Em Minhas Memórias escrita por Mary e Mimym


Capítulo 37
Festa


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo... Difícil imaginar. É como se os capítulos anteriores fossem só introduções de um segredo que quero contar e que estou próxima disso... Uma comparação um tanto estranha, mas é quase isso. Bem, sem mais demora (porque eu já demorei muito) e boa leitura.



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O que Elesis estava tentando fazer? Por que ela queria o meu perdão se já havíamos pedido desculpas um ao outro? Detive minhas perguntas e olhei para ela e com minhas mãos juntas da sua, fui deslizando sobre seu braço, seu ombro, até atingir a face.

–Eu não quero te esquecer, Elesis. – Disse, sabendo que logo, logo eu não suportaria e choraria.

–Responda à minha pergunta. – Insistiu ela, num tom calculado e impaciente.

–Eu… Eu não quero ter esse carma… de perdoar seja lá quem for… - O cansaço me fazia falar pausadamente e buscando ar a cada palavra – Eu que preciso de perdão… - Peguei fôlego – Por ter dito palavras agressivas… por não ter te contado que estava assim, um ano atrás, pois tive medo que tivesse pena de mim… - Elesis fez que não com a cabeça – Por culpar a todos e achar que a vida só estava querendo me fazer… Sentir um nada nesse mundo cheio. Por… - Abaixei a cabeça – Não ter continuado a ir à sua casa quando se trancou no quarto… E, para fechar o pacote… Por não comparecer à sua festa.

–Ignore tudo isso, passe uma borracha naquilo que te faz sofrer. Eu sei que a dor precisa ser sentida, mas pode ser esquecida também.

–Esquecer… - Murmurei, apoiei as duas mãos no chão e me esforcei para me levantar. Elesis, o médico e a enfermeira, que estava ao meu lado, viram o que eu pretendia fazer e me ajudaram. Olhei para frente.

– Não posso esquecer… Ainda não…

–Ronan, o quê…? – Elesis parou sua frase e ficou surpresa ao me ver de pé, começando a caminhar, cambaleando feito bêbado, pelo corredor, seguindo em direção ao quarto do professor.

–Ronan! – O médico me chamou. Olhei para trás com receio que ele me puxasse de novo, mas fiquei surpreso ao ver que Elesis se colocou a frente dele, como se fosse o meu escudo protetor.

Segui meu caminho, sendo traído pelos meus olhos, que se fechavam e demoravam para abrir. Minha respiração estava escassa, parecia que estava em um quarto escuro, todo fechado, sem ter sequer uma brecha para que o oxigênio pudesse passar e revitalizar meus pulmões. Estava sufocado pelas minhas palavras.

–Ronan! – O médico me chamou novamente e eu o ignorei. Ouvi Elesis falar um “não”, não virei o rosto para saber o que acontecia, apenas andava. Passo após passo. Até chegar na porta do quarto.

Abri. O médico do meu professor estava lá.

–O que faz aqui? – Indagou ele.

Suspirei. Vi o professor de Geografia pálido como o quarto que se instalava. Uma dor tomou conta de minha alma, minha garganta se fechou, meu nariz ardeu e meus olhos se encheram de água. Ouvi um zunido no ouvido. E, como se eu fosse estimulado por uma onda forte, fui impulsionado para frente.

O médico parou de mexer em um aparelho e ameaçou vir em minha direção.

–Eu preciso… falar… com ele… - Minha voz era rouca e fraca.

–Menino! Volte já para o seu quarto. Onde está o seu…

–Por favor… - Permiti, deixei que as lágrimas molhassem meu rosto arrependido e pedindo por redenção.

O médico pigarreou, talvez sem reação ao ver que um paciente do hospital, que parecia um zumbi perambulando pelos corredores, estava no quarto, sem permissão, de uma pessoa há pouco falecia.

Aproximei-me da cama do professor. Não tive coragem de chegar tão perto a ponto de senti-lo.

–Eu sinto muito. – Caí de joelhos novamente. A pancada fez meu corpo estremecer. O médico correu até mim e segurou meu braço, para me levantar novamente – Eu perdoo a sua esposa… E queria muito que… - Solucei em meio as lágrimas – o senhor me perdoasse…

O médico me levantou. Eu estava fraco. Não o impedi que fizesse isso.

