A Filha Do Sol escrita por Let B Aguiar, Taty B


Capítulo 12
Me torno a mais nova periguete do acampamento


Notas iniciais do capítulo

Olá, terráqueos! Estamos de volta na área para mais um capítulo. E a fic está ficando cada vez maior ,hein? Eu e a Let já quase terminamos de escrevê-la, falta apenas uns 4 capítulos... E ainda temos que postar mais uns 10 para vocês hahaha. Não desistam de ler, vem muita coisa legal por aí... Se divirtam x



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Nas nuvens. Sentia-me assim quando acordei no dia seguinte: como se meu corpo todo flutuasse enquanto eu vestia a roupa do acampamento, sem prestar atenção em nada. Minha distração era tanta que não ouvi nenhum dos meus irmãos me chamando. Matt teve de abrir a porta do meu quarto para que eu voltasse à Terra.
– Você está trocada? – ele tinha o rosto coberto pelas mãos, e eu achei graça nisso.
– É claro que sim! – respondi rindo, prendendo meus cabelos castanhos num rabo de cavalo e concluindo que, por mais rímel que eu passasse, meus cílios não ficariam melhor que aquilo. Matt tirou as mãos do seu rosto e me observou, com uma sobrancelha arqueada.
– Você se maquiou para limpar estábulos e suar na frente de uma fornalha? – suas palavras pesaram com ironia, e eu rolei os olhos.
– Desde quando você repara se eu uso ou não maquiagem? Acho que você deve estar com vontade de usar! Quer um pouco de base emprestado? – consegui ser mais sarcástica ainda, e ele me lançou uma careta de desaprovação.
– Não, não, obrigado! Só quero que você termine logo porque nós precisamos tomar café, sabe. – falando isso, Matt deu as costas e saiu do meu quarto. Coloquei meus brincos e sai dali, pronta para ver o sorriso que faria todo meu dia valer a pena.
Contrariando tudo o que eu havia pensado antes de dormir, meus irmãos não fizeram grandes perguntas sobre por que eu havia chegado tão tarde depois da queima de fogos. O assunto do momento, entre eles, para meu choque total, era Will e Nyssa, a irmã grandona de Leo. Parecia que meus irmãos tinham visto os dois trocarem beijos durante o show pirotécnico, mas ele negava veemente. Eu nem sabia que Nyssa fora a companhia de Will.
Chegamos ao refeitório, e aquela sensação de ter todos os olhos em cima de mim reapareceu. Pensei que isso só aconteceria durante a minha primeira semana do acampamento, e ignorei tais olhares. Para meu alívio, meu olhar encontrou o dele. Atrás da mesa de Atena, Ryler sentava na minha direção, e deu um sorriso discreto, porém radiante. Eu retribui o gesto. Carlos percebeu e me olhou com certa suspeita, mas não disse nada. Tomei meu café da manhã tranquilamente, com um bom humor invejável.
Assim que terminei de comer, levantei da mesa para conversar com Piper. Eu precisava contar para ela sobre a noite anterior. Quando me levantei, ouvi as filhas de Afrodite darem sua típica risadinha irritante, e nem precisei chamar Piper para que ela se levantasse também. Ela se levantou junto comigo e veio ao meu encontro. Me pegou pelo braço e foi me conduzindo para fora do refeitório.
– Vai, me conta o que aconteceu noite passada! – ela exclamou, só que notei algo de estranho na sua entonação. Parecia que de alguma forma ela já sabia o que tinha acontecido.
– Eu e Ryler estamos namorando! – eu praticamente guinchei em vez de falar. Me senti uma idiota, mas isso não era nada anormal.
– Ah, Pattie, eu sabia! – Piper ficou entre a comemoração e a resignação. Eu nunca saberia dizer se ela estava feliz ou triste por mim. E definitivamente, deixou claro que sim, já sabia do ocorrido.
– Espera aí, eu não estou te entendendo – comecei – Pipes, você parecia já saber. Você tentou disfarçar, mas foi péssima nisso. Desembucha.
Piper ficou sem graça por alguns instantes. Depois deu de ombros, e finalmente falou:
– Eu fiquei sabendo assim que me sentei no banco do refeitório. Minhas irmãs já sabiam. Alguém contou para elas, e eu acho que sei quem foi.
