Distress And Coma escrita por Leh-chan


Capítulo 1
Distress


Notas iniciais do capítulo

Bem, esta é uma songfic de Distress and Coma, será dividida em 2 capítulos. No decorrer dos mesmos, aparecerão alguns fragmentos da música, fora de ordem, mas que não se repetem (somente as repetições que existem na música, mesmo).

Acho que é a única coisa que tenho pra avisar anter da leitura, então... Espero que goste :3



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:: CAPÍTULO 01 - Distress ::


{U
ruha’s POV}

Foi exatamente assim, mas só que há muito tempo atrás. No camarim, eu estava nervoso. As crises se tornavam constantes, e tudo apontava que eu não deveria me apresentar. Mas aquela era a minha grande noite, pela qual esperei quase toda minha vida... Não poderia desistir. Jamais. Foi uma oportunidade tão repentina e tão única que parecia de mentira.

            Meus médicos queriam me impedir a qualquer custo, entretanto, Ruki me ajudou a driblá-los. Isso sim é que é um bom amigo. Ele sabe o quanto isso é importante para mim.

            Amarrei as sapatilhas com força, para evitar uma queda desnecessária. Há quem diga que isso é muito feminino. Havia quem dissesse que eu era feminino demais. Não é de todo mentira... Talvez enquanto eu danço, fique mais afeminado. Mas esse não é um estado constante. Fora do palco, chegavam a dizer que eu ficava irreconhecível, sem toda a maquiagem e as roupas sutis... E apesar de me dizerem que era feminino, apesar de tudo que sempre me diziam, dançar era minha vida e não era por causa da opinião alheia que eu iria abdicar.

            Andei até o espelho. A maquiagem completamente delicada cobria minhas olheiras. Há dias que eu não dormia, simplesmente pelo medo de não acordar.

            Ajeitei uma mecha de meu cabelo, e logo pude ver aquele adorado rosto amigo através do espelho: Takanori caminhava sorridente, colocando a mão em meu ombro.

           – Boa sorte, Uruha. – Uruha. Essa é uma prova de que aqui é meu lugar. Uruha é como me apelidaram: a própria beleza personificada. Sentia-me honrado, certamente, toda vez que me chamavam assim. E eu ouvia com frequência.

            – Não está com medo? – Perguntei a ele. Não queria que a culpa recaísse sobre alguém que só fez o bem para mim, mas se nos descobrissem, ele com certeza teria mais problemas que eu.

           – Por que deveria? Você está ótimo. Aquilo tudo é mera formalidade. O máximo que acontecerá depois é uma bronca daquelas. Mas depois. Aproveite o momento. É sua hora de brilhar novamente. – E sorriu para mim, transmitindo confiança.

           – Brilhar novamente... Estou ofuscado, Ruki. Eles me apagaram.

           – Foram só alguns meses.

            – Mas eles querem me deixar trancado no hospital por muito mais tempo.

           – Não se tudo der certo hoje... Prove-os que você é mais forte. Prove a si mesmo que não é escravo da sua deficiência. – Deficiência. Jeito bonito de chamar uma doença cerebral, né? Porém, não é como se ele entendesse. Não é também como se eu quisesse fazê-lo entender. Você só entenderia se visse como é. A brancura da morte... Um sonho triste, inacabado. Apesar disso, quando acordamos, o pesadelo retorna. A dor retorna. Essas feridas nunca vão embora. Estão me despedaçando, cada vez mais e mais levando meu brilho.

Gostaria de esquecer
A dor branca que passa.
Mas acredito e aviso:
As feridas não vão sumir.


            – Obrigado.

            – Qualquer coisa, estarei logo atrás do palco, sim? – Acenei com a cabeça. Nunca pensei que precisaria. Ah, quão inocente... Quão tolo.

-

Escuro. Dirigi-me para o palco e me posicionei. As cortinas se abriram. Prontamente a forte luz recaiu sobre mim. Aquele holofote adorado... Como é bom estar no palco. Livre para fazer o que eu quisesse, o que eu mais gosto de fazer.

            Dei uma olhada rápida no meu público, a casa estava cheia. Sorri internamente, mas mantive minha expressão serena, como era de se esperar.

