Era assim que todos o viam, não é?

O garoto hiperativo que não pensava antes de realizar seus atos impulsivos e mal calculados. Na verdade, ele era muito, muito mais que isso... Mas, por um lado, seus seis companheiros humanos, no início de sua primeira e mais emocionante viagem ao mundo que ele gostaria de ter para sempre ao seu alcance, não deixavam de ter razão.

Como se mechas de cabelo fossem sinônimo para tendências comportamentais exageradas, ele não conseguia, de forma alguma, quedar-se quieto, arrastando todos com ele em direção ao perigo. Ele não reservava, em meio à euforia de salvar o mundo, um tempo para refletir sobre o quê e por que estava fazendo, coisa que lhe rendia muitos conflitos e lutas violentas com Yamato.

E a sua imprudência resultou em seu companheiro mais fiel ser prejudicado.

“Ei...” Chamara-lhe Sora no dia, tentando consolá-lo. Ah, aquele dia, como ele poderia esquecê-lo, por mais que mil anos se passassem? Não, aquilo ficaria para sempre em sua memória...

O dia que Taichi Yagami tornou-se um guerreiro caído; o destemido que fez mal uso de sua coragem e transformou-a em trevas.

“Koromon está bem, Taichi.” Insistia a ruiva, preocupada com o ânimo arrasado de seu melhor amigo.

“Eu o machuquei, Sora.” Resmungou, envergonhado, sem olhá-la nos olhos. Por mais que fosse custoso fazê-lo reconhecer seus erros algumas vezes, sempre tomava responsabilidade por eles. “Eu fiz Greymon se tornar SkullGreymon e nos atacar, porque eu queria ser o herói!”

“Você até pode não ter sido o herói...” Contou-lhe suavemente. “Mas, no momento em que percebeu que isso era errado, você se tornou um bom amigo.”

“Eu percebi muito tarde!” Grunhiu, irritado. Arrependeu-se de elevar a voz com Sora no instante seguinte, pedindo desculpas o mais rápido que pôde, ainda que em tom baixo. Ela suspirou, e se sentou junto à ele num tronco ao redor da fogueira que haviam feito para espantar o frio digital. “Muito tarde. Eu não sei instigá-lo corretamente!” Atormentava-se. “Eu o fiz digivolver errado!”

Por que ele não pensava mais, em vez de ser tão imprudente?!

Naquele dia, Etemon podia alcançá-los a qualquer momento, mas as crianças ainda assim tentavam mergulhar num sono sem pesadelos. Acontecia, que Taichi tinha pesadelos acordado.

“Taichi...” O sussurro fraco de Koromon o alertou de imediato.

“Sim?” Rapidamente respondeu, um tanto mais alto do que pretendia, e, por um momento, pensou ter acordado Yamato de seu sono ao lado de Takeru.

Era o seu turno como vigia (todos haviam insistido para ele descansar, mas ignorara os pedidos, alegando que necessitava de tempo para pensar), então, apenas ele e Sora, que fora oferecer sua companhia como a excelente amiga que era, estavam acordados. Koromon encontrava-se em seu colo, e ele não esperava vê-lo acordado.

Depois de tudo que passara, ele era o que mais prezava uma boa noite de sono.

“Não se culpe.” Disse simplesmente, um brilho singelo na íris vermelha. Sora deu-lhes privacidade, retirando-se para dormir com um sussurro de despedida que não foi retribuído. “Por favor.”

“Claro que me culpo!” Objetou ele, consternado. Koromon era mesmo o parceiro mais incrível... Que ele não merecia ter. “Você se tornou SkullGreymon por minha causa! Porque eu não me culparia?”

“Porque eu não te culpo.” Murmurou Koromon, enrolando carinhosamente uma de suas longas orelhas no pulso de seu parceiro. Este suspirou, dando um sorriso triste e trazendo o pequeno Digimon para mais perto de si, enterrando muito levemente seu rosto em sua testa rosada. “Nenhum pouquinho, sabia?”

“Mas, eu sim. E me culparei para sempre, Koromon.”