Meu coração parou. Percy e Annabeth não teriam feito isso. Ou teriam? Não queria me decepcionar com eles, pois o tempo todo foram muito legais comigo.
– Percy? Não pode ser... Ele prometeu que não contaria nada... – Piper notou a minha indignação, e se apressou em retificar o que disse.
– Não, não! Pattie, não foi o Percy! De maneira alguma! Foi uma dríade. Mais precisamente, a dríade do Ulmeiro, a Elma. Foi nessa árvore que você e o Ryler se beijaram, certo?
Algo frio percorreu meu sangue. Senti vontade de destruir todas aquelas malditas árvores fofoqueiras da floresta.
– Foi! Mas que otária! – praguejei, e Piper riu de minha revolta. Com certeza essa dríade morreu de inveja dos beijos que eu e Ryler trocamos na noite anterior, por isso sentiu necessidade de espalhar para o acampamento inteiro.
– Só que minhas irmãs não são as únicas que já estão sabendo... – Piper despejou a notícia ruim – O acampamento todo já sabe. Todos estão comentando.
E lá vai Patricia, de novo, ser o assunto cujo acampamento mais gosta de palpitar. Bufei, mas tentei manter a paciência. Mamãe sempre me lembrava de um ditado bem abrasileirado, e ele se encaixava perfeitamente na situação. Falem bem ou falem mal, mas falem de mim.
– Quer saber, Pipes? Não tô nem aí. – fui sincera. Não me importava a opinião dos outros campistas, apenas a de meus irmãos e de Leo. Nem a deles deveria importar, porém, todos significavam muito para mim.
– Você tá certa, Pattie...As pessoas aqui cuidam muito da vida das outras! – Piper concluiu, e então eu pensei em algo. Ryler já deveria estar sabendo. E pior: deveria estar indo atrás de Percy e Annabeth para tirar satisfações. Não poderia deixar isso acontecer, por isso sai correndo dizendo para Piper que me encontrava com ela depois.
Voltei ao refeitório a tempo de ver Ryler se aproximar da mesa de Poseidon e chamar Percy para uma ‘conversinha’. Percy se levantou e os dois rumaram para a extremidade do refeitório. Eu apertei o passo e cheguei perto deles a tempo de ouvir Ryler esbravejar.
– Jackson, você me deu sua palavra de que não iria contar nada! Devia ter feito você jurar pelo Rio Estige!
– Cara, você está desinformado, eu não falei nada para ninguém. Por que eu ia fazer isso? Tenho cara de filho de Afrodite? – Percy se defendeu, e antes que os neurônios de Ryler parassem de funcionar, eu me intrometi.
– Ryler, não foi o Percy. Foi a dríade do Ulmeiro. Deixe ele em paz.
Percy me olhou como quem dizia ‘Parabéns pelo namorado idiota que você arrumou’ e saiu incomodado. Ryler desanuviou sua expressão e respirou fundo.
– Eu ia bater nele, se você não tivesse aparecido. – ele soou como uma criança do ensino fundamental que gosta de bater nos seus coleguinhas nerds e magricelas. Não sabia se dava risada ou se achava isso patético. Optei por dar risada.
– Ryler, não é porque é filho de Ares que tem que sair batendo em todo mundo. Isso é bem tosco. – abusei da sinceridade, e apesar da careta de desaprovação que fez, Ryler não disse nada.
– Ah, deixa para lá... E, bem... Bom dia! – decididamente, ele era muito fofo. Me deu um sorriso e um abraço tímido, como se não quisesse que as pessoas nos notassem.
– Bom dia! E sinto lhe dizer que todos já sabem sobre o nosso namoro, não adianta tentar esconder. – olhei para seus olhos quando desfizemos o abraço, e ele pareceu resignado.
– É, não dá para ficar escondendo as coisas por aqui... Mas não me importo. Eles vão ter que engolir. – aprovei as palavras de Ryler, e impulsivamente lhe dei um selinho, que o pegou de surpresa.
– Se você não se importa, filho de Ares, muito menos eu! Vou estar limpando alguns estábulos fedidos, me chama para ir almoçar com você! – pisquei, sorrindo para ele, e fui me distanciando. Ele me observou por alguns segundos, também sorriu e depois foi se juntar aos seus irmãos, que não estavam com uma cara muito boa.
