Uma Criança Com Seu Olhar escrita por Miss Desaster


Capítulo 24
Capítulo XXIV


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem!



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Damon estava gravando algumas músicas novas que vinha compondo desde o ano anterior e sob nenhuma circunstância ou alegação era permitido interromperem seu trabalho. Odiava quando tiravam sua concentração na finalização dos vocais por conta própria, não que seu treinador vocal aprovasse o método. Ele esbravejava no estúdio, xingava e mandava Damon sempre esperar, mas era mais uma questão de ver seu trabalho se tornando sólido.

Olhou distraído para as quatro prateleiras de demos gravadas e nunca saíram do estúdio. Talvez fosse hora de colocar algumas delas para seus fãs ouvirem, sem interesse comercial. Se Stefan o escutasse, teria uma AVC.

Sua governanta se esgueirou pela porta e ficou parada alguns instantes antes de falar. Ela sabia das crises que Damon quando algo estava dando errado e alguém ainda aparecia para atrapalhar. Era morte na certa.

– O que foi, Liz? A casa está pegando fogo? – Perguntou depois de retirar o fone.

– Tem uma senhora na portaria dizendo que é sua mãe. – Os quatros anos trabalhando para ele a acostumaram com acessos. – Você estava esperando por ela?

– Não. – Murmurou. – Já que meu trabalho foi interrompido, vamos ver.

Terminou de organizar toda papelada com as cifras rabiscadas de forma aleatória que apenas ele entenderia, escutou o que tinha gravado e subiu do estúdio.

– Oi, querido. – Edna o esperava na sala.

– Mãe, está tudo bem? – Não haveria razões para visitas se tudo estivesse bem.

Ela riu e isso a deixava dez anos mais nova.

– Claro. Não posso visitar meu filho?

– Pode. Sabemos o custo que é te trazer e você não é minha vizinha. – Guiou a mãe até o sofá.

– Tive fortes motivos para vir hoje. O Natal foi ótimo e há tempos eu não me sentia tão feliz. Obrigada por isso.

– Você veio do Canadá só pra me agradecer? Nós temos celular nessa era, não moramos em aldeias.

– Claro, mas tinha alguém que queria te visitar.

Damon sentiu a garganta apertar e quase sufocar. Seus primos ou tios costumavam visitá-lo quando estava em turnê. Só uma pessoa passava por sua mente e ele acabara de entrar por sua sala.

Seu pai nunca o tinha visitado quando estava na faculdade, morando em San Diego e muito menos em Los Angeles.

– Damon, bela casa.

– Vou para o quarto de sempre, depois podemos tomar um chá. – Edna falou.

– Vou arrumar as acomodações para a senhora. – Liz saiu no encalço da mãe.

– Você tem um escritório? – Joseph perguntou.

– Veio tratar de negócios? Comigo? – Damon nunca se envolveu com o pai e muito menos em seus negócios.

– Precisamos ter uma conversa.

Apenas acenou na direção do corredor e caminharam em silêncio até sua biblioteca. Sempre acreditou que ter um escritório tornava sua vida muito mais séria do que desejava e lhe dava a sugestão de que você deveria trabalhar em casa. Não gostava dessa obrigatoriedade. A maior parte do seu trabalho era prazerosa, tirando a parte de ter paparazzis em muitos lugares que frequentava era irritante. Sem contar com a manipulação da mídia sobre tudo que fazia. Ter um estúdio em casa não lhe passava a mesma imagem. Quando não estava inspirado ou com vontade de compor ou gravar nada, já passou duas semanas sem colocar os pés no estúdio.

E escritórios lembravam que seu pai estava sempre trancado em um ou o chamava até lá para brigar.

– Quer um uísque? – Perguntou ao lado da mesa de bebidas.

Joseph fez que sim.

Preparou dois uísques e se sentou no sofá oposto.

– Então, o que está fazendo aqui?

– Está me dizendo que não sou bem-vindo?

– Não, só estou curioso para sua primeira visita desde que me mudei.

– Onde está sua família?

– Eles moram em San Diego e tive que vir resolver alguns assuntos. Podemos ir direto ao ponto? – Perguntou impaciente.

