O espelho nunca pareceu tão assustador.

Você pode ver sua imagem refletida no vidro de uma forma que nunca tinha visto antes. Será que aquelas olheiras sempre estiveram debaixo dos seus olhos? Será que seus olhos foram sempre tão vazios e sem vida? Será que seu sorriso sempre foi assim, tão apagado? "Não", disse-lhe uma voz no fundo de sua mente, "nem sempre foi assim". E, então, havia imagens de uma garota completamente oposta àquela que você encarava no espelho. As mesmas feições, é verdade, mas, ainda assim, duas pessoas que não poderiam ser mais diferentes. Aquela outra garota, a de suas memórias, era feliz, cheia de vida, queria tudo com muita intensidade, e nunca desistia de correr atrás de seus sonhos.

Essa garota desapareceu há muito tempo. Você até mesmo sabe o momento exato de sua partida. Tudo mudou quando você saiu da pequena Lima, em Ohio, e foi morar na grande Nova Iorque, começando uma longa jornada para tornar seus sonhos realidade. No meio do caminho, embora, aquela garota que você conhecia acabou se transformando em outra pessoa. Foi pequeno, no início, então você não percebeu. Começou com o guarda-roupa, passou pelo namorado/gigolô, o modo diferente de tratar os amigos, uma determinação quase cega de alcançar o topo, e se completou no instante em que seus pés pisaram num palco da Broadway pela primeira vez.

Irônico. Você vive a vida que sempre quis, desejando a vida que nunca quis ter.

Em seus sonhos, você está de volta à sua cidade natal, cantando no clube do coral, disputando a atenção do seu ex-namorado, Finn Hudson, e tentando de todas as maneiras possíveis se tornar amiga de Quinn Fabray, a garota que te atormentou durante toda a sua carreira no colegial. Engraçado como as coisas acontecem. Você tem a amizade dela, agora, mas gostaria de voltar ao tempo em que vocês se odiavam. Porque todas as vezes que vocês se encontram, ela joga verdades em sua cara que você não quer ouvir. Você tampa os ouvidos, finge que não escuta, e continua a agir da mesma forma quando ela vai embora.

Só que, desta vez, ela não vai mais voltar.

Ao menos, foi isso o que ela disse quando saiu pela porta do seu apartamento, numa noite fria de inverno, com as malas em mãos. Ela também disse que a Rachel Berry que ela conhecia e amava desapareceu por completo, e que estava cansada de lutar por alguém que estava cega demais para enxergar a própria miséria. Você zombou em silêncio quando a viu partir. Ela só estava pegando no seu pé, como de costume, e era impossível que qualquer coisa dita pudesse ter o mínimo fundo de verdade. Estranho como você não percebeu que ela estava certa quando pegou uma garrafa de uísque e a esvaziou em menos de uma hora. Seu "antigo eu" nunca teria feito algo assim. Seu antigo eu era obcecado pela saúde, não só do corpo, como a da mente. Você não conseguia ver isso, contudo. Você achou que nada havia mudado.

Mas, então, você se olhou no espelho. Não era para acontecer. Você só acordou com uma grande enxaqueca e precisava desesperadamente de uma aspirina, que se encontrava no banheiro. Você sempre foi especialista em ignorar sua própria imagem, em nunca parar tempo o suficiente para ver o que estava errado –– naquela vez, contudo, foi diferente. Lá estava você, com um frasco de remédio na mão, a cabeça martelando, e as lágrimas descendo de seus olhos ao perceber a figura patética que você era. A figura patética que você tem sido há algum tempo.

Você escorrega até o chão e se abraça, lutando contra a dor que começa a se espalhar por todo o seu corpo. Você sente como se estivesse quebrando, e a sensação é tão familiar que, por alguns segundos, você perde o fôlego. É quando a realização te atinge por completo. Você não lembra de ter se sentido assim nos últimos anos. Você não lembra ter sentido em tudo. Seus únicos momentos reais de felicidade são quando você pensa sobre o passado; o presente é apenas um borrão sem significado, que você apenas continua empurrando para frente porque entrou numa espécie de modo automático. Você pensou que tinha tudo. Você descobriu que não tem nada.

