a abrir os olhos.
– Bruce? Ah... Desculpe. Não dormi muito bem essa noite, então...
– Não há problema, Angel. Parece... Que esta bem melhor.
– Sim, eu me sinto melhor. – Ela sorriu. – Mas... Por que está me olhando assim?
– Bem... Acho que não seria uma falta de educação perguntar. Porque tem tantas cicatrizes nas costas?
Ela uniu as sobrancelhas, ponderando por segundos e por fim ajeitou-se na cama a se sentar.
– Ah... Você viu. Não é nada.
– Não quer me contar? Sabe que eu não vou julgar você.
Ela o observou por alguns segundos e suspirou por fim.
– Acho que você já conhece o Coringa não é? Ele não se importa muito se é certo ou errado. Ele sentia prazer em fazer isso, nunca reclamei, eu até gosto. Acho que também deve ter visto a tatuagem. Acho que... O amor é a dor mais doce que temos. Nunca me importei com o modo como ele me machucava, se pelo menos eu tivesse o amor dele, pra mim estava tudo bem.
Bruce a observou, ouvindo-a em silêncio, não ousou dizer palavra alguma que atrapalhasse os pensamentos da garota. Já havia visto o Coringa destruir as coisas tantas vezes, mas nunca sentiu tanta raiva como sentiu naquele momento, ela parecia tão machucada, literalmente em ruínas, e tudo aquilo era culpa do próprio inimigo mortal. “Malditos palhaços”, pensou.
– Eu queria acreditar que ele me amou um dia...
– Angel, eu não sou muito bom para falar de sentimentos, mas... Tenho certeza que ele a ama.
Ela arqueou uma das sobrancelhas e o observou.
– Embora ele seja um tolo e faça milhares de besteiras o tempo todo, até mesmo um louco é capaz de amar. Por que não?
Ela abaixou a cabeça, observando por alguns segundos o cobertor espesso sobre suas pernas.
– Como alguém poderia amar alguém como eu?
– Como alguém poderia não amar alguém como você?
O rapaz falou e levantou-se, caminhando a se sentar sobre a cama ao lado dela, levando uma das mãos à face da garota que ergueu, observando-a e limpou a pequena lágrima que escorreu num rastro único por seu rosto.
– Não chore mais.
– Obrigada, Bruce.
Ela o observou e sorriu, um sorriso sincero, diferente de seus sorrisos habituais e cobertos de maldade, que havia herdado de seu querido companheiro. O rapaz nada disse a ela, apenas a abraçou e deslizou uma das mãos pelos cabelos da garota numa suave caricia, confortando-a em seus braços, não era o mesmo que o abraço que sonhara na noite passada, mas mesmo assim, estava em paz ao menos por aquela noite.


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Notas finais do capítulo

"A questão é que Ilsa Hermann tinha resolvido fazer do sofrimento sua vitória.
Quando a dor se recusou a largá-la, a mulher sucumbiu a ela. Abraçou-a.
Podia ter-se matado com um tiro, ter-se arranhado ou se entregado a outras formas
de automutilação, mas escolheu a que provavelmente achava ser a opção mais fraca - ao menos suportar o desconforto do clima."

○ A menina que roubava livros.



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