Laura e Edgar- Um romance desde o Início escrita por Nanda


Capítulo 107
Fernando




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A noite vai caindo na capital fluminense. O ocaso do sol no horizonte matiza o céu de várias escalas de tons avermelhados... Na casa do bairro de Laranjeiras, Laura sorri laconicamente olhando para Edgar, o que deixa o advogado atarantado...

Edgar: Segredos a desvendar?

Laura: É... Acho que ainda tenho muito a descobrir sobre o Dr. Edgar Vieira...

Edgar: Não mais do que eu tenho a descobrir sobre a Sra. Laura Vieira...

Laura: Sobre mim?

Edgar: Claro... Por certo a senhora também tem seus mistérios... e devo dizer que desvenda-los é algo fascinante!... Sempre me surpreendo com você...

Laura: Não mais do que eu contigo...

Edgar: Bem...no momento o que realmente me intriga é onde iremos dormir... As crianças não estão com ares de que vão acordar tão cedo...

Laura: Leva-las para seus quartos poderia desperta-las... Tenho pena de acorda-las... estão dormindo tão tranquilas!... Acho que poderíamos dormir no quarto de hóspedes...

Edgar: A gente pensa nisto depois do jantar... Ainda é cedo!...Talvez até a hora que formos dormir elas despertem...

Laura: E aí... elas não estarão alegres, fagueiras e muito bem dispostas!... Acho que teremos uma noite bem animada...

Edgar (rindo): É verdade!... Acho que preciso me preparar para mais uma noite em claro...

Laura: Você deve estar cansado, não? Uma noite insone seguida de um dia que pelo que vejo foi bem agitado...

Edgar: Diante dos últimos acontecimentos, acho que ambos merecemos uma noite tranquila...O que mais desejo no momento e um pouco de paz e sossego ao teu lado... Mas se for necessário cuidar de nossos pequenos...vamos cuidar...

Laura: Está certo, meu amor... Concordo que precisamos repousar...

Edgar:Olha... estás concordando comigo!... Isso devia acontecer mais vezes!...

Laura: Não perca as esperanças!... (dando um beijinho no marido)

Edgar: Bem.. antes de repousar... a senhora precisa se alimentar!.. O nosso bebê deve estar com fome... Vou pedir a Matilde para trazer o jantar aqui para cima e verificar se há algum recado no escritório... Já volto...

O tempo passa de forma tranquila.. Durante o jantar, as crianças acabam despertando e após algum tempo de brincadeiras e conversas com os pais vão para seus quartos, ficando ainda aquela noite sob os cuidados de Gertrudes. E assim decorrem as horas até o início de um novo dia...

A manhã de sol fraco, encoberto por algumas nuvens, inicia como tantas outras... O casal acorda em seu horário rotineiro, e após sua toilette cotidiana e o desjejum, encontram-se na sala de estar, conversando sobre as atividades do dia de cada um enquanto o advogado folheia as páginas do Correio da República...

Edgar: Bem... imagino que logo o delegado deve chegar...

Laura: Eu espero que o depoimento seja breve!... Tenho muito a fazer hoje... e já que a Dra. Evie me disse que podia realizar tarefas que não fossem muito cansativas...

Edgar: Por isso mesmo não acho que seja uma boa ideia a senhora sair... Laura... vocês podem esperar ... não precisam orçar os materiais que precisam na escola hoje... Primeiro vamos ter de reconstruir tudo...

Laura: Mas amor... eu preciso me ocupar com alguma coisa!... Eu estou bem... as crianças estão melhores também... a casa está em ordem... preciso preencher meu tempo fazendo algo... E, de mais a mais, não precisamos fazer agora... mas uma hora ou outra vai ter de ser feito... Ainda mais que agora precisamos prestar contas ao nosso sócio...

Edgar (rindo): Certo... e tenha certeza que ele vai estar muito atento a tudo relativo a este projeto!... (dobrando o jornal) Bem... vou acompanhar teu depoimento e depois preciso resolver um assunto um tanto espinhoso... mas que não posso mais adiar...

Laura: O que aconteceu?

Edgar: Com tudo o que houve acabei não te contando... Descobri que Fernando nunca pediu dinheiro emprestado ao Humberto... Tudo leva a crer que meu irmão é responsável pelo roubo da carga e com o dinheiro da venda dos tecidos comprou as ações da fábrica

Laura: Isso é terrível... É muito sério, meu amor! Você vai confronta-lo?

Edgar: Preciso fazer isso!... Ainda não consigo crer que meu irmão foi capaz de algo assim...