– Sempre querendo tudo na sua hora, certo? – Joseph finalizou o uísque. – Elena conversou comigo quando estiveram em casa.

Por essa ele não esperava, mas resolveu continuar quieto e escutar.

– Ela é uma garota muito corajosa para me enfrentar e sem nenhuma medo. Me falou que não vai deixar o David no meio dessa confusão. – Fez um sinal que englobava os dois. – Se não resolvêssemos as coisas, ela não deixaria o filho de vocês perto o bastante pra assistir.

Damon levantou do sofá e caminhou para perto da mesa e recostou. Precisava de movimentos para não se irritar mais.

– Que a decisão também não seria só dela, que você precisaria concordar.

– Se está querendo saber se concordo com ela, a resposta é com certeza. Não quero meu filho envolvido com toda essa merda, posso lidar com isso e ele não. Ele é um garoto muito bom, inteligente e perceptivo. – Suas mãos estavam dando indícios que começariam a tremer, resolveu tomar mais uma dose de uísque.

– Ele é meu neto, podemos encontrar uma boa maneira. Talvez se ele passasse uma semana conosco durante as férias.

A risada que saiu de sua garganta soou mais amarga do imaginou.

– Qual o motivo disso? Que tipo de avô você pode ser? Sua experiência como pai não foi bem sucedida. Não vou deixar que magoe meu filho.

– E você é um grande exemplo, certo? – Todo sarcasmo estava na voz e isso era quase como se olhar no espelho.

– Não sou. Nunca achei que poderia ser pai de alguém, mas ter o David me desafia. Ele me faz querer ser melhor e posso não ser perfeito, mas me esforço para fazer o melhor por ele. – Disse com toda certeza de que aquilo era verdade.

– Não pode me culpar pela pessoa que você se tornou.

– Não te culpo por ser eu mesmo, acredite. As decisões que tomei, quem me tornei, a carreira que segui e o todo o resto não é sua culpa. Eu só te culpo por não ter sido pai, por me expulsar de casa quando eu tinha dezessete anos e repugnar tudo que fiz, mesmo sendo bem sucedido. – Cuspi aquelas palavras que ficavam presas em sua garganta por anos.

Joseph ficou calado por tanto tempo que Damon resolveu caminhar na direção da porta, não seria obrigado aturar tudo aquilo de novo.

– Ainda não disse o motivo da minha visita. – Disse quando viu o filho alcançar a porta. – Sua mãe insistiu pra eu falar. Quando você nasceu, eu senti algo inexplicável, bom e verdadeiro. Nunca achei que nada poderia ser mais intenso do que ter alguém que fosse inteiramente sua responsabilidade, alguém pra cuidar para o resto de suas vidas e estar ali sempre que precisasse. Sempre te levava no jardim na parte da tarde, colocava seus brinquedos e passamos um tempo vendo o sol se por. Às vezes víamos tv com aqueles desenhos infantis irritantes que você adorava.

– Andou lendo isso em algum livro ou vendo série de tv? – Sorriu para esconder a surpresa da declaração.

– Seu avô morreu dois anos depois que você nasceu. A empresa estava em crise, beirando a falência e meu pai morrer só piorou o estado financeiro de todo patrimônio. Lembro de passar dois dias sem dormir procurando uma solução que não me obrigasse a desistir de tudo que ele lutou tanto pra construir, pra não despedir centenas de pessoas e não perder até a nossa casa. Essa foi só a ponta do iceberg. Tive de passar os anos seguintes trabalhando sem descanso, procurando novos investidores, empréstimos e manter a empresa funcionando.

– Você sempre culpa seu trabalho.

– Sua mãe me dava apoio para lutar, mas ao mesmo tempo queria que eu desse atenção para vocês. – Joseph olhou para o copo vazio na mão. – E comecei a pensar que teria sido melhor você não ter nascido naquela época...

– Saber que não era desejado me diz muito sobre o jeito que agiu.

– Eu estava pensando no futuro, que teria sido melhor que eu e sua mãe tivéssemos esperado mais e não que não queríamos você. Existe uma diferença. Demorou mais de sete anos pra termos estabilidade e poder descansar um pouco. Nisso você já estava tão longe de mim quanto um estranho e se tornou petulante e irredutível com qualquer aproximação que tentei.

