O Vazio escrita por Liminne


Capítulo 1
Capítulo 1




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O sol estava se pondo e andávamos nas ruas. Sim. Andávamos. Eu e uns parceiros. Não que fossem meus amigos ou importantes para mim. Eram só uns caras quase tão estranhos quanto eu, como costumam dizer. Tsc! Só porque não ligamos para o que a porra da sociedade impõe. Estamos sempre fugindo da escola (existe algo mais inútil?) e andando sem rumo por aí, atrás de diversão. Mas naquela tarde, as coisas estavam paradas. Parecia que os bons meninos estavam obedecendo ao papai, à mamãe e às regras, com a bunda colada em uma carteira escolar idiota ou voltando direto para casa, como fracos imbecis, só porque os outros esperam que eles o façam.
Todos menos aquele.
Nnoitora e Ulquiorra juram que havia dois. Mas não. Eu só vi um. E ele tinha os cabelos ruivos mais ofuscantes do mundo. E um olhar que me revirava o estômago. De ódio. De nojo. De uma curiosidade impulsiva, misteriosa e incontrolável. Por algum motivo, eu não conseguia tirar os meus olhos dele.
Havia uma gangue. E eles estavam partindo para valer para cima do ruivo. Mas ele nem sonhava em estar perdendo. Não. Mesmo contra uns cinco caras ao mesmo tempo. Seus golpes eram certeiros. Eram firmes. Soavam como ensaiados. Porque o olhar... O olhar dele demonstrava aquele tédio. Transbordava um desprezo... Como se aquilo fosse pouco para ele. Ainda quando mais alguns se juntaram para atacá-lo e conseguiram arrancar sangue de sua testa. Ele não se abalou. Seu rosto, com exceção de suas sobrancelhas, continuava calmamente liso. Inexpressivo. Como se ele dissesse, mesmo sem abrir a boca, que ninguém ali era páreo para ele. E que ele estava entediado com todos aqueles movimentos fracos. Como se ele estivesse apenas esperando o sol desaparecer para acabar de vez com eles. Como se aquele fosse o final óbvio da história.
E foi exatamente o que aconteceu. Um bando de caras caídos no chão, metade deles inconscientes. E o garoto de olhos castanhos vazios, arrumando a roupa e estancando rapidamente o sangue que manchava o cabelo.
Lembro de ter aberto a minha boca. Lembro de ter engasgado com as palavras e em seguida rangido os dentes. Meu estômago continuava se revirando revoltado. Eu me sentia enjoado. De vê-lo. De presenciá-lo. De ter memorizado aqueles olhos arrogantes.
Lembro que, antes que eu pudesse acalmar meu sangue fervilhante, ele desapareceu. Sem deixar rastros. Sem deixar um mísero pingo do próprio sangue.
- Quem é ele? – as palavras saíram arranhadas da minha boca inevitavelmente.
- É só mais um encrenqueiro. – Ulquiorra respondeu cansado e deu as costas.
Como ele podia simplesmente ir embora depois daquilo?!
- Quem é ele?! – eu insisti dessa vez com um tom mais incisivo.
- Quer confrontá-lo Grimmjow? – Nnoitora sorriu como se esperasse que eu tivesse pensado no mesmo que ele.
- Eu só quero saber quem é. – eu disse estranhando minha própria reação.
Ulquiorra suspirou entediado.
- Se está tão interessado assim, vamos pesquisar. – me encarou. – O moreno ou o ruivo?
Eu arqueei uma sobrancelha. Então dirigi meu olhar para os outros, esperando que eles estivessem segurando o riso. Mas não. Eles olhavam do mesmo modo interrogativo que o morto-vivo do Ulquiorra.
- Merda. – praguejei irritado. Só havia o garoto ruivo, certo? – Vamos pesquisar sobre ele.