Laura (pegando o jornal que Edgar largara na mesa de centro): É duro aceitar... mas você sabe que Fernando age movido pelo ressentimento que tem pelo Sr. Bonifácio... E com alguém o instigando... tudo toma maiores proporções...

A professora desdobra o jornal e começa a percorrer as páginas lendo as manchetes estampadas no noticioso. Até que algo lhe chama a atenção....

Edgar: É... eu sei... Mas de hoje isso não há de passar... (observando a esposa que lê compenetrada)O que foi? O que tem de tão interessante aí?

Laura: Você leu o artigo que o Antonio Ferreira escreveu?

Edgar: Li alguma coisa...

Laura: Edgar... tudo o que ele escreveu aqui... olha só..." não é novidade que o divórcio traz maiores consequência para as mulheres, que via de regra tornam-se vítimas de agressões gratuitas, tanto verbais quanto físicas, da sociedade onde vivem . O que é novidade é dar voz a estas mulheres agredidas; para elas, na maioria das vezes o que cabe é apenas o sofrimento silencioso imposto pelo preconceito de uma comunidade moralista e hipócrita. Muitas, sendo julgadas como desonestas, devido ao estado civil, acabam por sofrer principalmente por parte de homens, que como os gregos antigos ainda têm a mulher como um ser inferior, as mais humilhantes condições, desde a violência física até mesmo assassinatos dentre tantas outras formas de agressão " ... Esse jornalista é maravilhoso... está fazendo uma denúncia muito séria!.. Me vi retratada nisto!...Além de escrever muito bem, é preocupado com esses assuntos...

Edgar (tentando disfarçar o contentamento): É... até que ele escreve bem..

Laura: Edgar... ele é incrível!

Edgar: Incrível? Sei... E desde quando a senhora conhece ele?

Laura: Conheço as matérias que ele faz... e imagino que é um homem inteligente, educado, sensível...

Edgar: Quantos elogios para uma só pessoa... e nem a conhece!... Não tem ideia de como é esse sujeito...

Laura: Mas pelo texto dá para imaginar...

Edgar: Será mesmo? Eu acho que não! Você não vai conseguir imaginar como é o Antonio Ferreira só pelas matérias que ele escreve... Teria que ficar cara a cara com ele!...Ele pode ser quem você menos espera...

Laura: Eu não espero nada... só imagino.. Na verdade... queria muito conhece-lo... Você pelo visto o conhece...

Edgar: Conheço... e não me peça para te apresentar esse jornalistazinho de meia pataca...

Laura: Mas por que? Tenho um interesse puramente jornalistico...

Edgar: Pois eu acho muito bom que seja isso mesmo, Sra. Vieira... devo lembrar-lhe que é uma senhora casada...

Laura: E ele? Suponho que seja casado... ou é solteiro?

Edgar: Eu não sei Laura... e chega de falar desse fulano!... (levantando-se e indo em direção ao escritório) Vou passar algumas instruções a Heloisa.... e ligar para meus pais... Se é para desmascarar o Fernando... é melhor que seja em frente a eles...

Laura: Isso... fuja do assunto...

Edgar: Não estou fugindo... Apenas lembrei que preciso resolver algumas coisas...

O advogado sai da sala nervoso... Aquelas palavras de Laura, que de início lhe envaideciam, agora haviam ganhado uma nova conotação... Sua esposa não sabia que Antonio Ferreira era seu pseudônimo... A professora estava elogiando e mostrando-se interessada em conhecer outro homem... Aquilo simplesmente lhe fervera o sangue!... Era preciso controlar-se... não queria trair-se... Um dia Laura saberia a verdade... mas aquele não era o momento...

Enquanto isto, no hotel da rua do Ouvidor, Filipa e Manoela conversam...

Filipa: Ah minha amiga... o que faremos? A investigação está estagnada... não conseguimos mais nenhuma informação sobre o caso...

Manoela: Não te apoquentes com isso!... Logo Joaquim deve conseguir informações sobre o tal Rufino no clube... Poderíamos tentar consegui-las...

Filipa: Não... ele prontificou-se a isso... Não quero me indispor com ele!... Assim que tiver tempo tenho certeza que fará... Pelo que me contou está com alguns processos complicados no escritório... Sabe, vejo ele falando dos processos... sinto falta de exercer a advocacia....

Manoela: Eu também! Filipa... como vai ser agora? Assim que essa investigação terminar...

