"Senhor Schue?" –– pronunciou-se Rachel, levantando a mão com tranquilidade.

Os outros membros do Novas Direções se entreolharam. Todos eles haviam percebido a grande diferença da pequena diva do clube do coral desde que ela começou a agir de forma estranha, há algumas semanas. Primeiro de tudo, ela não interrompia mais os professores; segundo, ela não mandava mais em todo mundo, exigindo que fossem responsáveis e enchendo-lhes o saco com cobranças; terceiro, ela estava calada, o que, por si só, já era indício de extrema anormalidade; e por último, mas não menos importante, ela não cantava um solo há três semanas. Sem contar no fato de que, agora, ela também deixara de usar as saias da avó e os moletons de bichinho, trocando-os por jeans e camisetas normais. Uma melhora significativa para alguns, e um desperdício para outros, que gostavam de apreciar as longas pernas da baixinha (não que Noah Puckermann jamais fosse dizer isso em voz alta). De qualquer forma, quase nenhum deles poderia dizer o que havia de errado com ela.

Não que eles não tivessem tentado, embora. Assim que notaram aquele comportamento fora do comum, Kurt e Mercedes decidiram bancar os detetives. No final, chegaram à conclusão de que o culpado era, novamente, Finn Hudson, que se sentiu extremamente presunçoso por ser uma constante na vida da baixinha –– ele nem ao menos sabia o que isso significava, mas soou bem quando Kurt disse ––, e, logo em seguida, convidou Rachel para sair. Para sua enorme surpresa, ela recusou. Então, os garotos estavam no escuro. Ou, ao menos, a maioria. Havia duas pessoas no grupo que sabiam exatamente o motivo por trás das atitudes de Rachel. Uma delas era seu melhor amigo e "jewbro", Noah Puckermann, de quem ela se aproximou desde o curto relacionamento que tiveram no ano anterior. 

"Rachel" –– indicou o sr. Schuester, sentindo-se um pouco aliviado pela intromissão. Ele procurou ser discreto sobre o assunto, mas a verdade é que o súbito silêncio de Rachel o perturbou bastante, não apenas por ela ser a estrela do clube. Passou por sua cabeça que, talvez, as intimidações diárias, muito embora as mesmas tivessem diminuído nos últimos tempos, poderiam estar fazendo a garota chegar ao seu limite. Ele viu casos no jornal, na televisão, na Internet. Seu grupo de alunos poderia ser meio confuso (como não? eles são adolescentes!), e Will nem sempre tomava sábias decisões, mas isso de forma alguma significava que ele não se importava com suas crianças. Ele os amava como se fossem seus filhos.

"Se o senhor, e meus caros colegas de equipe não se importarem, eu gostaria de cantar uma música que é perfeita para a atividade proposta nesta semana" –– disse a garota, cruzando as mãos delicadamente sobre o colo e esperando por uma resposta. Vê? Isso jamais aconteceria há um mês. Ela apenas se levantaria e começaria a cantar como se sua vida dependesse disso.

"Hum... Rachel" –– comentou Will, franzindo o cenho. "Eu ainda não disse qual era a tarefa da semana"

"Não precisa" –– retrucou a garota, revirando os olhos. "É para cantarmos sobre a forma que estamos nos sentindo, não é?"

Ignorando uma vozinha no fundo de sua mente dizendo-lhe que sua aluna era uma vampira e que ela era capaz de ler mentes –– ele definitivamente estava passando muito tempo dentro do escritório do Figgins discutindo com a treinadora Sylvester para sequer cogitar isso como ideia  ––, Will concordou com a cabeça e permitiu que Rachel se apresentasse. Para ser bem franco, ele também sentia falta de escutá-la cantar. Ela era uma das pessoas mais talentosas que já conhecera em sua vida, e tinha certeza de que, se alguém conseguiria sua entrada para Broadway, então esse alguém seria ela. Sua preocupação era que, talvez, o desejo pelo estrelato não combinasse com essa nova personalidade mais passiva; e nem ele, e nenhum dos outros gleeks, pareceu gostar disso. Sim, a garota era irritante na maior parte do tempo, mas sua determinação em ser sempre a melhor era justamente o que todos eles admiravam. Sem ela, eles nunca teriam chegado tão longe nas competições; nem mesmo no próprio clube, para falar a verdade. Finn gostava de pensar que ele era o líder que mantinha todos unidos, só que, na realidade, esse papel pertencia à Rachel.

