Em Minhas Memórias escrita por Mary e Mimym


Capítulo 38
Recomeçar


Notas iniciais do capítulo

É... último capítulo... Quem diria, né? Bem, foi maravilhoso compartilhar essa história com vocês. Foi muito bom desfrutar dos momentos mais dramáticos e emocionantes dessa fanfic. Não quero que esse final se torne uma despedida minha para com vocês. Está mais para um "até logo", até porque vocês podem falar comigo quando quiserem, viu? kkkkk
De qualquer forma, aqui está o último capítulo. Espero muito que vocês gostem.
Boa leitura.



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Parei em frente à mesa dos pais de Ronan. Eles estavam conversando sobre algo e eu os atrapalhei.

–Desculpa, mas eu não consigo mais me segurar. – Disse, como se precisasse desabafar.

–O que te aflige, Elesis?

–Tia... Eu quero saber do Ronan, eu... Eu preciso vê-lo. – As palavras estavam desaparecendo da minha voz. Eu queria gritar ali, mas não conseguia nem falar num tom audível direito.

–Elesis... – A mãe dele iria falar algo, mas silenciou-se.

Minha mãe me chamou pelo microfone. Era hora do parabéns. Fechei os olhos. Respirei fundo e tentei me acalmar.

–Eu quero ver o Ronan o mais rápido possível, eu preciso vê-lo mais que tudo.

Os pais de Ronan se levantaram e olharam para frente. Quando me virei, vi que todos estavam de pé. Tinha que continuar a seguir o roteiro da festa. Dirigi-me até a mesa do bolo e aquela cerimônia toda foi feita.

Em nenhum momento larguei o caderno de minhas mãos. Minha mãe olhou algumas vezes para mim, como se me obrigasse a soltá-lo; porém, não o fiz.

Depois que os garçons começaram a servir os bolos, docinhos e tudo que tinha direito, fui procurar os pais de Ronan, pois os havia perdido de vista no meio da multidão que se formou em frente à mesa do bolo.

Quando os encontrei, eles estavam saindo do salão. Meu coração deu um salto. Saí de onde estava e corri até eles.

–Espera! – Chamei, parando perto dos dois – Vocês não me responderam.

–Elesis – O Sr. Erudon resolveu falar – Com isso tudo acontecendo, preferimos que você e Arme não se envolvessem muito com Ronan, esperassem que o tempo melhorasse as coisas. – Ele suspirou – Mas vocês duas são cabeças-duras e, por mais que falemos mil vezes, vocês irão protestar.

Sorri com as palavras dele, com a esperança que me deixassem ver o Ronan, já que o próprio pai dele admitira que não fosse fácil aceitar o seu pedido.

–Já se passaram uma semana desde o acontecido e... Ele não está reagindo ainda.

Uma quietude e tristeza caíram sobre nós. Minha boca se entreabriu. Mesmo com uma esperança brotando em mim, eu ainda tinha uma árvore plantada com frutos de preocupação. Afinal, o Ronan ainda estava em coma e não tinha nada a se fazer, ainda mais nas condições em que me encontrava, impedida de vê-lo.

–Então... – A mãe de Ronan continuou – Permitimos que Arme voltasse a vê-lo.

Apertei o caderno contra meu peito. Senti raiva das palavras que ouvi. Aquilo não era justo!

–Vocês já vão? – Minha mãe apareceu atrás de mim.

–Já, amiga, iremos para o Hospital agora.

Olhei para os pais de Ronan como um pedido que me deixassem ir com eles.

–Arme está lá com o Ronan e já está tarde para ela ficar sozinha. Ela precisa descansar também.

–Entendo. – Minha mãe abraçou a mãe de Ronan e depois apertou a mão do Sr. Erudon – Qualquer coisa, é só me ligar, tá?

–Pode deixar, amiga. – O pai de Ronan segurou a mão de sua esposa – A festa ficou linda demais.

Dito essas palavras e encerrando com sorrisos, os dois foram embora.