Filipa: Escrevi para meu pai há uns dias.... Não pretendo voltar a Portugal... Joaquim e eu estamos começando a nos entender... e acho que você também não está pensando em voltar...

Manoela: Não... realmente não estou com esta pretensão no momento...

Filipa: Poderíamos estabelecer um escritório aqui...

Manoela: Sim... o problema será começar.. formar clientela... Mas também não tenho medo de trabalhar...

Filipa: Bem.. deixemos o tempo passar... Primeiro damos fim a este caso e depois veremos...O que eu sei é que no momento teu receio é outra coisa (rindo) E então? Pronta para conhecer D. Constância?

Manoela: Mesmo que não esteja... o Albertinho faz questão...

Filipa: Você deveria ficar feliz!... Se ele quer te apresentar à mãe... significa que as intenções dele são sérias...

Manoela: Estou feliz... mas isso não diminui em nada meu temor... Dizem que a Sra. Assunção é uma pessoa difícil de tratar...

Filipa: Vai dar tudo certo... vais ver!..

Enquanto as moças continuam com sua conversa, no Correio da República, a redação do jornal está em pleno funcionamento... repórteres são mandados à rua em busca de informações enquanto outros jornalistas e cronistas escrevem suas matérias e artigos.. Em sua sala, Guerra chama Jonas para realizar uma tarefa...

Guerra: Jonas... venha até aqui!..

Jonas (entrando): Pois não, Guerra...

Guerra: Vá até o Correio, por favor... Envie isto para a caixa postal do Paulo Lima... Quero parabeniza-lo pelo artigo de ontem... e convida-lo para conhecer a redação do jornal para o qual escreve...

Jonas: Será que irá aceitar?

Guerra: Espero que sim, meu caro amigo!... E agora vá num pé e volte noutro... que há muito trabalho para fazer por aqui...

Enquanto Jonas sai apressado do prédio do jornal em direção à agência de correio, Laura presta seu depoimento ao delegado Praxedes... Após ouvir tudo o que a professora tinha a depor, o policial conversa com o casal sobre os avanços do caso...

Laura: Delegado... já há alguma novidade?

Praxedes: Prendemos o tal Argemiro... Ele confessou após muita insistência que a ordem para soltar o balão partiu do foragido.. Fizemos uma busca no morro e encontramos os vasilhames que continham a querosene perto de um córrego...

Edgar: E as buscas ao Caniço? Como vão?

Praxedes: Mandei meus guardas por todos os confins dessa cidade e nada do meliante... Deve ter fugido para o interior... As delegacias foram avisadas... logo devemos captura-lo... Agora vou indo... Não posso ficar longe do departamento por muito tempo!...

Edgar: Eu o acompanho... também preciso sair... (voltando-se para Laura) Amor... não tenho ideia se consigo voltar para casa antes da tarde...

Laura: Eu sei meu bem... Não se preocupe...

Edgar: Cuide-se.... Até logo...

Enquanto o advogado ruma para a tecelagem, Laura também sai e encontra suas sócias no Teatro Alheira. Dali, o trio percorre várias livrarias e papelarias consultando valores para os materiais que vão necessitar para a instituição de ensino. Neste ínterim, na casa da Baronesa da Boa Vista, a própria está às voltas com os preparativos do chá que será servido à tarde...

Constância: Luzia... quero essa mesa perfeita!... Nada pode estar fora do lugar!... Quero causar a melhor impressão nessa moça... Não é sempre que Albertinho me apresenta uma pretendente... e pelo que me informei, seus pais pertencem a fina flor da sociedade coimbrense...

Luzia: Sim senhora... Que chá devo preparar?

Constância: Prepare um chá de frutas com um toque de canela... Combina mais com a estação... Vamos servir com petit fours...

Luzia: Petit o que?

Constância: Petit fours, Luzia... biscoitos amanteigados... Mas quero também alguns a salé... que são os salgados... Peça a cozinheira para preparar e também alguns macarons... Nem vou perder tempo em te explicar o que é... a Madalena sabe... Peça para fazer com recheio de chocolate e também com geleia... Ah sim... e também que prepare um bolo de laranja e pastéis de belém... E agora vá!... Temos muitos detalhes para organizar ainda...

Já na tecelagem Vieira, Edgar toma a direção do escritório. Abre a porta e depara-se com Fernando junto a mesa da presidência dando ordens a um subordinado sobre um lote de tecidos que estava apresentando problemas na confecção...

Fernando: Troquem o tear... o funcionário... seja lá o que for!.. Temos um prazo a ser cumprido e estamos desperdiçando matéria-prima... Esse tecido está com defeito!...

