As Cinzas Que Me Restaram... escrita por Annabeth Chase


Capítulo 1
(Capítulo Único): "O Meu Destino".




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Lá estava ela. Laurel Lance. Em todo o seu charme, a advogada caminhava em direção à unidade de bombeiros que eu acabava de deixar. Linda, como sempre.

Black jeans. Blusa cor de creme. Casaco sobretudo marrom. E, o mais curioso: seus cabelos, naquele tom fascinante que nunca decifrei ser "castanho-claro meio dourado" ou "loiro escuro", soltos por baixo de uma touca azul, que a deixava com ar de menina. O mesmo ar de garota inexperiente, mas decidida, de quando nos conhecemos.

Um sentimento de culpa se abateu sobre mim. "Como você pôde ser idiota o suficiente para perder essa mulher?", cheguei a me questionar. Seus olhos ainda tinham o mesmo brilho verde. Sua boca rosada era carnuda e atraente. Eu tinha que me segurar, todas as vezes em que ela estava muito perto, para não beijá-la.

Sorri, sinceramente, ao vê-la e usei um tom de voz casual para saudá-la ali.

– Ei, o que está fazendo aqui? – perguntei, enquanto me aproximava. Como ela caminhava no sentido contrário ao meu, ficamos próximos o bastante um do outro após alguns passos.

– Eu disse a Joanna que pegaria as coisas do Danny. – ela explicou, referindo-se à sua melhor amiga, uma advogada que trabalhava com ela, e o irmão desta, um bombeiro que morrera durante um incêndio que, tanto a própria Laurel, quanto Diggle insistiam em me fazer investigar. – E você?

– Tommy me pediu para ver se a lista de convidados para o baile dos bombeiros estava certa.

– Tommy está trabalhando duro nisso. – era verdade. Desde que o pai havia cortado seus cartões de crédito (e, admito, desde que ele começou a conviver com Laurel), Tommy havia desenvolvido uma responsabilidade que nunca teve. Que nenhum de nós dois tivemos, antes. – É muita bondade sua, Oliver.

– Não foi nada. – respondi. Eu não deixaria meu amigo na mão.

E, se eu precisava insistir na farsa de "montar uma boate" (como se eu estivesse mesmo preocupado com coisas fúteis assim. Coisas que, confesso, envaideciam-me antes), eu precisaria de alguém para me ajudar a administrar os negócios. Alguém que estivesse realmente interessado nisso. Para mim, o negócio da boate se resumia a mais uma fachada que eu teria de usar para disfarçar minhas reais intenções na cidade.

Afinal, eu precisaria de um álibi.

Eu já tinha sido preso antes, acusado de ser o "vigilante da cidade" (que, até o momento, não havia recebido um nome digno. Meu alter-ego era chamado por "Capuz", "Cara do Capuz", "Encapuzado" ou coisas bregas assim. Eu precisaria nomeá-lo com algo decente). Quentin Lance, o detetive que odeia minha família – e, pai de Laurel – ainda não tinha se convencido totalmente de minha falsa inocência.

Então, eu tinha que arranjar uma desculpa para minhas noites fora de casa. A ideia da boate caiu-me como uma luva.

Deixei tudo isso de lado, porém, quando Laurel sorriu brevemente e passou por mim, em direção ao núcleo de bombeiros. Dessa vez, no entanto, a vontade de falar com ela foi maior que qualquer outra coisa. Quando dei por mim, já tinha pronunciado as palavras:

– Tommy disse que você está muito protetora com suas gavetas. – eu disse, nem sei bem o porquê. Ainda acrescentei, de súbito: – E não estou falando de sua roupa íntima.

– Estamos realmente tendo essa conversa? – Laurel perguntou, num tom descrente. Em seu olhar, a mensagem era clara: “não acredito que estamos falando sobre o Tommy me pedir uma gaveta para ele em meu apartamento”.

– Bem, somos amigos. – eu disse, tentando parecer cortês e confortável com a situação. Mentira. Eu não estava nem um pouco confortável com isso.

Laurel respirou lentamente.

– Sim. – admitiu. – Tommy me pediu uma gaveta.

– E isso é ruim? – perguntei, ainda usando o tom cordial de “somos ex-namorados, mas também somos amigos, então, pode me contar sobre suas frustrações românticas com o meu melhor amigo”. Mas claro que não era normal.

Forcei um sorriso.

– Não, é só... – ela hesitou. – Eu sou do tipo “tudo ou nada”. Primeiro é uma gaveta, depois um armário... Metade da minha vida... – ela parou e soltou o ar de seus pulmões com força, antes de perguntar, mais a si mesma do que a mim. – Estou mesmo pronta para fazer isso com o Tommy?

– Você pode ir devagar. – aconselhei, mesmo que soubesse que ela não poderia.

– Eu não “vou devagar”, lembra? – ela olhou no fundo dos meus olhos. – Eu fecho os olhos e pulo, assim como você. Acho que por isso não demos certo... – sua voz falhou. Esperei. Eu também não poderia dizer nada. Não, se iria me arrepender disso mais tarde.