****

Descobrimos pouco sobre ele. Apenas que é alvo de muitos dos delinqüentes da cidade e que aparentemente anda com um moreno grandalhão e quase mudo.
Era de se esperar que eu esquecesse isso em alguns dias. Mas, estranhamente, eu só consegui ficar mais e mais obcecado com ele... O ruivo dos olhos vazios.
Então, resolvi investigar por mim mesmo a única pista que eu tinha: o uniforme.
E aí dei um jeito de me afastar dos caras e me infiltrar naquele maldito colégio, como um estudante besta qualquer.
Não falei nada sobre isso com o pessoal. Não estava nem um pouco a fim de dar satisfações da minha decisão para ninguém. Para ser sincero, nem para mim mesmo.
Cheguei então naquele lugar horroroso. A porra da gravata já estava começando a me irritar e eu nem tinha alcançado a sala de aula ainda. Afrouxei-a no pescoço e respirei. Onde mais aquela curiosidade louca me levaria?
Os burburinhos de repente começaram a zumbir nos meus ouvidos. As pessoas apontavam. As garotas se afastavam com medo e os garotos tremiam nas bases. Eu sorri. Pelo menos eu ainda não tinha arruinado a minha postura imponente. A reação dos babacas acabou me encorajando a ir em frente.
Cheguei finalmente à sala de aula. Na mesma hora que abri a porta, duas menininhas frescas pularam para longe e os caras tomaram uma postura defensiva e desconfiada. Dava para ler o medo naquelas expressões. Ótimo. Eu ia poder mandar no que quisesse. Começando por aonde eu iria me sentar.
Foi então que eu o notei.
Na hora, não sei o que me deu. Mas o meu coração deu um pulo estranho. Era ele. Só ele mesmo para me causar aquela sensação odiosa. Só pelo simples fato de vê-lo.
Ele estava distraído olhando pela janela. O queixo apoiado na mão e o olhar mudo, daquele jeito tão repugnante. E aí, subitamente, ele virou o rosto em minha direção. Eu me apressei em lançar de volta o meu olhar mais feroz. Daqueles que fariam qualquer valentão correr para a mamãe.
Mas só o que consegui em troca foi o virar do rosto dele. Viadinho miserável.
Ele parecia nem ao menos ter notado a minha presença!
Puxei a cadeira atrás da dele e me sentei bufando. Meu dia não poderia ter começado pior. Eu estava morrendo de vontade de quebrar a cara dele!
A professora chegou na sala e pediu para que eu levantasse e me apresentasse. É lógico que eu dispensei aquela viadagem só com uma encarada.

****

Durante a aula eu observei. Só observei. Ele passou a metade do tempo naquela mesma posição, a mão segurando o queixo enfadadamente. Mas mesmo com a expressão sonolenta, ele esteve prestando atenção em tudo o que a professora ensinava. E não me pareceu um mau aluno. Quero dizer... Ele até ajudou um dos seus colegas (muito chato e escandaloso, por sinal) com uma daquelas questões impossíveis de matemática, física, ou sei lá o que era. E também foi educado quando uma garota falou com ele. Para um delinqüente metido até que ele estava parecendo bonzinho demais. O que só aumentou a minha repulsa por ele. Onde estava a alma daquela pessoa? Ele é um jovem, porra! Mas se arrasta por tudo como um velho desgostoso. Quando estuda, quando fala, quando anda... Até quando está numa briga! Por que é que ele é sempre tão... Indiferente? Ele existe, mas não mostra sua presença. E por que diabos aquilo estava me incomodando tanto?!
Hora do almoço. Até que enfim uma notícia boa. Já estava sentindo um buraco no estômago.