–Você precisa sair, não está em condições de permanecer aqui.

Ele jogou meu braço em seu pescoço e me pôs de pé. Assim que começamos a andar, o meu médico apareceu e Elesis atrás dele. Ela olhou para o professor e colocou as mãos sobre a boca. Eu o olhei pela última vez e balbuciei:

–Obrigado…

Saímos do quarto e eu só lembro de ter visto os olhos vermelhos mais intensos e protetores que já vi em minha vida. Depois disso, só a escuridão.

Ronan OFF

Elesis ON

Depois do desmaio súbito de Ronan, um grupo de enfermeiros se reuniu junto do médico. Eu fui afastada e me mandaram voltar para a sala de espera. Ronan foi levado as pressas para seu quarto. Eu quis acompanhá-lo, mas me pararam. Era como se também tivessem parado o tempo. Tivessem parado a minha vida.

Voltei para a sala de espera e todos estavam como eu havia visto ao voltar do quarto de Ronan pela primeira vez. A mãe dele olhou para mim e ficou apreensiva. Via em meus olhos que algo havia acontecido. Não deu para omitir isso.

–O que aconteceu desta vez? Por favor, Elesis, não me deixe sem notícias! Os médicos pouco dizem o que realmente acontece, eu estou desesperada… - A mãe de Ronan pôs as mãos no rosto para abafar o choro. Minha mãe a abraçou, confortando-a.

Olhei para Arme, que mantinha a cabeça baixa e depois para o pai de Ronan, que me olhava.

–Ele… - Comecei, mas o médico surgiu atrás de mim, colocando sua mão em meu ombro, assustando-me e me fazendo parar.

Antes de ele tomar minhas palavras, o médico suspirou pesadamente e olhou para os responsáveis de Ronan.

–Ele entrou em coma.

Nem eu esperava por essa notícia. Pensei que Ronan estivesse desmaiado e só. Mas…

–O Ronan…? Espera, mas não estava tudo bem? O que aconteceu nessas horas em que a… - Arme olhou para mim e protestou - Ela estava com o Ronan?!

–O Ronan entrou em coma pelo seu agravamento, não pela visita que recebeu. – Rebatou o médico – Ele abusou da força que tinha e acabou desmaiando, como seu estado já estava evoluindo, não tivemos muito o que fazer para impedir que ele entrasse em coma. A consciência dele ficou comprometida e ele não... - Ele suspirou mais uma vez - Reage a nada. Estamos usando tubos e aparelhos respiratórios.

A mãe de Ronan parecia que a qualquer momento não suportaria ouvir mais aquilo. Eu estava me encaminhando para a mesma situação. Queria poder não estar vivenciando aquilo. Era doloroso demais.

A voz do médico era fria, mas, ao mesmo tempo, tinha um ar de conforto. Pensei que a mãe de Ronan fosse dizer algo desesperador, mas ela disse apenas estas palavras:

–Isso está acontecendo de novo…

O médico fez um jogo de olhares com os pais de Ronan, tirou a mão de meu ombro e caminhou em direção contrária ao corredor que dava nos quartos dos pacientes.

O Sr. Erudon se levantou e segurou a mão de sua esposa, que assentiu e se levantou também. Ambos seguiram o mesmo caminho que o médico. Minha mãe suspirou e abaixou a cabeça, apoiando a testa na palma da mão. Ela estava cansada, todos estávamos.

–Mãe… - Chamei – Quer ir embora?

Ela apenas se levantou e bateu com as mãos na calça.

–Eu conversei com a sua tia e decidimos que é melhor, para você e – Ela se virou para a baixinha, que limpava os olhos, provavelmente havia chorado com a notícia. Se eu não fosse tão forte com o passar dos anos, confesso que também me deixaria levar pela emoção – Você e Arme, não perderem aula e nem privarem o que aconteceu com o Ronan e esquecerem de si mesmas. Agora ele precisa dos médicos para se recuperar.

Olhei para Arme, não esperava que ela aceitasse isso facilmente. Ela apenas bufou e cruzou os braços. Mas sabia que isso não ficaria assim, ainda mais porque ela esteve ao lado de Ronan quando isso aconteceu.