            Por ter ficado internado desde minha última crise, há quase três meses antes deste dia que descrevo, não tinha uma coreografia propriamente dita. Mas eu simplesmente não precisava de uma. A música tranquila embalava os movimentos com leveza, e rapidamente eu já dava saltos e piruetas perfeitas. Perfeição era minha meta... E perfeição foi o que eu achei naqueles olhos, que me fitavam com curiosidade.

            De tantas pessoas ali presentes, meus olhos foram atraídos para um rapaz na primeira fila. É difícil ver jovens desacompanhados nesse tipo de evento. Ainda mais um como ele. Rebelde. Largado. Um perfeito espécime de rapaz estava observando-me, sem tirar os olhos por um momento. Não resisti, foi uma ação quase inconsciente. Minha dança passou a ser mais sensual, não deixando nunca a leveza de lado.

            E meu expectador? Seus lábios se entreabriam e ele estava parecendo um voyeur. Talvez tenha sido essa sua intenção ao aparecer aqui: o prazer.

            Virei-me e sorri para ele; aquele sorriso que há tempos eu não dava. Aquele que diz “você pode olhar, mas não pode tocar”. E nesse momento, um lampejo de desafio iluminou seus olhos. Afinal, eu ainda conseguia ser notado... E naquele momento de distração, falhei. Caí. Bati a cabeça com força. Tudo que consegui ver antes do branco foi Takanori correndo para me acudir, o misterioso loiro se levantando, assustado... E aquele tinido irritante nos ouvidos tomou conta de minha mente. 

Dance, dance...
Até quando dormir, dance.

-

{Reita’s POV}


          
Eu não nego que naquele dia, tanto tempo atrás, só estava em busca de diversão. Uns amigos me mandaram fotos daquele bailarino tão bem desenhado e minha boca encheu de saliva ao imaginar o produto de sua flexibilidade.

            Fui sozinho assistir a um de seus espetáculos. Fiz questão de conseguir primeira fila. Lá chegando, só havia velhas gordas e senhores pomposos. Bando de desocupados. Sentei-me e fiquei a esperar. Logo, um garotinho ruivo escondeu-se em um canto do palco, e as luzes se apagaram. Pisquei, ajustando a visão à nova iluminação, até que um forte feixe de luz fora lançado sobre ele. Uruha, era como chamavam. Fazia completo sentido.

            Estava todo vestido de branco, a imagem da pureza. Parecia uma noiva, se aquela saia fosse mais comprida, claro. Saia? Não é assim que chamam. Que se danem os termos técnicos. Este era o tipo de rapaz que deixa até os homens mais certos incertos, que traz à dúvida onde há certeza. A loucura personificada. Assim eu pensava enquanto o analisava: um pedaço de carne. Um muitíssimo bem delineado pedaço de carne.

           Então, ele me olhou nos olhos. Aquele olhar era mágico: como se tudo à volta dele fosse mágico. Como se ele reinasse sobre toda a magia do universo... E aí eu tive um novo conceito sobre ele. Doce; algo que precisa ser protegido. Frágil, como se fosse feito de açúcar. E novamente, ele derrubou minha teoria, quando começou com uma dança descaradamente lúbrica. Realmente de tirar do sério. E as surpresas acabaram? Claro que não. A bela noiva me lançou um olhar esnobe, sorrindo. Intocável. Essa foi a última impressão. Já estava levando aquilo na esportiva quando algo aconteceu. Novamente, seu olhar parecia ver algo que nós, os meros mortais, jamais veríamos.
 

Olá, minha querida noiva.
O que você está olhando?
Com esses olhos que vêem
borboletas espalhadas pelo chão...



           Despenhou. Diante de seus admirados observadores, simplesmente caiu. Uma queda deve ser normal quando se executa uma sequência de passos tão complexos e simultaneamente tenta deixar um determinado expectador louco, mas o estranho não foi a queda em si. Foi o fato de ele não levantar. Logo depois, fortes espasmos se espalharam por seu corpo, fazendo-o tremer loucamente. A plateia curiosa se levantou, ouviam-se alguns gritos abafados de espanto entre as moças.

