ANGELS [AND DEVILS]

ANGEL

            O ruivo ainda se recuperava do choque. Apoiou-se nos balcões da cozinha tentando arranjar forças para levantar. Quando finalmente as pernas voltaram a ter força ele se levantou e olhou em volta, ela não estava mais ali.

            Só podia ter ficado louco! Foi ainda meio tonto até a sala. Os vizinhos o cumprimentaram e ele foi até os amigos que tinham convidado, foi paquerado pela nova vizinha e antiga colega de classe, conversou com a mãe e as irmãs, mas, de alguma forma sentia que aquela garota estava ali. Pediu licença e correu para o quarto, olhou em volta pelo cômodo, nada dela. Ele suspirou e esfregou a mão no rosto. Só podia estar mesmo louco, precisava relaxar, precisava respirar, precisava de chocolate.

            Já ia saindo, tocou a maçaneta e então sentiu uma mão no seu maxilar, elevando-o e impedindo-o de ver quem era, e outra no seu abdômen. Forçando as orbes para baixo pode ver, mesmo que pouco, o mesmo cabelo negro de antes. Seu rosto estava escondido pelo manto brilhante de ébano. Ichigo procurava coragem para confrontá-la, ela o examinou como se fosse a pessoa errada, virando sua cabeça e algo mais, a voz de Ichigo insistia em não sair quando ele mais precisava, mas ela enfim se manifestou:

— Quem é você? – Foi um quase sussurro.

            Ele sentiu a pressão das mãos dela se desfazer e relaxou também.

— Quer mesmo saber, não é, Ichigo? – A voz dela era autoritária, e ela sabia seu nome. Tratou de encará-la, porém ela empurrou o ruivo pelas costas.

— Não olhe! – Era uma ordem. Era a ordem. A voz veio da nuca dele. Como ela foi parar lá tão rápido? Ele cerrou os olhos. – Já vi que não dá certo.

            “As atmosferas? É vi que não dá certo também.” Ele até pensou em responder, mas as mãos dela saíram de suas costas e pararam novamente em seu abdômen, sentiu o rosto dela se pressionar nas suas costas, era... Um abraço?

— Você cresceu Ichigo... Já é quase um homem. – Ele sentiu a bochecha dela subir, ela estava sorrindo. Ele assustou.

— Eu cresci?! Desde quando---

— Desde sempre, Ichigo. – Ela o interrompeu.

            Sinceramente. Ela estava o intrigando. E o irritando.

— Quem é você?! Ou melhor, o que é você?!

— Porque eu responderia se você não vai acreditar? – Ela fungou nas costas dele, talvez tentando absorver o cheiro excepcional dele.

— Fala sério! – Ele saiu dos braços dela e a encarou, esta não olhou em seus olhos, pelo contrário, estava de costas, porém seu vestido parecia diferente, da primeira vez tinha bastante pano, desta vez parecia bem mais leve, e, além disso, tinha um grande decote em “V” nas costas revelando desenhos de pequenas asas nas suas omoplatas, e uma marca pouco visível nestas.

— Quer mesmo saber? – “Mesmo que não vá acreditar?” Ela completou mentalmente.

— Quero. – Ele soltou impaciente.

— Aguente firme – Ela olhou nos olhos deles por baixo de uma espessa camada de cílios e outra de cabelos, ele não pode deixar de sentir certa pressão. – Eu sou... o seu Anjo.

            Houve um momento de silêncio, ela retesou um pouco os ombros. Foi então que ele estourou em uma gargalhada sem fim. Riu como se fosse a única coisa que ele devesse fazer, riu até acabar o ar, então... Ele continuou a rir por mais um tempo, mais um pouco, e mais, e mais, e quando ela franziu o cenho descontente ele acabou por fazer o mesmo.

 — Ótimo pirralha! Você até chegou a me convencer, mas estragou a brincadeira com essa palhaçada de “Anjo”. Não sei qual é a sua, mas até que foi bem bolado, me fez acreditar por um tempo, como eu fui bobo! Agora some daqui criança!

— Viu só! Sua descrença continua a mesma! – Apesar de querer ela não o encarou.

— Pirralha! Para com essa de quem me conhe---

            Ele não pode terminar a frase, sentiu um baque forte no peito e então caiu de costas no chão, longe, bem longe da porta, as costas arderam e sentiu um peso sobre si, era ela ali, sobre ele, com um joelho pressionando com vontade sua barriga e o outro ao lado de sua cintura, sua mão direita lhe tampava os lábios o impedindo de falar e a outra a apoiava, apesar de tudo, ela ainda não o olhou nos olhos. Seus ombros pequenos estavam um tanto retesados.

— Ah, Ichigo. Que bom saber que você ainda é o mesmo teimoso cabeça dura de sempre! – Ela exerceu sobre o joelho acima da barriga dele, o fazendo grunhir. – Mas quem sabe mais aqui sou eu. Quem sabe a verdade aqui sou eu. E tudo bem se você não acredita---

— Acreditar nessa brincadeira? – Ele conseguiu se livrar da mão dela – A vá!

 — Brincadeira? – Ela disse com repulsa da palavra. Sorriu irônica e o liberou.

            Ichigo se levantou e acompanhou com os olhos a garota ir até o sofázinho e se sentar no sofázinho como da primeira vez que a viu.

— Não vai sumir daqui? – Ele soltou aborrecido.

— Infelizmente, mesmo que eu quisesse, não poderia. Já disse que sou seu Anjo. Não dá pra trocar ou abandonar assim. – Ela disse de costas.

            O garoto bufou um “Anjo, sim. Claro.” E saiu do quarto um tanto tonto.

— Porque é que eu tive a ideia de tentar mostrar à ele a verdade?

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Ichigo desceu novamente até a sala de estar e se distraiu o máximo possível, era oque devia fazer esquecer sua loucura e achar sua sanidade apagando cada traço daquela mulher que acabara de ver. Quando foi se deitar era impossível não procura-la pelo quarto e até mesmo não imaginar os grandes olhos velando o sono dele.

E esses olhos estavam lá vigiando cada passos que as trevas davam em direção a ele e o protegendo de cada toque destas.

Os olhos o fitaram com calma, as mãos o tocaram com carinho e os lábios deixaram em seu ouvido palavras que ele não ouviria.

— Não posso deixar Ichigo. – Os olhos tristonhos acompanharam as linhas do rosto dele assim como as mãos fizeram. – Não posso deixar que eles te alcancem. Não posso te deixar...

            A noite, e ela, se calaram deixando apenas as frias sombras fluírem.