–Não posso deixar o Ronan aqui sozinho! – Contestei, vendo que Arme não abriria a boca para fazer o mesmo. Talvez já tivesse feito isso, enquanto eu estava com o Ronan e ela aqui na sala.

Uma enfermeira que ficava passando toda hora, colocou o indicador nos lábios em pedido de silêncio, afinal, havia outras pessoas na sala. Eu fechei a mão para me controlar.

–Eu não o deixarei aqui, ainda mais agora. – Disse mais calma.

–Os pais dele estão aqui, eles não o deixarão. Disseram até que iriam para a sua festa, pois era um dia especial para você.

–Não! Mãe… Isso não é certo. - Abaixei novamente o tom - Agora que eu sei o que está se passando com ele, quero ficar ao seu lado. – Corri meus olhos até Arme, para ver se ela reagia em algum momento, mas nada fez.

–Vocês duas têm avaliações essa semana, não irão se prejudicar, depois poderão visitar o Ronan quando quiserem, mas, agora, será bom para ele e para vocês.

Mães conseguem ter um tom autoritário quando querem e esse tom sempre nos deixa sem argumentos para protestar. Um silêncio se instalou em nossa conversa. Arme se moveu e saiu de perto da parede.

–Eu já vou. – Avisou ela, num fio de voz.

–Até mais, meu anjo. – Disse minha mãe, indo até ela e a abraçando.

Meu anjo”, mal minha mãe sabe o que o “anjinho” dela fez comigo! Cruzei os braços e esperei que ela fosse logo embora. Arme passou ao meu lado e não consegui me segurar.

–Como pode deixar o Ronan sozinho? - Perguntei num múrmuro para a baixinha, enquanto minha mãe perguntava a hora para uma senhora.

–E quem disse que eu vou? - Arme deixou as palavras soltas. Ela saiu andando, como na última vez que conversamos. Que ódio que eu senti dessa insuportável!

Assim que ela desapareceu das minhas vistas, fui pedir para a minha mãe que me deixasse visitar o Ronan, mas foi o mesmo que não pedir nada, porque ela me ignorou e não tocou mais nesse assunto. Argh! Por que estavam fazendo isso?!

Esperamos mais um pouco naquela sala entediante. Depois que eu parei para sentar e observar o ambiente, vi que havia uma senhora - a mesma que a minha mãe perguntou as horas -, com uma olheira profunda e um terço na mão, estava com os olhos fechados e dizia alguma coisa, talvez uma oração. Tinha também um rapaz, no mesmo perfil que o médico de Ronan, que estava dormindo sentado em uma poltrona.

Não estamos sozinhos em nossas dores, nossos cansaços… Há sempre alguém ao nosso lado que pode dizer “Eu sei bem como é…” . E, naquela sala, eu senti isso.

Os pais de Ronan voltaram. Os olhos da tia estavam encharcados e vermelhos. Seu marido a abraçava e vinham caminhando a passos lentos. Minha mãe e eu nos levantamos.

–Obrigada, viu? Por vocês duas estarem aqui… - Ela fungou – Conosco, principalmente, pelo Ronan.

–Eu sempre estarei ao seu lado, minha amiga. – Disse minha mãe, num tom de conforto.

–Eu acho que… - O pai de Ronan se pronunciou – Vocês deveriam ir para casa, nem vimos a hora passar e já é muito tarde, aliás, - Ele se virou para mim – você tem aula amanhã, mocinha.

–Eu sei… - Triste notícia para mim, mas era uma realidade que eu não poderia fugir.

–Bem, - disse minha mãe – eu virei amanhã, tá?

–Mas e a festa de Elesis? – Perguntou a mãe de Ronan.

–Está quase tudo pronto, só falta os ensaios dela com… - Minha mãe parou – Para a dança.

–Tudo bem, se não for incomodar.

–Nada disso, será um prazer ficar aqui com você, minha amiga, para acompanhar a melhora de Ronan.

–Não tenho nem como agradecer.

Aquele momento entre amigas me fez perceber que eu mesma não tinha relações assim com as meninas da minha turma, o Ronan foi o único amigo com quem tive mais intimidade, com quem eu já mostrei os sentimentos que eu deixo guardado e trancado a sete chaves.

–Elesis? – Ouvi a voz da minha mãe e “acordei” – Vamos filha?

