I Can't Feel You escrita por Nihaxy


Capítulo 4
IV. Distance


Notas iniciais do capítulo

Er, hm, oi (: Esse capítulo demorou um pouco mais, mas ficou maior que os outros o// Pequena pausa no drama Rizzles em prol de um plot criminal que eu espero estar decente hahaha. Hope you like it :)
Há alguns anos, eu queria ser legista, por isso os detalhezinhos legais *-* Mas mesmo estômagos fracos aguentam, então relax u_u



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A primeira metade da manhã transcorreu sem problemas.

Maura chegou ao trabalho no seu horário de sempre – ligeiramente mais cedo do que todos os outros detetives e técnicos de laboratório -, e, como de costume, passou na cafeteria para dar bom-dia a Angela. Nesse dia em especial, ela recusou o café da manhã e as panquecas, alegando que já tinha comido em casa. Tomara essa precaução antes de sair, efetivamente diminuindo as chances de se encontrar com uma certa detetive quando esta chegasse para tomar café.

Angela notou alguma coisa de diferente na loira, e estava prestes a sair por alguns minutos do caixa a fim de descobrir não só o problema como a origem dele, mas a crescente fila dos policiais que terminavam o turno da noite e o grito de Stanley impediram esse ato, pelo que Maura ficou internamente agradecida.

Quando se despedia, porém, a legista foi alvo de um olhar escrutinante da Rizzoli mais velha. Exatamente o mesmo olhar que Jane direcionava quando queria saber alguma coisa, e parecia observar a fundo como se fosse capaz de ler mentes se apenas encarasse por tempo o suficiente.

Maura sabia que, mais cedo ou mais tarde, seria alvo do interrogatório de Angela Rizzoli. Mas pelo menos tinha se livrado dele por algumas horas, pensou, enquanto entrava no elevador e rumava para o necrotério.

O silêncio era sepulcral quando chegou lá, acendeu as luzes e rumou para seu escritório. Como esperado, nenhum dos assistentes havia aparecido ainda (uma das vantagens de se chegar ao trabalho meia hora antes de seu turno), de modo que Maura apenas se dirigiu à pilha de relatórios e, com um suspiro, começou a preenchê-los no seu jeito conciso e meticuloso habitual.

Se havia uma coisa pela qual a loira se orgulhava de possuir, essa coisa seria a habilidade de compartimentalizar. Sua aptidão para, durante os momentos em que se concentrava nos relatórios, eles serem a única coisa presente em sua cabeça – todo o drama relacionado a Jane tinha sido temporariamente banido em prol de alguma coisa mais produtiva. Estava tão absorta na tarefa em questão que quase não notou seu telefone tocando. Ao sair do transe e olhar para o identificador de chamadas, ela sentiu como se seu estômago estivesse se contorcendo ao redor de si mesmo – se isso fosse, é claro, cientificamente possível.

–Dra. Isles. – atendeu, completamente em modo profissional, apenas esperando escutar o endereço onde estava o corpo para levantar, pegar suas coisas e se dirigir ao local.

Afinal de contas, sua sorte não durara muito tempo.

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Ao chegar ao local do crime – um dos bairros no subúrbio de Boston -, todos já estavam lá. Os policiais protegendo a cena foram os primeiros a serem vistos pela doutora, mas assim que ela atravessou a faixa amarela, lá estavam Korsak – conversando com um adolescente à margem -, Frost – encarando o corpo e franzindo os lábios, sua aversão a cadáveres ainda não superada – e Jane.

E Jane.

Jane, com os cachos presos do jeito habitual, expondo ainda mais seu rosto que, Maura imediatamente percebeu, mostrava claros sinais de fadiga.

Suas olheiras estavam ainda mais pronunciadas do que o normal, a testa franzida enquanto ela já considerava possibilidades e mais possibilidades, expressão dura e distante.

Maura respirava fundo enquanto se aproximava do corpo, recitando mentalmente a tabela periódica – um dos métodos que utilizava para se acalmar e concentrar. Seu plano de se afastar de Jane estaria indo muito bem, obrigada, se o destino – ou carma, chame do que quiser – não tivesse resolvido ser doentiamente irônico e providenciar um homicídio exatamente naquela manhã.

A legista simplesmente precisava de um pouco mais de tempo. Só um pouco mais. Ser obrigada a trabalhar com Jane nunca antes havia parecido tanto uma obrigação quanto agora. Maura ainda estava emocionalmente instável, machucada por uma coisa que simplesmente tinha de ser mantida em segredo. Ela queria, claro, que de súbito Jane tivesse um insight e percebesse o quanto essa busca por Casey era, além de sem sentido, total e completamente ridícula. Ela não podia, contudo, se arriscar a dizer essas palavras, então escolheu sua segunda opção, que era levantar a máscara e voltar a ser a Rainha dos Mortos.

Doía demais ser tão amiga de Jane e ficar tão próxima dela enquanto ela ainda estivesse perseguindo outra pessoa.

Maura dirigiu um genérico “bom dia” aos detetives e se agachou para começar seu trabalho.

Quando olhou para o corpo, entendeu o porquê de Frost estar tão interessado na viela que parecia ser utilizada como depósito de lixo.