****

Kurosaki Ichigo.
Há! Kurosaki Ichigo é o nome dele. Eu jamais admitiria ter um nome feminino desses! Mas como ele não liga para nada mesmo...
Descobri quando passei os olhos pelo caderno dele. Lá estava a identificação. Agora eu podia chamá-lo. Acho que até o meu estômago podia esperar mais um pouquinho.
- E aí, delinqüente? – eu chamei no corredor.
Ele virou-se lentamente para mim e apertou os olhos.
Ohh! Uma reação!
- Não. – ele disse. – Eu não vou participar da sua gangue e também não vou brigar de graça. – e voltou para o seu caminho.
Eu ri. Ele não ia escapar tão facilmente.
- Kurosaki Ichigo. – eu tentei de novo, debochando descaradamente do nome de frutinha dele.
E ele voltou-se para mim, parecendo um pouco mais puto. Muito bom!
- Tem ouvido falar muito de mim? – ele perguntou num tom azedo.
- Eu sento atrás de você, idiota! – eu disse irado. – Não fique se achando o rei da cocada, garoto! – estiquei o braço e peguei no queixo dele. Abaixei-o. Quem ele pensava que era para erguer o rosto para mim?
- O que você quer comigo? – ele cruzou os braços e ficou me olhando como se estivesse acostumado com esse tipo de abordagem.
- Uau! – enfiei as mãos nos bolsos da calça e sorri de modo sarcástico. – Vocês são bem calorosos com os novatos por aqui, hein?
- Ah, você é novo aqui? – ele perguntou e eu demorei tentando decifrar sua expressão. No fim, não consegui descobrir se ele estava falando sério ou tirando uma com a minha cara. – Me desculpe, não costumo perceber esse tipo de coisa. – deu as costas e levantou a mão em um aceno rápido. – Procure alguém mais sociável!
Aquilo quase me tirou do controle! Eu juro que me vi pulando no pescoço dele e fazendo-o engolir à força todos aqueles desaforos.
Será que existia alguém mais detestável no mundo?
Eu não ia deixar barato. Ia descobrir tudo sobre ele e acabar com a sua raça como nunca havia feito com ninguém!
Eu o segui. De repente até a minha fome desaparecera completamente. Ele comprou alguma coisa no refeitório e foi andando na direção das escadas para o terraço. Esperei que ele subisse alguns degraus e tomasse certa distância para ir atrás.
Ouvia seus passos batendo a cada degrau. E de vez em quando ele parava. Como se soubesse que eu estava ali, ou pelo menos desconfiasse. Mas nunca se designava a virar-se para me encarar. Desgraçado!
Da última vez que ele parou, já no alto da escada e de frente para a porta do terraço, resolveu dar o braço a torcer.
Virou-se para mim, me encarando com uma chateação decepcionante. Eu esperava um pouco mais de ira naquele olhar. Mas dava para o gasto por enquanto.
- O que você quer comigo? – ele repetiu a pergunta de antes, mas agora falava pausadamente, quase como uma tentativa de ameaça. Ou talvez só quisesse muito se livrar de mim, já que eu estava mudando a rotina de merda dele.
Eu não respondi. Fiquei um tempo fitando os olhos dele. Pareciam, de algum modo, diferentes no escuro. Não sei por que.
Não lembro se eu estava sorrindo naquele momento.
- Eu já disse que não estou interessado em confusão e muito menos em enturmar um novato. Por que não escolhe outra pessoa? Está cheio de outros encrenqueiros e pessoas simpáticas para te mostrar a escola.
Ele estava tagarelando. Eu mal absorvi suas palavras. Já tinha entendido o que ele queria dizer. Não estava nem um pouco interessado, no que quer que fosse. Ele achava que eu era só mais um novato idiota.
Eu ia fazê-lo mudar de idéia.
Subi o resto dos degraus em silêncio e alcancei-o. Espalmei uma de minhas mãos na porta e encurralei-o. Agora eram os olhos vagos dele contra os meus transbordantes.
- Quem você pensa que é, Ichigo? – perguntei com a voz rouca e intensa. Intensamente irada. E, óbvio, não me esqueci de enchê-la de deboche mais uma vez ao pronunciar o nome dele.
Os olhos dele encontraram diretamente os meus. Ele tentou se mexer e livrar-se de mim. Mas eu tratei de prendê-lo com o outro braço.
- Quem é você? – ele perguntou com um tom mais baixo. – O que você quer e por que é que não para de me seguir? – pelo visto tinha desistido de fugir de mim.
E agora estava interessado em quem eu era.
Aquilo me animou inexplicavelmente.
- Grimmjow Jeaggerjaques. – respondi a primeira pergunta dele fazendo questão de mostrar todos os dentes. – E o que eu quero é saber qual é a sua.
Ele pareceu confuso por alguns segundos. Sua respiração mudou o ritmo e suas sobrancelhas abaixaram-se mais do que o habitual. Os olhos castanhos no escuro pareciam mais claros, quase dourados.
Até que enfim! Eu o havia surpreendido!
- Me solta! – ele resolveu continuar pelo caminho errado. Se mexeu para que eu o libertasse, e como deixei claro que não pretendia me mover, ele fez menção de abaixar-se para escapar por baixo dos meu braços.
- Você não me respondeu! – eu sentia a adrenalina correr loucamente pela minha espinha e antes que pudesse pensar, o tinha imprensado contra a porta pesada de metal. Eu não podia deixá-lo ir. Simplesmente não podia!
- O-o que você está fazendo?! – ele protestou contra a minha aproximação inesperada. Chegou a colocar uma das mãos no meu peito para me afastar. Mas, sem que nem eu mesmo entendesse o motivo, não estava a fim de facilitar para ele. Não ia ser empurrado para longe de jeito nenhum.
- I-Ichigo... – ouvi uma voz atrás de mim e virei a cabeça atordoado. Era como se eu tivesse esquecido por um tempo que estávamos na escola e que tinha mais gente por ali. – O-o que... – o garoto ficou mais atordoado que eu, com certeza. Ei! Não era aquele escandaloso da aula? – O que... É isso? - ele conseguiu terminar a pergunta finalmente. Seus olhos estavam tão esbugalhados que parecia que ele tinha acabado de ver um assassinato. Tsc. Esses filhos de mamãe.
E foi então que eu percebi que havia baixado a minha guarda. E Ichigo tinha conseguido fugir.
Merda, merda, merda!
- Keigo! – ele agora estava de costas pra mim, tentando explicar a situação para o garoto idiota de cabelos castanhos. – N-não é... N-não é o que você está pensando!
- Tudo bem, Ichigo... – ele começou a descer os degraus de costas, bem devagar. – Eu... Eu vou almoçar no refeitório hoje, tudo bem? Er... Nos vemos na aula... – e, de repente, saiu correndo!
O ruivo voltou-se lentamente para mim. E eu pude ver naqueles olhos entediados, uma pequena chama. Ele comprimiu os lábios como se estivesse reprimindo alguma reação. E então seus olhos desviaram-se do meu rosto e ele passou por mim com passos duros. Alcançou a porta, abriu-a e desapareceu.
A situação foi tão tensa que até eu demorei a me mexer depois que a porta bateu.