Um pequeno sorriso surgiu no rosto da baixinha, só para desaparecer logo em seguida. Ela abaixou os olhos para os próprios pés, levantou-se da cadeira, caminhou até o piano e sussurrou alguma coisa no ouvido de Brad, que concordou com a cabeça e sorriu. Até mesmo o pianista estava satisfeito em ver a diva de volta à ação, mas só porque ele adorava presenciar as confusões que se seguiam sempre que ela anunciava que queria um solo. De fato, o único motivo pelo qual ainda não desistira do seu trabalho é porque era divertido demais ver todas as brigas que ocorriam dentro do clube. Ele poderia chegar em casa, à noite, e contar tudo para sua mulher na hora do jantar, fazendo-os rir durante toda a refeição. Também podia se tornar num ótimo tema de conversa durante os fins de semana com seus amigos. A maioria não acreditava em metade das histórias que ele contava. Ah, se eles soubessem!

Rachel, por sua vez, parecia alheia à movimentação dos seus colegas, que agora cochichavam baixinho. Ela andou até o centro da sala e ergueu a cabeça. Foi quando todos perceberam que havia lágrimas em seus olhos. Como se fossem uma só mente, todos eles se perguntaram, ao mesmo tempo, quem seria o responsável por causar sofrimento a diva daquela vez. Na concepção dos gleeks, algo muito sério e muito ruim deveria ter acontecido –– afinal, nesses três anos de convivência, eles nunca viram Rachel Berry tentar mudar por absolutamente ninguém.

"Noah, você poderia me ajudar com a música, por favor?" –– pediu ela.

O garoto de moicano concordou com a cabeça, levantou-se de sua cadeira e passou por ela, apertando-lhe de leve o ombro. Puck detestava ver sua "jewbabe" daquela maneira, mas não estava em suas mãos tornar tudo melhor. Só uma pessoa poderia fazer isso. Seus olhos vagaram lentamente até uma garota loira sentada ao fundo, observando as próprias mãos como se fossem a coisa mais interessante do mundo. Ele pode ver, embora, a expressão de culpa, medo e ansiedade em seu rosto. Ele se posicionou ao lado da banda com o violão em mãos, à espera do sinal para começar a tocar. Espero que isso dê certo, pensou. Em sua opinião, as duas formavam um belo casal.

Quinn Fabray, contudo, não parecia bastante certa sobre isso. Ela era a segunda pessoa, além de Noah, que conhecia o motivo por trás da mágoa de Rachel. Não apenas conhecia, mas como também era sua causa. Depois da conversa que tiveram no quarto da baixinha antes das Regionais, e das coisas que aconteceram após, Quinn se sentia extremamente confusa em relação aos seus sentimentos. Ela sabia que estava apaixonada por Rachel –– ela sempre soube disso ––, mas isso não significava que ela não tivesse dúvidas. A loira simplesmente não via como elas duas poderiam dar certo. Rachel era destemida; ela era medrosa. Rachel era determinada; ela não sabia o que faria da sua vida. Rachel nasceu para ser uma estrela; ela foi criada para ser uma dona de casa. Como isso possivelmente poderia resultar em algo bom?

Quinn não queria arriscar.

Com Rachel, era tudo ou nada.

"Vocês devem ter percebido que eu tenho estado diferente esses dias" –– começou a baixinha, observando todos os seus amigos e, principalmente, a garota pela qual ela estava perdidamente apaixonada. "Sei que vocês têm se perguntado o motivo. Sei que vocês acham que perdi completamente a cabeça. Só acreditem em mim quando digo que há uma razão por trás de todas as minhas atitudes. Eu quero mostrar a uma pessoa que posso ser boa o suficiente para ela. Posso mudar, se for preciso, para que nossa relação dê certo. Eu faria isso por ela, porque eu a amo. É isso. Espero que gostem. Espero que você goste"

E fazendo um sinal com a cabeça na direção da banda, eles começaram a tocar.