Edgar: Fernando.. preciso falar com você..

Fernando: Precisa ser realmente agora? Estou um tanto ocupado...

Edgar: Eu espero..

Fernando: Está bem... Fala!... (olhando para o funcionário) Pode se retirar...

Edgar (ao ver que o empregado já saíra) Fernando.. como você me explica que não há registros desse empréstimo que você fez?

Fernando: Edgar... eu te mostrei a confissão de dívida...

Edgar: Eu fui ao cartório... Esse carimbo é falso... nunca viram esse documento lá!...Anda... estou esperando uma explicação!

Fernando: Isso é um documento sigiloso!... Como teve acesso a esses papéis?

Edgar: Sou um advogado conhecido... mas isso não vem ao caso agora...

Fernando: Tem razão... isso não importa.. tanto quanto esse documento não é importante... O Humberto é meu amigo... Para ele minha palavra basta...

Edgar: Pare com essas mentiras! Eu falei com o Humberto... Sei que não te emprestou dinheiro algum...

Fernando: Isso não faz sentido... é uma fantasia sua...

Edgar: Fantasia é você pensar que pode dar um golpe na sua família...

Fernando: Não comece com dramas!... Essa família é uma farsa!... Você deveria saber que chantagem emocional não funciona comigo... Fora isso... a falta ou não de documentos não significa nada... você não tem nada contra mim.. Precisa de provas...

Edgar: Ah sim? Pois então, vamos acabar com essa farsa... Eu tenho provas...

Fernando: Isso é um blefe!... Edgar... pare com isso!... Eu vou chamar a segurança para te tirar daqui...

Edgar: Chama a segurança... pode chamar até a polícia...Acho até uma boa ideia... vai querer arriscar?

Fernando: Não, imagina... pode ficar... vamos conversar...

Edgar: Vamos... vamos conversar... Sr. Francisco... entre aqui por favor...

Sr. Francisco: Bom dia

Edgar: Sr. Francisco.. o senhor foi o motorista que conduziu o caminhão roubado... Confirma?

Sr. Francisco: Sim...

Edgar: E o caminhão saiu mais cedo do que o horário previsto no controle de saída da fábrica... Com ordem de quem?

Sr. Francisco: Não sei não senhor

Edgar: Sr. Francisco... ou o senhor colabora... ou será preso como cúmplice...

Sr. Francisco: Foi o Dr. Fernando.. ele disse para estar no porto cedo... Para não ter perigo de atrasar a entrega...

Edgar: Certo... pode se retirar... Então Fernando...eu sei que no dia do roubo da carga a ordem para saída do caminhão antes do horário partiu de você... Tenho testemunhas... E tenho o documento assinado por você atestando que o veículo saiu às 8:00hs.... Na delegacia consta que o roubo ocorreu às 6:00hs... Vai continuar negando?

Bonifácio (entrando com Margarida): É isso mesmo que ouvi? Esse moleque teve a petulância de dar um golpe no próprio pai? Eu vou te colocar na cadeia, seu desgraçado!

Margarida: Calma Bonifácio! Ele é seu filho...

Fernando: Sim... Mas como gostaria de não ser...

Bonifácio: Eu te mato!... Deixa só eu por minhas mãos em você!

Edgar: Parem vocês dois, que em matéria de moral, ambos se igualam! Soube que foi um contato do Sr. Bonifácio quem roubou a carga... O Fernando falou dias antes com ele... Confessa... Foi o Caniço que fez o serviço?

Margarida (tentando segurar o marido que agora tem por alvo o advogado): Chega! Sejamos objetivos! Bonifácio... se Fernando for preso, sei que não vais levar em consideração meus sentimentos como mãe... mas leve em consideração os negócios... O que acha que iria acontecer com essa tecelagem se o maior acionista fosse preso?

Edgar: A senhora tem razão, mãe... Fernando.... assuma o que fez e devolva as ações!

Bonifácio: Edgar... não seja ingênuo! Esse biltre nunca vai fazer isso!

Fernando: O senhor fala isso por conhecimento de causa, não? Pois essa seria a atitude que Bonifácio Vieira teria... E tem razão, meu querido pai... Não vou devolver!... Comprei as ações de modo absolutamente legal!

Bonifácio: Com dinheiro roubado! Com o meu dinheiro!

Margarida: Bonifácio... Se ele agiu assim foi por ter o seu exemplo... não esqueça disso!

Edgar: Mãe... isso não justifica! Eu tive os mesmos exemplos e não faria isso!