Falando em irmãos, parecia que os meus combinaram de me encontrar na saída do refeitório.
Como sempre, os oito me observavam com as carrancas de quem tinha comido pão bolorento. Will pigarreou, e Austin decidiu abrir a boca.
– Você não ia contar para a gente, Pattie?
Hesitei. É verdade, eu não iria contar. Por receio e vergonha. Mas os encarando assim, me pareceu covardia querer esconder algo deles.
– Não, eu não ia. Eu tinha medo da reação de vocês. Pensei que vocês iriam surtar e me atirar para fora do chalé. Eu pretendia esperar mais um tempo para contar.
– Bom, Pattie... – Leroy suspirou – Você é um espírito indomável. Não há nada que possamos fazer.
– Só te avisamos que se aquele babaca fizer algo com você, ele ficará recitando versos até o fim da insignificante vida dele. – Adam poderia muito bem entrar numa briga com Ryler, já que ele era bem corpulento e o mais alto dos oito. Só que pelo jeito, poemas bregas pareciam ser mais ameaçadores.
– Confiem em mim. – eu consegui transmitir bastante firmeza, ou pelo menos foi o que achei. Dei um sorriso tímido para eles, e fui limpar montanhas e mais montanhas de esterco fedido. Pelo menos os pégasos eram criaturas adoráveis. Não pude deixar de passar no chalé de Hermes para comprar alguns doces clandestinos para eles. Devia ser por isso que me adoravam tanto.
Os estábulos tomaram toda a minha manhã. Ainda bem que alguns filhos de Atena me ajudaram na tarefa. Eles possuíam um raciocínio lógico incrível, e assim conseguimos terminar de limpar tudo rapidamente.
Eu precisava urgentemente de um banho. O cheiro de cocô ressecado parecia estar impregnado na minha pele. Como eu havia sugerido, Ryler apareceu para rumarmos juntos até o refeitório. Eu tentei a todo custo não me aproximar muito dele.
– Pelos deuses, eu estou fedendo a bosta de cavalo, acho melhor você não se aproximar muito! – eu já havia tirado as botas e as luvas, que sem dúvidas eram o que mais fedia.
– Por Ares! – ele tapou o nariz com uma mão - Só chego perto quando você tomar um banho.
Só me restava rir dessa situação. Ryler me acompanhou até a porta do meu chalé, e se prontificou a ficar me esperando. Tomei um banho muito rápido, só para tirar aquele cheiro podre, e coloquei roupas limpas. Fomos almoçar logo depois, atravessando o acampamento de mãos dadas. As pessoas observavam e comentavam, mas nós não dávamos a mínima.

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A minha principal atividade da tarde seria na forja de Hefesto. Eu estava ajudando na produção de lanças, e apesar de ser iniciante no assunto, as minhas estavam ficando muito boas. Tudo bem, confesso que Leo é que fazia a maior parte, mas me deem um desconto, eu sou filha do Deus da música e do sol. Não tenho nada a ver com fabricação de armas.
Com a barriga devidamente cheia, fui para a forja. Nenhum outro campista tinha chegado ainda.
Adentrei a forja, que por sinal, era um lugar muito quente e sufocante. Alguns filhos de Hefesto trabalhavam em seus projetos. Às vezes me espantava com o tamanho das mãos desses caras. Eles me cumprimentaram, inclusive Nyssa, que parecia até mais bonita graças à noite anterior. É, os filhos de Apolo só podiam ser destinados a mudar a vida das pessoas.
Avistei Leo curvado sobre algo. Ele usava seus óculos de marceneiro e tinha as mangas da camiseta arregaçadas. Cheguei sorrateiramente por trás dele, e fiz cócegas na sua cintura. Ele deu um pulo, quase derrubando seu trabalho, e xingou antes de ver quem era.
– Wow, desculpa Pattie...moças não merecem escutar palavras tão sujas. - ele se virou para mim e tirou os óculos. Segurava um machado tão reluzente quanto o sorriso do meu pai. Leo tinha um sorriso fraco nos lábios, como se algo estivesse o incomodando. Eu sorri de volta, mas a aura que ele exalava começou a me afetar.
– Valdez, eu tenho cara de sensível por acaso? – cruzei os braços e me encostei na mesa que em que ele trabalhava. Ele me fitou sem nenhuma expressão, e isso deixou o clima pesado – Esse machado está incrível, é o mais brilhante que eu já vi.
