Batman Resigns escrita por Goldfield


Capítulo 10
Capítulo X




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Capítulo X

 

“Eu gostaria muito de evitar tudo isso e viver de forma normal, Elizabeth, amando-a como jamais amei outra pessoa... Mas ele está lá fora mais uma vez, e eu preciso ir ao trabalho”.

 

Bruce estava sozinho num dos quartos da mansão, confuso, atordoado, ansioso. Andava em círculos impacientemente, esfregava os olhos com os dedos. Sentia-se naquele momento como um santo antes do martírio. Por que tudo conspirava contra sua felicidade? Por que o Coringa tinha que retornar da morte justo quando Wayne estava prestes a se casar com Elizabeth?

Torturando-se mentalmente de tal forma, o milionário logo ouviu passos no corredor, o som chegando até si pela porta aberta do cômodo. Afastando temporariamente os pensamentos destrutivos, andou até a saída e olhou para um dos lados da passagem, vendo que era a noiva quem se aproximava. Bruce esforçou-se para não aparentar estar angustiado, conseguindo forjar um sorriso. Perguntou à jovem assim que ela ficou mais perto:

–         Você gostou da casa?

–         Sim, ela é enorme, e linda – respondeu a lady, maravilhada com a imponente construção e suas dependências.

–         Minha família viveu aqui por gerações. Pais, avós, bisavós... Agora serão nossos filhos que brincarão nestes corredores, querida.

A mulher abraçou-o pelo pescoço e beijou-o cheia de desejo, aliviando a evidente tensão do amado. Ao término do ósculo, ela fitou-o nos olhos como se pudesse observar sua alma com clareza através deles, tomando conhecimento de todos os seus sentimentos sem que precisasse pronunciar palavra alguma.

–         Você vai atrás dele, não vai? – indagou Elizabeth repentinamente, tocando no assunto que era fonte de tanta preocupação.

–         Eu preciso! – Bruce replicou. – Não posso deixar que ele mate mais inocentes, sou o único que pode detê-lo!

–         Não quero te perder, meu amor! – suplicou ela, quase chorando. – Não agora que estamos tão próximos de nos unirmos numa só carne e constituirmos uma família feliz! É muito perigoso, temo que não volte para mim!

–         Ele matou meus pais, Elizabeth. Matou meus pais. Eu pensei que aquele desgraçado havia morrido, mas voltou sem explicação. Não pode ficar impune, minha querida! Não pode sob hipótese alguma ficar impune! E cabe a mim fazer justiça em nome de todos que padeceram nas mãos dele!

Logo depois beijou a testa da noiva, buscando tranqüilizá-la sem muito êxito. A capa do Morcego mais uma vez falava mais alto que o desejo de ter uma vida normal. Nada no mundo poderia deter Bruce em seu ímpeto. Nada. Ele estava preparado para a derradeira revanche e também para todas as conseqüências que ela poderia acarretar.

 

No armazém que servia de refúgio para o Coringa, Arlequina estava às voltas com os preparativos para a invasão do Hospital Infantil de Gotham. Naquele instante ela checava algumas armas e munições, sempre sorrindo insanamente, até que seu namorado adentrou o lugar, exclamando ao vê-la tão ocupada:

–         Fico ainda mais feliz ao encontrá-la cuidando de tudo para sua ação de hoje à noite, amoreco!

–         Nossa ação, você quer dizer! – corrigiu ela, sem desviar a atenção dos armamentos.

–         Oh, eu por acaso esqueci de mencionar? Você estará no comando, querida! Eu não irei com você!

–         O quê? – sobressaltou-se a palhacinha, levantando-se e caminhando inconformada até o amado. – Por que isso agora, pudinzinho?

–         Eu tenho que tratar de uma outra coisa... – afirmou Coringa de modo enigmático. – Um assunto que requer grande urgência. Mas não se alarme, estou certo de que poderá fazer tudo sem mim!

–         Não é outra mulher, é? – indagou Arlequina desconfiada, braços cruzados.

–         Como pode pensar isso de mim? – o criminoso simulou enorme espanto. –Tenho olhos somente para você, minha “levada da breca” vermelha e preta!

Voltando a sorrir, a jovem deu-lhe um beijinho nos lábios e saiu assoviando alegremente. Assim que ela se distanciou, a face do Coringa tornou-se anormalmente séria, a deformada boca fechada dando-lhe aspecto ainda mais asqueroso. Sim, ele tinha que cuidar de um assunto muito importante... E, ao contrário do que dissera à assistente, envolvia sim uma outra mulher... Porém uma que, sem sombra de dúvida, sofreria como ninguém antes em suas mãos...

