Há um buraco em mim. Uma peça faltando, uma engrenagem que não tem lugar definido nessa máquina em constante movimento que se chama corpo. E eu percebo que por mais que eu tenha todas as coisas que antigamente eu não tinha, título conquistado, um mordomo que agora se eu quiser, poderá fazer tudo por mim, até me defender daquilo que antigamente parecia tão amedrontador que eu tive que esconder meu orgulho, pisar no meu medo e poder viver desse jeito miserável. Até eu perceber que tudo não é suficiente para mim.

Li informações sobre Ciel e pensei que talvez ele seja igual a mim. Talvez porque nós temos um mordomo, nossas idades sejam parecidas. Talvez por sermos sofridos, por termos vivido em cima de estrume até agora. Porém, a realidade que eu vi, mesmo ele inconsciente, foi pureza. Uma pureza que eu nunca tive, um corpo que foi corrompido e limpo de sua alma. Por vingança, foi o que estava em relatório. Ciel buscava vingança por aqueles que o mancharam. E talvez isso o tenha limpado de sua própria alma, que provavelmente era um prato delicioso, visto que até Claude ficou viciado no mais mínimo toque que lhe foi concedido.

Porém, eu nem ao menos tive a quem me vingar. Minha vingança era sem sentido, pois a coisa que eu mais me culpava era a mim mesmo. Buscava coisas a me entreter, pessoas a possuir, a ser possuído, as mais caras vestimentas, as pessoas mais valiosas. Tudo deveria pertencer a Alois Trancy. Tudo era propriedade minha. As pessoas que eu seduzi, que roubei, que matei. Elas não eram alvo de minha vingança. Era algo muito mais meu. Era a minha ganância. E Ciel? Quando eu li sobre ele, foi algo por curiosidade. Foi, também, por causa dela que eu tentei roubar-lhe seu bem mais precioso, seu corpo, ter você para no final, ser você. Me cansei disso antes mesmo de concluir e no final restou-me migalhas até de meu mordomo. Ganância sem sentido, agora eu vejo que por mais que eu corresse atrás de quem você era, não era igual aqueles velhotes que eu encontrei em minha vida... Eu não queria ser você. Não queria seu título de Conde, sua mansão muito menos seu mordomo. Eu queria você. Para mim.

Aprisionei você. Agora, deitado em meu colo, quase sem alma, sem dignidade, fico me perguntando o que você pensa sobre tudo isso, sobre o que pensa sobre mim. Mas também me questiono se ao menos você sente tudo isso, se sente a mim. Há anos, me pergunto se o que eu queria é que você sentisse tudo isso, que tivesse consciência do qual humilhante era ser dominado pela pessoa mais caída da face da Terra. De ser dominado e aprisionado numa coisa chamada destino por Alois. A pessoa mais suja... Agora corrompe a pessoa mais pura. Acaricio seus cabelos, e mesmo que inconscientemente você ainda tenta procurar seu tapa-olho, que escondia que uma parte de você era suja. O único ponto em todo Ciel Phantomhive que chegava a ser tão sujo e vil quanto eu era seu olho. O contrato que brilhava nas orbes, emitindo todo o sombrio espelho de um demônio, agora era todo meu. Na primeira vez que eu vi, senti-me seduzido, quase hipnotizado por ter um ‘concorrente’ tão a altura. Um demônio mais forte, porém a minha diversão era o sofrer de todos, a ponto de deixar os dois se matarem por causa de uma única alma, que sempre estivera predestinado a mim. A supremacia que me envolve, que esconde minha ganância e corrupção deveria servir de algo, para poder monopolizar as suas rédeas, tomando conta do que restou para você.

Agora, irei zelar seu sono. Exausto por algo corrompido, em seu corpo já não há mais nenhum lugar puro. Porém, o que mais me impressiona é que as palavras de seu mordomo-demônio estavam corretas. Você é banhado inúmeras vezes por esse mundo, mas ainda assim consegue sair vitorioso, puro, belo. Magnífico Ciel Phantomhive. Consegue sentir eu entrando em você? Com os anos eu aprendi a te corromper tão satisfatoriamente que até eu me surpreendo, e me pergunto finalmente como que mesmo eu monopolizando você; acaba acontecendo o contrário nessas horas. O que eu faço é por mim, porém de uma maneira que eu acabe fazendo tudo por você. Mesmo que eu não me sinta satisfeito ainda, não enjoo de ver tudo aquilo acontecendo. A dor estampada na sua face, a expressão de nojo que lhe envolve em todas as noites. Grito que deveria agradecer por estar em uma mansão linda, de cunho que pode parecer da realeza, e não um buraco no porão. Você tem tudo aqui, conforto, uma cama para descansar o dia inteiro e para desfrutar da minha companhia. Eu te tenho na palma da mão, e você irá me sentir todas as noites que eu quiser eternamente.

Até você se acostumar em ser invadido. Até gostar de ser invadido, até implorar por mais... Já desisti de lhe corromper, porém eu irei fazer com que você decaia num nível que eu já experimentei algum tempo atrás. Que lhe fará viver pelo gosto de abrir a boca procurando ar enquanto nós fazemos, que quando respirar irá sentir o doce aroma de colônia misturado com o suor do ato. E irá conseguir sentir prazer em mim, somente no meu corpo, no meu tamanho no jeito que eu faço. Irei te treinar, Ciel. Para que você consiga preencher esse buraco que me falta, mesmo não sendo mais ganância, curiosidade ou algo assim. Amor, talvez? Meu amor próprio com certeza é muito maior do que qualquer um que eu tenha por qualquer coisa, mas cada tipo eu irei fazer sofrer. Sofrer para mim.

Levanto-me, para mais uma vez te deixar experimentar esse meu sentimento. Um dia talvez eu vá descobrir o que me faz querer fazer você sentir meu, e o porquê de eu sentir que quando faço isso, não é você que consegue me sentir, mas eu tentar te encontrar nesse distúrbio que são meus atos. Deixo você acordar, mas nunca vou deixar você sair desse pesadelo.

Eu amo você, Ciel.