****

Acabei almoçando sozinho em algum lugar qualquer do colégio. Achei melhor manter distância dele por enquanto. Eu queria pensar no que acontecera.
Eu estava lá, na escadaria para o terraço, pressionando o ruivo misterioso na porta. Eu só não queria que ele fosse embora. Eu só não queria que ele me ignorasse de novo, porra! O que é que tinha de mais nisso? Por que é que aquele tal de Keigo ficou com aquela cara de babaca olhando pra gente? E por que aquilo deixou o Ichigo puto?
E mais importante... Por que eu estava sorrindo me lembrando da cara de irritadinho dele? Eu estava até perdendo a fome... Meu estômago definitivamente não parecia mais o mesmo. Desde que o vi naquele dia...
Que merda é essa que está acontecendo? Eu o odeio tanto assim? Então, se eu o odeio, por que é que fico seguindo-o e nunca o encho de porrada?
Ah, claro. Porque dessa vez é diferente. Dessa vez eu quero me superar, certo? Ele é um adversário de peso e eu preciso descobrir o seu segredo. Só isso. É só isso, desde o começo.
O intervalo acabou e eu me levantei. Melhor não ficar pensando demais, isso sempre traz problemas. Não podia me desviar do meu objetivo.
A primeira coisa que eu tinha que fazer, era acabar com a arrogância dele. Fazê-lo perder a calma. É. Isso ia ser fácil e muito divertido.

****

Voltei para aquele tédio de aula. Acabei cochilando um pouco no finalzinho, e acordei com o barulho dos outros alunos arrastando as cadeiras para ir embora.
Bocejei demoradamente pensando que eu tinha perdido alguma coisa, com certeza. Mas me senti aliviado quando vi que Ichigo ainda estava ali, colocando os livros e cadernos em ordem.
Tsc. O que eu poderia ter perdido? Aquela baranga da professora falando coisas que nem parecem ser do meu idioma e todo mundo com cara de bunda olhando?
Ichigo levantou-se e, quando estava no meio do seu caminho, aquele imbecil do Keigo parou-o. Então eu despertei totalmente. Será que ele ia falar sobre o que aconteceu?! Apurei os ouvidos. Mas com todas aquelas garotas histéricas falando estava muito difícil de ouvir!
Resolvi então me concentrar nas expressões. Dava para ver metade do rosto de Ichigo. E também dava para ver que Keigo não estava se sentindo tão à vontade com ele como no início do dia.
Agora Ichigo estava falando. Se eu não me engano, seu rosto estava corando. Por quê?! Bem, eu não fazia idéia... Então de repente ele era um garoto tímido também? Que adorável!
Ele balançava a cabeça devagar e tentava falar com o semblante calmo. Mas os punhos se apertavam. E seu rosto ficava mais vermelho a cada segundo.
Até que ele perdeu a calma e começou a transparecer a agitação. Sim. Ele estava agitado, perturbado. Mas por que, inferno? Qual o motivo de tanta frescura?!
Foi então que Keigo deu um berro:
- MAS VOCÊ ESTAVA ENCOSTADO NA PAREDE COM O ALUNO NOVO, ICHIGO! O QUE VOCÊ QUERIA QUE EU PENSASSE?
E então, todos no recinto se calaram e viraram as cabeças para os dois. E em seguida, para mim.
Agora ele tinha fodido com tudo.
Ichigo aproveitou a deixa de quando se focaram em mim para ir embora. Ele foi tão rápido que eu nem pude acompanhá-lo.
Agora as coisas tinham esquentado de verdade!