 

Bruce estava sentado diante do painel repleto de monitores de vídeo na Bat-caverna, seu principal local de trabalho por muitos anos. Perplexo, ele terminava de ler os relatórios policiais presentes na pasta que Lucius Fox lhe trouxera, enquanto este, de pé a alguns passos do patrão, observava o sombrio ambiente aguardando que a leitura fosse concluída.

–         É pior do que eu pensei... – suspirou Wayne num dado momento, sem erguer a cabeça. – O Coringa assassinou o prefeito Shreck e o Comissário Gordon, seus homens assaltaram oito bancos, onze joalherias, quatro lojas de departamento... Também recrutaram algumas gangues, sendo a maior delas a que agora se autodenomina “Jokerz”...

–         Esse doido sitiou a cidade! – disse Fox. – Praticamente todos os meliantes de Gotham obedecem a ele neste momento!

Nisso, Bruce fechou a pasta e passou a olhar fixamente para o teto da caverna, mil pensamentos transitando em seu cérebro. Apenas voltou ao mundo real quando ouviu Lucius perguntar preocupado, após roer as unhas durante um minuto:

–         Sua noiva sabe o que você vai fazer?

–         Sim, ela sabe – respondeu o empresário com a voz do Batman, olhar ainda distante. – Eu revelei meu segredo a Elizabeth, que soube do que sou capaz desde o início de nosso relacionamento. No fundo ela aguardava a ocasião em que eu voltaria a me tornar o que sempre fui.

–         Você já tomou mesmo sua decisão? Tem certeza de que o retorno do Cavaleiro das Trevas será bom para Bruce Wayne e as pessoas que o amam?

Calado, o milionário girou sobre a cadeira, voltando-se para o painel. Num compartimento logo abaixo dos monitores havia um porta-retrato com uma foto em preto e branco do casal Thomas e Martha Wayne, já um tanto desbotada. O órfão apanhou-o e, depois de passar alguns segundos contemplando a imagem com lágrimas nos olhos, virou-se novamente na direção de Fox e falou:

–         É meu dever, Lucius. Não farei isso por mim, tampouco por esta cidade tão ingrata. Eu farei pelos meus pais, os únicos e verdadeiros merecedores. O assassino deles está à solta de novo, e ele não pode escapar ao castigo... Não pode!

–         É certo que nosso mundo perdeu o sentido, mas é necessário que nós seres humanos aprendamos a aceitar algumas coisas, Bruce, mesmo se elas nos causarem dor! – argumentou o assistente, tentando convencer Wayne a não cometer aquela loucura. – Pelo amor de Deus, você já está velho e finalmente vai se casar, não jogue tudo pela janela logo agora!

–         Tudo que aprendi ao longo de minha vida pode ser resumido numa única máxima, Lucius... – murmurou Bruce, levantando-se e descendo pela escada metálica que levava ao resto da caverna. – Este mundo só faz sentido se nós o forçarmos a fazer!

O funcionário nada respondeu, limitando-se a seguir seu chefe silenciosamente, balançando a cabeça em sinal de reprovação.

 

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Um armário é aberto...

Dentro, uma máscara e a parte superior de um traje, ambas negras

Uma mão as apanha

Botas são calçadas

Luvas são vestidas

O abdômen é coberto por uma armadura

Um cinto amarelo é preso

A elipse com o emblema é encaixada no peito

A capa é estendida

Uma cabeça se ergue, dois olhos destemidos encarando a escuridão...

 

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Noite.

Numa das ruas centrais da metrópole, um jipe do Exército estava estacionado junto a uma esquina, tendo dois ocupantes: um sargento nascido em Metropolis, homem de poucas palavras, e um jovem recruta natural de Gotham City, que concluíra seu treinamento poucos dias antes e já fora enviado para garantir a segurança da população.

–         Isto aqui está um tremendo tédio! – reclamou o mais novo, olhando ao redor com desânimo.

–         Calado, garoto! – repreendeu o superior.

Além de não ter nada para fazer, o rapaz sofria por ver seus conterrâneos em estado tão lastimável: trancados em suas casas, temendo algum novo ataque do Coringa. Apesar de as Forças Armadas guardarem os moradores, ele enxergava-se de certa forma como um ser impotente, incapaz de dar às famílias de Gotham um reconforto legítimo. Por mais que estivessem bem armados e fossem experientes, os soldados não tinham esse real poder.