            Saltei da cadeira para ver melhor. Aquele mesmo ruivo baixinho tentava, inutilmente, segurar o levantar o corpo que se debatia, tentando evitar que ele batesse a cabeça, principalmente.

            Corri. Pulei para o palco e até hoje não sei como fiz isso. O garotinho me observou por uns instantes, e vendo-o de perto, ele não era tão “garotinho” assim. Irrelevante. Fiz um sinal com a cabeça, indicando para ele soltar Uruha. Assim o fez, mas um pouco incerto, me observando cautelosamente.

            – Tudo bem. – Respondi à sua incerteza, e peguei o loiro nos braços. Era leve. Exalava cheiro de margaridas. Delicado, como imaginei. Os espasmos iam diminuindo em velocidade e intensidade, mas era realmente difícil contê-lo. Tive que empregar certa quantidade de força, mas ainda com medo de machucá-lo, não fui completamente eficiente na tarefa.

            O ruivo observava atentamente ao bailarino, sem desgrudar os olhos até que se acalmasse completamente. Demorou um pouco ainda, mas quando o corpo ficou inerte, ele finalmente me respondeu:

            – Certo... Então... Obrigado. Pode levá-lo até o camarim? – Perguntou-me, já se levantando e andando, fazendo sinal para que eu o seguisse. Segurei o corpo com mais firmeza e me levantei, seguindo-o lentamente para não acontecer nenhum acidente. Não precisávamos de mais nenhum naquela noite.

            – Não é melhor chamar uma ambulância? – Sugeri. Não parecia que Uruha fosse se mexer, acordar, dar sinal de vida... Permanecia completamente ocioso em meus braços. A única coisa que me fazia ter certeza de sua existência ativa era o ato sistemático de respirar em suaves arfadas.

            – Conhecendo-o bem, Takashima nunca ia me perdoar se eu o fizesse.

            – Takashima... É este o nome dele? – Fiquei curioso. Esse nome... Um belo nome. Soou familiar aos meus ouvidos, mas muitos nomes podem ser parecidos.

            – Sim. E eu gostaria de saber o seu, por favor. – Apertou o passo, o que quase me fez aumentar o meu para acompanhá-lo.

            – Suzuki Akira. – O baixinho era desconfiado ao extremo. Não o culpo.

           – Matsumoto Takanori. – Respondeu-me apressadamente enquanto abria uma porta e apontava um sofá. – Coloque-o ali, sim? – Assenti com a cabeça, fazendo como me foi mandado.


Dance, dance...
Dance até dormir.

-

{Uruha’s POV}


          
Quando eu abri os olhos, pensei que ainda estava delirando. Era normal eu delirar quando estava naquele estado. O rapaz loiro me observava de perto, sentado ao meu lado, ostentando minha mão que agora tremia.

            – Olá. – Ele disse com simplicidade. Geralmente minhas alucinações não falavam nada. Nem eram tão atraentes.

            – O quê...? – Estava confuso. Tudo girava, minha cabeça doía de forma insuportável. A ferida se abrindo mais uma vez.

            – Fique quieto. Vim ajudar. Me chamo Suzuki Akira, Takashima-san. – Me chamou pelo nome. O que está havendo? – Você desmaiou no palco e eu estou ajudando Takanori. Estamos no seu camarim e vai ficar tudo bem. – Fiz que sim com a cabeça. Por experiência sei que o melhor a fazer é não fazer nada. Dói tanto que às vezes eu penso se morrer não seria melhor. Se a morte for branca como eu a vejo... Talvez fosse mesmo melhor assim. Mas eu não desistiria da minha vida e de meus sonhos tão facilmente.

            – Você estava dançando muito bem. – Falou, com um meio sorriso. Ele ia continuar a falar alguma coisa, mas suas palavras ecoavam na minha mente, e era insuportável. Ele tinha que parar... Meus olhos marejavam, ardiam, e eu não suportava mais.

            Desvencilhei minha mão das dele e imediatamente coloquei sobre sua boca, em sinal para fazer silêncio. Ainda tremia, temia muito. Ele entendeu que deveria ficar quieto e respeitou. Menos mal. Afastei minha mão de sua face, trazendo-a para perto de mim.