****

Eu fui para o colégio de novo no dia seguinte. Estava ansioso, mas acordar àquela hora da manhã era foda.
E usar aquela gravata irritante também.
Enfim... Quando estava andando pelo corredor mais dormindo do que acordado, senti uma mão no meu ombro e virei.
Era ele. Era o Ichigo! E seus olhos estavam tão furiosos que nem parecia a mesma pessoa entediada de sempre.
O que ele queria comigo?
Antes que eu pudesse impedir, meu estômago começou a revirar meu café da manhã. Porra de sensação horrorosa que não me deixava em paz!
- Grimmjow. – ele falou o meu nome! – Precisamos conversar sobre uma coisa.
Seu tom não parecia amigável, mas também não estava a ponto de me chamar pra briga. Eu meio que já sabia o que ele queria, mas não custava nada ouvi-lo. Afinal, era para isso que eu estava ali. Para descobrir tudo sobre ele.
- A gente se vê na escada de novo, na hora do intervalo. – eu sorri. Há! Foi a melhor provocação que eu poderia ter feito. O rosto dele mudou na hora, ficou todo vermelho.
- De jeito nenhum! – a voz dele subiu. Eu tinha conseguido mexer com alguma coisa nele, pelo menos. – Nós vamos falar sobre isso agora! – me olhou significativamente e saiu andando, se misturando com as pessoas que pareciam ter brotado ao nosso redor de repente.
Entendi como se ele não quisesse chamar atenção. E então o segui para onde quer que ele estivesse indo.
Chegamos a uma parte vazia do colégio, uma espécie de gramado com algumas árvores. O mesmo lugar onde eu almocei sozinho no dia anterior.
Ele demorou a dizer qualquer coisa. Ficava olhando para os lados, como se estivesse conferindo que não havia ninguém. Ou talvez só estivesse ganhando tempo para organizar o que queria dizer. Não sei. A única coisa que dava para ter certeza era que o rosto dele estava se colorindo o tempo todo.
- O que foi que aconteceu ontem? – ele perguntou de repente e eu me senti despreparado. – Não, esquece! – balançou a cabeça confuso. – Eu não quero saber! – disse com ênfase, mas parecia estar falando consigo mesmo.
Ele não olhava para mim.
- O que você quer então? – eu enfiei as mãos nos bolsos da calça e sorri pacientemente. De algum modo, a mudança de expressões e cores no rosto dele estava me divertindo.
Quero dizer... Ele estava reagindo! Ele estava vivo mesmo, não era um robô nem nada assim! Ficava feliz em saber disso.
Do nada, ele resolveu me encarar com força.
- O Keigo ontem veio me perguntar se... – e, de repente, sua força evaporou e ele ficou parecendo tão perdido e tão inseguro, que me deu vontade de rir. Seu rosto estava fervendo, dava para perceber sem nem tocar. – Se... – ele tentou de novo, apertando os punhos ao lado do corpo. Mas era inútil. Ele estava travando.
Esperei que ele respirasse fundo e passasse a mão pelos cabelos ruivos. Notei então que ele estava tremendo um pouquinho.
Quem diria!
- Ele veio me perguntar se você e eu estávamos... – ele gritou, como se quisesse que aquilo saísse de uma vez só, mas não conseguiu terminar a frase. – Droga, você sabe o que eu quero dizer!
Eu não agüentei. Que garoto mais esquisito ele era. Devia ter quinze, dezesseis anos e não conseguia completar aquela simples frase? Depois de parecer tão valentão lutando contra cinco caras ao mesmo tempo? Tive que rir. Não... Gargalhar!
Então o olhar dele mudou. Agora parecia estar achando que eu era uma aberração ou algo assim. Parecia assustado e incrédulo ao mesmo tempo.
- Você está rindo?! – ele perguntou de um jeito que parecia que eu estava partindo uma pessoa em duas ali e não simplesmente achando graça de alguma coisa nele. – Qual é o seu problema?! – ele estava indignado.
Eu não podia estar mais contente! Onde estava a superioridade dele agora?
Não importava o jeito como ele estava me olhando. Eu não conseguia parar de rir.
- Não dá pra entender você, garoto! – eu disse finalmente, olhando o rosto aparvalhado dele. Queria dizer mais. Queria dizer que ele era uma contradição e que eu só queria desvendá-lo. Mas não consegui. Ele estava corando de novo. E aquilo estava me atingindo de um jeito engraçado.
- Eu devia saber! – ele deu alguns passos atrás, como se estivesse se defendendo. – Era exatamente o que você queria, não era? – já estava quase roxo de tão corado. – Era... E-era... Era por isso que você estava me perseguindo!
O que ele estava pensando?!
Avancei alguns passos e estiquei o braço para fazê-lo parar. Mas ele afastou minha mão com um tapa.
- Não toque em mim! Não se aproxime! – ele estava com medo?! – Eu não quero nada com você, entendeu?! Nada! Fique longe de mim! Nunca mais chegue perto de novo!
- Que chilique! – eu me aborreci. Por acaso ele não estava pensando que eu queria tipo... Agarrar ele ou algo assim, né? Quero dizer... Eu não ia fazer isso! Isso não tinha passado pela minha cabeça! Porra! – Você está com medo de que? Eu não vou te agarrar! – ele me olhava desconfiado. – Ou você só está preocupado com o que vão pensar de você, hein? Por que com esse seu nome de frutinha você não me engana! – me aproximei mais.
Não queria saber se ele ia me afastar ou se ele não me queria por perto. Eu não ia desistir. Seja lá do que fosse! Mas ele não podia me rejeitar daquele jeito!
- Não é uma coisa comum sair... – ele demorou a desengasgar o resto da frase. - Encostando as pessoas na porta daquele jeito! – terminou azedo. – E não é problema seu se eu me preocupo ou não com o que vão pensar de mim! Você não sabe de nada! Só me deixe em paz, okay?!
Aquilo me machucou. Ele tinha razão. Eu não sabia de nada.
Mas eu queria tanto saber!
Por que é que eu tinha parado de andar de repente e estava sentindo um gosto tão amargo na boca?
Quando ele percebeu que eu não ia mais me mexer, saiu apressado para a escola. Afinal, a aula já até devia ter começado.
E ele ia preferir qualquer outra coisa às pessoas dizendo que ele estava comigo!