Fernando: Claro... você é o queridinho do papai!... Vocês não têm provas!

Bonifácio: Você acha que pode tudo, não é? Pois eu mando o seu contato se entregar... e do jeito que a polícia trata os pretos... ele não vai só confessar isso... Vai dizer até que ajudou a pregar Jesus na cruz!..

Fernando: Não sabia que o senhor tinha tanta intimidade com um marginal... ainda mais foragido por ter colocado fogo na escola da sua nora! Ou por acaso não lê jornais?

Edgar: Mas eu sabia! Tinha que ter seu dedo nessa história!

Fernando: Não sei do que está falando! Edgar... acha mesmo que seria capaz de fazer isso com Laura?

Edgar: Você eu não sei... mas sua noiva! Se você tiver algo com isso eu juro que posso ir para o inferno por fratricídio... Mas te levo junto!

Fernando: Ela não é mais minha noiva... não quero seus restos, meu irmão... posso conseguir coisa melhor!

Bonifácio: Ah sim! Nem imagino que coisa melhor vai arrumar! Estamos diante de um ser abjeto... desprezível...capaz de qualquer coisa!

Margarida: Bonifácio! Edgar! Chega! Fernando não seria capaz disso!

Edgar: Não vou discutir isso agora, mãe... Fernando a história do Humberto não se sustenta!... Ele é um advogado de início de carreira... Vive de mesada!...Como teria um valor tão alto para emprestar? E a família dele não iria querer se ver envolvida nisto!

Fernando: Por que não? Nem todas as famílias viram as costas para os filhos como a minha!

Margarida: Filho... devolve as ações para seu pai!... Você pode até fugir da cadeia... mas não do escândalo!... Faz isso por mim.... por favor...

Fernando (vendo que não há outra saída): Está bem minha mãe... Pela senhora... e para a senhora..mas transfiro as ações para seu nome... jamais para meu pai!... Prefiro a cadeia antes disso...

Edgar: É uma boa solução... ao menos o nome da família é preservado

Bonifácio: Maldito o dia em que Margarida te acolheu na nossa casa!

Fernando: Nisto concordamos!... Eu preferia ter vivido no esgoto a reconhecer que o esgoto corre por minhas veias...

Edgar: Chega com isto! Essa troca de insultos não leva a nada! Vou providenciar os papéis... Amanhã as ações estarão no nome da mamãe...

Fernando: Mais uma coisa... Quem vai administra-las, minha mãe, será qualquer pessoa... menos esse senhor... Do contrário... nada feito..

Bonifácio: Seu patife!

Edgar (segurando o pai): Tá tudo bem Fernando... Amanhã a mamãe decide quem vai administrar...

A discussão segue até chegarem a um consenso...O tempo passara... A tarde chega trazendo os primeiros pingos de chuva. Laura há pouco voltara para casa. Está na sala de refeições fazendo algumas anotações quando Gertrudes entra naquele comodo da residência...

Gertrudes: Menina Laura... não sei se atrapalho...

Laura: Pode falar Gertrudes... Algum problema?

Gertrudes: Não...apenas quero entregar essa carta... Quando fui à quitanda passei pelo correio.. Estava na caixa postal

Laura (pegando a carta e abrindo): Vamos ver... "Prezado Sr. Paulo Lima.. Venho através desta parabeniza-lo pela última matéria enviada. Devo dizer-lhe que é uma grande honra ter uma pessoa como o senhor escrevendo para nosso jornal. E espero poder contar com seus artigos por longa data. Aproveito para convida-lo a conhecer a redação do Correio da República. Quero ter a oportunidade de cumprimenta-lo e agradecer-lhe pessoalmente por ter escolhido este noticioso como veículo de suas matérias. Reiterando os votos de estima e consideração. Carlos Guerra" Oras... o que acha Gertrudes?

Gertrudes: Devo cumprimenta-la... Conseguiste arrancar elogios deste senhor!... Você pretende aceitar o convite?

Laura: Não sei... tenho receio... mas ao mesmo tempo... poderia ser uma boa oportunidade para descobrir algo...

Gertrudes: O que está tramando?

Laura: Vou arriscar algo... Chame um mensageiro enquanto escrevo algumas linhas...

Já na casa dos Assunção, Albertinho chega acompanhado de Manoela. Após as apresentações de praxe, o casal e a Baronesa conversam por algum tempo na sala de estar...

Constância: Seja bem vinda a esta casa Manoela.... É um prazer recebe-la... Por favor... sente-se..

Manoela: Obrigada. O prazer é meu..