Súbito, um misterioso veículo preto cruzou velozmente a via diante deles, com um design pitoresco e uma potente turbina traseira que deixou um rastro alaranjado no ar. De início nenhum dos militares acreditara no que vira, até que o novato, recorrendo à memória, deduziu o que aquilo significava...

–         É o Batman! Ele voltou!

E, entusiasmado, começou a pular e acenar muito animado, gritando para tudo e todos, como se desejasse que até o asfalto da rua ouvisse:

–         Ha, ha, ha! O Batman voltou! Longa vida ao Morcego! Vai lá, pegue todos eles!

Conforme o Bat-móvel avançava pelo coração de Gotham, as almas acuadas dentro dos prédios corriam até as janelas para testemunhar a passagem de seu protetor, dominadas por uma esperança extremamente bem-vinda. A paz invadiu os lares, os cidadãos respirando com muito mais alívio por saberem que alguém voltava a velar por suas vidas. A jornalista Chloe Sullivan tinha razão, contrariando todos os opositores: o mundo precisava de um Batman.

Dentro do carro, o Detetive das Sombras interceptava a freqüência da polícia usando um rádio. Assim descobriu que havia uma ação criminosa em andamento no Hospital Infantil de Gotham, a poucos quarteirões de sua atual posição. Certamente algo relacionado ao Coringa... A melhor oportunidade possível para mostrar aos bandidos que o justiceiro voltara à ativa, e ele saborearia cada momento...

 

BANG! BANG!

Dois tiros, e os vigias do hall do hospital caíram sem vida. O grupo liderado por Arlequina, formado por capangas do Coringa e alguns Jokerz, seguiu em frente achando que nada seria capaz de detê-lo. De fato, o Príncipe-Palhaço do Crime não revelara à amada que seu velho inimigo voltara à cidade...

–         Vamos nos dividir em três grupos, rapazes! – disse a ex-psiquiatra. – Um ficará aqui embaixo vigiando a entrada principal, outro subirá até a cobertura do prédio para evitar helicópteros da polícia e o terceiro, liderado por mim, procurará o cofre com o dinheiro no oitavo andar!

Os asseclas concordaram e rapidamente se espalharam. Arlequina ria incessantemente. O namorado ficaria muito satisfeito se tudo saísse de acordo com o plano.

 

O Hospital Infantil de Gotham era um edifício moderno e bem iluminado, verdadeira pérola no decadente setor sul da ilha. No terraço havia, além de um heliporto, um extenso teto de vidro que lembrava um pouco uma estufa, situado bem acima do décimo quinto e último andar, onde existia um amplo auditório utilizado para palestras e apresentações destinadas aos pacientes. Conforme as ordens de Arlequina, parte dos bandidos patrulhava o interior da área, havendo um único membro dos Jokerz do lado de fora, no topo. Erro fatal.

O rapaz pintado de branco patrulhava o lugar distraidamente, cantarolando a letra de uma música dance que não lhe saía da cabeça, quando ouviu um barulho. Voltou-se imediatamente para trás, mas nada encontrou. Coçou os cabelos verdes e, certo de que estava nervoso à toa, o jovem girou para frente, apenas para que uma assustadora figura negra o agarrasse repentinamente pelo colarinho, deixando-o sem tempo até para gritar.

–         Me... Meu Deus... – gaguejou o delinqüente. – Você... Você é...

–         Cale a boca! – rosnou o feroz Batman. – Vai fazer um favor para mim!

Ainda sendo segurado pelo combatente do crime, o “filho do Coringa” viu que ele o estava levando para a borda do telhado transparente, pelo qual podia ver seus colegas circulando um andar abaixo. Suando frio, ouviu o Cruzado Encapuzado ordenar, sem dó nem piedade:

–         Diga a eles que o Batman está vindo!

Logo depois foi arremessado violentamente contra o teto de vidro, que se partiu em milhares de pedaços. Gritando, o meliante despencou alguns metros até o chão do auditório, quebrando o braço esquerdo na colisão. Cheios de medo, os outros vigias de Arlequina vieram averiguar o que acontecera ao companheiro. Este, todo ensangüentado devido aos cortes e tendo um olhar de puro terror, abriu os lábios feridos, cuspiu alguns cacos e exclamou, antes de perder a consciência:

–         O Batman está vindo!

O coração daqueles homens passou a pulsar tão fortemente que eles acharam que o órgão acabaria por subir através de suas gargantas até brotar dentro da boca. E foi dessa maneira, já cativos do pânico, que viram o Batman saltar pelo buraco acima de suas cabeças, capa aberta para amenizar a queda.