Eu queria dizer tanta coisa, pedir para me deixassem ficar, mas tudo ficou entalado em minha garganta e não saía de jeito nenhum. Eu só consegui dizer algumas palavras:

–Obrigada, Sr. Erudon, por ter confiado a mim a chance de ajudar o Ronan. Eu só peço desculpas por…

–Nada disso, Elesis. Você o fez querer voltar a viver, coisa que antes ele nem queria mais. – Disse ele, com um sorriso pequeno e acanhado no rosto – Eu que agradeço.

E me abraçou, como de pai para filha. Um abraço que me despertou fortes emoções incapazes de ser controladas. Apertei mais ainda o abraço e chorei. Quanta falta fazia meu pai em minha vida… Acho que todos ali presente perceberam o que eu sentia. Não era de abraçar, muito menos o pai de Ronan, mas eu estava precisando disso desde o dia em que meu pai saiu pela porta de casa e nunca mais voltou.

O Sr. Erudon me deu um beijo na testa e nos afastamos. Seu sorriso, agora, era bem paterno e confortável. Sorri de volta e segurei a mão de minha mãe.

–Agora vamos. – Disse, enxugando logo as lágrimas finas que ousaram em escorrer em meu rosto.

Começamos a andar e a minha mãe se virou, acenando em despedida para dois que ficaram. Saímos do Hospital e parecia que eu havia deixado um pedaço de mim lá dentro. A rua estava um pouco deserta, só se via carros passando em ambas as direções, com os faróis acesos, pois já era noite. Pegamos um táxi e nos dirigimos para casa.

Ao chegarmos, não fiz muita coisa além de subir e deitar, não me lembro de muita coisa, só sei que apaguei.

Acordei com a minha mãe me chamando e dizendo algo como “Você tem prova!”, “Anda!”, “Vai se atrasar, menina!”. Depois de mais alguns minutos ouvindo os gritos dela, resolvi levantar, ainda sonolenta.

–Que sonho… - Disse, até que me dei conta que o que eu passei na noite passada não fora um sonho.

Levantei-me apressada e desci. Encontrei minha mãe atarefada na cozinha.

–Ah, a bela adormecida resolveu acordar, é? – Perguntou minha mãe com sarcasmo, mas nem respondi.

–O Ronan tem mesmo traumatismo craniano? – Indaguei.

Minha mãe me olhou, confusa.

–Elesis… Estávamos no Hospital ontem, não lembra?

Passei a mão no rosto.

–Então não foi um sonho…

–Não, meu amor, infelizmente não. – Minha mãe secou as mãos no pano, pois lavava a louça.

Eu não disse nada, apenas subi e fui me arrumar para a escola. As lembranças do que havia acontecido na noite passada me acompanharam pelo resto da semana. A vontade de estar com o Ronan aumentava a cada hora e diminuía quando eu dormia, pois sonhava com ele, ou melhor, relembrava nossos momentos de infância.

Bem, a semana não passou tão rápido como eu queria. As revisões tinham acabado e os testes começaram. Alguns alunos comentavam sobre o professor de Geografia ter faltado as aulas, a diretora havia me pedido sigilo sobre o assunto, pois eu havia contatado à ela que sabia do acontecido, aliás, estava lá no dia.

O professor de História estava desistindo do projeto, mas algo surpreendente aconteceu, pois o Ryan se manifestou, isso o Lass contando para mim, e pediu para ficar no lugar de Ronan, a essa altura, ele já sabia que Ronan estava mal e não poderia mais ajudar o professor, no entanto, Ryan não tinha noção de qual doença Ronan tinha. Ele até chegou a me perguntar um dia desses se eu tinha notícias, ma mudei de assunto.

Por fim, eu não sabia, mas Ryan, segundo Lass, é ótimo em história e ele acabou ajudando o professor no projeto. Como o trabalho de Ronan seria ficar com os alunos que estavam mais… Com os alunos que não queriam nada, Ryan tomou este posto e fez um excelente trabalho, pois seu grupo ficou com a segunda maior nota e o seminário sobre Primeira Guerra Mundial ficou incrível. Bem, o meu grupo não foi lá essas coisas, mas isso não vem ao caso.