Ficamos alguns minutos assim, em completo silêncio. Nenhum dos dois tinha coragem suficiente para rompê-lo. Era pessoal demais, íntimo demais. Nossas angústias, nossa dor. Todo o nosso relacionamento mal resolvido estava ali, à nossa frente, batendo em nossas faces.

Controlei o impulso crescente de pedir-lhe perdão. Por Sarah. Por ser o responsável pela morte de sua irmã. Por ter mentido. Por tê-la traído antes. Por continuar a enganando agora...

Eu fingia que tudo estava bem, mas não estava. Não, se eu tinha que aguentar ver a mulher que amei (e que não tive decência o suficiente para respeitar) tocando sua vida adiante com o meu melhor amigo. Não, se eu tinha que continuar fingindo ser alguém que não mais era.

Agora, eu tinha de usar uma máscara, para não demonstrar minhas reais intenções aqui: o desejo de reparação de todos os erros cometidos por minha família – pelo meu pai, que foi desleal para com a cidade; por mim, que pequei com Laurel.

A atmosfera que nos cercava era quase tão densa que eu tinha certeza de que poderia tocá-la, se quisesse. Seu olhar esverdeado me tragava de um jeito tal que quase me fez destruir todas as barreiras que tanto lutei para construir.

– Nossos sentimentos e medos nos controlam, não o contrário. Entende? – ela disse baixinho, quase relutante.

Forcei minha garganta quase estrangulada a produzir algum som: – Sim.

Mais uma vez, um silêncio constrangedor nos tomou. Dessa vez, no entanto, Laurel rompeu-o com mais facilidade, visivelmente desconfortável com a situação, desejando livrar-se de tudo aquilo.

– Tenho que entrar. – disse, forçando um sorriso que não chegou aos seus olhos.

Balancei a cabeça em concordância e a deixei ir.

Ela se foi.

E, então, encontrei-me novamente só. Dessa vez, não por um acidente, mas pela fatalidade das consequências de nossos próprios atos. Acho que é isso o que as pessoas, erroneamente, chamam de "destino".

Dinah Laurel Lance, hoje, era uma mulher inalcançável, impossível para mim. Nossas vidas tinham tomado um rumo completamente distinto. E eu não tinha sequer direito de reclamar algo quanto a isso. Assinei minha sentença há cinco anos, quando entrei naquele maldito barco na companhia de sua irmã.

Eu fui o responsável pelo o que me tornei hoje. Claro que nem tudo se deve exclusivamente a mim, afinal, eu não teria sobrevivido naquela ilha se não tivesse passado por todas aquelas provações.

As lembranças do meu sofrimento ali ainda me vinham em flashbacks, sempre. Na ilha, fui torturado, enganado, espancado e testado inúmeras vezes. Sobrevivi, mesmo que, em alguns dias, pensasse que tudo não fosse nada além de uma utopia.

Mas, por mais que Yao-Fei tivesse me ajudado a sobreviver na ilha, e a me tornar uma pessoa melhor, ele não me preparou para isso: o remorso, a culpa, o arrependimento. A dor... por ter magoado a única mulher que amei, para além de minha mãe e de Thea, minha irmã caçula.

Então, se o que as pessoas dizem sobre o destino estiver certo, esse deve ser o meu: permanecer só. Isolado. Para sempre.

Eu não dei valor a quem deveria, quando tive a oportunidade e, agora, tinha que arcar com as consequências. Estou destinado, então, a agir como o canalha mentiroso que sempre fui, mas que, agora, era altruísta o suficiente para querer o melhor para Laurel – aquilo o que eu não pude lhe dar.

Durante um incêndio, as chamas consomem tudo que está pela sua frente: móveis, livros, fotos, documentos, celulares, computadores, vigas de madeira, pessoas, sonhos. O fogo destrói tudo aquilo que construímos. Os nossos alicerces são abalados. E, após isso, tudo o que nos resta são as cinzas: restos de matéria chamuscada. Esboços de projetos e sonhos não realizados. Pedaços de coisas que deixamos pelo caminho...

É assim que me sinto agora: uma massa disforme, consumida parcialmente pelas labaredas. É irônico pensar isso, visto que acabei de deixar um corpo de bombeiros e, mais irônico ainda, ao perceber que Diggle tem razão: eu tenho que me arriscar novamente. E, eu preciso dessa missão. Tenho que enfrentar meus medos. Minha hesitação quase me matara e, eu não posso desapontar a cidade.

Já abri mão de muitas coisas durante minha jornada...

Perdi meu pai, que se matou para me deixar viver. Perdi Laurel, quando desperdicei a chance que tive de fazê-la feliz. Já quase perdi minha família inúmeras vezes, quando me afastei desta (discutindo inclusive com minha irmã, uma das pessoas que mais amo no mundo), cercado de mentiras.

Agora, só o que me resta aqui é a minha missão: ser o vigilante.


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Notas finais do capítulo

Essa foi a primeira história minha que decidi postar...

Espero que tenham gostado!



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