Uma Criança Com Seu Olhar escrita por Miss Desaster


Capítulo 25
Capítulo XXV


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem!



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David estava sentado no tapete desgastado de frente a porta. O sorriso que ele deu quando Damon passou pela porta compensou o que estava passando nos últimos dias.

Um lampejo da entrevistasse passou pela sua cabeça.

– E aí, Davs. Sentiu minha falta? – Segurou o filho com um braço e com a outra mão colocou a pequena mala ao lado da porta.

– Não. – Disse rindo. – E você?

– Também não. – Beijou a bochecha sardenta do menino. – Só fiquei fora por uma semana.

– E são quantos dias?

– Uma semana são sete dias. Como está na escola?

– O treinador disse que posso jogar no time, mas eu não quero. – O rosto de David demonstrava total desagrado com a ideia.

– Achei que você queria. – Se aproximou do sofá e se acomodou colocando o filho sentado em seus joelhos.

Elena estava sentada no tapete onde David brincava antes. Se inclinou para lhe dar um beijo rápido.

– Conta pro seu pai porque você não quer jogar.

– O treinador Forbes quer que eu jogue com os meninos de quatro anos. Eu já tenho quase cinco, já sou grande.

Elena deu um pequeno sorriso e arqueou as sobrancelhas como se dissesse: Dá pra acreditar?

Esse era o tipo de problema que os pais enfrentavam? Braços quebrados e ligas infantis?

– Daqui a pouco eles fazem cinco anos também. Você ainda precisa tirar o gesso e fazer fisioterapia. Até lá eles vão estar mais velhos.

– Verdade? – Perguntou desconfiado.

– Claro. – Pegou o braço engessado do filho. – E como está o seu braço?

David tagarelou que todos na escola queriam escrever no gesso e Jasmin não gostava que outras meninas fizessem isso.

– Vai ter a peça da escola no... – David olhou para a mãe. – Qual o dia?

– Sábado agora, dia 30.

– Você vai?

– Qual a peça?

– João e o feijão.

Elena riu.

– João e o pé de feijão. – Ela corrigiu.

– Isso e eu vou ser o João. Você vai lá me ver? – Era possível ver o brilho de empolgação nos olhos do garoto.

– Só se me deixar conhecer a Jamin, pode ser?

– Ela vai dançar balé. Coisa de menina. – Revirou os olhos como se entendesse do assunto.

Damon só conseguiu deitar depois que ele e Elena contaram a história do Pinóquio para o garoto enfim pegar no sono.

– Você está quieto. – Ela sentou ao seu lado na cama e suas mãos passearam num carinho. – Como foi Los Angeles?

– Bem. Muito trabalho. Fiz uma dúzia de entrevistas, autografei por dois dias e gravei algumas coisas. – Terminou de responder o e-mail de Stefan e fechou o notebook.

– Achei que estivesse lançando um álbum agora e não precisaria compor por um ano ou mais.

– Nunca paramos de compor, mesmo que ninguém nunca ouça. Isso é pra nós e eu ando inspirado. – Prendeu Elena entre os braços e lhe beijou a têmpora.

– O que mais?

Sabia que ela enxergaria o lado bom da situação e já era bem difícil aceitar, então não estava interessado em otimismo. Sua mãe já estava desempenhando o papel de Rainha Otimismo, fazendo questão que jantassem juntos, saíssem para algum programa em família.

Essa semana tinha sido um pesadelo de diversas formas.

O problema é que não queria mentir para Elena e seus pais insistiam em visitar San Diego e o máximo que conseguiu foi adiar por alguns dias.

– Como foi a consulta?

– Ótima, tudo certo comigo. Agora para de enrolar.

– Minha mãe e Joseph estão na minha casa em L.A. Chegaram dois dias depois que voltei.

– E então?

– Perfeito. – Sorriu de lado. – Somos uma família feliz agora. Podemos ignorar que é a primeira vez que ele vem me visitar desde que me expulsou de casa.