Algo incrível aconteceu: Lire veio falar comigo sobre o Ronan, depois que fomos liberados da primeiro teste do dia para o intervalo. Sério, eu fiquei com muita raiva. Eu realmente era a última a saber. Lire me contou como soube do que ele tinha, me contou tudo e falou que queria visitá-lo, mas eu cortei seu barato – o nosso, aliás – e disse que os pais dele preferiram não deixar que recebesse visita, ainda mais estando em período de avaliação e ele em coma.

Quando contei isso para Lire, ela só faltou chorar, ficou bem abismada e queria saber de todos os detalhes, mas não deu para contar tudo, porque a insuportável apareceu e eu voltei a ficar com os meninos.

Sim, eu estava desconfiada que Arme estava visitando o Ronan, mas o que eu poderia fazer? Com a minha festa se aproximando e os testes, não tinha muito tempo para pensar naquela baixinha.

Eu e Lass havíamos começado os ensaios um dia depois que eu fui ver o Ronan no Hospital. Eu senti algo diferente entre nós dois, mas era como algo passageiro. Afinal, Lass era frio até mesmo numa dança.

Ignorei isso e tentei aprender os passos. Sinceramente, tinha momentos que eu queria socar a cara do coreógrafo! Tínhamos que ficar contando “Um, dois, três, quatro…” mudar de passo e “cinco, seis, sete, oito…”. Eu lá queria contar o que fazia?! Eu queria contar os minutos que passavam com o Ronan preso numa cama de Hospital, sem poder conversar com ninguém, sem ter a mim ao seu lado… O que eu senti nos dias em que fiquei longe de Ronan foi algo tão raro que eu só senti quando meu pai foi embora. Saudade. Uma saudade imensa. Um vazio grande que não era preenchido nem quando Lass segurava a minha mão.

Minha festa demorou junto com a semana. Minha mãe disse que os dias passaram correndo e que ela não teve tempo nem de fazer a unha. Bah! Desde quando decorar as unhas é um motivo para se sentir bem no meio do caos que a vida se transformou?

É claro que isso parece não tê-la afetado. Mas me afetou e meu entusiasmo - que já era pouco antes - agora está negativo em relação a esta festa.

Bem, hoje é o meu dia. Estou ficando mais velha. Sozinha. Isso é normal? Ou só estou assim porque falta uma pessoa ao meu lado? Acho que já sei a resposta… Odeio isso. Estou melancólica! Estou… Apaixonada…? Não confesso isso para ninguém, só minha mente e eu sabemos. Isso é ridículo vindo de mim… Estou, agora, me olhando pelo espelho e tentando me desvendar. Mas pareço um enigma.

–Filha? – Minha mãe bateu na porta do meu quarto – O carro já chegou.

Saí desse transe emocional e voltei para a realidade. Estava na hora de outra Elesis entrar em ação. Uma que sorri para os convidados e finge que a vida está maravilhosa. Tudo pela minha mãe.

Levantei-me, xinguei todos os palavrões possíveis e existentes em minha cabeça quando tive que ajeitar o vestido e me equilibrar em cima do salto. Não posso nem reclamar muito do vestido, ele é muito bonito, mas não acho que ficou legal em mim. Não sou acostumada a usar isso. A última vez que usei vestido, sem brincadeira, foi no último aniversário que o Ronan estava comigo, que eu tinha caído da bicicleta horas antes da festa. Ambos vestidos têm laço atrás, a diferença é que aquele era vermelho e este é azul com branco.

Descer as escadas foi o maior desafio da minha vida, até mais desafiante que andar numa bicicleta grande sem auxílio de um adulto. Fui descendo um por um, até atingir o piso. Minha mãe me esperava na porta e me apressava, como se ela não soubesse a filha cascão que tem. Ao chegar na porta, cruzei os braços.

–Por que não posso usar, pelo menos, uma bota?

–Porque isso não seria apropriado. – Minha mãe riu e bateu com seu indicador na ponta do meu nariz – Hoje é um dia especial, Elesis, por favor, é só por hoje.

Assenti e desfiz os braços, colocando novamente um sorriso no rosto. É por ela, só por ela que estou fazendo isso. Para vê-la feliz.

Adentramos o carro e eu olhei para a casa de Ronan, enquanto minha mãe ajeitava meu vestido para que não amarrotasse. Olhar para a janela de seu quarto e vê-la apagada… Aquele sentimento de vazio e de solidão voltaram. Suspirei pesadamente e, por fim, entrei no carro e fechei a porta.