– Uma criança que não recebe o mínimo de atenção age desse jeito. Poderia ter se esforçado um pouco mais. Tudo isso é passado. Nada do que disser muda o que aconteceu.

– Não é isso que quero de você. Só estou tentando diminuir os danos, talvez o David fosse tudo que precisávamos. – Joseph se levantou e parou de frente para Damon. – Podemos tentar?

Ver a mão do pai estendida em sua direção num pedido de trégua foi o mais bizarro que passaram.

– Sei que não mereço te pedir algo assim, mas tente pelo seu filho. – O pai reforçou.

– Pelo David. – Damon apertou a mão de Joseph e saiu da biblioteca.

–-

Elena estava arrumando a casa enquanto David estava na escola. Parte da arrumação lhe servia como terapia para não pensar em como resolver o problema com a casa. Seus joelhos começavam a doer depois de ficar tanto tempo ajoelhado esfregando o chão.

Lembrou que a casa tinha um piso de madeira que deveria dar muito menos trabalho para limpar, talvez precisasse de cera e a limpeza não seria tão frequentemente como no apartamento.

– Quem ele pensa que é? – Murmurou torcendo o pano dentro de um balde e soprou a mecha de cabelo que caía no rosto. – Acha que pode me comprar uma casa de dois milhões como se dá duas balas.

Ela pesquisou no Google a faixa de preço daquele condomínio.

Quando voltava da escola de David pela manhã resolveu passar no banco e verificar sua conta. A assistência médica se estenderia até quando o médico a declarasse capaz de voltar com sua rotina de trabalho. Precisava pagar algumas contas e acertar algumas pendências. Largou a vassoura cair só de pensar na quantia de dinheiro que estava lá. A quantidade de zeros de uma pensão que teve de aceitar.

Damon também anunciou antes de sair que já tinha um fundo universitário para David. Comprou uma casa e com o que gastaria aquele dinheiro? Roupas, material escolar, mensalidade e esportes fora do colégio não custariam aquela fortuna.

Escutou a campainha e limpou as mãos no jeans surrado e rasgado nos joelhos. Damon não voltaria até terminar alguns trabalhos e ele também já tinha a chave do apartamento. Ignorou o pensamento do que aquilo realmente significava.

Era Klaus parado na sua porta. Suas roupas escuras sempre davam um ar elegante mesmo com as feições tão fechadas. Sabia que ele estaria uma fera por não ter atendido nenhuma ligação ou retornado suas mensagens depois que pediu um tempo para pensar.

Já haviam se passado duas semanas.

– Feliz Ano Novo pra você também. – Disse depois de passar pela porta sem pedir permissão.

– Não estava esperando que viesse. – Caminhou atrás do amigo e apenas o encarou quando se virou de frente para ela.

– Se deixasse essa infantilidade de não atender o telefone, não precisaria de medidas drásticas.

– Não estava em casa nas festas de fim de ano. – Deu a desculpa mais esfarrapada que veio à mente.

– Lá em Marte não pega telefone? Você estava no Canadá e não podia atender? – Uma pontada de ressentimento saiu na sentença.

– Falei que precisava de tempo.

– Ou estava demais vivendo o sonho com seu príncipe encantando?

Ele não tinha o direito de agir daquele jeito.

– Você veio brigar ou conversar? – Perguntou impaciente.

– Quero saber uma coisa. – Elena sentou no sofá e esperou que continuasse. – Você e o Cavalheiro Negro... É sério?

– Não era dessa conversa que eu estava falando.

– Preciso saber.

– Estamos namorando. – Ela disse a última palavra com uma careta. Relacionamentos rotulados a desagradavam, o que as pessoas precisavam saber é que estava feliz com Damon. – Estou feliz.

– E se não der certo?

– Vai dar certo, Klaus. Somos dois adultos, é diferente dessa vez. Te contei tudo que aconteceu antes, mas eu era uma menina ele um garoto atrás dos sonhos. Hoje vejo isso.