– Damon... Não pode deixar que o passado guiar sua vida. Conversei com seu pai, acho que ele gostou do David e quero que vocês entendam. Eu disse a ele que talvez nosso filho seja a ponte entre vocês. – As mãos dela entrelaçaram seus dedos.

– Não queria que tivesse se metido nessa merda toda. Como meu pai pode gostar do meu filho? Ele me pediu trégua pelo Davs e estou fazendo só por isso, mas sinto que ele não dá a mínima se vamos estar em paz. O Joseph foi um péssimo pai, porque seria um bom avô? Só por ter me contado uma história triste? Eu não me importo!

– O que ele disse?

– Que a companhia estava quase falindo quando nasci, foi uma bagunça, que ele perdeu o controle das coisas e quando foi se dar conta eu já era o diabo da tasmânia.

– Você era um menino que sentia falta do pai. Olha, eu não quero fazer você sofrer com isso. Só acredito que não lidar com a situação deixa a ferida aberta pra sempre. Nós estamos dando uma família para o David e ela pode ser completar se aceitar que seu pai errou. Sei que perdão é uma palavra muito forte, mas aceitar já é um começo. – Elena segurou seu rosto entre as mãos e o beijou. – Dê essa chance pra vocês, não questione tanto os motivos dele e pense que talvez algumas pessoas possam mudar pra melhor.

– Eles querem vir pra cá.

Ela acenou com a cabeça:

– Vamos fazer dar certo.

–-

Damon saiu mais cedo para assistir o último ensaio para João e o pé de feijão.

– Tem algo que precisa ler. – Bonnie disse assim que passou pela porta e jogou uma revista no balcão.

– Não deveria estar dormindo? – Deu alguns goles em seu chá e olhou para a revista.

Estou começando uma família e isso me faz feliz. – A amiga murmurou uma tentativa de alteração de voz. – E é só o começo.

Era a frase que estava na capa.

Procurou a página da entrevista e leu atentamente. A repórter não parecia sensacionalista, conhecia muito bem o jogo e a matéria fluía falando em especial do álbum novo, a turnê mundial e começaram as perguntas pessoais.

E: Você recentemente anunciou que tem um filho. Pode nos contar um pouco sobre isso?

Damon: Eu nunca pensei que seria pai, foi uma surpresa e a melhor coisa que poderia ter me acontecido. O nome dele é David, tem quatro anos e é um garoto muito esperto. Achei que seria uma experiência apavorante, o que é no início, mas também excitante.

E: Está prestes a embarcar em uma turnê mundial. Isso não dificulta as coisas?

Damon: Me preocupa um pouco. Essa turnê vai durar oito meses e não quero perder todo esse tempo com ele. A Elena é uma ótima mãe, estamos pensando em como lidar com a distância e enquanto a turnê estiver nos Estados Unidos e Canadá, sempre posso ir ou trazê-los para ficar comigo. Nas férias da escola ele pode viajar direto por algum tempo. Ser pai também é se ajustar.

E: Elena. Vocês estão juntos outra vez?

Damon: Eu não gosto de falar da minha vida nesse aspecto, mas estamos namorando. Ela é uma mulher maravilhosa, divertida e especial. Sem contar que tenho alguém para dividir a experiência. Estou começando uma família e isso me faz feliz.

Teve que piscar algumas vezes e resolveu levantar para pegar um ar na janela da cozinha. Esperava que toda essa exposição de sua vida não atrapalhasse sua carreira na revista quando estivesse capacitada para voltar.

David nasceu três meses depois de ter recebido seu diploma. O emprego da época na livraria a salvou de tantas formas que não seria capaz de agradecer em toda uma vida. O salário foi o suficiente para pagar as contas e juntar para o nascimento do filho.

Os Rush a ajudaram procurando pelo médico da família que lhe garantiu uma estadia em um hospital que não poderia pagar trabalhando por dois anos, fizeram uma vaquinha com seus outros colegas de trabalho e transformou o antigo quarto de Bonnie no quarto de David.