A vítima estava deliberadamente posicionada no chão, pernas estiradas e corpo reto, os braços dobrados em direção ao colo e as mãos se cruzando em cima dos seios, como às vezes são colocados os corpos no caixão. Estava vestida com uma túnica simples de algodão, o tecido fino quase transparente e tão rasgado que mais parecia uma pilha de trapos.

Maura pensou nesses detalhes primeiro, antes de se focar no que realmente devia, no que seu trabalho demandava. Saber a causa da morte, para ela, era muito mais essencial do que ponderar sobre o estado da vítima.

Os cabelos loiros da garota – que não devia ter mais de 25 anos – estavam emaranhados e sujos, grandes manchas avermelhadas se destacando contra os fios claros. Seus braços estavam recobertos por ferimentos dos mais diversos tipos – hematomas, abrasões, cortes e lacerações de todas as formas. No pescoço, havia bolhas, mais escoriações e manchas que poderiam ser indicadores de queimaduras. Os olhos treinados da legista, porém, notaram uma fina linha, na altura da traqueia, com uma coloração ligeiramente diferente da pele ao redor. Asfixia, talvez.

Ela tinha sofrido antes de morrer. Sofrido muito.

Maura executou os procedimentos padrões no corpo, tentando se manter fria e afastada da tarefa em questão. Tudo, porém, só se tornou ainda mais complicado quando ela percebeu que, por baixo da esfarrapada túnica que cobria modestamente o corpo da jovem, o padrão desorganizado de manchas coloridas e cortes e abrasões e manchas marrom-avermelhadas contrastava violentamente com a pele branca.

Talvez ela tivesse implorado pela morte, até.

Nesse momento, Jane se ajoelhou à sua frente. Apesar de estar com o olhar abaixado e fixo no corpo, Maura tinha completa certeza de que era ela ali na sua frente. Do mesmo jeito que parecia inconscientemente saber quando Jane entrava no necrotério, ou sentia a detetive lhe encarando. A loira, porém, não levantou o olhar, e continuou a fazer as observações de rotina enquanto enunciava ao dados.

–Mulher caucasiana, faixa etária aproximada entre 20 e 30 anos, múltiplos ferimentos espalhados pela extensão do corpo.

–Ok, Maura, isso até eu consegui notar. – Jane retrucou, a voz um pouco mais áspera do que o habitual. A detetive pareceu perceber isso, porém (acontecia quase todas as vezes em que se deparavam com um crime tão brutal), de modo que, quando falou novamente, o timbre voltara ao normal. – Desculpe, Maura, é só que esses últimos dias têm sido uma merda.

Em qualquer outra ocasião, Jane teria imediatamente escutado a repreensão da legista pelo uso do palavrão, de modo que estranhou o fato de Maura apenas continuar seu trabalho como se nada tivesse acontecido. A detetive pigarreou, e estendeu a mão a fim de tocar o antebraço da amiga.

–Alguma possível causa da morte, Maura?

Infelizmente, a legista não podia se abster de responder a uma pergunta tão direta.

–Você sabe muito bem que eu não gosto de palpites, Jane. – replicou, num tom que beirava a impaciência. Tudo o que ela queria era ficar sozinha e não ser atrapalhada, principalmente por Jane.

–É, e como eu sei. – a detetive quase bufou. – Então, hipoteticamente, suponhamos que... ela tenha sido morta pela quantidade de machucões. Isso é possível?

–Não, não é possível. Apesar da quantidade elevada deles, nenhum é profundo o suficiente para ter atingido algum órgão vital, e nenhum dos cortes está posicionado de forma que se possa cogitar exsanguinação.

–Exs-an o quê?

–Exsanguinação, Jane. Quando ocorre uma hipovolemia completa e fatal. – finalmente, a legista levantou os olhos, encarando a outra, que ainda mostrava uma expressão de dúvida.

Jane apenas levantou as sobrancelhas, a pergunta óbvia pairando no ar.

–Sangrar até morrer. – Maura clarificou.

Jane voltara a observar o corpo, agora focada na linha díspar no pescoço.

–E isso aqui? – apontou com a mão enluvada para a fina descoloração contínua um pouco acima dos ossos proeminentes logo acima do colo. – Ela poderia ter sido asfixiada?

Maura apena lhe dirigiu um olhar neutro.

–É só uma possibilidade, Maura! Por favor!

Involuntariamente, Jane cerrou minimamente os olhos, enquanto seu lábio inferior se pronunciava um pouco em relação ao superior.

Era a expressão que poderia, informalmente, ser classificada como a de um cachorro que caiu da mudança.

Maura, mesmo estando com raiva, não conseguia resistir a esse conjunto, tão sutil que parecia não ser notado por ninguém que não ela.

–Que fique claro que isso não é uma conjectura, apena uma resposta a uma pergunta hipoética. Sim, ela poderia ter sido asfixiada. Mas eu só vou saber com certeza quando concluir a autópsia.

Isso pareceu ser o suficiente para a detetive, que se levantou, dirigindo um pequeno sorriso à amiga antes de chamar Frost e Korsak.