Como se eu estivesse sendo sufocada e depois voltado a respirar com mais facilidade, busquei ar, pois estava completamente anelante. Aquilo realmente aconteceu? Eu não estava acreditando que Arme voltara a ficar com ele e eu... Eu, novamente, fiquei para trás, como se ainda estivéssemos separados. O pior era que... Estávamos. Não como antes, mas mesmo assim... Havia um novo muro que bloqueava o meu contato com o Ronan.

–O que foi, filha?

–Eu... Eu preciso... – Abracei minha mãe, segurando o caderno com a mão direita – Preciso... ver o Ronan.

Ela me apertou.

–Nem essa festa conseguiu te distrair, não é? – Minha mãe riu – Só mais um pouco, Elesis. Espera mais um pouco.

–Esperar? – Afastei-me – Ele está em coma! – Disse num tom alto, mas não foi capaz de chamar a atenção dos outros convidados, pois a música e a falação abafaram minha voz.

–Sim, ele está em coma e não há nada que você possa fazer, filha!

As primeiras lágrimas caíram.

–Co-como não? A Arme está lá! – Apontei para fora do salão, como se quisesse indicar onde a baixinha estava, no caso, no Hospital.

–Arme já passou por isso, ela sabe do que é preciso para ajuda-lo na recuperação. Afinal – As palavras da minha mãe vieram como um soco forte em meu peito, que me nocauteou completamente – ela o ajudou a recobrar a consciência e acordar. Ela estava perto dele quando ele precisou.

Abaixei o rosto. Fui derrotada. Não tinha mais argumentos. Eu sabia que poderia ajudar o Ronan, eu sabia que minha presença o faria se sentir melhor. Mas minhas palavras não mudariam a decisão da minha mãe. O que ela não sabia, era que Arme usou minhas lembranças para fazer o Ronan acordar do coma, mas não adiantaria nada eu contar sobre isso.

O pior é que eu nem poderia criticar a Arme. O que eu poderia falar? Que ela já me insultou e não foi com a minha cara? Isso não adiantaria em nada! E eu ainda iria ficar com a imagem de uma menina que sente ciúmes do amigo.

Nada estava dando certo! E a festa ainda rolava... Como eu queria ir para casa e me trancar no quarto, na tentativa de suportar tudo aquilo – mais uma vez – sozinha.

–Elesis. – Ouvi Lass me chamar e levantei o rosto.

Ele olhou para a minha mãe e ela saiu, como se ela soubesse que ele me diria algo que me tranquilizaria.

–Eu sei que... – Lass me olhou e nem piscava direito – Você deve estar querendo se fechar novamente, como estava antes de nos encontrarmos. – Ele se aproximou mais de mim – Não faça isso. Seja mais paciente desta vez.

Lass passou a mão em meu rosto e enxugou as lágrimas que caíram. Ele falava como se soubesse de tudo que eu sentia, como se lesse meus pensamentos. Lass olhou para o caderno e eu entendi o porquê de eu ser mais paciente.

–Lass! – Ryan se aproximou de nós dois – Vamos?

–Vocês já vão embora? – Indaguei.

–Já, amanhã tem jogo na escola e temos que acordar cedo. – Ryan respondeu.

–Mas amanhã é sábado.

–E tem jogo... – Ryan me olhou como se não tivesse entendido a minha surpresa por ser num sábado e eu acabei rindo da expressão dele.

Olhei para Lass de relance e ele tinha um pequeno e acanhado sorriso nos lábios.

–Tchau. – Lass me abraçou e, logo depois, Ryan fez o mesmo.

Despedimo-nos e eu os acompanhei até o portão da entrada.

–Não se esqueça, – Lass, mesmo de costas para mim, disse – seja paciente.

Assenti positivamente. Adentrei novamente o salão e vi que estava esvaziando. As pessoas estavam indo embora. Passavam por mim; despediam-se; diziam mais uma vez parabéns; eu sorria como se estivesse tudo bem...

Por fim, o salão estava vazio de convidados. Só restavam eu, minha mãe, a cerimonialista e o fotógrafo, este estava olhando para a câmera, acho que via as fotos da festa.