– Valeu... É uma mistura de bronze celestial e um pouco de ouro, por isso que brilha tanto. Existem poucas armas assim, por isso decidi fazer esse garotão aqui desse jeito. – ele admirou a própria obra, e inesperadamente acertou o machado no meio de um grande bloco de pedra maciça que estava na mesa. O machado cortou aquilo como se fosse iogurte. Espantei-me, pois Leo não costumava ter essas atitudes agressivas.
– Acho que isso daí corta até titânio no meio – falei, numa tentativa de melhorar o humor dele. Nada aconteceu. Ele colocou o machado na mesa e começou a polir.
– Titânio eu não sei, mas alguns monstros babosos e fedidos, sim.
Esse não era o Leo que eu conhecia. Não podia deixar as coisas assim.
– Leo, dá para você olhar para mim quando eu falo com você, por favor?
Ele levantou a cabeça. Seus olhos castanhos estavam com um brilho triste. Eu não conseguia adivinhar o que se passava em sua mente naquele momento.
– Você está achando que eu estou com algum problema, Pattie... Não se preocupe, daqui alguns minutos o tio Leo estará de volta. – não sei se essa foi a sua intenção, mas ele demonstrou-se bem irônico.
– Você está com algum problema, isso tá explícito. Você pode tentar se esquivar das outras pessoas, mas não de mim. Eu sou determinada. – falei o óbvio. Leo soltou uma risada de fracasso.
– É verdade... Acho que é esse seu defeito. Você nunca desiste.
Abri um sorriso de canto, e me aproximei mais dele, que estava com os pulsos encostados sobre a mesa.
– Você devia confiar mais nas pessoas, e menos em formas inorgânicas de vida.
Leo pareceu ponderar sobre o que eu falei, mas não por muito tempo.
– Pessoas às vezes podem ser decepcionantes.
– Sim, elas são propensas a apresentar defeitos... Assim como as máquinas. Pense nisso, Valdez.
Ele me olhou intensamente, como se por um momento estivesse prestes a me dizer algo. Porém, sua boca não se abriu. Seus olhos continuavam opacos. Eu vi ali, naquele momento, alguém que fugia de tudo o que sentia, e tinha receio de confiar nas pessoas. Talvez pensasse que iria ser decepcionado, ou então decepcionaria. Não conseguia imaginar alguém sentindo isso sem me comover. Então, o puxei para um abraço apertado. Leo cheirava a um perfume forte e amadeirado misturado com algo que me lembrou gasolina. Sua pele era quente, como se ele tivesse acabado de sair de um forno. Aparentemente, há muito tempo alguém não o surpreendia com tal gesto. Eu desfiz o abraço depois de alguns segundos, e pude ver os olhos dele adquirindo um brilho tipicamente Leo.
– Obrigado, pequena Miss Sunshine. Você definitivamente melhorou meu dia. Agora para de ser mole, é hora de fazer umas lanças incríveis!
Dei um sorriso aliviado, e então começamos a forjar algumas lanças incríveis. Enquanto fazíamos, conversávamos sobre tudo o que você pode imaginar. Mas num determinado momento, a conversa se voltou para meu mais novo relacionamento.
– Então é verdade que você e o Ryler estão namorando? – ele questionou, reprimindo o desprezo que queria escapar na sua voz.
– Sim, é verdade. – respondi categoricamente.
– Pensei que você gostasse de meninos que possuíssem cérebro. – ele riu com seu próprio sarcasmo, e eu lhe dei um tapa sujo de fuligem.
– Ele tem cérebro, ok? Não como você, mas tem!
– Ainda bem que admite que o Leo aqui, a perdição das garotas, tem mais cérebro do que aquele suplemento alimentar ambulante. – Leo conseguia ser tão idiota que era impossível não rir com suas idiotices. Me senti satisfeita por ter restabelecido o clima agradável entre nós. O resto da tarde passou voando depois disso.
Mais tardar, fizemos um mini torneio de vôlei. Como sempre, meu chalé ganhou. Não havia quem nos derrotasse em qualquer esporte, principalmente aqueles que exigiam precisão. Até então, eu não tinha noção do quanto eu era habilidosa no vôlei e no basquete, por exemplo. Meus irmãos explicaram que isso era natural. Nosso pai também era deus das distâncias. Ou seja, ser filha ou filho de Apolo te traz muitas vantagens.
