Ficar. Ficar? Eu ficaria? Eu não sabia exatamente o que fazer. Arme estava ali, diante de mim, seus olhares arrependidos e sua face triste e cabisbaixa.

Ela me chamara e eu precisa dar algum sinal, se ficaria ou não.

Eu não deveria olhá-la mais. Mas isso não seria o certo, não seria uma atitude minha. Eu amo a Arme. Não como ela me ama, mas a amo. Temos um laço de amizade forte. Ignorá-la mostrará que eu não me importei nem um pouco com tudo o que ela fez. Também não ficaria por pena ou para “pagar uma dívida” por ela ter uma grande parcela de ajuda para a minha recuperação.

Suas mãos não se quietavam. Entrelaçava seus dedos e estalava-os. Ela estava nervosa. Eu a conhecia bem para perceber como se sentia.

–E-eu… - Arme começou a falar, mas se calou. Sua voz era quase inaudível. Como eu estava próximo a ela, consegui ouvir o que ela gaguejou como um sussurro.

Bem, ou eu falava ou ia embora. Não poderia suportar estar junto dela num silêncio atormentador.

Eu abri a boca, mas as palavras haviam sumido.

–Eu errei. – Disse Arme, olhando séria para mim - Compreenderei se não quiser mais falar comigo. Eu só… - Ela abaixou o rosto – Não quero que sinta raiva de mim, porque… Eu te amo muito para vê-lo me olhar com ódio sempre que nos encontrarmos, se ainda nos encontrarmos, porque você está me evitando e eu entendo as suas razões. Eu... - Arme dava uma pausa, para pegar fôlego suficiente para ter coragem para falar comigo - Quero que saiba que me arrependo e não suportarei viver sem você.

Automaticamente, eu andei em sua direção. Levei minha mão até seu rosto. Com o polegar, levantei sua face até seus olhos se encontrarem com os meus.

–Minha baixinha…

Puxei Arme para um abraço forte e confortável. Eu não estava com raiva. Na verdade, eu não sabia o que sentia. Estava uma bagunça a minha cabeça, eu só não queria mais vê-la triste. Arme errou feio em me beijar. Somos melhores amigos e nada mais. Aliás, a nossa amizade é tão forte que superou tantas coisas… Então, é o certo superar mais essa. Sei que Arme não irá mais agir por impulso, não depois do que aconteceu.

Minha baixinha me apertou mais contra seu corpo pequeno, enterrando seu rosto em meu peito e começou a chorar, não foi muito alarmante, mas eu senti minha blusa umedecer.

Imaginei que os meninos já haviam ido embora, pela demora que fiquei na sala de aula.

–Ronan?

Olhei para a porta e logo me separei de Arme. A minha baixinha também olhou para a porta e enxugou os olhos e o rosto, fungando um pouco.

Ronan OFF

Elesis ON

Deixei o Lass no intervalo conversando com o Ryan, sobre o time que iriam jogar na aula de Educação Física e vaguei um pouco pelo pátio da escola. Meu coração estava querendo ver uma pessoa em especial. Eu não queria, aliás, eu não iria obedecê-lo.

Estava voltando a falar com o Ronan agora, não iria ficar indo atrás dele na hora do intervalo. E eu poderia encontrar aquela insuportável da Arme. Não daria muito certo.

Mas esses sentimentos são mais teimosos que eu, além de serem persistentes. Meu coração apertou e bateu uma saudade de ter o Ronan por perto. Não sabia explicar direito. Era algo novo para mim. Confesso que nem com o Lass eu já tive essa sensação de querer estar por perto num momento aleatório. Ou melhor... O tempo todo.

Decidi passar na minha sala. Pegaria meu caderno e ficaria rabiscando. Sei lá. Eu só não queria ficar parada no meio do pátio vendo um monte de gente chata.

Até então eu não havia visto Ronan. Vi Lire saindo do banheiro e pensei que Arme estivesse junto com ela.

Comecei a acelerar os passos e fui para o corredor das salas. Andando mais um pouco e eu passaria pela sala do Ronan. Decidi fazer esse percurso e dar uma olhadinha na sala dele, para ver se ele estava lá. Só por curiosidade mesmo.

Quando cheguei, parei e olhei para dentro. Arme e Ronan estavam abraçados. Subiu um ódio indescritível! Chamei pelo seu nome e ele logo desfez o abraço com aquela insuportável. Ela parecia ter chorado, pois seu rosto estava vermelho e os olhos úmidos, assim como o rosto. Pouco me importava, eu estava com raiva por ter visto aquilo.