Sentei-me em uma mesa qualquer e deixei que minha curiosidade fosse maior que tudo. Abri o caderno e me deparei com a caligrafia de Ronan. Jamais me esquecerei do jeito como ele escreve. Letras finas e bem alinhadas, com espaços consideráveis entre as palavras. Era dele. Eu tinha certeza. Lembrei-me da letra, pois era bem semelhante com a que ele usava para responder meus exercícios da escola.

Li o que ele escrevera inicialmente, virei a folha com calma, enquanto absorvia tudo aquilo. Algumas estavam em branco; outras nem tinham tanta coisa escrita, como se fosse folha de rascunho. As marcas do lápis, depois de ter sido apagado com força, ainda se fazia presente em alguns espaços. Anotações de matérias também estavam naquele caderno.

Depois das anotações, as folhas seguintes estavam em branco, passei as páginas com mais avidez e fui para as últimas. Tinha uma fotografia minha e do Ronan quando éramos pequenos. A fotografia que foi tirada depois do nosso beijo acidental. Nossas bochechas estavam bem coradas e nossos sorrisos estavam tão humorados que nem parecia que algo tão espantoso havia acontecido.

Tirei a fotografia de cima da folha e a coloquei em cima da mesa, depois de contemplá-la várias vezes. Corri meus olhos nas palavras e minhas expressões foram mudando. Até que eu li:

“(...) Talvez você nunca leia minhas palavras ou talvez nem descubra o que eu sinto.

Mas confessarei aqui, nessa folha branca, em cima dessas linhas azuis, como se eu escrevesse uma carta que nunca será enviada, que eu te amo.”

Meu coração palpitava de tal maneira que... Eu não seria capaz de segurá-lo dentro de mim. Meus olhos estavam inundados de água, como quem olha um horizonte de uma praia. Senti um frio e um embrulho no estômago. Um aperto forte no peito. Uma felicidade sem igual.

–Eu... – Passei o indicador no relevo que o grafite fez no papel, bem nas palavras “eu te amo”, sussurrando para mim mesma.

–Elesis? – Minha mãe me chamou – Temos que ir, filha. O salão já vai fechar.

Levantei-me e passei as costas da mão nos olhos.

–Está tudo bem? – Ela ficou preocupada – Olha, se for sobre o Ronan...

–Mãe, - interrompi – tu-tudo bem, eu espero. – Minha voz saiu um pouco falhada.

–Tá bom... – Ela sorriu para mim e eu retribuí.

Peguei a fotografia e guardei dentro do caderno.

–Esse caderno foi um presente? Você não o largou.

–É... – Eu ri – O melhor presente que eu poderia ter recebido.

–Hum... – Minha mãe estava curiosa, mas não perguntou mais nada. Ela estava cansada, dava para ver em seus olhos que estavam quase se fechando.

O taxista apareceu na entrada do salão e nos chamou com um gesto de mão. Fomos embora e, quando eu cheguei em casa, joguei os saltos longe, subi para meu quarto, peguei uma roupa confortável e fui tomar banho.

A água gelada batia em meus cabelos e parecia levar toda a incerteza, todo medo, toda raiva embora... Estava calor e a água refrescava meu corpo exausto.

Desliguei o chuveiro depois de quase meia hora no banho e me troquei para dormir. Eu... Eu estava tão leve. Bem. Muito bem.

Saí do banheiro e fui para a cama, o caderno estava perto do meu travesseiro. Abri-o. Retirei a fotografia e fiquei olhando-a. Minha mente ficou coberta por lembranças. Por sorrisos. Pelo olhar angelical de Ronan. Acabei pegando no sono logo depois que deixei as memórias me invadirem.

Os dias se passaram, as notas dos testes haviam saído. Eu havia ficado em recuperação apenas em uma matéria. Minha relação com o Lass foi a mesma depois do meu aniversário, fiquei até mais livre em poder falar sobre assuntos variados, ou seja, conversávamos mais do que quando éramos namorados.