Maura, porém, fingiu que não notou o gesto, enquanto sua equipe erguia o corpo e o colocava no saco para ser levado ao necrotério.

#&#

Quando o corpo chegou para ser necropsiado, Maura já havia trocado de roupa, colocado os scrubs, as luvas de látex, a touca e os óculos de proteção. Pela primeira vez em muito tempo, se utilizou da luz amarela que indicava uma autópsia em execução – um sinal para que não se entrasse na sala.

Primeiro, ela fez o exame externo. Agora, à luz artificial da lâmpada direcionada ao tórax da vítima – a essa altura desnuda -, os ferimentos pareciam ainda mais numerosos e graves, permeando toda uma extensão de pele. Na verdade, Maura teve dificuldades de achar locais que não tivessem sido, de alguma forma, lesados. Não havia marcas de nascença, tatuagens ou cicatrizes provindas de cirurgias. Ela recordava suas observações num pequeno gravador, e, ao final da inspeção, tirou fotos de alguns dos ferimentos, focando no pescoço.

Após esse processo, ela pegou o bisturi e se preparou para fazer a incisão em Y, do pescoço até o púbis. Após retirar as primeiras camadas de pele, a caixa torácica e o peritônio, examinou o coração e os pulmões, verificando que esses últimos estavam visivelmente inchados, o interior cheio de manchas vermelhas e a face exterior numa coloração arroxeada – claros sinais de morte por asfixia. Depois, se dirigiu ao sistema digestório. A última costela falsa e a primeira costela flutuante do lado esquerdo haviam sido fraturadas, mas o osso não tinha danificado o estômago nem o intestino. No restante das vísceras não havia sinal que fosse de encontro à – agora quase provada – morte por asfixia.

Depois de examinar os órgãos do tórax, Maura se dirigiu à cabeça. Apalpando o crânio, notou algumas partes mais altas e outras mais baixas, o que indicava que os agressor não tinha se limitado a espancar-lhe o corpo. O couro cabeludo da vítima foi cortado de uma orelha à outra, a tampa do crânio retirada com uma serra elétrica – mesmo com a asfixia já provada, Maura nunca deixaria nenhum espaço para dúvidas. Os nervos que conectavam o cérebro ao corpo foram cortados, a fim de que o órgão pudesse ser propriamente examinado. Fora as lesões do crânio, porém, o cérebro estava em perfeito estado – nenhum dos ferimentos fora forte o suficiente para espalhar massa encefálica.

Provavelmente, a vítima oscilara entre estados de consciência antes de morrer.

Após terminar a análise, a legista recolocou os órgãos em seus lugares de origem e fechou o corpo, completamente absorta na costura da pele.

Ao terminar, ela soltou um ar que não sabia que estava prendendo. Não havia uma tabela de sofrimento na morte, mas Maura sabia que essa menina havia sido ferida deliberadamente, várias e várias vezes, com o único propósito de torturá-la.

Quando levantou os olhos, viu que Jane estava parada do lado de fora da porta, andando de um lado para o outro. Provavelmente já estava lá há algum tempo, e só não entrara na sala por causa da luz amarela.

Maura apertou um botão ao lado de uma das mesas de instrumentos, e a luz se apagou. Segundos depois, Jane entrava na sala, visivelmente perturbada.

–Causa da morte? – perguntou a detetive, sem nem se preocupar com um cumprimento.

–Asfixia. Pelo diâmetro da marca no pescoço e falta de marcas que poderiam indicar o uso de mãos ou de um travesseiro ou saco plástico, pode-se concluir que a arma do crime é uma espécie de fio muito fino.

–Um fio de náilon, talvez? – Jane indagou. A forma como fez a questão saiu, porém, dava a entender que ela já sabia a resposta.

–É possível. – concordou a legista. – Aconteceu alguma coisa, Jane?

Mesmo sua decisão de se afastar não foi forte o suficiente para superar a curiosidade sobre o padrão de comportamento da detetive. Ela estava sentada em uma das mesas vagas, os pés balançando e os polegares tocando as cicatrizes da palma da mão.

–Frost identificou a vítima. – disse simplesmente.

–E...? – Maura a incentivou a continuar, percebendo de maneira óbvia que havia mais do que uma simples identificação em jogo.

–Melissa Peterson, 23. Estudava Literatura na Universidade de Boston. Desaparecida há uma semana.

Subitamente, a temperatura parecera cair alguns graus.

–O que mais, Jane? – ficara claro que a detetive não dissera ainda toda a informação.

–Frost identificou o M.O. no banco de dados. Garota loira, próxima dos 20 anos, múltiplos ferimentos, sempre encontrada num subúrbio vestindo uma túnica branca, morta por asfixia com um fio de náilon.

Maura apenas a observou, esperando.

–Parece que temos um serial killer à solta. Um que passou pelo Kansas, Iowa, Illinois e Ohio antes de chegar a Boston.

Jane exalou profundamente, abaixando os ombros num claro sinal de cansaço, e continuou.

–O caso está em jurisdição federal. Recebemos uma ligação há uma hora dizendo que o FBI vai assumir.


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Notas finais do capítulo

Thanks for reading! :)



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