Constância: Pena este mau tempo... E mesmo assim está abafado... O clima dos trópicos é implacável conosco!... Nestes momentos é que penso que deveria residir na Europa...

Manoela: Mas o clima europeu não deixa a desejar ao daqui..O inverno é muito rigoroso... Prefiro o clima daqui...

Albertinho: Bem... acho que ambos os continentes têm seus encantos...

Constância: Certamente meu filho... Manoela... Albertinho me comentou que és portuguesa... O que uma moça tão bonita veio fazer neste fim de mundo?

Manoela: Obrigada... Vim para cá a trabalho

Constância: A trabalho?

Manoela: Sim... sou advogada... Estou investigando um caso juntamente com minha sócia...

Constância: Advogada! Então deve ser daí que conhece Laura... Na verdade o Edgar..

Manoela: Bem na verdade, não conhecia nenhum deles... Minha sócia, Filipa, foi colega de faculdade do Dr. Vieira..

Constância: Acho que preciso me acostumar com essa modernidade... Sou de um tempo em que a mulher era responsável por cuidar do lar... Que tudo o que interessava a uma jovem como você era um bom casamento... Minha filha foi criada dessa maneira... mas insistiu em estudar... E agora tem essa ideia absurda de trabalhar fora... e ainda acha que vai conseguir conciliar tudo...casa... marido... filhos... e trabalho...

Manoela: Devo dizer que simpatizei com sua filha desde o momento que a vi... Compartilhamos das mesmas opiniões... Penso exatamente igual...

Albertinho: E eu penso da mesma forma minha mãe!... Acho que hoje as mulheres podem muito bem trabalhar fora e cuidar dos afazeres domésticos... (sorrindo para Manoela)

Constância: Bem... Manoela... cada pessoa tem suas visões de mundo... Não é por discordarmos em alguns pontos que não podemos ser amigas... (sorrindo) Venha... vamos passar para a sala de refeições... O chá nos espera...

Albertinho: Isso mesmo!.... Viemos aqui para isso...

O casal e baronesa seguem para a mesa de chá posta, muito bem decorada e com uma grande variedade de acompanhamentos. A conversa torna-se mais amena e com isto passa-se algum tempo. Neste ínterim, no Correio da República, Jonas entra estabanado na sala do editor chefe

Jonas: Guerra... Guerra... o Paulo Lima lhe mandou uma mensagem! Nem dispensei o rapaz caso você já queira responder...

Guerra: Fez bem Jonas!... Deixe ver o que ele diz... "Prezado Sr. Guerra. Obrigado pelas congratulações. Me sinto lisonjeado por ver meus artigos publicados por um jornal importante e que preza pela verdade e imparcialidade. Aceito de bom grado o convite feito, mas gostaria que um de seus jornalistas, a quem muito admiro, esteja presente. Quero trocar alguns pareceres a respeito de assuntos importantes com o Sr. Antonio Ferreira. Avise-me se é possível um encontro entre nós hoje mesmo. Aguardo uma resposta. Reitero minhas cordiais saudações. Paulo Lima".... E agora?... Onde vou encontrar o Edgar para responder essa mensagem?

Jonas: No escritório?

Guerra: Não... liguei antes e a secretária me disse que tinha saído ainda pela manhã... Mas lembro que me falou ontem que ia na tecelagem hoje... Vou tentar (pegando o telefone) Telefonista... Comunique-me com a tecelagem Vieira... (após alguns minutos e falar com o estafeta da tecelagem, que passa para Edgar) Alô... Edgar?

Edgar: Alô...Guerra? O que foi?

Guerra: Edgar... desculpe te chamar aí na tecelagem... mas preciso responder uma mensagem e dependo de você para isso...

Edgar: De mim?

Guerra: Sim... Convidei o Paulo Lima para conhecer a redação do jornal... Ele aceitou.. Pediu se pode ser hoje mesmo!...Mas ele pediu para o Antonio Ferreira estar presente... Quer conhece-lo...Disse que te admira e quer trocar algumas ideias... E então... posso marcar para hoje?

Edgar: Bem... também tenho curiosidade em conhece-lo... Pode marcar sim... A que horas?

Guerra: Pelas 20:00?

Edgar: Estarei aí... Até logo..

Guerra fica contente... Finalmente irá conhecer seu jornalista misterioso. Pega papel, caneta e tinteiro e escreve a confirmação da mensagem. Pede a Jonas para entregar ao rapaz e volta para suas atividades. Enquanto isto, na casa do advogado, Laura está brincando com as crianças no andar superior, quando lhe anunciam que tem visitas... Desce as escadas e fica feliz com quem vê em sua sala...