O motorista nos levou até o salão, que não era tão distante da minha casa, então não demoramos muito para chegar. Ainda bem, pois estava ficando sufocada pela roupa. A única vantagem foi descansar os meus pés, por pouco tempo.

Olhei para minha mãe algumas vezes e o seus lábios estavam na mesma posição desde quando eu comecei me arrumar. Seus lábios continham um sorriso verdadeiro e encantador.

–Chegamos. – Avisou o motorista.

Eu queria piscar os olhos e perceber que era somente um sonho, mas a realidade é que eu estava entrando no salão e olhares vieram em minha direção, como se fossem balas disparadas. Não deu para desviar. Eram muito olhares.

Tentei encontrar um que me confortasse. Lass… Ele olhava para mim sério, mas tinha um ar de aconchego. Senti-me mais aliviada com isso. Minha mãe segurou a minha mão e me guiou para as mesas, para cumprimentar os convidados.

QUE CHATO! Gritei em minha consciência perturbada de tantos “Parabéns!”, “Nossa, como você cresceu.”, “Está linda hoje.”, “Muitas felicidades!”, “Meu Deus! Eu te peguei no colo e agora você está uma mocinha encantadora.” e blá blá blá…

Não via a hora da festa acabar. Nunca fui fã de aniversário assim, em que eu não me divertia, mas, sim, seguia uma etiqueta que odiava, uma etiqueta que agradava aos outros e não a mim mesma. Bom mesmo foram meus aniversários de criança, em que eu puxava o Ronan para brincar com os meninos na rua, enquanto os nossos pais conversavam sobre qualquer coisa.

Ri comigo mesma das lembranças que acabei de ter e um flash cegou-me momentaneamente.

–Essa foto vai ser a mais linda de todas. – Disse o fotógrafo, que colocava novamente a lente no olho e girava o zoom da câmera para tirar outra foto minha.

Queria muito dar um soco naquela câmera e afundá-la no rosto dele, mas contive minha indignação e forcei um sorriso. Piscando freneticamente para ver se aquela luz branca saía da minha visão embaraçada.

As horas foram passando e bateu um frio na barriga, pois a hora da dança estava se aproximando. Eu e Lass somos namorados, mas não de ficar mostrando em público, somos mais reservados. Convencê-lo a dançar comigo foi um dos desafios que minha mãe enfrentou e teve sucesso. Nos ensaios até rimos algumas vezes dos erros que cometemos e do rebolado que o coreógrafo tinha. Mas foram raros os momentos; além disso, eu sentia que algo estava errado entre nós dois. É como se… Ao mesmo tempo que Lass estivesse perto de mim, ele também estava longe. Engraçado que foi sempre assim, mas… Agora… Algo estava diferente.

Queria saber as horas, mas minha mãe não deixou eu usar relógio, então eu também não usei brincos. Foi um acordo que fizemos. Por conta disso, eu tentava olhar para as mãos dos convidados, mas, como eu sempre estava em movimento para tirar fotos, falar com alguém que chegava, enfim, não dava para ver nitidamente as horas.

Quando eu finalmente consegui sentar em uma cadeira acolchoada, perto da mesa do bolo, vi que os pais de Ronan estavam entrando no salão. Como eu queria que Ronan estivesse ali! Como eu queria correr até ele e… Abraçá-lo… O mais forte possível… Ver que ele estava bem e, acima de tudo, não esquecera de mim. Entretanto, ao invés disso, eu só vi o vazio entre os pais de Ronan. O mesmo vazio que se instalou em mim. Já virou até um hospede bem comum, diga-se de passagem.

Levantei-me num pulo e fui falar com eles. Ah! E eu já consigo me equilibrar nos saltos, algumas vezes tive que me segurar na minha mãe ou me apoiar em alguma mesa. Enfim, caminhei até os pais de Ronan e minha mãe já estava ao lado deles.

–Está linda, meu amor. – Disse a mãe de Ronan, me abraçando.

–Obrigada, tia.

–Meus parabéns. – Dessa vez, foi o Sr. Erudon que veio me abraçar.

Agradeci e fiquei olhando para eles, na esperança de que me dissessem algo sobre o Ronan. Mas não tive nada além de sorrisos e olhares para o resto do salão. Minha mãe os acompanhou até uma mesa e eu fiquei ali na entrada, estagnada.