O jantar foi bastante tranquilo. Nunca cantei com tanta vontade como naquele dia, na hora da fogueira. Queria expressar toda a felicidade que sentia através da minha música. E pelo jeito consegui, porque vários se empolgaram. O sorriso de Ryler era o combustível perfeito para mim. Depois da fogueira, demos uma volta pelo acampamento juntos, desprezando os olhares mal-intencionados dos meus irmãos e dos outros campistas. Trocamos alguns beijos tão bons que calculei que perderia o sono. Porém, isso não saiu como planejado.
Os sonhos voltaram a me atormentar.
Demorei, mas acabei caindo no sono, e com ele, vieram coisas que eu realmente não queria saber, nem ver.
Meu inconsciente me levou para um lugar de beleza ímpar. Um jardim imenso, com a maior variedade de flores que eu já havia visto na vida, todas com coloração tão vívida e intensa que machucavam os olhos. No final do jardim, um incrível palacete se erguia, todo esculpido em arquitetura grega, com grandes colunas de mármore branco em sua faixada. Caminhei (ou flutuei?) alguns metros pelo jardim, indo em direção à resplendorosa casa, quando um ser simplesmente começou a cair do céu. Aos poucos distingui ser um homem. Corri mais rápido, pensando que ele iria se estatelar no chão e que eu que poderia salvar alguém dentro de um sonho. Mas não foi necessário. O homem aterrissou em pé na grama, e se converteu em pura luz ofuscante e branca. Eu desviei os olhos e quando tornei a olhar, vi o rapaz mais bonito do mundo.
Seus cabelos eram loiros e levemente encaracolados. Seus olhos, de um azul tão intenso como o de uma safira recém-lapidada. Seu rosto era o reflexo da simetria perfeita. Vestia roupas totalmente brancas, uma camisa de botões e uma calça jeans, além de sandálias de couro. Não aparentava ter mais que dezoito anos de idade. Ele foi andando até o palacete à sua frente, assobiando, calmamente, apreciando a vista do jardim e o dia ensolarado.
Eu o segui, como se hipnotizada. Eu queria aquele cara para mim. Ele era absurdamente, fantasticamente, puramente lindo. Só de olhá-lo de longe eu já sentia aquele desconforto no meu estômago e uma sensação de queda livre... Ele irradiava o amor da forma mais intensa e pura existente.
Ele entrou na residência. Eu não conseguiria explicar como tinha conhecimento que aquilo era uma casa; simplesmente sabia e pronto. O hall possuía várias esculturas de ouro puro, e levava a uma sala gigantesca, com móveis vitorianos muito românticos. Os papéis de parede representavam vários beijos famosos, desde a história antiga até os cinematográficos. Na extremidade da sala, havia uma escada que levava ao andar superior. O rapaz subiu-a rapidamente, como se estivesse ansioso para encontrar algo. Ou alguém. Ele apertou o passo pelo corredor e abriu uma porta à esquerda.
– Querida, cheguei! – eu dei risada dentro do meu próprio sonho, pois me lembrei dos Flintstones quando o cara falou isso. A porta revelou um quarto que, provavelmente, correspondia a dois do meu apartamento. A cama era maior do que uma queen size, coberta por lençóis brancos de aparência macia, e seus detalhes, como a cabeceira, eram de ouro puro. Cortinas esvoaçantes cobriam as janelas que pegavam toda uma parede do cômodo. No canto direito do quarto, uma mulher estava sentada em frente a uma espelheira, trançando seu longo cabelo negro com delicados fios de ouro. Tive a impressão de conhecê-la de algum lugar. Ao ouvir a voz do marido, ela parou de trançar o cabelo e virou-se para ele, sorrindo lindamente. Sim, eu de fato lembrava-me do rosto dela. Era a assistente da feiticeira, que bebeu uma poção e se transformou nessa belíssima mulher.
– Marido, como chegou cedo hoje! – a moça pareceu um tanto surpresa, mas manteve a compostura. Ele se aproximou dela, um sorriso estampado nos seus lábios rosados. Se inclinou para lhe dar um beijo tão apaixonado que senti uma pontinha de inveja.