Você fecha os olhos, perguntando-se onde exatamente foi o seu erro. Você sempre soube que nasceu para ser uma atriz, mas, agora, isso não parece certo. Você é uma atriz. Você finge emoções para todos ao seu redor. Quando isso começou? Você nem ao menos consegue se lembrar. Houve uma época em que tudo era verdadeiro. Houve uma época em que você não precisava colocar uma expressão em seu rosto para que as pessoas vissem o que se passava em seu coração. Você costumava ser bastante clara sobre seus sentimentos –– e, agora, você mal sabe quais eles são. Ela é a única exceção para essa regra.

Mas, realmente, quando ela não foi?

Ela é a causa das agitações em seu estômago (que nada estão relacionadas com uma prisão de ventre, como você inicialmente imaginou); ela faz seu coração bater mais rápido contra seu peito só por estar ao seu lado; ela faz sorrisos sinceros aparecerem em seu rosto sem esforço algum. Você nunca conseguiu entender o motivo. Por que Quinn Fabray era tão especial? Por que o simples fato de ela existir parecia tornar seu mundo muito mais leve? Por que ela provocava essas reações estranhas em você? E, principalmente, por que ela dizer que não faria mais parte da sua vida doía mais do que qualquer coisa que você já sentiu? Por que não a ter ao seu lado parecia fazer seu coração quebrar dentro do peito em milhares de pedacinhos minúsculos, e difíceis de se remendar?

Quando você começou sua jornada, era tudo bastante simples. Você só queria ser a melhor.

Por isso, você disse a si mesma que ganharia o céu. Você o ganhou.

Mas de que adianta ser a estrela mais brilhante, se não há ninguém para admirar sua beleza?

Você tem fãs, claro, mas eles são como o sopro do vento; você sente sua presença quando ele passa, contudo, no instante seguinte, ele não está mais lá.

Foi, então, que você percebeu que não era uma estrela, mas, sim, apenas uma garota.

Uma garota solitária.

E você estava cansada de estar sempre sozinha.

Você ergue a cabeça e se levanta do chão, enxugando as lágrimas de seu rosto. Você caminha até sua cama, deita-se, e pega o seu celular. Você liga para ela. Ela não atende. Você esperava por isso. Às vezes, Quinn pode ser tão teimosa quanto você. Por isso, você deixa uma mensagem no correio de voz. Pode não ser o suficiente. Pode ser que ela nunca mais volte por aquela porta. Pode ser que você tenha a perdido para sempre. Mas, neste momento, você não se importa. Você é a velha Rachel Berry novamente, e a velha Rachel nunca desiste. Ela corre atrás do que quer. Ela procura seguir seu coração. Ela não tem medo de admitir seus sentimentos, e não foge quando as coisas se tornam difíceis. Você se sente feliz por ser ela novamente.

E é por estar sentindo que você sabe que, desta vez, as coisas serão diferentes.

"Hum... Oi, Quinn, aqui é a Rachel. Não a Rachel que você deixou sozinha naquele apartamento escuro, mas a Rachel que você me disse que conheceu e que amou. A Rachel que acabou se perdendo no meio do caminho, e que está lutando para se encontrar novamente. Eu só queria dizer que sinto muito. Sinto muito por ter sido alguém tão diferente durante todo esse tempo. Sinto muito por não ter visto o que estava diante dos meus olhos, o que você sempre jogou no meu rosto, o que eu... Ou aquele 'outro' eu, tentou constantemente ignorar. Honestamente, eu não sei como isso aconteceu. Eu não sei o que aconteceu, mas eu estou cansada disso. Eu quero recomeçar. Eu decidi que vou dar um tempo dos palcos e voltar a Lima, para tentar descobrir qual será meu próximo passo. Já não estou tão certa de que a Broadway seja para mim. É um mundo diferente do que eu imaginei; é um mundo no qual aquela garota de uma cidade pequena de Ohio não se encaixa. Porque aquela garota ama demais; porque aquela garota não consegue viver de jogos e de mentiras; porque aquela garota não pode suportar esta vida solitária. Eu só queria dizer, antes que seja tarde demais –– se é que já não seja ––, que eu me importo com você. Eu sempre me importei, Quinn, e sempre vou me importar. Cometi erros, sei disso, mas todos nós temos nossa cota de arrependimentos. Só espero que você possa me perdoar, e me dar uma segunda chance para que possamos recomeçar.

Ah... E só mais uma coisa. Uma coisa que eu deveria ter dito há muito, muito tempo, e nunca disse.

Eu te amo”.