****

Eu comecei a me dedicar. Eu ia entender. Eu ia saber tudo sobre ele e ninguém podia me impedir disso. Nem mesmo ele.
Durante toda a semana acordei naquele horário infernal e continuei sentando atrás dele nas aulas. E observando-o durante o intervalo. E seguindo-o quando ele ia para casa.
Os caras com quem eu costumava andar começaram a me perguntar o que estava acontecendo e por que eu tinha sumido. Mas eu nunca sabia o que responder. Quero dizer... Eu sempre dizia a verdade, nunca tinha nada a esconder. Mas dessa vez... Acho que nem eu mesmo sabia.
Eu podia dizer que estava apenas pesquisando sobre o cara que vi lutar daquele jeito tão fraco e ao mesmo tempo tão forte naquela tarde. Para que pudesse confrontá-lo, vencê-lo e ter uma das melhores lutas da minha juventude. Mas eu sabia que não era só isso. Eu sabia que, a cada dia que passava, eu ia esquecendo mais e mais sobre meus propósitos iniciais.
Eu quis irritá-lo e fazer com que ele parecesse inferior. E eu consegui. Mas aquilo não foi o bastante para mim.
Agora eu não queria mais estudá-lo. Eu queria conhecê-lo. Eu queria compreendê-lo de verdade. Mas jamais saberia explicar o motivo desse interesse estúpido.
E então, com todo o meu esforço, fui descobrindo lentamente as coisas. Sem precisar que ele dirigisse a palavra a mim.
No início pensei que ele era a espécie mais estranha de delinqüente que eu já havia visto. Primeiro porque, mesmo negando, ele se importava com a opinião alheia. E depois porque ele era todo perfeitinho! É! Ele era um bom aluno, um bom filho, um bom amigo, uma boa pessoa... Quero dizer, que tipo de delinqüente tira uma nota alta em um teste surpresa? Que tipo de delinqüente chega em casa todos os dias antes das sete da noite? Que tipo de delinqüente sempre ajuda os amigos com qualquer coisa que precisem, e não só os amigos, mas também pessoas com quem ele nem fala direito?
Então, em um dos dias que o seguia para casa, um bando de caras parecendo mais velhos o parou na calçada. Ele e o amigo inseparável dele, o famoso grandalhão mudo. Provocaram ele e depois os cercaram. Eles estavam dizendo quase a mesma coisa que eu pensei no início: que ele estava se achando superior. E eu me senti mal com aquilo, sem entender direito o por quê. Em seguida, começaram a implicar com o cabelo laranja dele. Sem parar. E, pela sua expressão, ele já estava cheio de ouvir aquelas coisas. E então o atacaram. E ele não teve escolha senão revidar.
E eu fiquei observando enquanto eles brigavam. E tirei a conclusão de que eu estava completamente errado a respeito de Ichigo. Ele não era um delinqüente. Nada disso. Ele só tentava se defender das pessoas que o incomodavam. E ele não era arrogante e nem se achava mais do que os outros. Ele só era um incompreendido.
Com o passar de pouco mais de uma semana, eu sabia tudo sobre Kurosaki Ichigo. Sabia que ele zelava por sua imagem e era uma um bom garoto com todos ao seu redor. Mesmo que não gostasse de demonstrar, se importava com os outros. E mesmo que todos os interpretassem mal, ele continuava vivendo daquele jeito. Só reagindo quando alguém o obrigava a fazê-lo. Mas não importava o quão gentil ou dedicado ele fosse. O que prevalecia era a verdade que as pessoas haviam criado sobre ele. E aquilo o machucava. Mas mesmo assim, ele não fazia nada contra isso. Nada!
Ou seja... Eu sabia tudo sobre ele... Mas não sabia nenhum motivo. Não sabia por que ele era assim. Não sabia por que ele não gritava para os quatro cantos como ele era e queria ser e não calava a boca das pessoas que o difamavam.
Eu queria falar com ele. Eu queria perguntar. Mas ele tinha me rejeitado e continuava me ignorando completamente.
Não que eu estivesse implorando pela atenção dele... Há, até parece né? EU! Eu que sempre fui o requisitado e tudo o mais...
Mas, estranhamente, eu comecei a arrumar desculpas para que ele falasse comigo. Só para... Sabe, ele notar que eu era muito mais do que ele estava pensando e se arrepender de ter me tratado daquele jeito.
Experimentei perguntar as horas, que aula teríamos em seguida, pedi a borracha emprestada e até quis ajuda com o dever de japonês.
Todas as vezes ele foi legal comigo, como condizia com sua personalidade. Mesmo que ele me tratasse com certa frieza, eu tinha que admitir que ele estava fazendo comigo como ele fazia com todos os outros que não eram muito próximos.
Mas eu não estava satisfeito. Aquilo não era o bastante pra mim. Mas eu não sabia mais o que podia fazer.
- Ah ta, entendi. – eu disse assim que ele me explicou o exercício. Mas eu menti. Não tinha entendido porra nenhuma. Não estava interessado na tarefa e sim, no que ele tinha a dizer. – Hun... Valeu, Ichigo. – tentei falar o nome dele para ver se criava uma proximidade maior.
E funcionou. Bem... Um pouco.
Ele olhou para o meu rosto com as sobrancelhas franzidas. E por um milésimo de segundo eu temi que ele percebesse tudo e se afastasse de novo.
Mas não. Ele só virou-se para o seu caderno novamente.
Por que ele me olhou daquele jeito? Será que tinha alguma coisa no meu rosto? Será que...
Ah. Entendi.
Eu tinha me esquecido de debochar do nome dele.
Ótimo.
Acabou a aula. E eu já estava começando a cansar daquilo. Quando foi que isso me aconteceu antes? Não saber mais o que fazer para conseguir algo? Eu sempre consegui tudo o que eu queria! Tudo!
Menos ele.
Quero dizer... Entender ele.
Que merda! Eu só queria que ele se rebelasse. Só queria que alguma coisa preenchesse o vazio daqueles olhos.
Será que era impossível mostrar isso a ele?