– Hum, querida... Seus lábios estão com um gosto... diferente. – sua expressão se tornou um pouco confusa, e ele segurou o rosto da mulher de modo que seus olhos não podiam desviar-se dos dele. – E seus belos olhos não possuem o mesmo brilho. Aconteceu algo?
– Ah, marido... – ela fungou, e uma lágrima de crocodilo caiu do seu rosto. Eu sabia que aquela não era a real esposa do rapaz. – Se eu lhe contar o que aconteceu...
–O que, minha bela Psiquê? Conte-me! – ele soou carinhoso e reconfortante.
– Estava colhendo algumas frutas no pomar, quando me dei conta de que o colar que me deu havia caído no meio da plantação. Procurei por horas infindáveis, mas não consegui achá-lo. Me perdoe.
A atuação da falsa Psiquê era bem convincente. Me perguntei onde a verdadeira estaria, se algo lhe aconteceu... E então notei um pequeno esquilo que corria em volta do casal, soltando guinchos quase inaudíveis. Será que...? Não, isso não era possível.
– Oh, querida... Isso é lamentável! Mas não é necessário me pedir perdão, não estou furioso com você. – o rapaz disse, delicadamente. – Porém, pense pelo lado positivo. Ele ainda deve estar lá. Há uma possibilidade de achá-lo. Que tal procurarmos juntos? Diga aos criados para procurarem também.
– Faria isto, marido? – estava começando a suspeitar de que aquela assistente de feiticeira tinha feito algum curso de interpretação.
– É claro que sim! – o esquilo, que corria em círculos pelo chão, começou a tentar subir as calças brancas do jovem. – O que faz um esquilo aqui dentro?
A Psiquê falsa não soube o que dizer por alguns instantes, mas se safou bem.
– Encontrei esse pequeno esquilo perdido pelo jardim hoje, com uma patinha quebrada, e curei-o. Agora, ele não quer sair de dentro de casa. Mas esse é o menor de nossos problemas, meu querido... Precisamos achar meu colar. Perderei o sono se não encontrá-lo.
– É... Tem razão, meu amor. Vamos, vamos à procura de seu colar. – o rapaz deu mais um beijo nos lábios de sua amada, e ela se levantou da cadeira. Juntos, eles saíram do quarto e desceram a escada, caminhando até o jardim de mãos dadas.
Atravessei o jardim junto com eles. Mais ao fundo, vi um grande pomar se erguer, cheio de árvores frutíferas de todas as espécies. Eles tinham até mesmo uma mangueira, o que não era comum nos Estados Unidos. Depois de todo esse tempo, notei que o rapaz possuía algo que fazia uma protuberância em suas costas, mas sua camisa branca escondia o que quer que fosse. Psiquê parou abruptamente, e apontou para um determinado local.
– Foi por ali, marido, que meu colar se perdeu.
Ele fez uma cara de intrigado muito fofa, dirigiu-se sozinho para onde Psiquê apontou. Agachou e começou a procurar pelo objeto entre os arbustos baixos e na grama.
– Está aqui, querida! Eu achei! – ele exclamou, e ao tocar o colar com sua mão, algo surpreendente aconteceu. Uma rede de caça se enrolou por todo o seu corpo, e a cada segundo parecia apertá-lo mais e mais. A falsa Psiquê se levantou e ficou observando a cena com cara de paisagem enquanto seu marido agonizava, pedindo ajuda. A rede parecia ser feita de fios de bronze celestial, e por pouco não o estrangulava.
– Psiquê! O que é isso? Me ajude! – ele esganiçou, apavorado. Todos os seus membros estavam imóveis. Um fio da rede subiu pelo seu rosto e começou a tecer uma mordaça em torno de sua boca.
– Nunca mais você irá disseminar o seu tão apreciado amor, Eros . – a voz dela começou a mudar, assim como suas roupas e seu cabelo – Nunca mais haverá sofrimento e nem corações partidos, pois as mulheres saberão viver sem os homens.
Eros queria gritar por trás da mordaça, mas ele nada podia fazer. A mulher se transformou em Érida, a ajudante da feiticeira do meu sonho anterior.
– Circe ficará satisfeita com o resultado de minha missão. – ela continuou. Seu tom de voz era frio e indiferente – E logo o mundo, tanto o mortal quanto o imortal, será um lugar melhor.