Outro erro daqueles criminosos foi terem se desesperado, o que inviabilizou uma reação organizada contra o inimigo. Com um chute giratório, o herói derrubou dois deles simultaneamente, e sem demora já tirou de ação um terceiro que se aproximava, jogando nele uma cadeira. Como não podia deixar de ser, sempre havia um mais rápido no gatilho, e por isso Batman precisou desviar de algumas rajadas saltando e rolando. Sem nem ser atingido de raspão, alcançou o atirador e botou-o para dormir depois de um golpe na nuca.

Restava ainda um capanga, que preferiu fugir correndo a enfrentar o oponente. Uma decisão esperta. Vendo que a área se encontrava limpa, o Cavaleiro das Trevas se recompôs e caminhou até um corredor. Seu trabalho ali ainda não chegara nem à metade...

 

Esta noite será minha, Coringa!

 

Descendo pelas escadas, Batman começou a percorrer os andares inferiores em busca de intrusos e, conforme passava diante dos quartos nos quais havia crianças internadas, estas, ao verem o guardião de Gotham passar correndo diante da entrada, ficavam eufóricas ou assustadas, olhos brilhando de tanta empolgação ou a cabeça se escondendo sob o travesseiro devido ao medo. Médicos e enfermeiras, apavorados, também cruzaram com o justiceiro, porém nem ele e tampouco os funcionários disseram algo. Ele estava ali para livrá-los do mal, mesmo se sua presença lhes inspirasse os temores mais ocultos.

Ao atingir o oitavo andar, Batman sumariamente deparou-se com dois Jokerz apontando revólveres para a testa de duas enfermeiras ajoelhadas. Sem que eles o percebessem, derrubou o primeiro num piscar de olhos aplicando-lhe uma voadora nas costas. O outro, aparvalhado, virou-se de súbito e disparou, a bala sendo cravada na parede. O Morcego aproveitou-se do lapso e derrubou-o com dois socos na face.

–         Saiam daqui! – ordenou ele às mulheres, já seguindo em frente pelo corredor.

Elas se entreolharam e obedeceram. Metros depois, Batman já se digladiava com mais três Jokerz, punhos e pernas trabalhando sem cessar, realizando ágeis movimentos no ar. Aikidô, Jeet-Kuon-Dô, Karatê, Judô, Jiu-Jitsu... As mais diversas e letais artes marciais aprendidas por Bruce com os melhores mestres eram aplicadas com domínio até superior ao deles. Batman era mesmo o lutador supremo, o combatente do crime definitivo.

Entretanto, para seu infortúnio, não podia estar em dois locais ao mesmo tempo...

 

Um carro verde e roxo pára diante dos portões da Mansão Wayne. Uma cabeça branca com um enorme sorriso surge numa das janelas do veículo, olhando para o interior da propriedade como se trouxesse todos os males do mundo consigo.

–         Vamos lá, homens! – grita o sujeito. – Hora de fazer a casa cair, ha, ha!

 

Após ter nocauteado mais alguns capangas, Batman chegou ao setor administrativo do hospital. O lugar estava uma verdadeira desordem, com papéis esparramados pelo chão e móveis revirados. Confiando em seus instintos aprimorados durante anos perseguindo criminosos, o Cruzado Encapuzado caminhou até uma sala que aparentava ser a diretoria da instituição, porta de vidro estilhaçada. Acabou encontrando uma estranha mulher vestida de bobo da corte, que tentava naquele momento arrombar um cofre antes oculto atrás de um quadro.

–         Quem diabos é você? – inquiriu o recém-chegado.

–         Oh, não acredito! – riu Arlequina, voltando seu semblante maquiado para o herói. – Você é mesmo o Batman?

–         Sim, e vou te botar na cadeia!

Avançou então rumo à bandida, preparado para subjugá-la à força, quando ela, mais rápida, atirou uma pequena ampola no chão. Partindo-se, liberou uma grande quantidade de fumaça, que imediatamente anulou o campo de visão de Batman.

 

Droga, você se precipitou! Será que ficou tão autoconfiante assim, seu velho?

 

–         Bem, ouvi falar que os morcegos são cegos, então acredito que o fato de não poder enxergar não vai ser-lhe de muita desvantagem, estou certa? – a voz zombeteira da palhacinha vinha de alguma posição que o vigilante não conseguia definir.