****

Naquele dia ele não iria embora com o amigo dele. Parecia que o cara precisava trabalhar ou algo assim. Então eles se separaram e o Ichigo foi andando sozinho pelo caminho. Não tão sozinho assim, mas ele acreditava que estava.
Mas, antes que ele pudesse cumprir seu dever como bom filho, apareceram de novo. Porra, será que não dava para deixar ele em paz? Qual era a graça de lutar com uma pessoa com aquela expressão?
Antes de tudo começar, como sempre, insultaram o cabelo dele como se fosse uma prova de que ele queria aparecer ou se mostrar diferente dos outros. Ele sabia que não ia adiantar explicar-se. Então, tentou ignorar. Mas eles não queriam deixá-lo ir tão facilmente. E já começaram atacando-o.
Eu estava incerto sobre quem venceria daquela vez. Ichigo estava sozinho e os caras dessa vez eram bem piores que os que apareceram antes. Eram mais e mais fortes. Os golpes o estavam atingindo muito mais rapidamente. A confusão tinha começado há pouco, mas estava na cara que ia ser demais para ele. Já estava sangrando. Sangrando... Até que uma gota vermelha atingiu o chão.
E aquilo chamou o meu sangue. Ele começou a ferver e correr rapidamente. E eu estava sentindo que não ia conseguir me segurar por nada.
Eu não posso explicar o que aconteceu. Porque eu não estava pensando naquela hora. Eu só estava sentindo aquela coisa quente no meu corpo, que me empurrava para lá. Eu só tinha que ir. Eu só não podia mais ver aquela viadagem acontecendo.
- E aí?! – eu me ouvi dizendo, já de frente para eles na minha postura mais intimidadora. – Estão bolados com o cabelo dele que é laranja? – sorri daquele modo assustador que era a minha marca. – E o meu que é azul, ahn?
Do jeito superior que eu levantei o queixo, sabia que todos partiriam para cima de mim. E foi exatamente o que aconteceu.
- Grimmjow... – passei os olhos arregalados em Ichigo e ele estava lá, olhando para mim. Parecia tonto. Tinha sido atingido feio, talvez até por alguma coisa além de punhos. Segurou-se na parede e semicerrou os olhos.
Eu sorri para ele e voltei os olhos para a briga. Ia acabar com todos eles. Estava com muito tempo de ira contida já. Eles iam pagar por toda a minha abstinência.
E antes que eu pudesse terminar com aqueles vadios, o ruivo dos olhos vazios caiu inconsciente no chão.