Arme e Lire não se separavam na hora do intervalo e a face da baixinha não era tão triste. Ela parecia até despreocupada. Diversas vezes queria falar com Arme para saber sobre o Ronan, mas meu orgulho é grande demais para ter feito isso.

Completando a quarta semana desde que o Ronan entrou em coma, a mãe dele ligou para a minha. As duas conversaram por quase vinte minutos. Era uma quinta-feira e estava chovendo.

Assim que minha mãe desligou, olhei para ela entusiasmada e com um pouquinho de preocupação.

–O que houve?! – Exclamei, com um nível de esperança em ouvir que o Ronan acordara do coma tão grande, que, se minha mãe dissesse o contrário, era capaz de eu entrar em depressão.

–O Ronan acordou, Elesis!

Sorri com a notícia tão esperada. E não foi qualquer sorriso. Foi um largo. Vivo! Um sorriso de felicidade acima do normal, que eu raramente dava.

–Eu posso ir visita-lo? – Perguntei.

–A mãe do Ronan pediu que esperasse mais uns dois dias. – Soltei um breve “ah...” – Só para ele se recuperar de ter ficado esse tempo desacordado.

–Bem, eu esperei até agora... – Dei os ombros.

Os dois dias passaram e o clima mudou. Era para fazer frio no final de semana; contudo, ao invés disso, o sol tilintou no céu. Apareceu na sexta-feira de tardinha, antes do crepúsculo, deixando o céu avermelhado. E no sábado... O sol chegou perto, mas o brilho nos meus olhos conseguiu ser mais intenso.

Eu tive uma ideia durante esses dois dias. Baseei-me na carta que Ronan escreveu para mim. Resolvi pegar um caderno meu, que eu não usava e comecei a escrever nossos momentos juntos. Lembranças da nossa infância. As lembranças que eu recordava, é claro. Uma das lembranças, por exemplo, foi quando eu abri o presente do Ronan, sem saber que era dele e me encantei pelo cordão, quando o coloquei, não o tirei mais.

Virei a noite de quinta-feira para sexta escrevendo. Fui para a escola forçada, pois o sono queria que eu ficasse na cama. Pouco falei naquele dia. Inventei qualquer desculpa para o meu comportamento lesado para os meninos e fiquei o intervalo todo dormindo.

Sábado amanheceu. Como eu disse, com um sol generoso no céu. Eu estava nervosa, o que não era muito do meu feitio. Mas estava.

Afinal, era o dia em que eu iria visitar o Ronan. Peguei o caderno e fui procurar, no álbum de fotos que minha mãe tem, alguma fotografia minha e do Ronan. Fiz uma bagunça no guarda-roupa dela. Saí de fininho do quarto dela para que ela não percebesse.

Saí de casa apressada. Era para eu ir com a minha mãe, mas ela estava demorando muito. Então fui sozinha.

Peguei o ônibus que minha mãe me informou. Desci no ponto e este me deixou em frente ao Hospital. Um sorriso brincou em meus lábios novamente, como se eu fosse uma criança recebendo o tão esperado presente de Natal.

Avistei Ronan, que estava no pequeno jardim na entrada do Hospital. Estava conversando com o médico e com a... Bem, foi nesse momento que meu sorriso desapareceu de meu rosto. Arme estava com Ronan. Era de se esperar, afinal, permitiram que ela ficasse ao lado dele...

Respirei fundo. Era um sábado ensolarado, sem nuvens no céu azul, poderia aproveitar isso para descansar no frescor do meu quarto com o ar condicionado ligado, mas não fiz isso. Tomei a coragem que precisava e encarei os desafios que a vida me submeteu.

Caminhei até o encontro deles. Lembrei-me que a mãe de Ronan me disse que ele não se lembrava de algumas coisas e que o médico aconselhou não forçarmos a sua memória. Também disse que não sabia se ele se lembrava de mim ou não.

Meu estômago se revirava e meu peito doía só de pensar que tinha possibilidades de o Ronan não ter recordações de mim. Nem, ao menos, saber o meu nome.