Antes eu ficasse no pátio mesmo. Ou, até mesmo, observando a conversa entre Lass e Ryan, era melhor do que ver os dois abraçadinhos no maior love.

Que ódio!

Fechei as mãos para conter minha insatisfação de ter assistido aos dois juntos. Fiquei encarando Ronan esperando alguma explicação. Indaguei a mim mesma por que eu queria uma explicação. Ronan era só meu amigo e também daquele baixinha. Eles poderiam se abraçar quando quisessem. Quem era eu para interrompê-los. Entretanto, isso me deixava extremamente com raiva!

–Elesis, o que você faz aqui? – Perguntou Ronan, tirando-me dos meus questionamentos mentais.

–Nada! – Respondi ríspida e comecei a andar para a minha sala.

Como aquela Arme ousou abraçar o Ronan?!

Eu nem estava percebendo, mas o ciúme havia tomado conta de mim. Isso explicava o ódio que eu estava sentindo. Seria esse ciúme entre amigos ou… Enfim, era só entre amigos mesmo. Bem… Era isso que eu achava.

Entrei na minha sala e fui direto para a minha carteira. Sentei-me, coloquei um braço acima do outro e abaixei a cabeça, apoiando-a nas costas da mão. Meu cabelo caiu para frente e cobriu meus braços, escondendo mais ainda meu rosto. Como um escudo anti-Ronan.

–Elesis?

Aquela voz idiota e perfeita acelerou meu coração demasiadamente.

–Vai embora! – Gritei, mas saiu um som abafado e não foi com tanta intensidade de um tom alto.

Eu nem sabia e não queria saber se ele havia deixado a Arme sozinha para vir falar comigo. Eu não iria falar com ele. Não mesmo. Não depois da cena nostálgica que eu vi.

–Você parece uma criancinha birrenta, sabia? – A voz de Ronan estava mais próxima, mais suave, mais perfeita, mais linda, mais... Argh! 

Deduzi que ele tinha andado um pouco até mim. Ouvi uma cadeira se arrastar. Ele deveria ter se sentado depois. Sua presença me deixava com um frio na barriga. Ele era meu melhor amigo, eu deveria me sentir mais confortável. Porém, estava com raiva dele.

Suas mãos tocaram minhas costas. Era como se o tempo tivesse parado. Como se a raiva e/ou ciúme que eu sentia tivessem desaparecido. Até mesmo a raiva de ele ter me chamado de criança birrenta havia passado. Meu coração estava em uma dilatação e contração descontroladas.

Tudo por causa de um toque?, pensei abismada comigo mesma.

Eu não daria o gostinho para o Ronan de levantar o rosto e sorrir como se nada houvesse acontecido. Se ele fica de carinho, abraço, e sei lá mais o quê com aquela insuportável é porque não precisa da minha amizade para confortá-lo quando ele precisar. Fala sério.

Por que ele não volta lá para a Arme e me deixa em paz? Ela é a amiguinha dele!

Meus pensamentos pareciam de criança mesmo.

–Eu lembro de um dia que você ficou assim mesmo comigo. - Começou ele, que parecia que não iria desistir de me fazer olhá-lo - Foi na escola, quando eu te ignorei para ficar com meus amigos. Depois de ver como você ficou, que foi uma fera, eu nunca mais a deixei sozinha. Você me ignorou por tanto tempo, tanto tempo mesmo, que, se eu não pedisse desculpas, ficaríamos sem nos falar como ficamos agora na adolescência.

Eu ria baixinho enquanto Ronan relembrava da nossa infância. Realmente isso aconteceu...

FLASHBACK ON

–Ronan. – Chamei-o, mas ele estava jogando bafo-bafo de cartas que vinham no biscoito com os amigos, no chão do pátio – Ronan!

Ele nem virou o rosto para falar comigo, apenas abanou a mão no ar, dispensando o meu chamado e me ignorando.

Ah… Eu me estressei com ele, mas não iria expor a minha raiva.  Não iria simplesmente bater nele. Se ele preferiria ficar jogando com os amigos deles a ficar comigo – já que eu não tinha amigos senão o Ronan -, eu também não iria mais falar com ele.

Quando o sinal do intervalo tocou, anunciando seu término, voltei para a minha sala e Ronan foi falar comigo.