No testamento de seus pais ficou o apartamento, a caminhonete que vendeu para trocar para um carro melhor que pudesse carregar um bebê e as economias de uma vida junto com o dinheiro da venda da casa que morava enquanto os pais eram vivos. Curta demais na opinião de Elena.

Afastou os pensamentos dos pais, sempre ficaria triste por isso.

Agora parecia o paraíso poder criá-lo sem tanta dificuldade, mas o começo foi difícil.

Quando o filho estava com seis meses conseguiu um estágio na Master trabalhando seis horas por dia e outras seis na livraria para ter dinheiro o suficiente para uma vida descente. Bonnie o levava para a creche no início da manhã e ela só conseguia buscá-lo de noite.

O sol estava alaranjado perto da montanhas mais distantes de San Diego. Parecia uma outra vida.

Se sentia dividida entre o arrependimento e aceitar do modo que agiu. A maior parte era devido ao orgulho e a moral para não ter forças de encontrar Damon e dizer que teriam um filho. Ele poderia ter ajudado a criar o filho e não ter passado metade das dificuldades tendo encarado o desafio sozinha. Não era a questão financeira, mas ser mãe era uma tarefa de vinte quatro horas e muitas vezes cansativa.

Damon mostrava se esforçar todos os dias para fazer o melhor.

Ela teve que se manter equilibrada por quatro anos pra ser uma boa mãe e subir os degraus da sua carreira.

– Está saindo fumaça daí. – Bonnie colocou a mão no ombro da amiga.

– Quero ir nos Rush. Você vai?

– Não. Preciso recarregar minhas baterias. Vamos sair pra jantar no Pitacus? Acho que está precisando conversar, deixe o David com o Damon e vamos ter uma noite nossa.

–-

Estou indo na livraria onde eu trabalhava.

Ainda vamos demorar um hora, acho. Pensei em levar você e o Davs para almoçar.

Um encontro? :P

Óbvio. Depois talvez consiga te convencer a...

Não termine!

Ok. Posso te encontrar lá?

Vou te mandar o endereço.

Estou com saudades.

Também estou.

Jogou o celular no banco do carona e dirigiu por uns vinte minutos.

Os Rush sempre estavam na livraria atendendo alguns clientes, fazendo uma tarde de literatura ou resolvendo assuntos das filiais no escritório.

Cher abriu o sorriso tão branco que quase a cegou. Vestia uma calça e terninho preto. Parecia muito diferente da garota que trabalhava de avental junto com Elena alguns anos atrás.

– Achei que demoraria mais pra voltar. Como está? – Abraçou Elena pelos ombros.

– Nova em folha. Como está a gerência de todas as lojas?

– Parece que um trator passa por mim todos os dias. – Estava guiando-a para o escritório no segundo andar.

– O sucesso na carreira é incrível, certo?

– Um deslumbre. Só a Angel está aqui hoje.

Cher deu dois toques na porta de madeira escura e deu passagem para Elena entrar, depois seguiu para suas obrigações.

Angelica era uma senhora de quarenta e cinco anos, mas parecia ter seus quarenta com o cabelo preto chanel e os olhos tranquilos de sempre. Deu a volta e saiu de trás da mesa, mesmo de saltos ainda era menor do que Elena. Talvez a aparência de boneca desse o ar jovem.

– Gostou tanto do meu corte que fez um parecido? – Angelica puxou a poltrona para se sentarem.

– O hospital tem ótimos enfermeiros que poderiam ingressar no mundo dos cabelos.

Talvez fosse uma das pessoas que não se sentia desconfortável com seu senso de humor negro.

– Ainda não tive a oportunidade de tentar.

– Nem tente, o que eles tem de bom com corte de cabelos, compensa pela comida ruim. – Acenou a cabeça em reprovação. – Cadê o Scott?