Laura (sorrindo) Tia Celinha! Que Surpresa boa (abraçando a tia)

Celinha: Oh minha menina! Sua mãe me contou o que aconteceu! Como estão vocês?

Laura: Melhor... Sente-se.. que bom que veio me visitar...

Celinha (sentando-se): E os pequenos como estão?

Laura: Estão bem agora... estão brincando lá encima...

Celinha: Depois quero ir ve-los também.. Como tudo isso aconteceu?

Laura: As crianças e eu ficamos presas na escola, tia... Quando percebi tudo estava queimando.. Por sorte conseguiram nos tirar de lá... Tenho muito a agradecer.... Se não fosse o Zé Maria, o Chico e o Edgar... não sei o que teria acontecido... tenho que agradecer a muita gente... inclusive ao Guerra... Foi ele quem me aplicou os primeiros socorros...

Celinha (entristecida): O Carlos..

Laura: O que foi tia? Pelo que havia entendido, desde que a senhora voltou para o Rio de Janeiro, vocês voltaram a se encontrar... O Edgar me falou que vocês retomaram o namoro...

Celinha: Sim Laura... e vim até você por isso!...Não sei o que fazer!... Ele me propôs um namoro longo...Como sei que é uma mulher moderna... que não segue as imposições da sociedade...quero seu conselho... Estou cansada de fazer tudo o que sua mãe e a Carlota me dizem...

Laura: Mas tia... o que a senhora quer fazer?

Celinha: Queria ter sua força... mandar minhas irmãs às favas e ficar com o Carlos do jeito que fosse!... Já não sou uma mocinha para ficar esperando tanto tempo!

Laura (admirada): Olha... tia Celinha!

Celinha: Eu não disse isso...

Laura: Disse!... E não tem problema nenhum...

Celinha: Claro que tem!... Eu sou uma mulher séria...

Laura: Eu também sou!... Tia, pare um pouco de pensar nas convenções.. nas coisas que minha mãe lhe diz... Pense em ser feliz!... A senhora ama o Guerra, não?

Celinha: Amo Laura...

Laura: Quer ficar com ele...

Celinha: Sim

Laura: Então... diga isso a ele!...Conversa!... Mas longe da minha tia e da baronesa...

Celinha: Você não se escandaliza com nada...

Gertrudes (entrando): Menina Laura... Desculpe... não sabia que estava acompanhada...

Celinha: Gertrudes... não há do que se desculpar... Eu sou de casa!...

Laura: Pois não Gertrudes... pode falar...

Gertrudes: O rapaz voltou com a resposta.... E o Dr. Vieira ligou dizendo que vai se atrasar e só voltará para casa à noite...

Laura (sorrindo): Obrigada Gertrudes... por favor... serve um café para nós duas...

A professora abre a mensagem e lê sem cerimônias diante da tia. Sorri... finalmente vai poder esclarecer isso... Vai desvendar mais um dos segredos do marido... Olha para Celinha e uma ideia lhe passa pela mente... Isso pode resolver duas situações ao mesmo tempo...

Laura: Tia... preciso de um favor seu... É muito importante... e talvez seja uma forma de resolver suas dúvidas também...

Celinha: Pois diga... O que precisa de mim?

Laura: Tia... preciso conversar com uma pessoa que vai estar na redação do Correio da República hoje à noite... e o Guerra vai estar lá... Só que não gostaria que ele me visse...

Celinha: Laura! Isso não é certo! Você é uma mulher casada!

Laura: Eu sei! Mas a pessoa que vou encontrar é justamente meu marido.. O Edgar está me escondendo algo... e hoje como sei que vai estar na redação... vou esclarecer isso!

Celinha: Filha... não vá se meter em confusão...

Laura: Não vou tia!... O que o Edgar me esconde é algo maravilhoso... Só preciso entender por que não me conta...

Celinha: Então você sabe o que é? Só que ele não sabe que você já está ciente? Isso?

Laura: Sim...

Celinha: Está bem... O que quer que eu faça?

Laura: Que saia com o Guerra hoje à noite... Aí vocês já aproveitam e conversam...

Celinha: Bem.. é uma boa ideia... Só espero que ele não me ache muito ousada... Ficar chamando ele assim... para sair...

Laura: Não se preocupe... Vou te dizer como vamos agir...