–Você me chamou, né? – Ele me fez uma pergunta retórica.

Fiz o número um com o dedo e entrei para a minha sala. Não sei a reação de Ronan, ele com certeza não entendeu e deve ter feito uma cara de confuso.

A minha professora entrou na sala e eu olhei para a porta, Ronan não estava mais lá.

Quando voltamos para casa, ele foi me chamar, mas eu disse para a minha mãe que não queria brincar. Ela estranhou e então eu usei a desculpa que estava com muito dever de matemática para fazer. Ela continuou estranhando, já que eu não ligava para exercícios da escola, então eu usei o argumento que valia ponto e eu não poderia perder essa oportunidade.

Depois de convencer a minha mãe, ela avisou ao Ronan que eu não poderia brincar e ele não me chamou mais.

No dia seguinte, eu iria para a escola com ele, mas acordei bem cedinho para ir com o meu pai. Era raro eu ir para a escola com ele, pois ele saía muito cedo de casa, quando ainda morava comigo. Tanto que eu cheguei 40 minutos antes do horário. Menti para o meu pai e disse que a escola já estava aberta, mas tive que esperar sozinha do lado de fora.

Assim que Ronan chegou, ele veio logo falar comigo. Sei disso, pois, quando entrei na escola, fiquei perto do portão da entrada, então via todos que passavam por ali.

Ronan veio em minha direção e parecia bem irritadinho. Ele apertava a alça da mochila, se aproximou de mim e saiu falando, sem dar um bom dia.

–Eu fiquei esperando você, mas sua mãe disse que você veio com o seu pai. Você é louca? Deve ter ficado lá fora esperando abrirem o portão, né? Poderia ter me esperado, Elesis!

Olhei para ele despreocupada e dei os ombros.

Fiz o dois com os dedos e sorri para ele. Levantei-me do banco e fui para outro lugar. Ronan me seguiu.

Eu parei perto da porta da minha sala e sentei no chão.

–Por que está me evitando desde de ontem?

Juntei meus joelhos contra meu corpo, os envolvi com os braços e abaixei a cabeça.

–Elesis, eu estou falando com você.

Fiquei em silêncio, ouvindo o Ronan me chamar pacientemente e, depois, impacientemente, até o sinal tocar e cada um ter que ir para a sua respectiva sala.

Dois dias. Três. Quatro. Uma semana. Uma semana e dois dias…

Quando se completaram dez dias, os quais, quando Ronan vinha falar comigo, eu levantava mais um dedo das mãos, indicando uma quantidade, a quantidade de tempo que eu ficaria sem falar com ele.

Assim ele aprenderia a nunca mais me ignorar. Inventei várias desculpas para não brincar com ele. Não imaginava que era tão criativa para mentiras. Surpreendi a mim mesma.

Depois que se passaram dez dias, eu voltei a falar com ele e lhe contei o motivo de tê-lo evitado e de ter levantado os dedos quando ele falava comigo.

Ronan ficou boquiaberto e eu ria debochadamente.

–Prometo nunca mais ignorá-la.

–Meu filho, você não pode me ignorar, não pode me deixar sozinha, nem mesmo pensar em brincar de luta sem mim, ou até mesmo ficar com suas amiguinhas e me deixar de lado.

–Mas eu fiquei com meus amigos, não com minhas amigas… - Ronan coçou a nuca, ele era pequeno e tão fofinho. Tinha um rostinho inocente e de anjo. Ao contrário de mim – Afinal, eu só tenho você de amiga menina.

–E espero que permaneça assim. – Cruzei os braços. Confesso que naquela época eu era bem mais inocente que o Ronan.

Quem diria que eu impusera que ele só tivesse eu de amiga menina?

FLASHBACK OFF

–Anda Elesis… Fala comigo. Depois de tanto tempo sem nos falarmos, você vai me ignorar? – Ronan afastou meus cabelos de cima dos braços – E nem me venha com numeração nos dedos, porque se quando criança você ficou sem falar comigo por dez dias, agora você poderá ficar por mais, aliás, se tornaria um hábito ficar um tempo sem falar comigo, né?

A voz de Ronan foi diminuindo e se tornando dramática e triste. Tive que levantar o rosto e o encarar.

–Para de ser idiota. – Levantei-me da cadeira e parei a sua frente, pois ele se sentava na cadeira ao lado da minha.