            Entretanto, quem estendeu as mãos agora foi ele. Tocou meu rosto com cuidado. Geralmente, fazem isso para medir minha febre, nada demais. Mas... Ele fechou os olhos. Mantinha uma face serena, e foi se aproximando... Se não soubesse como é, diria que ele estava desmaiado e caía. Irônico, não?

           Sua “queda”, porém, só durou até certa altura. A altura em que eu me encontrava, a altura de minhas bochechas. E me beijou, inocentemente.


Lágrimas que não param.
Eu calo a voz com as mãos
Que tremem fracamente.
Deixo os lábios caírem...


-

{Reita’s POV}


            Outra coisa que eu não descobri desde aquela época foi o motivo daquele beijo. Um beijo inocente, como nunca havia dado em ninguém. Pareceu acalmá-lo. Em instantes ele amoleceu, sossegou.

            Passei um tempo indeterminado acariciando seus cabelos perfumados. Deve ter sido muito, muito tempo, pois ele acabou por adormecer. E não deve ser fácil adormecer sob tais circunstâncias. Fiquei pensando se era seguro deixá-lo cair no sono, mas... Ele parecia tão mais tranquilo... A face tristonha permanecia, mas os traços de cansaço iam ficando mais sutis.

           Estava triste, era um fato. Apesar de esconder tudo atrás de sorrisos, estava irrevogavelmente infeliz.

No leve sonho
A verdade que não quer
mostrar é refletida,
Até mesmo a tristeza.

           Com o tempo, eu viria a descobrir todas as suas máscaras, suas dores, suas sutilezas. Com o tempo, suas dores seriam as minhas.

            Aquele garoto me cativou de certa forma... E ele era apenas um estranho. Mas parecia completamente indefeso e desolado.

            E de uma forma ou de outra, pode parecer bobo, mas eu o conhecia. Nunca fui capaz de descobrir de onde, mas aqueles olhos amendoados me eram familiares. O nome Takashima não era tão distante em minha memória, também. Talvez, de alguma forma, ele estivesse envolvido com o trabalho que eu outrora exercia. Entretanto, essa profissão era um passado distante. Depois que consegui certa estabilidade econômica larguei aquela vida. Passei apenas a desfrutar dos resultados. Não queria mais me arriscar, essa é uma verdade. Ainda hoje quando vejo sangue ou sinto aquele cheiro familiar, tenho enjôos.

            Naquele momento de tão profundo pensamento, eu decidi que faria algo: iria ajudar um estranho, que não me era completamente estranho. Foi essa pequena impressão de que o conhecia que apaziguou a voz irritante que me dizia para não interagir com estranhos. Na verdade, era como se eu devesse algo a ele... Quer dizer, se estivesse mesmo relacionado com meu antigo trabalho, eu realmente o devia uma.

           E aquela noite que era para ter sido apenas uma diversão inconsequente passou a ser algo mais.

           Por que eu fiz isso por ele? Ele simplesmente me fascinou. Parece ver borboletas por onde passa... É encantador. Um espécime raro.

           – Está tudo bem por aqui? – Perguntou Ruki, entrando na sala. Revelou-me este apelido enquanto conversávamos. Contou-me sucintamente sobre o loiro desmaiado chamado Kouyou e sua situação.

            – Ele dormiu. Acho que não deveria ter deixado, mas...

            – Tudo bem. Vai ficar tudo bem, ele precisava descansar. Esses últimos dias o estavam agoniando... Não dormia bem há tempos.

            A agonia era tanta que Kouyou não podia dormir? Chegou a um ponto tão desesperador? Precisava mesmo de ajuda. Talvez só de sair do hospital ele ficaria melhor... Ficar em um lugar mais agradável.

            – Você fez bem em tirá-lo do hospital. – Comentei, distraidamente. O ruivo sorriu.

            – Ele só precisa de um pouco de alegria. Só isso... Lá não vivia. Sobrevivia, e com muito esforço.

            – Precisa de alguém que cuide dele.

            – Alguém quer ser babá de um portador de uma doença tão devastadora e complicada? Exige cuidados muito específicos, e muito tempo a dispor... 