Érida notou, juntamente comigo, uma criatura se aproximar de Eros, contorcido no chão pela rede. Era o esquilo que estava no quarto do casal, que tentara alertá-lo do perigo que se seguira.
– E olhe só, sua pobre Psiquê... Reduzida a um mero roedor. E você nada pode fazer, Eros.
Ao falar isso, Érida se aproximou e chutou o pobre esquilinho, que na verdade era Psiquê. Minhas suspeitas foram confirmadas. O animal guinchou e foi parar longe. Érida abaixou-se ao lado de Eros, cujos olhos estavam injetados de vermelho, refletindo toda sua ira.
– Vamos ao encontro de sua futura rainha, Eros. – o sorriso dela foi exatamente igual ao que Circe deu dentro de seu covil. Érida encostou no deus, e os dois desapareceram em uma fumaça levemente cinza. Alguns metros dali, o esquilo se transformou na belíssima Psiquê, a real esposa de Eros. Ela soltou um grito de desespero e começou a chorar e soluçar copiosamente, esparramada na grama, sem forças para se levantar. Eu era capaz de sentir o que ela sentia. Incompetência, desespero, medo e fracasso. Todos esses sentimentos sendo expelidos em forma de lágrimas.
Vendo essa cena, meu sonho acabou.
E eu acordei soluçando e chorando como Psiquê, sob o olhar curioso de Will.
Não sabia o que falar. Apenas enxuguei minhas lágrimas enquanto Will não tirava os olhos de mim.
– Não é bom ficar guardando esses sonhos para si, Pattie. Você deveria falar com o Oráculo. Ela chega amanhã.
– Oráculo? O que? – eu ainda estava sonolenta, apesar de tudo, e as palavras de Will soaram um pouco distantes. Ele suspirou.
– Relaxe um pouco, e depois volte a dormir. Eu só vim até aqui porque escutei seus soluços. Boa noite, irmã... – ele me deu um beijo na testa e saiu do meu quarto, me deixando sozinha e paralisada.

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Não consegui dormir quase nada depois do sonho. As emoções foram muito intensas. E várias teorias começaram a se formar na minha mente.
Eu precisava conversar com alguém sobre esses dois sonhos, sem dúvidas. Alguma coisa estava acontecendo, e eu tinha informações que poderiam ser importantes.
Levantei da cama me rastejando, mas consegui me trocar e realizar a higiene matinal. Sai do chalé e Ryler me esperava na varanda, encostado numa das pilastras da mesma. A sua imagem fez o meu cérebro parar de raciocinar um pouco, e meus ombros até se relaxaram.
– Bom dia. – ele disse, sorrindo, e com as duas mãos pegou meu rosto para me dar um selinho delicado. Eu correspondi.
– Bom dia! – tentei parecer calma e alegre. Mas algo dentro de mim me consumia, me deixando desesperada para que esse tal Oráculo chegasse logo e resolvesse a situação.
– Você dormiu bem? Está com umas olheiras tremendas. – Ryler não sabia ser discreto. Eu soltei uma risada baixa.
– Ainda bem que você não mente para mim, falando que eu estou bonita quando na verdade eu não estou!
– Não foi isso que eu quis dizer! – ele se defendeu – Você sempre está bonita. As olheiras não são nada. Só fiquei preocupado mesmo...
– Ah, não se preocupe, Ry. Foi apenas um pesadelo, de verdade. – não queria que ele ficasse fazendo muitas perguntas sobre o assunto. Meu sexto sentido me dizia que esses sonhos não deveriam ser contados a qualquer um. Não que Ryler fosse um qualquer... Poxa, vocês entenderam.
– Odeio pesadelos. –ele adicionou esse comentário super válido para a conversa, e juntos fomos até o refeitório. Chegando lá, cada um foi para sua mesa, e só depois do café nos reunimos novamente, dessa vez para se despedir e cada um ir cumprir suas tarefas diárias.
O dia se arrastou. A agonia dentro de mim era tanta que eu fazia as coisas sem prestar muita atenção, como se estivesse no piloto automático. Não parava de pensar no que Eros deveria estar sofrendo na mão de Circe e sua maldita assistente, Érida. Mas se ele era um Deus, não podia simplesmente escapar delas? Fazer tudo explodir e voltar para Psiquê?