Settle down with me

Cover me up, cuddle me in

Lie down with me, yeah

And hold me in your arms

And your heart's against my chest

Your lips pressed to my neck

I'm falling for your eyes, but they don't know me yet

And this feeling I'll forget, I'm in love now

Kiss me like you wanna be loved

You wanna be loved, you wanna be loved

This feels like falling in love

Falling in love, falling in love

Yeah, I've been feeling everything

From hate to love, from love to lust, from lust to truth

I guess that's how I know you

So hold you close to help you give up

And your heart's against my chest

Your lips pressed to my neck

I'm falling for your eyes, but they don't know me yet

And this feeling I'll forget, I'm in love now

Kiss me like you wanna be loved

You wanna be loved, you wanna be loved

This feels like falling in love

Falling in love, falling in love

Settle down with me

And I'll be your safety, you'll be my lady...

Durante toda a música, os olhos de Rachel ficaram presos aos de Quinn. Ela definitivamente não viu Finn caindo da cadeira, Tina se engasgando com a própria saliva, Kurt tentando fechar a boca escancarada, e Mercedes arregalando os olhos na direção de Quinn. Não que ela se importasse, de qualquer maneira. Tudo o que a garota queria era que Quinn percebesse o quanto elas poderiam ser felizes. O quanto elas poderiam fazer uma pela outra.

Surpreendentemente, Puck foi o primeiro a se manifestar. 

"Você a ama, Quinn" –– disse, num tom de voz mais suave do que todos achavam ser possível. "Quantas vezes você vai precisar cometer os mesmos erros para perceber que a felicidade está bem a sua frente? Quantas vezes você vai precisar se machucar, e machucar as pessoas ao seu redor, para admitir que também quer isso? Que também precisa disso? Vocês foram feitas uma para outra. Eu sei disso. Rachel sabe disso. Todos nessa merda de escola sabem disso. Ou será que você realmente acha que todos aqueles insultos, toda aquela perseguição, toda a obsessão que você tinha sobre Rachel ia enganar alguém?"

Pelo jeito que Finn arregalou os olhos, era certo dizer que, seja o que for que todos sabiam, ele definitivamente não tinha recebido o memorando.

"Apenas seja corajosa uma vez na vida e tome a decisão certa" –– concluiu Puck. "Escolha ser feliz".

Rachel lançou um olhar de gratidão na direção do amigo, agradecendo-lhe por dizer tudo aquilo que ela mesma gostaria de estar falando. Contudo, a voz parecia ter se perdido dentro de sua garganta. Tudo o que ela era capaz de fazer era olhar na direção de Quinn, implorando-lhe por uma chance. Seus olhares se conectaram. Eu não posso ser feliz sem você, disse Rachel, sem palavras.

Isso foi o suficiente para Quinn. As lágrimas começaram a descer de seus olhos, e ela saiu correndo da sala do coral.

"Vá atrás dela" –– disse Puck, empurrando-a em direção da porta. "Pegue sua garota, Rae"

Rachel não estava muito certa sobre isso, mas o que tinha a perder, afinal de contas? Seguindo o conselho de Noah, ela correu para fora da sala e se deparou com Quinn parada no corredor, chorando. Aproximou-se dela e parou ao seu lado, ainda em silêncio, sentindo seu coração martelar com força contra seu peito. Por alguns segundos, elas não falaram nada. Quando as lágrimas de Quinn finalmente pareceram ter acabado, ela ergueu a cabeça, mostrando um olhar decidido em seu rosto.

E, então, ela resolveu que também poderia ser determinada, e corajosa, e feliz, e que só porque ela foi criada para ser apenas mais uma pessoa sem importância no mundo, isso não significava que ela não poderia fazer suas próprias asas e voar até as estrelas.

Quinn Fabray puxou Rachel Berry para perto e a beijou. 

Ela sequer precisou de asas para alcançar o céu.