****

Todos saíram correndo depois da surra que tomaram. Fracos. Frouxos. Filhos da puta. Aposto que foram chorar na caminha quentinha.
Mas não importava. Eu sentia como se fosse uma missão cumprida. Então me dirigi ao garoto inconsciente. Aquele que tinha me ignorado por todos aqueles dias. E que foi bem claro quando disse para eu não me aproximar mais.
Haha. Como seu eu obedecesse alguma regra.
Eu me aproximei sim. E toquei nele. Encostei-o no meu braço para olhá-lo mais de perto. Que covardes aqueles caras. Tinham acertado a cabeça dele com alguma coisa. Estava sangrando muito.
Dei o meu melhor para ajudar a estancar o sangramento e cogitei levá-lo a um hospital. Mas antes tentei reanimá-lo por mim mesmo. Chamei-o e dei uns tapinhas de leve no rosto dele. Mas ele não reagiu.
Senti aquela coisa esquisita no estômago de novo. Vinha sempre nas piores horas!
Fiquei olhando para o rosto adormecido dele tentando encontrar alguma pista do que fazer. E acabei pensando... Como era irônico! Estava mais próximo dele do que podia querer. E isso porque eu impedi o que eu queria tanto fazer dias atrás. Eu ia ser só mais um desses caras que não o compreendem, que não sabem nada sobre ele e aparecem atacando-o sem mais nem menos.
Mas era tudo culpa dele! Porque ele não se manifestava! Ele teimava em continuar com seus cabelos chamativos e a pose de arrogante. Mas não fazia nenhuma questão de brigar para mostrar o que realmente tinha dentro dele.
Quando dei por mim, estava passeando os dedos pelos cabelos tão ruivos dele. E olhando insistentemente para aquela mancha de sangue, como se assim pudesse pará-la.
Ainda bem que ele começou a abrir os olhos logo.
Piscou algumas vezes até focar direito a imagem e aí franziu o cenho.
- Grimmjow! – ele fez força para separar-se de mim, mas sentiu a conseqüência com a dor na cabeça. – O que... O que aconteceu? – ele perguntou com os olhos fechados apertados, como se estivesse sofrendo.
- Eu derrotei aqueles caras. – eu disse, erguendo o rosto.
Ele abriu os olhos de novo e olhou ao redor. Depois olhou para mim de um jeito tão estranho... Parecia até que estava magoado comigo!
- Por que você fez isso? – ele perguntou amargo. – Por quê? – estava com raiva. – Você quer que eu fique te devendo alguma coisa, ou o que?
Aquilo me chateou. Mas eu resolvi pagar na mesma moeda.
- Você não sabe de nada, Ichigo... – sorri vitorioso. – Você não sabe de nada... – repeti para que ele entendesse.
Ele ficou me encarando sem entender.
Eu suspirei.
- Eu não quero que fique me devendo nada. – expliquei. – Só achei injusto que eles te batessem por causa do seu cabelo e do seu jeito arrogante. Afinal, o meu cabelo é mais chamativo que o seu e eu sou mil vezes mais arrogante que você.
- Ah. – ele fez cara de quem tinha entendido tudo. – Então isso é só uma competição? Você quer os delinqüentes pra brigar com você? Ótimo, pode ficar com eles.
- Seu idiota! – eu perdi a paciência. Como ele podia me desprezar mesmo depois de eu tê-lo salvado? Que garoto ingrato, insuportável, impossível! – Você reclamou naquele dia na escola que eu não entendia nada. Pediu para que eu te deixasse em paz! Você estava certo. Eu não entendia mesmo nada sobre você. Achava que era só mais um idiota de nariz em pé. E eu odeio que alguém brinque que é superior. Principalmente a mim! – eu comecei a gritar, não queria nem saber. – Eu te deixei em paz. E eu não costumo fazer o que me pedem, sacou? E depois, você não vai acreditar! Eu te segui o tempo todo! Perdi tempo naquele colégio de merda, naquelas aulas infernais, acordando cedo todos os dias, só para conhecer você. Só para compreender você! Só por você... – aquilo já estava saindo do meu próprio controle. – Eu não podia mais chegar perto de você. Mas podia pensar e descobrir tudo a seu respeito. E foi isso que eu fiz. E você nem sabe de nada disso. E continua me tratando como se eu fosse um imbecil qualquer! – tomei fôlego.
Os olhos dele estavam enormes olhando para mim. Estava claramente chocado. Quase podia ver rondando pela sua mente o pensamento de que talvez tivessem batido forte demais na cabeça dele.
- Mas sabe... – eu continuei, diante do silêncio dele. – Não é só isso que eu quero. – olhei para ele com coragem. Mesmo que meu estômago estivesse dando cambalhotas. – Eu queria poder falar com você. Eu queria poder tocar em você. E eu queria poder te fazer perguntas... – encostei minha mão na dele. Ele tentou afastar sua própria, mas eu segurei-a. E, milagrosamente, ele parou de resistir.
- Por que...? – ele perguntou quase aéreo. – Por que tanto interesse em mim? – falou como se aquilo fosse absurdo.
- Porque apesar de você ser uma boa pessoa com todos e ser dedicado em tudo o que faz... Continua tendo essa imagem ruim para os outros. E não faz nada para mudar isso. Quero dizer... Você não faz nada por nada. Você quase não reage! Você vive como se tudo fosse entediante demais. Como se você não tivesse um sentido de vida ou um objetivo. Como se nada fosse importante. – ri. – E eu... Eu sou tão diferente disso. Nunca pensei que pudesse existir alguém assim. Que mesmo que pareça frio, é tão bom com as pessoas. Que mesmo que pareça um arruaceiro, provavelmente vai ter um futuro próspero. Que nunca brigue pelo que quer. Eu só queria te dizer Ichigo... Só queria te dizer que devemos gritar, destruir, violar... Devemos fazer de tudo pelo que queremos. É assim que eu vivo e... E eu não suporto olhar para os seus olhos tão vazios de toda e qualquer paixão... – inspirei. Meu coração também tinha se descontrolado. – Por que, Ichigo? Por que estão tão vazios? – olhei para os seus olhos quase dourados no escuro.
Ele abriu a boca. Não parecia mais bravo, nem magoado e nem relutante. Tinha se libertado de suas máscaras.
- Eu estive esperando... – respondeu. – Esperando o dia em que algo fosse preenchê-los.
- Então deixe que eu faça isso, Ichigo. – eu disse, e agora estava apertando a mão dele. – Deixe que eu os preencha com tudo o que tenho para te mostrar.
Aquele castanho dourado reluziu. Eu sorri. Era a primeira vez que via aquilo. Ele parecia tão vulnerável. E ao mesmo tempo mais forte que nunca. Como se ele desejasse intensamente encher sua vida. Como se ele estivesse admitindo que precisava mesmo daquilo. Será que aquele olhar era um sim?
Eu não quis saber. Afinal, eu nunca peço permissão mesmo.
Fechei então os olhos e beijei-o, esperando transferir para ele toda a paixão que eu vinha guardando no peito por tanto tempo.
Se dependesse de mim, aqueles olhos brilhariam apaixonados para sempre.

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