Laura e Celinha conversam sobre o que irão fazer e após decidirem aguardam o tempo passar distraindo-se com as crianças e organizando o que precisam para a execução de seu plano. A noite chega...A chuva que começara a cair logo à tarde ainda não cessara, sendo que em alguns pontos da cidade se torna impraticável a saída às ruas... É o que ocorre na localidade onde reside o Dr. Assunção. A chuva cai com força e sem dar trégua. Constância olha pela vidraça para a rua, já começando a alagar-se...

Constância: Esta chuva... não me parece que irá cessar tão cedo...

Manoela: Bem.. devo ir agora.. antes que não consiga mais passar por estas ruas!... O chá estava divino D. Constância!... A senhora sabe recepcionar seus convivas como ninguém..

Constância: Muito obrigada, minha querida!... E espero que este seja o primeiro de muitos chás que virá tomar aqui em minha casa... Tomara que no próximo possamos contar com Laura, minhas irmãs e com sua amiga... Quero muito conhece-la também...

Manoela: Tenho certeza que será um dia muito agradável para todas nós... Você me leva Albertinho?

Albertinho: Claro...

Constância: Manoela... se me permite dar uma opinião... a chuva está muito intensa... Espere estiar...

Manoela: A senhora mesma disse que essa chuva não vai cessar logo...

Constância: Então fique conosco... pernoite aqui...

Manoela: Obrigada... mas acho que não fica bem..

Albertinho: Aceite Manu!.. Não sabemos o estado em que estão as ruas aqui ao redor...

Constância: Sim... você pode dormir no antigo quarto de Laura... Vou pedir para Luzia prepara-lo para você...

Manoela: Bem... já que insistem... obrigada!... Só preciso avisar a Filipa... ela pode se preocupar..

Constância: Faça isso!... Amanhã quando o tempo estiver melhor... o Albertinho te leva para o hotel...

Enquanto Constância toma as devidas providências para instalar a hospede de emergência, na Redação do Correio da República, Guerra e Edgar conversam sobre os infortúnios daquele dia enquanto aguardam a presença do misterioso jornalista Paulo Lima...

Edgar: E é isto Guerra... Fernando acabou por aceitar repassar as ações para minha mãe para não haver um escândalo...

Guerra: Mas do que isso vai adiantar? Seus pais são casados com comunhão de bens... Se as ações são passadas para sua mãe... serão do seu pai também...

Edgar: Eu sei... Acho que Fernando não se ateve a esse detalhe... e espero que ninguém o lembre disso!... Amanhã vou providenciar os papéis... e ver quem vai administrar a empresa... Seja quem for... vou convencer a fazer uma auditoria... É preciso ver em que situação está tudo por lá...

Nisto batem a porta... Guerra vai atender... Surpreende-se ao ver Celinha ali...

Celinha: Olá Carlos...

Guerra: Oi Célia... Não te esperava aqui

Celinha: Preciso conversar com você...

Guerra: Agora?

Celinha: Sim... Algum problema? Vejo que o Edgar está com você...

Guerra: Na verdade estamos esperando um jornalista... Mas deve ser algo urgente... para ter vindo me procurar a esta hora e com este tempo...

Celinha: Sim... Não se importa em me acompanhar? É particular...

Guerra: Claro... só vou avisar o Edgar que vou sair... Aguarde um momento..

O jornalista volta ao escritório e fala com Edgar.. Diz que precisa sair por um imprevisto...

Guerra: Edgar... vou ter de me ausentar... Preciso resolver um assunto urgente... Por favor... recebe o Paulo Lima e faz as honras do jornal!... Depois me conte como foi tudo..

Edgar: Que maçada Guerra!... Está bem.. Eu falo com o sujeito sozinho...

Guerra: Feche a porta quando sair!.. Até mais...

Edgar fica só na sala do editor do Correio da República. Guerra e Célia saem do prédio e atravessam a rua correndo, tentando fugir da chuva que novamente começa a cair. Laura vê o casal indo em direção ao Bar Guimarães e toma a direção do noticioso. Sobe as escadas da forma mais silenciosa possível.. Sente seu coração disparado e numa tentativa de acalmar-se segura com força as pastas que traz consigo contra o peito... Vê através dos vidros que compõem a sala de Guerra que Edgar está lá.. sentado sobre a mesa... lendo algo muito compenetrado... Entra sem fazer ruído...

Laura: Boa noite

Edgar (assustado): Boa noite... Laura? Amor... o que faz aqui?

Laura: Vim conversar com você, Edgar Vieira... Ou aqui devo chama-lo Antonio Ferreira?


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