– Canadá. Estamos tentando expandir nossas lojas. Ele vai ficar chateado de ter perdido sua visita. Então, o que me conta?

– O que quer saber? – Perguntou desconfiada.

– Não sei. O que tiver pra me dizer.

Apenas deu de ombros.

– Cadê nosso garoto? Aprontando por onde agora?

– Damon está trazendo ele pra almoçarmos depois. Ele foi assistir o ensaio de João e o pé de feijão. – Sacudiu a bolsa e lembrou que havia esquecido o celular no banco.

– Damon é? – O sorrisinho de Angel deixava claro que ela tinha visto em algum lugar ou esbarrado em Damon em uma das visitas no hospital. – Então?

– Você tem conversado com a Bonnie? Está parecendo com ela e esse sorriso do gato que engoliu o canário.

– Elena, nós nos conhecemos e sei que precisa me dizer algo. Pode fazer esse jogo ou me contar o que está aborrecendo você. – Sua amiga de longa data segurou sua mão.

– Isso está me aborrecendo. – Pegou a revista que havia trago na bolsa e entregou para Angel ler.

Vinte minutos depois a amiga havia terminado a matéria com apenas alguns múrmuros entre uma página e outra.

– Parece uma declaração e tanto. Isso te aborrece?

– Angel, você lembra de quando fiquei grávida? – Ela fez que sim. – De como lutei para me formar, ter meu filho, criar e ser uma boa profissional? Eu sou uma jornalista, trabalho em uma revista feminina e tenho medo de como isso vai me afetar. Não quero as pessoas querendo aproveitar de algo ou da minha exposição.

– Querida, acho que está se fazendo as perguntas erradas.

– O que quer dizer com isso?

– Eu conheço você, vi da menina se transformar em mulher e mãe. É ótima e dedicada no que faz, mas também muito teimosa. Voltaria com o Damon se as coisas não fossem sérias? Colocaria David no meio de uma situação que não vê um futuro?

– Não sei.

– Sabe e a resposta é não. Sua carreira é importante, mas espere voltar ao trabalho para saber como vão ficar as coisas. Pare de pensar tanto na frente. Viva agora!

O telefone na mesa de Angel tocou duas vezes até que ela se levantou para atender.

– Damon está lá embaixo esperando você. – Angel disse assim que colocou o aparelho no gancho.

As amigas desceram com conversas amenas sobre o trabalho de expansão das livrarias.

Damon estava inclinado e mostrando algo no livro que tinha em mãos. David ria dos comentários e ambos levantaram a cabeça como se sentisse sua presença assim que terminou de descer as escadas.

– Oi mãe. – Elena pegou o filho no colo e o encheu de beijos. – Tia Angelica, tudo bem?

– Tudo bem. Já estava com saudades de você vir aqui pintar alguns livros comigo. – Passou as mãos no cabelo do garoto.

– Oi. – Damon colocou atrás da orelha a franja que caía na frente de seus olhos.

Elena gostaria de não ter que ignorar o sentimento que a fez beijá-lo em resposta.

– Você lembra da Angelica?

– Claro. Você é exatamente como me lembro. – Sorriu e piscou para Angel.

– É assim que conquista a Elena? Funcionaria em mim. – Riu e deu dois beijos no rosto do moreno.

Todos conversaram animados e Damon saiu na frente para tirar o carro do estacionamento.

– Elena, a resposta que procura está nos olhos. Tente enxergar como olha pra ele. – Angel deu um beijo carinhoso na amiga e depois em David.

Como diabos ela olhava pra ele? Não era algo que pudesse descobrir usando um espelho.


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Notas finais do capítulo

Espere que tenham gostado. Tentei não demorar tanto. Tem algo que gostariam de saber ou me perguntar? Sintam-se livres pra me mandar mensagens privadas que responderei o mais rápido possível. Obrigada pelas recomendações, são lindas. Me emocionam também. Beijos e vejo você logo.