Milhões de perguntas assolavam meus pensamentos. Precisava muito saber se a tal oráculo tinha finalmente chegado. Se alguém saberia me dizer isso, esse alguém era Annabeth. Então larguei tudo o que estava fazendo e fui atrás dela.
Annabeth se encontrava no seu chalé, organizando alguns mapas e livros nas estantes. A porta estava aberta, e eu educadamente bati nela, pedindo permissão para entrar.
–Oh, oi Pattie! Pode entrar! – Annabeth disse cordialmente, e eu adentrei o incrível chalé de Atena, que mais parecia uma base militar misturada com biblioteca. Ela estava sozinha, pois todos os seus irmãos se encontravam fazendo alguma outra atividade. Eu perguntei se estava tudo ok, ela respondeu que sim. Então soltei o que queria perguntar de uma só vez:
– Annabeth, você sabe se a Oráculo já chegou?
– Rachel deve chegar ao final da tarde. – Annabeth respondeu. – Você quer conversar com ela, não é? O que houve?
Eu hesitei em contar a ela sobre os meus sonhos, mas Annabeth me pareceu tão digna de confiança com aqueles olhos cinzas profundos que não consegui esconder. Assim que terminei, sua expressão não era nada boa e ela tinha parado de mexer nos livros.
– Você faz bem em contar à Rachel seus sonhos – Annabeth falou, pensativa – Vamos esperar a sua chegada para contarmos isso.
Assenti nervosa. Eu contei meus sonhos para Annabeth, mas e se ela contasse a mais alguém? Sinceramente, não queria que mais ninguém, além de Annabeth e a Oráculo, soubessem disso.
Annabeth sorriu.
– Não se preocupe, não vou contar para ninguém sobre seus sonhos – ela prometeu.
Sorri agradecida e rumei para fora do Chalé de Atena, deixando uma Annabeth pensativa e até mesmo assustada, para trás.
A tarde passou terrivelmente devagar, e não porque eu não fiz nada. Pelo o contrário, eu fiz muita coisa, mas não prestei atenção em nada. A imagem de Eros preso, implorando para ser libertado, enquanto aquela tal de Érida ria com escárnio, me atordoou o tempo todo. Leo e Piper já haviam notado meu jeito desligado, e insistiram para eu contar o que estava acontecendo.
– Pattie, pelos deuses! Diga para nós porque você está assim! – Piper implorou enquanto passávamos em frente à Casa Grande.
– Eu não estou de jeito nenhum, gente! Eu já disse que estou bem...
Leo me encarou com deboche.
– Oh, é claro que está bem. Ninguém aqui percebeu o quanto você está pálida e abalada. Ninguém mesmo, Pattie.
Revirei os olhos e examinei o ambiente. O sol estava se pondo, e calculei que deveria ser mais de cinco horas. Campistas andavam de um lado para outro, alguns com armaduras, outros conversando e rindo. Não avistei Ryler em lugar nenhum, então deduzi que ele só poderia estar na arena de combates, como sempre. Parei um segundo para examinar a Casa Grande, que era uma casa aparentemente antiga e muito detonada. Então, vi Quíron trotando para fora da Casa com uma menina ruiva ao seu lado. A garota carregava uma mochila nos ombros e não vestia a camisa do acampamento. Ela deveria ter a idade de Percy e Annabeth, julgando pela altura. Vestia uma camisa esfarrapada e uma calça personalizada com borrões de tinta e rasgos. Quíron e a garota pareciam estar tendo uma conversa séria, até Annabeth chegar e cumprimentá-la, fazendo-a sorrir.
– Oh-oh, o Oráculo chegou. Quem serão os escolhidos da vez? Espero que não seja eu. – Leo brincou.
Eu arregalei meus olhos. Aquela menina era o Oráculo? Eu imaginava o Oráculo como uma velhinha de 80 anos, que mal conseguia se levantar.
– Isso nunca é um bom sinal. – Piper completou.
Os dois pareciam indiferentes com a chegada do Oráculo, ao contrário de mim, que ignorei meus amigos e andei em direção a Rachel, decidida a contar meus sonhos. E foi nesse exato momento que eu cometi a maior burrada da minha vida. Eu nunca deveria ter conversado com a menina ruiva.


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Notas finais do capítulo

Deem suas opiniões sobre a história! O que vocês andam achando dos personagens e do enredo? Gostamos de saber a opinião de vocês! Até a próxima... xX Taty



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