A névoa era muito densa, e ele começou a tossir. Seus olhos ardiam. Enquanto tentava encontrar Arlequina usando meramente a audição, recebeu o primeiro ataque inesperado por parte dela: um chute no peito. Recuou ligeiramente, agora pronto para revidar.

–         Oh, será que o morceguinho não sabe onde estou? – exclamou a adversária.

O punho da jovem investiu novamente, e desta vez a agilidade de Batman valeu-o: agarrou fortemente o braço da agressora e torceu-o, o estralo decorrente perfeitamente audível. Gritando de dor, ela conseguiu soltar-se e tornou a desaparecer no meio da fumaça, soltando gemidos baixos. Pouco depois praguejou, irritada:

–         Seu filho da mãe!

O Cavaleiro das Trevas continuou o ataque com um chute, mas a inimiga esquivou-se. A neblina artificial começava a se dissipar e o ambiente voltava a ficar visível, porém era tarde demais: Arlequina se encontrava atrás de Batman, apontando-lhe uma submetralhadora Uzi que havia deixado em cima de uma mesa próxima à porta.

–         Diga adeus! – ela gargalhou.

Tudo ocorreu muito rápido. A rajada veio, e o justiceiro não teve tempo de desviar. Não era mais jovem e seus reflexos já não eram mais os mesmos, por mais que fossem superiores aos de uma pessoa comum. Apesar de não feri-lo gravemente graças à armadura, as balas impeliram seu corpo para frente, fazendo com que colidisse com a janela da sala. Não pôde segurar em nada para evitar o pior: o vidro se quebrou e Batman despencou pela abertura. Estava agora em queda livre de uma altura mortal sobre as ruas de Gotham, o chão cada vez mais perto enquanto o oitavo andar se distanciava, a doentia risada de Arlequina ainda ecoando em sua mente...

Era o fim. Sentiu-se envergonhado, humilhado e incrivelmente só. Uma meliante astuta conseguira vencê-lo, obtendo pleno sucesso em algo que transgressores muito mais perigosos haviam fracassado. Restava apenas fechar os olhos e pensar que sua luta nunca fora em vão. Bruce Wayne tinha do que se orgulhar em sua vida como defensor dos justos...

E veio o inesperado. Algo agarrou o braço direito de Batman, erguendo-o quando a calçada estava a poucos metros de ser atingida. Tomando coragem para abrir os olhos, ele viu sorrir aquele que o salvara, preso ao prédio através de um cabo. O uniforme negro com o símbolo azul de um pássaro semelhante a um “V” no tórax e a máscara na face não deixavam enganar.

–         Precisando de uma mão?

O Morcego apenas respirou fundo. Sobrevivera.

 

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Elizabeth estava sozinha no quarto que agora dividia com o noivo, sentada na cama fitando o assoalho. Naquele exato instante ele provavelmente livrava Gotham City dos bandidos, assim como sempre fizera. Teria aquilo fim um dia?

Não era capaz de responder, e por isso suspirou, incerta sobre tudo. Bruce era o homem de sua vida, a pessoa que lhe trouxera a felicidade após um vasto período de melancolia, mas agora uma incômoda apreensão lhe tomava a respeito do dever sombrio que o amado insistia em cumprir. Como levar uma vida normal junto com um vingador mascarado que saía toda noite sem a garantia de retornar vivo?

A lady não queria mais sofrer. Não mais. Tinha de ser otimista e acreditar que daquele momento em diante só viriam alegrias, mesmo sendo custoso. Precisava confiar em Bruce, crer que ele sabia o que estava fazendo e desejava o bem dela mais que tudo...

Nisso, ouviu passos vindos do corredor. Vários, levando a crer que não pertenciam somente a uma pessoa.

Cautelosa, Elizabeth se levantou, andando até a entrada do aposento. Pensou em encostar um dos ouvidos junto à parede para escutar melhor o que se passava do lado de fora, todavia foi repentinamente impedida: um tremendo chute abriu a porta num estrondo, a jovem gritando assustada. A última coisa que viu antes de desmaiar foi um homem de horripilante face sorridente, branca como papel e de cabelos verdes, que lhe disse enquanto a golpeava na cabeça usando um pedaço de cano:

–         Boa noite, docinho de coco!

 

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O Bat-móvel regressava em alta velocidade até a Bat-caverna por uma das estradas nos arredores de Gotham. A diferença era que agora Batman guiava o veículo tendo ao seu lado Dick Grayson, seu ex-parceiro Robin, atualmente conhecido como o herói Asa Noturna (Chris O’Donnell), protetor de Blüdhaven. Fora ele quem o salvara da queda no hospital pouco antes, segurando-lhe pelo braço quando pensava estar fadado à morte.