–Eu só abracei a Arme, porque--

–Não preciso de explicações. – Mentira minha! Pois o que eu mais queria era que ele me explicasse o que fazia abraçado com aquela insuportável – Aquela garota é a sua amiga também. E eu não tenho nada a ver com a sua vida pessoal.

Cruzei os braços.

Ronan riu. Será que ele havia percebido que eu estava com ciúmes? Não que isso seja verdade… Bem, talvez seja, mas ele não precisa saber.

–Tá rindo do quê? – Questionei.

–Só estou lembrando de quando voltamos a nos falar. – Ronan deu mais uma risada humorada.

Provavelmente era a lembrança de eu dizendo que era para eu ser a única amiga menina dele. Acabei sorrindo também. Mas logo voltei a ficar séria.

–Você deveria ficar perto da Arme, ela parecia bem desconsolada em seus braços, pois chorava.

Virei-me e fui para a porta.

–E sai da minha sala, você não é do segundo ano. – Repreendi por ele ter invadido a minha sala. Na verdade, eu só queria olhar para o rosto dele mais uma vez antes de voltar para perto do Lass e Ryan.

Elesis OFF

Ronan ON

Quando vi Elesis saindo da minha visão depois de ter visto a cena de eu e Arme abraçados, não pensei duas vezes em ir atrás dela. Mas não deixaria a minha baixinha sozinha na sala.

Ela me olhou, como se implorasse que eu ficasse, mas seus lábios se movimentaram e ela me disse outra coisa, que me surpreendeu:

–Vai atrás dela.

Eu iria dizer que não, mas quem eu queria enganar? Estava mais que visível que eu queria correr atrás da Elesis e Arme sabia disso. Não queria magoar a minha baixinha e estávamos nos reconciliando depois do que aconteceu.

Arme sorriu para mim, parecia até que ela estava lendo meus pensamentos.

Dei um beijo em sua testa e abracei Arme mais uma vez.

–Obrigada. – Pediu minha baixinha, deveria ser pelo fato de eu não ter a deixado sozinha na sala quando ela me chamou.

Eu sorri e deixei a sala. Arme sorriu também.

Quando saí da sala e cheguei no corredor, vi que Elesis entrara em sua sala. Fui atrás dela.

Depois de um tempo convencendo-a a falar comigo, consegui. Até tive uma lembrança de quando éramos pequenos. Ri ao relembrar que Elesis era tão teimosa e autoritária, que queria que ela fosse exclusivamente a minha única amiga menina.

É claro que, depois de eu tentar explicar o motivo de estar abraçado com Arme, ela me deixou sozinho na sala do segundo ano e ainda “brigou” comigo por eu ter entrado na sala.

Mulheres são mais complicadas do que qualquer coisa…

Perdi quase todo meu intervalo tentando deixar minhas duas amigas confortáveis e mostrar que eu estava ao lado delas, mas dava para ver em seus olhos que eu não tinha atingido meu objetivo. Não totalmente.

Saí da sala e o sinal tocou. Passei o tempo todo onde os alunos não querem ficar quando está na hora do intervalo: nas salas de aula.

Voltei para a minha e o professor de História estava entrando, mas, quando me viu, parou antes e me chamou.

Eu me aproximei e ele começou:

–O meu projeto vai começar ainda essa semana com o segundo ano. Quero aproveitar o embalo das revisões para as avaliações de semana que vem e comentar sobre o trabalho.

Nisso, Lass estava perto de nós, junto com o Ryan, o suficiente para ouvir o que o professor estava dizendo para mim.

Fiquei com receio de concordar com o professor, pois Lass havia me lançado um olhar nada amigável. Depois que ele entrou, voltei minha atenção ao professor.

–Estou pensando em começar hoje mesmo, o que acha? Eu só tenho hoje e sexta para avisar aos alunos.

–Tudo bem, mas como vai ser? Eu ficarei depois do horário?

–É… Mas tem algum problema? – Indagou o professor, com receio que eu mudasse de ideia e não o ajudasse mais.

–Não, tudo bem. Assim que terminar a aula, eu vou com o senhor na sala do segundo ano.

–Obrigado, Ronan, tenho certeza que fiz a escolha certa para o meu ajudante. – Ele apertou a minha mão e entrou na sala.

Adentrei também e fui para a minha carteira. Lass se levantou assim que eu iria passar por ele para me sentar, parando na minha frente e impedindo a minha passagem. Engoli em seco.