Minha respiração pesava a cada passo que eu me aproximava do médico, que estava de costas para mim, assim como Arme. Ambos de pé. Ronan se encontrava sentado em uma cadeira de madeira com uma mesa a sua frente, do mesmo material. Seu rosto era pálido que refletia o sol já forte pela hora da manhã que ainda era.

Ele sorria com a conversa que estava tendo. Um sorriso tão ingênuo e despreocupado, como sempre teve. Ronan desvencilhou dos dois a sua frente e encontrou os meus olhos. Cheguei a parar de andar e meu coração não se quietava. Parecia até que as aveias e artérias não segurariam por muito tempo o coração em meu corpo.

O que me surpreendeu e me fez ter medo, foi a expressão que Ronan fez ao me olhar. Não teve expressão. Era como se visse um desconhecido. Alguém que jamais fez parte de sua infância. Da sua vida.

Confesso: Aquilo me destruiu por dentro, como se meu coração fosse um jornal velho que alguém pegou, amassou e jogou fora. Doeu. Nem parecia que era eu ali, tão... Desolada. Eu não era assim... Não poderia ser assim!

Contudo, isso não me fez desistir. Essa, sim, era a Elesis que eu conhecia. Aliás, desistir seria a última coisa que eu faria naquele momento. Se Ronan não se lembrasse de mim, bem... Eu teria de suportar isso, esperar pacientemente que o tempo resolvesse a situação. Eu só queria olhá-lo e vê-lo bem de novo, como ele aparentava estar agora.

Afastei meus pensamentos. Continuei meu percurso e parei ao chegar perto do médico, com seu jaleco tão branco que se fundia com o rosto de Ronan. Ele estava falando algo, mas parou quando eu me fiz presente no grupo que estava ali. O médico se virou instantaneamente assim como Arme.

–Oi... - Foi o que eu conseguir dizer naquele momento. Eu não conseguia olhar para o Ronan, minha atenção foi toda para o médico.

–Você não é aquela ruiva que me impediu de ir atrás do Ronan? – Ele me perguntou e eu ri sem jeito.

–Sou eu sim... – Minha garganta travava quando eu abria a boca.

Ficamos em silêncio.

–Desculpa, eu não queria atrapalhar.

–Veio visitar o Ronan?

Fiz que sim com a cabeça como resposta. Novamente a conversa se limitava entre eu e o médico.

Arme olhou para Ronan e depois para mim. Eu não sabia o que fazer. Estava nervosa, como se eu e Ronan fôssemos completos estranhos. Ainda mais que ele parecia me analisar. Como se não me conhecesse.

Aquilo machucava o peito de uma forma inexplicável. Apertei o caderno que estava em minhas mãos. Como eu odeio usar bolsa, trouxe o caderno na mão mesmo.

–O Ronan está aqui fora para tomar um pouco do sol da manhã. – O médico parecia agoniado com aquele silencio persistente e me informou sobre o motivo de estarem ali.

Assenti novamente. Minha garganta estava seca demais para eu dizer algo.

–Você obedeceu mesmo a sua mãe em não vir aqui no hospital. – Arme resolveu começar com a implicância.

–Pois é... Tive de ser paciente.

Arme riu e cruzou os braços. Aquela amenidade se fez presente de novo. Olhei para o caderno e resolvi encerrar aquilo. Estava sendo constrangedor estar ali e não saber nem as palavras certas para se usar. Não conseguia ao menos formar uma frase decente.

Caminhei um pouco mais até chegar mais perto da mesa onde Ronan estava. Coloquei o caderno sobre a mesma e me afastei. Ele olhou para o caderno, para mim e voltou para o caderno.

–Um presente?

Sua voz me deixou paralisada. Como se estivéssemos num campo de batalha, fui derrotada com um só golpe. Gaguejei antes de responder.

–É... – Eu precisava ser mais firme. Eu não era assim, fraca! Eu sou forte e determinada! – São lembranças.

–Hum. – Ronan voltou a olhar para o médico, que apenas balançou a cabeça.

Respirei fundo.