O clima era de completo silêncio. O Detetive das Sombras, com os olhos fixos no caminho, concluiu como os papéis haviam se invertido totalmente aquela noite: no passado, era Batman quem salvava o impulsivo rapaz do perigo iminente, guardando-lhe a vida incontáveis vezes. Mas agora o aprendiz tornara-se o mestre, o pupilo tornara-se o professor. Se não fosse Dick, o velho e ranzinza Bruce Wayne teria se estatelado no concreto. E, mesmo se não expressasse isso por palavras, o milionário seria eternamente grato a ele.

Asa Noturna resolveu falar:

–         Para onde aquela mulher pode ter ido?

–         Fugiu num helicóptero com o dinheiro enquanto você me salvava – respondeu o Morcego, inexpressivo. – Ela trabalha para o Coringa. Portanto, se descobrirmos onde ela está, conseqüentemente encontraremos seu chefe.

–         O que deu em você para sumir desse jeito, Bruce? – indagou Grayson com certa raiva. – Deixou a cidade de portas abertas para que o Coringa a dominasse! Eu nunca pensei que veria isso acontecer...

–         Eu não pude mais agüentar o peso sobre meus ombros. A dor era muita, Dick. Tive de viajar, respirar novos ares para reanimar minha alma. Não voltei antes porque não soube do que acontecia aqui. Tomei conhecimento apenas quando desembarquei no aeroporto.

O antigo Robin calou-se. Provavelmente Bruce possuíra mesmo seus bons motivos quando partira. Mais calmo, ele explicou:

–         Acompanhei pela TV a situação aqui em Gotham e resolvi vir para cá realizar o seu trabalho. Acabei topando com você em apuros logo na primeira noite... Se isso não é sorte, então não sei o que é!

Nesse instante adentraram a caverna pelo escuro túnel que Dick não via há tempos. Aparentemente nada mudara ali, e Asa certificou-se disso assim que o veículo parou e o teto se abriu para que saíssem: o ambiente era exatamente o mesmo: o computador, a câmara onde ficavam os uniformes e equipamentos, a escada que conduzia até a mansão... Era uma legítima “sessão nostalgia” para ele.

Enquanto Grayson admirava o local, Batman já retirara seus trajes de justiceiro e retornara como Bruce Wayne, um terno negro cobrindo-lhe o tronco. Ganhando novamente a atenção do ex-parceiro, disse já se afastando rumo a casa:

–         Fique aqui, vou ver como está minha noiva.

–         Noiva? – estranhou o visitante.

–         Sim – replicou o órfão seriamente, parando por um momento. – Eu vou me casar, Dick.

Asa nada respondeu, e o noivo continuou a subir os degraus...

 

Bruce morou a vida inteira naquela residência, porém assim que pisou no primeiro corredor, ele viu-se como um perfeito estranho em seu interior. Havia um clima mórbido por toda parte, como se algo nefasto houvesse tido palco dentro de suas dependências. Aturdido, Wayne continuou caminhando até chegar à sala de estar. Nela encontrou Wilfred sentado no sofá de frente para a lareira, mas havia algo de muito errado nele...

Aproximando-se mais, o milionário percebeu que o mordomo tinha os velhos contornos do rosto banhados em lágrimas, transmitindo uma imensa sensação de impotência e desolação a quem o olhava. Era como se presenciara algo terrível acontecer e nada pudesse ter feito para evitar. O temor de Bruce evoluiu para um pânico latente, e seus pés acabaram levando-o por si sós até a escadaria do hall, sem trocar palavra alguma com o empregado. Nada de mal poderia ter ocorrido a ela, caso contrário ele jamais se perdoaria...

Mais aqueles degraus foram vencidos e Wayne logo estava no piso superior. O piso onde ficava o quarto seu e de Elizabeth. Passou a andar mais rápido e mais rápido, e sem notar logo corria, seu coração e mente temendo o pior. Trêmulo e com a boca seca, Bruce encontrou a porta do cômodo arrombada, algumas gotas vermelhas no chão, nenhum sinal da noiva... E, ao ler uma mensagem escrita em sangue numa das paredes, caiu de joelhos vencido pela angústia, chorando como não o fazia desde a trágica morte dos pais...

 

Você já dançou com o demônio sob a luz do luar?

 

Continua...


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