            – Nunca se sabe o que você pode encontrar na próxima esquina. – Comentei. Não me importaria de cuidar dele, mas àquela altura, eu era um desconhecido qualquer. Não acho que o loiro ou o ruivo, que se mostrava tão preocupado com ele, aceitariam.

            – Quando ele acordar vocês conversam. Mas ele precisa de muito mais que um beijinho na bochecha, garanhão. – Respondeu, friamente. – Precisa paciência, um lugar apropriado, situação estável. Ele está se quebrando. É difícil segurar essa deterioração ágil. – O baixinho era bom. Notou minhas intenções rapidamente...

            – Eu vou ficar aqui. Ainda acho que seria melhor chamar um médico.

            – E interná-lo novamente? Você é meio lento, né? – E virou-me as costas.

-

{Uruha’s POV}


          
Mais algum tempo de passou desde que eu dormi. Preguiçosamente me movi, apenas para notar que aquele loiro permanecia ali. Akira, não é? Agora quem cochilava era ele. Entretanto, parecia alerta. Poderia jurar que estava se preocupando comigo. Ninguém fazia isso há tanto tempo... Digo... Tinha o Takanori e o Yutaka, eles se importavam comigo... Mesmo assim, nunca foram ao extremo. Me ajudavam até certo ponto, mas eles tinham suas próprias vidas para cuidar. Não os culpo por isso, claro.

            Depois de tanto tempo, consegui dormir bem. Qual era o único fator diferente? Akira. Este garoto, viu... Não o conhecia. Ele poderia querer me sequestrar, me estuprar, me assaltar, me assassinar... Mas algo simplesmente me dizia que eu podia confiar nele... Aliás, considerando o fato de que ele permaneceu comigo no camarim até aquela altura, devia ser um bom rapaz. Era uma pena saber que uma hora ele também ia embora... Que ele também ia desistir.

    Gostaria que agonia fosse que nem sono: você dorme e passa. Como tudo no mundo paralelo que existe em minha cabeça. Lá eu canto, danço, tudo no cenário branco tão temível. Lá não é como se fosse a brancura que dizem ser a morte, é só um novo espaço para preencher. Mas tudo que eu consigo colocar, depois que acordo, é minha dor. Minha dor mancha o cenário alvo de meus sonhos, porque eu sei que eu vou acordar.

No leve sonho
Você canta mais uma vez.


            Virei uma sombra do que era, de fato. Uma sombra se esquivando do inevitável. E por que eu me dou ao trabalho? Precisava de algo que me fizesse ter um motivo pra continuar. Juro que se precisasse voltar para aquele hospital de novo eu morreria. Mas se for para casa, preciso de alguém que cuide de mim sempre. Não tenho ninguém. Estou sozinho. E só de pensar nisso, as lágrimas começaram a saltar de meus olhos. Chorava baixinho.

            – Ei, ei... Você está bem? Está doendo? – Akira acordou sobressaltado no mesmo instante. Não tive forças para respondê-lo, apenas apontei tremulamente para meu peito. Ele me fitou, como se eu fosse um ET por alguns segundos... E depois, me abraçou. Abraçou forte, e aquilo passava uma segurança e tranquilidade incrível.

            – Não... Não precisa chorar. Eu estou aqui agora, certo? – Oras, mais um que vinha com essa história... Isso é ridículo... Só me faz ver que é impossível.

            – E até quando estará disposto a ficar? – Perguntei, ironicamente. Já esperava ouvir um período de tempo curto, como sempre. Desta vez foi pior, ele só ficou em silêncio. Afastou-se de mim e me soltou, voltando a me olhar de um jeito curioso, como se me medindo. Então sorriu.

            – Que tal para sempre? – E eu não tinha mais palavras.

-

{Reita’s POV}


           
Eu era um desocupado. Desde que abandonei o “serviço”, minha vida era simplesmente pular de balada em balada até arrumar alguém agradável para passar a noite... Era uma vida vazia. E agora eu estava me comprometendo com o bailarino. Ele me fez mudar. Essa atitude inconsequente me fez uma pessoa melhor. No momento que eu disse “para sempre”, uma pontada no meu peito me incomodou. Pra sempre é muito tempo. Mas logo fui recompensado, e vi que valeria a pena, custasse o que custasse.

Um sorriso.