–Eu já vou indo... – Disse e me virei. Esperava que Ronan se levantasse, sei lá, me impedisse de ir. Mas nada disso aconteceu. Fechei as mãos e andei sem olhar para trás.

Arme quem me acompanhou, pois ela saiu de onde estava assim que eu me virei.

–Irônico, não? – Disse ela, já ao meu lado.

Estávamos um pouco afastadas do médico e de Ronan. Deixei Arme falando sozinha e segui meu caminho até o ponto de ônibus. Mas ela não se calou.

–Você sempre esteve presente nos momentos do Ronan, mas quem estava ao lado dele nas situações mais precisas... Fui eu. – Mesmo não a olhando, sabia que ela tinha um sorriso debochado no rosto. Ela usou as mesmas palavras naquele dia no Hospital, antes de eu adentrar o quarto do Ronan.

Arme parou de andar, como se fosse voltar para perto de Ronan, entretanto, ela continuou a falar.

–Dessa vez eu não usei as suas lembranças para fazê-lo voltar a ficar consciente. – Permaneci de costas para ela – Durante essas semanas que eu o visitei... – Arme deu uma breve pausa, como se estivesse se recordando – Foi diferente. Ele parecia querer voltar a reagir logo, ele lutava contra seu próprio corpo. Ele queria mesmo voltar a viver. E, antes, não era assim, tanto que ele ficou em coma por um pouco mais de um mês.

Virei-me.

–E o que eu tenho a ver com isso? – Cruzei os braços.

–Você não se lembra do que o pai do Ronan lhe disse? Que você o fez querer voltar a viver? Mas nem foi necessária sua presença aqui, só de você ter estado com ele naquele dia... – Arme fechou os punhos – Você foi a última pessoa que ele viu. Ficou presa na mente dele como uma força capaz de fazê-lo lutar e relutar para acordar.

Eu não conseguia acreditar... Não era das palavras que me eram ditas, mas por serem ditas pela Arme. Desfiz os braços e prestei mais atenção nela.

–Eu não sei se ele se lembra de você. – Arme não poderia deixar essa oportunidade de me contar isso – Não toquei no seu nome. E o médico também disse que estava muito cedo para começar a perguntar ao Ronan se ele se lembrava das coisas. Ele se lembrou dos pais quando acordou e... – Arme olhou para mim e estava séria – Assim como da primeira vez, eu estava ao lado dele. Ele chamou pelos pais. Olhou para mim e pensou que eu fosse uma enfermeira. Fechou os olhos e depois os abriu. Eu me aproximei e ele segurou minha mão... – Arme deu uma pausa brusca e colocou as palmas no rosto. Ela aspirou um pouco. Acho que estava chorando... Por um momento, eu não consegui olhar para Arme e sentir raiva. Esperei que ela continuasse. Assim que ela enxugou os olhos, prosseguiu – Ele pegou a minha mão e pediu que eu chamasse os pais dele. Sua voz era tão fraca e baixa. Eu saí do quarto e chamei o médico. Quando se passou um dia, eu voltei no hospital e o Ronan já tinha ido para o quarto. Eu entrei no quarto dele muito mais aliviada e feliz. Ele olhou para mim e... Bem, meu coração não se conteve.

Arme me analisou, para saber como eu reagiria, mas permaneci com uma expressão monótona, aguardando que ela me contasse o que tanto queria.

–Eu me aproximei da cama e falei com ele. – Arme olhou para outro ponto da rua – Mas ele não me reconheceu.

Eu não esperava por essa. Dei um passo para trás e encarei Arme, ela abriu a boca para continuar, mas logo depois a fechou. Esperou um pouco e o som da rua substituiu a conversa.

–Então... – Disse, retomando a conversa – Ele não se lembra de nada além dos pais?