“Não, não.” Protestou, insistente e com pouca paciência para a teimosia dele. “Todos nós cometemos erros...” Disse em tom distante, para, então, falar com firmeza: “Você só precisa aprender uma coisa, Taichi.”

“O quê?” Encarou-o, e Koromon sorriu antes de adormecer:

“Como usar melhor toda a coragem que você tem dentro de si!”

***

Ele precisava transformá-la em asas.

Aquela noite já havia passado, ficara para trás, e ele havia finalmente entendido o que Koromon queria lhe dizer. Era esse seu pensamento agora, quando se preparava para resgatá-la. Ele tinha que transformar sua coragem em asas, pois a sua maldita imprudência o impedia de voar para tirá-la das mãos daquele inimigo desgraçado. Ele prejudicara um amigo mais uma vez.

Era sua culpa Nanomon ter capturado Sora.

“Coragem é a única coisa que mantém os pilotos firmes na hora de voar. Guarde meu maior tesouro consigo; seja corajoso, Taichi, sempre.” Foram as exatas palavras de seu avô quando lhe confiara seu objeto mais estimado: seus óculos de aviador. Há quanto tempo fora isso? Seis anos, sete? De qualquer forma, em sua cabeça eles permaneciam, e seu avô enchia-se de orgulho a cada vez que os via.

“Ele não estaria orgulhoso agora...” Taichi murmurou pra si mesmo.

Ele se odiava verdadeiramente por isso: prejudicar quem amava. Acontecera com sua irmãzinha, também, há muito tempo, e o assunto era muito mal recordado. Taichi estava muito aliviado por sua irmã não ser uma digiescolhida, ela era frágil demais para aguentar tudo que estavam passando.

“Você está pronto para salvar a Sora, Taichi?” Yamato perguntou-lhe, de repente, tirando-o de seus devaneios. Eles estavam na esfinge, encarando a pirâmide de ponta à cabeça onde Sora estava sendo mantida prisioneira com Piyomon. “Temos que ser rápidos e evitar lutas desnecessárias, você sabe.”

"Eu sei..." Suspirou. Yamato sorriu, para sua surpresa.

"É claro que sabe, você é o líder." Disse simplesmente, afastando-se, rápido, por sua imensa timidez.

Taichi riu, colocando à amostra seu rosto e sorrisos confiantes. Agumon tentou imitá-los, para transmitir a mesma mensagem aos Digimons preocupados com Sora e Piyomon: daria tudo certo. Koushiro lembrou, mais uma vez, o plano a todos, e partiram, deixando Mimi e Takeru, ambos com seus respectivos parceiros, esperando.

Ele iria enfrentar a cerca elétrica.

***

“Eu nunca vou largar a sua mão.” Prometeu à Sora.

Os dois, agora, estavam à beira do buraco feito por Nanomon e se recusavam a se soltar, ainda que estivessem em chão firme, apesar de ofegantes. Nunca mais ele a deixaria ir, nunca mais...

O mundo poderia estar acabando, mas, nem assim ele a deixaria.

“Eu sei, Taichi estúpido.” Brincou ela, sorrindo, corada. Os dois levantaram-se para correr, fugir. “Obrigada por me salvar!”

“Era o mínimo que eu podia fazer.” Respondeu, sério, ainda sem soltá-la. Então sorriu, brincalhão. “Depois que eu passei pela cerca elétrica, foi bem fácil!” Ele riu, e Sora o acompanhou pela pirâmide, o mais rápido que conseguia, com os gritos de Etemon se propagando pelos corredores.

Daquela vez, ele conseguira.

As correntes de eletricidade haviam dado medo a ele, mas, agora, sabia que coragem tratava-se de fazer as coisas mesmo com o medo e priorizar quem é mais importante para você; nesse caso, Sora. A chama da valentia brilhava em seu coração, e ele pretendia iluminar todos os seus amigos: Ele era o líder! E, à cima de tudo, tinha suas asas e sabia como usá-las.

Taichi Yagami já havia dado seu primeiro voo, agora só restava conquistar o céu.