           Ele sorriu. Gracioso, angelical. E desde aquele dia, minha função era tornar aquele sorriso constante.

-

Levei-o para morar comigo. Se ele tivesse más intenções para comigo, eu poderia imobilizá-lo e matá-lo facilmente, apesar de achar que nunca chegaria à esse ponto. Mas não era o caso, algo que dizia que ele não seria capaz. Entretanto a consciência constantemente dava pontadas.

            No início, Takanori nos fazia visitas muitíssimo constantes.

            Até então, eu morava sozinho. O lugar era uma bagunça, que foi sumindo com o tempo. Kouyou era bastante organizado.

            E sobre a relação que eu e Takashima assumimos... No começo, era um inferno: ambos ficávamos sem graça com qualquer coisinha. O silêncio imperava o dia inteiro. Nossos contatos eram bem restritos. Depois de muito insistir, consegui fazer com que ele dormisse na minha cama, e eu me mudei para o sofá. Havia um grande risco de ele cair e bater a cabeça se ficasse no estofado.

            Certa noite, mais ou menos uma semana depois de ter se mudado, ele estava cozinhando. Eu pedia para que não se incomodasse, mas ele simplesmente se trancava na cozinha, e eu o ficava observando através da porta de vidro. Às vezes me mostrava a língua e sorria. Era bom vê-lo assim, mesmo sabendo que a maioria desses sorrisos ainda eram falsos.

            Então, começou a dançar. Os olhos fitavam, outra vez, algo incrível, e foi quando eu notei que ele tinha paixão pelo ofício. Movimentava-se como um gato pela cozinha apertada, pegando um tempero, guardando uma faca... E acabou dobrando o tapete que estava no chão. Saltei da cadeira onde estava e comecei a bater no vidro, mas já era tarde: ele tropeçou e bateu com a cabeça na quina de uma mesa que ali estava. Caiu com força no azulejo branco, sem ter convulsão alguma. Mas não levantou, tampouco.

           Entrei em desespero. A porta da cozinha estava trancada, e eu me vi obrigado a quebrar o vidro próximo à fechadura e abri-la por dentro. Machuquei muito minha mão, mas era irrelevante. Peguei Kouyou e levei para a cama, sem nem ideia do que deveria fazer. Estava pegando o telefone para ligar ao Ruki quando ouvi um barulho, e o loiro começou a se mexer, as lágrimas saindo dos olhos. Corri até ele.

            – Kouyou, você...

            – Akira... Dói. – Não entendi a princípio. – Dói muito... Parece que estão enfiando várias facas na minha cabeça. Agonizante... Fica tudo branco, e aquele tinido no ouvido... Zwiiiiiiim... – Tentou imitar. – É... – Não aguentava mais. Nem ele, nem eu. Só de imaginar aquilo, já me cortou o coração. Abracei-o.

            – Você é muito forte, Kouyou... – Segurei sua mão com a minha que sangrava. Havia me esquecido dela.

            – O quê...?

            – Ah, isso... – Pronunciei, tentando esconder, mas ele segurava minha mão e analisava-a. – Eu... Machuquei com... AAAAAAAAAI! – Gritei quando ele tocou uma lasca de vidro que me perfurava.

            – Precisamos resolver isso... – E se levantou, com um pouco de dificuldade. Puxei seu braço.

            – Eu resolvo, você tem que descansar.

            – É o mínimo que eu posso fazer. Você é tão bom comigo... E, aliás... Só pra sua informação, é muito difícil um destro enfaixar a mão direita. – Soltou-se de mim e foi em direção à porta do banheiro.

-


{U
ruha’s POV}


           Naquele dia, da minha primeira crise desde que fui morar com ele... Foi naquele dia que nós começamos a ficar mais próximos.

            Ele se machucou todo pra me pegar da cozinha. Foi uma batida leve, eu só desmaiei por alguns minutos... E quando acordo, me deparo com a mão completamente mutilada de meu benfeitor. Diante daquilo, qualquer dor que eu ainda estivesse sentindo se tornou insignificante. Precisava ajudá-lo.