–Não. – Arme suspirou – Ele lembra algumas coisas, lembra que sofreu um acidente, lembra onde mora, – Nesse “lembra onde mora” eu senti meu coração acelerar – enfim, lembra-se da vida dele, em parte. Ele não lembra o que aconteceu durante o mês passado na escola. Não lembra... Do nosso beijo. – “Algumas lembranças são melhores quando são esquecidas”, pensei e depois voltei a ouvir a Arme falar – E algumas coisas do passado. Hoje, por exemplo, ele se lembrou de que tem uma amiga, – Minhas reações mudavam a cada momento que a baixinha falava, eu estava dividida entre acreditar que Ronan se recordava de mim e, ao mesmo tempo, que ele nem sabia quem eu era. – uma amiga chamada Arme.

Minhas expectativas caíram consideravelmente.

–O médico pediu que eu não o forçasse a se lembrar de que eu era a Arme, que o deixasse recordar disso naturalmente.

–E... – Resolvi matar minha curiosidade – O Ronan se lembrou de você?

Arme se virou na direção do médico e do Ronan.

–Ainda não... Ele acha que sou uma estagiária de enfermagem. O que é engraçado, porque farei faculdade de enfermagem e ele sabia disso. – Ela voltou a olhar para mim – Darei tempo ao tempo.

–E você sabe se ele se lembra de mim?

–Eu não perderia meu tempo falando de você, Elesis. – Sem sequer olhar diretamente em meus olhos, Arme se virou novamente e voltou para perto dos dois.

Uma raiva subiu. Mas eu não permiti que me dominasse. Ela implicaria comigo mesmo. Aproveitou a deixa de ter me contado sobre o que acontecera esses dias e não perdeu a oportunidade de me agredir.

Olhei para os três. Arme estava certa... Darei tempo ao tempo também. Continuei a caminhar até o ponto. O ônibus já estava vindo. Meu coração apertava só de saber que eu nem descobri se o Ronan se lembra de mim. Eu fui fraca agora... Ou talvez não tivesse nada a ser feito mesmo. Eu não sei... Mas estou angustiada por não estar perto dele depois desse tempo todo.

Fiz sinal para o ônibus. Ele se aproximou e parou. Esperei que as pessoas descessem para que eu pudesse entrar. Uma senhora desceu e pediu que eu segurasse a mão dela, assim eu fiz. Quando eu olhei seu rosto cansado e com olheira, mas mesmo assim sorridente, lembrei-me que era a senhora que minha mãe havia perguntado as horas e que rezava com um terço na mão, terço esse que se encontrava em seu pescoço.

–Obrigada. – Disse ela e eu apenas sorri.

Subi o primeiro degrau do ônibus.

–Elesis!

Aquela voz. Aquela semente de esperança que estava brotando... Ronan.

Abaixei o rosto e deixei que as lágrimas limpassem a angústia que eu sentia.

–Está tudo bem? – Perguntou o motorista. Eu o olhei e assenti, com um sorriso nos lábios.

Desci do ônibus e olhei para frente. Ronan estava parado a uns cinco metros a minha frente. Uma distancia razoável para fazer meu coração acelerar. O sorriso ainda permanecia em meu rosto, não dava para tira-lo. Bem, foi o que eu, inocentemente, pensei.

Ronan estava normal, sem qualquer expressão no rosto. Ele se aproximou de mim com o caderno na mão. Por um momento, olhei para o jardim do Hospital e vi Arme e o médico olhando para onde eu e Ronan estávamos. Eles não tinham uma expressão definida. Talvez pelo fato de eu ter olhado rapidamente.

–Não quero o seu caderno. – Disse Ronan, ao ficar de frente para mim.

Foi aí que meu sorriso foi desfeito. Senti-me como uma flor que perdeu a vida e murchou.

Ronan esticou o braço e me entregou o caderno. Percebi que meu nome estava na capa e aquilo me deixou mais desanimada ainda. Eu não iria chorar. Não mais. Se a vida fosse me dar esse golpe, eu me defenderia de alguma maneira.

–Por que você não quer? – Perguntei num tom sério.

Ronan olhou para cima. Sorriu. Eu queria entendê-lo, mas não sabia o que significava aquilo.