Só percebi que ainda estou na minha festa, porque a cerimonialista falou algo no microfone e me chamou. Aqueles olhares novamente vieram em minha direção. Tentei me concentrar e não pensar naquilo. Não pensar no Ronan. Não pensar. Deixei que minha consciência me guiasse, enquanto minha alma se perdia em uma imensa escuridão de dúvidas.

A cerimonialista falou mais algumas coisas, deu o microfone para a minha mãe, que se colocou ao meu lado, com um sorriso satisfeito no rosto. Fez seu devido agradecimento, mas não ouvi uma só palavra, estava viajando em minhas memórias em busca da felicidade verdadeira.

FLASHBACK ON

Eu e Ronan voltávamos da escola. Ele olhava para o céu e apontava com sua mãozinha para as diversas pipas que enfeitavam aquele espaço junto com as poucas nuvens brancas. Eu ficava admirando-o sorrir graciosamente.

–Olha! Uma pipa avoada! – Ele correu para pegá-la, mas parou no meio do caminho – Vem! – Ronan me chamou e estendeu a mão dele para mim. Eu corri em sua direção e, com a minha mão menor que a dele, encaixei perfeitamente em sua palma, ele a fechou e me puxou para pegarmos juntos a pipa.

Ronan foi bem veloz e chegou até onde a pipa havia caído. Uns meninos apareceram e suas faces mudaram de esperançosos para decepcionados por verem que alguém já havia pego a pipa avoada.

–Toma. – Ele me entregou – É o seu presente.

–Presente? – Indaguei, segurando a pipa, com a rabiola toda enrolada.

–É, você me ganhou no vídeo game, lembra? Fiquei te devendo um prêmio.

–Ah é… Eu fui melhor que você no jogo. – Sorri e Ronan cruzou os braços.

–Eu te dou o prêmio e ainda fica jogando na minha cara que eu perdi para uma menina? – Ele me encarou nada contente. Eu ri mais ainda.

Encostei meu indicador em sua testa, empurrando-o para trás.

–Mas eu não sou qualquer menina, lembra? Eu sou a mais forte de todas! – Fiz o gesto de força, mostrando os músculos fraquinhos que eu tinha.

Então foi a vez de o Ronan rir de mim.

–Tá… Pode guardar essa força toda para você. – Ele segurou a minha mão e me puxou para um abraço.

–E isso, é para quê? – Perguntei, sem saber o motivo do abraço – Eu ganhei outro jogo e não estou sabendo?

–Não… - Ele riu e sua voz ecoou em meu ouvido – É para fortalecer mais a nossa amizade.

Tentei olhar para o Ronan, mas ele me apertava muito. O empurrei e virei o rosto. A pipa ainda estava em minha mão, apontada para baixo.

–Que foi?

–Você estava me sufocando… - Disse, sem querer olhar para ele, pois estava com vergonha.

–É que um abraço precisa ser apertado para demonstrar o que sentimos.

–Mas precisava me apertar? – Resolvi encará-lo, só para mostrar minha insatisfação.

–É que… Eu gosto de você. – Foi a vez de Ronan corar. Ele disse tão ingenuamente, tão dócil, sem qualquer maldade.

Eu e ele nos entreolhamos por um bom tempo, até que ele começou a rir.

–O que foi? – Perguntei.

–Você tá vermelha igual seu cabelo. – Ronan apontou para mim com uma mão e a livre apoiou na barriga, continuando a rir mais ainda.

–E você... Você parece um tomate! – Retruquei e comecei a rir também.

E ficamos assim, na calçada, na volta da escola, rindo um da cara do outro por termos ficado envergonhados depois do que Ronan disse tão sinceramente...

FLASHBACK OFF

Os flashes daquele fotógrafo estavam me cegando completamente. Coloquei meu antebraço na frente de meu rosto, para que a tontura passasse. Quando me dei conta, Lass estava na minha frente, com a mão estendida e a música “I have nothing” estava começando.

Era o momento para dançarmos. O momento que me deu um frio na barriga e fez minha garganta secar.