            Corri até o banheiro e peguei uma caixa de primeiros socorros, que logo no meu primeiro dia aqui, Akira me mostrou, para qualquer emergência que eu pudesse ter. Sempre atencioso. Voltei para o quarto, onde ele ainda fitava o vazio, perplexo. Sentei-me à sua frente, e seu olhar deixou de ser opaco.

            – É sério, Kou... Deixa pra lá... – Tomei sua mão antes que continuasse a reclamar e tirei uma pequena pinça da caixinha. Com cuidado, e tentando manter a firmeza, retirei um caco de vidro razoavelmente superficial, vendo-o ficar rígido.

            – Relaxa, senão vai doer mais... – Passei a mão cuidadosamente sobre o ferimento, limpando o sangue e simultaneamente acariciando-o de leve. Com o tempo, ele foi ficando mais calmo.

            E lentamente, com a maior cautela que eu conseguia, fui tirando os pedaços de vidro. Primeiramente os grandes, que podiam causar algum dano maior, depois os menores, que eu descobrir serem os mais problemáticos por estarem profundos.

            Fui assistindo uma sucessão de caretas em sua face, em algumas delas não pude evitar leves risos. Quando notei, já tinha me esquecido o que se passou comigo mesmo. Nunca me recuperei tão rápido de um desmaio... Tudo bem que não houve convulsão e foi muito superficial, mas... Foi mais fácil. Mais leve e agradável.

             Desde então, não houve mais constrangimentos entre nós. Ficamos muito unidos. Acho que momentos difíceis unem as pessoas com mais facilidade que o próprio tempo. Aconteceu de uma hora pra outra, mas... Era tão bom, tão irreal...

            Quando ele se ofereceu pra cuidar de mim, pareceu completamente estranho. Ele provavelmente queria se aproveitar de mim, de alguma forma. Mas após umas conversas, acabei convencido. “Por uns dias”, eu pensei, “Pelo menos até eu achar algum outro lugar”. Uns dias se arrastaram e transformaram em muito mais tempo...

-

{Reita’s POV}


          
Kouyou mostrou-se muito cuidadoso em sua tarefa. Era interessante vê-lo tão profundamente compelido a algo.

            Com um tempo, me acostumei com os constantes lampejos de dor que cada caco causava ao ser retirado. Minha mente foi clareando até o ponto que eu já conseguia devanear, apenas fazendo uma careta ou outra às vezes.

           Desde que ele me disse como se sentia, fiquei mal. Não sei... Como se toda sua tristeza fosse minha agora. E ele parecia tão entretido em tirar os vidros de minha mão que quase parecia melhor. Ao ver uma careta minha mais forçada, ria baixo. Mas seus olhos continuavam tristonhos, mesmo que levemente. Não era pra menos... Preciso ajudá-lo. Desde aquele dia... Era como se fôssemos mais do que dois estranhos. Viramos cúmplices.


Até que sua agonia adormeça,
me preencha com seu sofrimento.


           – Você pode contar comigo, Kou... – Ele sorriu, mas não falou nada. Apenas continuou cuidando de meu ferimento, como ninguém jamais fizera antes. Ele se importou comigo, como ninguém nunca se importou... Como pensei que nunca fossem importar.


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Notas finais do capítulo

N/A: Bem, eis uma fic que eu estou homenageando à tia Anna, porque é meu primeiro Reituha e ela é a única pessoa que eu conheço que gosta desse casal xD

Enfim... Essa fic terá apenas 2 capítulos, como citei antes. Este aconteceu no passado, o próximo será no presente.

Espero não ofender muito a medicina com esta fic.

E mais uma coisa que é, na verdade, uma explicação: eu sei que é estranho o Uruha simplesmente ir morar com um estranho, mas tem lá suas justificativas. Como o próprio disse, o plano era ficar ali só alguns dias. Qualquer lugar, quer dizer, qualquer lugar MESMO era melhor que o hospital, sob o ponto de vista dele. Então, espero tenham isso em mente ao julgar o ato "irresponsável" do Kouyou. Isso e tudo mais que se passou no capítulo. Quanto ao Akira, ao convidar um estranho para sua casa, ele só esperava que sua vida saísse um pouco da monotonia. Ele está confiante de que um bailarino não representa problemas para ele.

Bem, por hoje é só. Até o próximo capítulo.



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