–Porque eu tenho todas as lembranças mais importantes, as quais eu não poderia deixar que se apagassem. São memórias que não poderia esquecer nem com várias pancadas na cabeça. – Ronan olhou para mim, levou a mão até o bolso da calça moletom que ele usava, mesmo nesse calor, e retirou uma fotografia – Eu lembro desse dia. – Ele riu e eu... Como eu poderia reagir? Estava numa mistura de sentimentos. Estava confusa – Foi quando nos beijamos. – Ronan deu uma pausa – Você leu o caderno, não leu?

Não consegui responder. Abracei Ronan o mais forte possível. Ele retribuiu.

–Eu ganhei algum jogo? – Perguntou ele, rindo.

–Pelo que sei, - Disse, bem no seu ouvido – um abraço assim é para demonstrar que gostamos de alguém.

Afastamo-nos um pouco. Ambos com um sorriso no rosto.

–Eu pensei que não me lembraria de você. Mas... Quando eu acordei no quarto, recordei-me dos olhos vermelho mais protetores e perfeitos. Aqueles olhos eram de alguém que eu não lembrava, mas sabia que era importante. Eu mesmo me forcei a lembrar. Eu precisava lembrar-me de quem eram os olhos. Eu precisava me lembrar de você.

–Você não poderia se esquecer de mim, não é? – Afastei mais um pouco, até que desfizemos o abraço.

–Claro, ainda preciso te vencer na disputa de brigadeiro, ruivinha.

–Até lá, eu irei te derrotar muitas vezes. – Levei meu indicador até sua tenta e o empurrei para trás.

Eu e Ronan nos entreolhamos. Eu estava com o rosto quente. Acho que pelo calor... Ele se aproximou mais de mim. Minha respiração ficou bem descontrolada e eu não sabia o que estava acontecendo. Mas eu sentia. Sentia algo forte. Éramos como magnetismo. Uma atração forte e eu era incapaz de tentar desviar.

Nossos rostos estavam perto o bastante para sentirmos a respiração um do outro. Incrivelmente a do Ronan estava calma comparada a minha.

–Tem uma coisa que eu também não quero esquecer. – Disse Ronan, me fazendo ficar mais nervosa. Agora sim eu estava fraca e não sabia como me recuperar.

–O quê? – Perguntei, com a voz trêmula.

Ronan olhou nos meus olhos.

–Que eu te amo.

–Te lembrarei disso todos os dias... – Murmurei.

Ronan sabia bem que eu sentia o mesmo. Eu não precisava usar o artifício das palavras exatas para declarar os meus sentimentos por ele.

Ronan se lembrava de mim... Sabe aquele vazio que eu sentia? Fora totalmente preenchido. Eu não esperava ter um dia tão feliz quanto esse. É para ficar guardado na memória e não há sombra de dúvida nisso.

Engraçado que o momento era tão perfeito, mas que não chegava nem perto de ser um sonho. Às vezes, a vida nos concede momentos tão maravilhosos que consegue nos fazer esquecer, mesmo que por um momento, que um dia chegamos a chorar por qualquer motivo que seja.

O muro novamente foi quebrado e eu estava ali... Ao lado do Ronan como sempre estive e como sempre estarei.

Ronan riu e eu despertei dos meus devaneios.

–O que foi? – Perguntei.

–Queria saber se você ainda se lembrava de que estava nesse mundo e não no dos pensamentos.

–Lembrar... Esquecer... – Olhei para ele de forma fixa – Essas palavras seguirão nossas vidas, não é?

Ronan soltou um breve riso e suspirou, olhando para mim exatamente como olhou quando descobriu que eu usava o cordão que ele me dera no meu aniversário. Cordão esse que eu ainda usava.

–Se for para cair em esquecimento, que seja de tanto lembrar tudo de bom que eu vivo e já vivi.

Apertei o cordão e ele observou minha ação, extasiado. Eu nem sabia que me lembraria dele num momento desse, mas as coisas acontecem tão de repente, que parece que já estava predestinado a acontecer. Sorri em meus pensamentos. Sorri para Ronan.

Ele estava certo. Era hora de recomeçar e ter novas memórias para ser recordadas. Começando por hoje.


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