Os olhos intensos de Lass não me deixaram olhar para outro ângulo, a não ser suas íris azuis. Levei minha mão de encontro com a sua e ele me guiou para o centro do salão. Lass me rodou e eu parei a sua frente, com uma mão dele junto da minha e a outra em minha cintura, já a minha mão livre estava em seu ombro, como numa posição de valsa.

Nossos passos estavam bem ritmados, não erramos nada no começo da música. Lass me guiava para todos os cantos e eu rodava no momento exato, como se eu e a música combinássemos o que deveríamos fazer.

No final da dança, nos ensaios, Lass me rodava pela última vez e depois me puxava para os seus braços, terminando a música com um beijo entre nós dois; porém, hoje, perto de encerrar a dança, parecíamos dois estranhos de mãos dadas, sem saber ao certo o que fazer ou o que dizer.

I have nothing, nothing, nothing…

If I don’t have you…”

Lass me puxou para seus braços, pois havíamos nos separado e ele apenas segurava a ponta de meus dedos. Eu estava sendo como uma boneca comandada, uma marionete. Mas Lass não era um mau condutor, ele sabia bem como controlar a situação para depois me libertar. Para depois me deixar criar vida e seguir meus próprios passos.

O “You” prolongado da Whitney Houston era o momento exato para o beijo, que não aconteceu e foi substituído por um aconchegante abraço. Como o abraço do Ronan…

Não deu, eu o imaginei ali, comigo. Até que Lass sussurrou em meu ouvido:

–Preciso falar com você…

E se afastou. Eu olhei ao meu redor e as pessoas estavam de pé e aplaudindo. A cerimonialista tomou o microfone e voltou a falar. Voz irritante…

Minha mãe estava ocupada demais olhando para a cerimonialista, então me sentei junto com Lass, em sua mesa e não na cadeira que ficava perto da mesa do bolo.

–O que você quer falar comigo? – Perguntei.

–Bom… - Lass não era muito de conversa, por isso estranhei e ele se enrolou um pouco para dar prosseguimento ao que queria falar – Você sabe que não sou… - Ele pigarreou. Por um momento, me deu vontade de rir – Elesis, eu não sou de demonstrar sentimentos e essa parada de namoro, bem… Não nos entregamos totalmente, não é?

–Acho que sim… - Eu não sabia muito bem onde ele queria chegar, mas tinha ideias formuladas na cabeça.

–Isso é bom… Torna tudo mais simples e menos patético. – Lass pegou um caderno que estava na cadeira vaga e me entregou – Eu acho que… - Ele suspirou, era tão estranho ver o Lass daquele jeito, mas era bom ao mesmo tempo – Estávamos juntos, pois precisávamos de alguém que nos entendesse. Eu tinha problemas com meu irmão e você com o seu pai… Estávamos vulneráveis e, por isso, acabamos nutrindo um sentimento, sabe?

Assenti num movimento positivo. Olhei rapidamente para a cerimonialista e ela estava terminando de falar. Voltei a olhar para o Lass.

–O que eu quero dizer… - Ele coçou a nuca – Elesis…

Eu já sabia o que ele queria. Sorri para o Lass, como se dissesse que ele não precisava terminar sua frase. Ele olhou para o caderno e concluiu:

–Eu não sabia exatamente o que era amor, até ler o que está neste caderno.

Meu coração explodiu como fogos de artifício. O que o Lass estava dizendo? O que tinha naquele caderno? Eu queria muito abrir aquele caderno, mas Lass me impediu, colocando o peso de sua mão em cima da capa. Ainda não era a hora.

Levantamo-nos juntos, assim que aquela mulher parou de falar no microfone. Lass me lançou um sorriso e veio em minha direção, com as mãos no bolso.

–Parabéns, Elesis. – Ele me deu um beijo na testa, como de costume. Mas… Foi como um beijo de despedida.

–Obrigada… - Olhei para ele, também com um sorriso.

E nossa conversa se encerrou. Não era necessário mais palavras. Lass percebeu que o silêncio se instalava entre nós e se virou, saindo de onde estávamos e indo de encontro com Ryan. Apertei o caderno contra meu peito e procurei por uma pessoa, aliás, duas. Assim que as encontrei, fui até suas mesas.

O parabéns já seria cantado, mas eu precisava saber de uma coisa, antes que eles fossem embora.


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Notas finais do capítulo

É... o encerramento está próximo... O que nos espera?