– E se culpa por isso. – Klaus agachou ao lado do sofá até ficar na altura do olhos de Elena. Fez um carinho no rosto dela.

– Não. Não o culpo por ir embora, criar o David sozinha foi uma escolha minha por estar magoada demais pra ver que meu filho precisava de um pai. Foi egoísmo meu. Poderia ter dado uma chance pra ele antes, mas você não pode pedir uma pessoa pra desistir do sonho de uma vida só pra ficar sem dizer o motivo. –Segurou a mão do amigo que ainda estava em seu rosto. – Você é meu amigo, por que está fazendo isso?

– Porque eu amo você, entende? E está escolhendo o cara errado, o rock star drogado. Nós temos sido uma família por quase quatro anos e agora você joga tudo no lixo para se arriscar com alguém que pode te magoar de novo.

– Eu te adoro! Esteve em tantos momentos difíceis, me apoiou, me incentiva e nós nos divertimos muito juntos. Nossa relação é especial. Sempre vai ser! Mas o que eu sinto pelo Damon é algo mais forte do que posso explicar, quando vejo ele e o David juntos, é o melhor presente que poderia pedir. – Beijou a bochecha dele. – Se estiver chateado comigo vou entender que não queira ficar por perto. Não é o que quero, mas preciso saber que está bem.

– Como vou estar bem perdendo você? – A voz soava arrastada como se alguém tivesse passado uma lixa nas cordas vocais.

Os dois amigos ficaram calados por minutos, cada um com seus problemas interiores e sabendo que a amizade talvez nunca mais fosse a mesma.

– Pode mudar de ideia quando quiser.

Klaus segurou o rosto de Elena e a beijou rapidamente. Ela não teve sequer tempo de reagir.

Afundou no sofá assim que Klaus colocou os pés fora do apartamento.

–-

– Mãe! Cadê você? – David gritou assim que pisou no apartamento.

– Aqui, amor. – Estava vestida com o antigo pijama de flanela usado toda vez que se sentia sua vibe indo pelo ralo. O edredom estava até o pescoço e puxou o filho para debaixo das cobertas assim que ele sentou na cama.

– Você tá doente? – Perguntou com os bracinhos em volta do seu pescoço.

– Só estava com saudades do meu filhote. – Bagunçou as mechas avermelhadas do filho.

– Mas eu só fiquei um pouquinho com a tia Bonnie.

– A mamãe sempre sente falta. O que você e a Bonnie aprontaram? – Ouviu um barulho vindo da cozinha e sabia que a amiga estava preparando algo para comerem.

– O namorando dela levou a gente no parque. Ele é sério, mas comprou algodão doce pra mim.

– Então sua tia tem um namorado? Todo mundo nesse lugar está namorando. Bonnie e o médico. Você e a Jasmin. – Riu quando as bochechas do filho adquiriram a tonalidade rosada.

– E você e meu pai. Ele já voltou?

– Não. Ele ainda está trabalhando e mais tarde ligamos pra ele, ok?

– Quer uma desculpa pra falar com o príncipe? – Bonnie respondeu entrando no quarto com uma bandeja e três canecas fumegantes.

David pegou o chocolate quente e saiu na direção da sala:

– Vai começar Ben 10.

– Então, por que o pijama da depressão? – Disse sentando ao lado da amiga na cama.

Elena ergueu a sobrancelha, depois apenas sacudiu a cabeça.

– Klaus veio aqui, disse que eu posso mudar de ideia quando quiser, me beijou e foi embora.

– Não se pode sair um dia dessa casa que você é beijada, a Oprah vem fazer um especial, Leonardo DiCaprio vem comer pizza aqui e assim vamos. – Bonnie acenava a cabeça de forma exagerada. – Foi tão ruim?

– Quando seu melhor amigo resolve gostar de você enquanto está feliz com outra pessoa, é muito ruim.

A amiga deu um sorriso de gato que engoliu o canário.

– O que? – Elena perguntou.

– É a primeira vez que você admite.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, sei que estavam esperando por muito tempo essa conversa do Damon e Joseph. Ainda tem muito pra ser trabalhado, mas é um começo. Obrigada por me acompanharem. Beijos