1942 escrita por GabanaF


Capítulo 6
Capítulo V — Casamento


Notas iniciais do capítulo

Olá gente, como vocês estão? Espero que bem. Quero me desculpar pela demora, mas eu recentemente recomecei a faculdade e ela está tomando praticamente todo o tempo livre que possuo, então tá cada vez mais difícil tirar uma parte do meu dia para escrever. Além disso, minha imaginação não anda lá muito boa, e até pensei por um momento abandonar a fic, mas resolvi que não seria a saída mais justa. Bem, se já estamos aqui, vamos até o fim, não é?
Espero que gostem deste capítulo e nos vemos lá embaixo!
PS: Reichsmark era a moeda em circulação na Alemanha Nazista. Eu fiz algumas contas aqui e presumo que 1 RM equivale hoje à R$ 0,38.



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Outubro de 1938

— Arranjei outro bico — anunciou Rachel ao entrar no cafofo onde morava com Noah. — 300 Reichsmark. Eu acho que dá para arranjarmos umas passagens para a Inglaterra.

— No mercado negro, é claro — Noah completou, dando de ombros.

— Nós somos judeus — disse Rachel em voz alta, algo que muitas pessoas evitavam fazer por aqueles dias. — Qualquer coisa que temos vem do mercado negro.

Ela se deixou cair no sofá velho, suspirando. Noah sentava-se numa das duas cadeiras que tinham, tentando arrumar o rádio de 1922 que Rachel achara ao perambular o centro de Berlim à noite, muito tempo antes. No começo, até que funcionava muito bem, mas nos últimos meses nada dava certo para os dois.

Com as políticas contra os judeus de Hitler se intensificando, estava cada vez mais difícil arranjar empregos. Um bico aqui, outro ali, e tinham dinheiro o suficiente para as compras do mês. Se Rachel quisesse ver uma peça de teatro, ela teria de trabalhar dobrado, além de rezar para que o segurança do teatro não a barrasse na hora do espetáculo.

Semanas antes, Rachel havia descoberto um teatro direcionado apenas ao público judeu e, desde então, sempre passava por lá. Sabendo das condições dos judeus, as atrações eram de graça. Inclusive tinha uma apresentação marcada — seu pequeno show com Noah e seu violão, cantando cantigas e representando alguns atos de obras de Shakespeare costumava garantir uma boa quantia antes de ser proibido por “incitar a população a apoiar os judeus”.

Desde que era criança, Rachel queria cantar. Atuar também, mas cantar era sua meta principal. Sabia que tinha talento e tentara entrar no ramo várias vezes, mas sempre era impedida por sua religião. Quando começou a mentir, a dizer que era uma alemã cristã nascida em uma boa família, sua estatura, seu nariz e a propaganda de Hitler sobre a aparência de um judeu estragavam tudo.

Rachel sempre pensou em sair do país com os pais, porém um acidente de trem havia tirado a vida de Shelby e Hiram Berry muito cedo. Andando pelas ruas de Berlim em 1935, um pouco depois do acidente dos pais, sem emprego ou casa, já que o governo hitlerista retirara os bens dos Berry de seu poder, Rachel trombou com Noah, que corria de uma batida policial.

Não poderia dizer que tinha sido paixão à primeira vista, mas tinha sido, sim, uma ligação instantânea que tivera com o garoto. Ele levou Rachel para seu cafofo, nos confins de Berlim, e a amizade dos dois manteve-se firme e forte nos últimos três anos.

— Acha que vamos conseguir dessa vez? — indagou Noah, distraído com o aparelho de rádio.

— Espero — respondeu Rachel, encostando a cabeça na cabeceira do sofá.

O cafofo tinha apenas dois cômodos: a pequena sala, que era dividida em uma minúscula sala de estar, onde eles estavam no momento, e em um quarto com uma cama de solteiro; e mais um banheiro sujo. Noah conseguira comprar uma cama para Rachel como presente de aniversário de 20 anos, um ano antes, e se contentava em dormir no sofá.

Rachel queria se livrar do móvel velho e comprar uma cama de verdade para o amigo, mas ele se recusava terminantemente. Aparentemente, o sofá era uma peça antiga da família dele e o garoto se negava a vendê-lo a um ferro-velho qualquer.

— Quando formos embora, sabe que não poderá levá-lo, não sabe? — ela disse cuidadosamente.

Noah levantou a cabeça e arqueou a sobrancelha, indagando em silêncio o que Rachel queria dizer.

— O sofá. Eu sei que é algo muito importante para você, mas não poderá levá-lo quando formos para a Inglaterra.

Ele assentiu, parecendo absorver o que Rachel acabara de falar.

— Sei disso — disse Noah, voltando sua atenção ao rádio. — Não pretendo levá-lo. Teremos boas camas na Inglaterra. Está na hora de deixar a Alemanha para trás.

O garoto olhou para Rachel significamente. Ela engoliu em seco, sabendo exatamente do que Noah estava falando.

Os dois tinham um costume perigoso de visitar a parte rica de Berlim no período de festividades durante o fim do ano. Eles subiam nas janelas abertas das cozinhas e roubavam o quanto podiam carregar de comida. Por dois anos os dois fizeram isso e jamais foram pegos. Estavam ficando cada vez mais atrevidos, quando Rachel entrou na cozinha do famoso contador Russell Fabray na noite de Ano Novo de 1936 e fora pega pela filha dele, Quinn Fabray.

Rachel e Noah costumavam zombar de Quinn Fabray todas as vezes que a viam nos jornais, acompanhada pela sua família e um militar qualquer, em uma pose superior. Por essa razão, Rachel sempre imaginara que Quinn seria igual ou pior que seu pai, que ela abriria um berreiro ao ver a intrusa, mas nada disso aconteceu.

Quinn Fabray, a temida filha mais nova de Russell, na verdade ajudou a recolher a comida do fogão e pegou alguns potes de sua própria cozinha (que ela mantinha até hoje) para ajudar Rachel. Quando ela contou aquela estória para Noah e o grupo de garotos com quem dividiam a comida roubada, ninguém se atreveu a acreditar.

Rachel foi taxada de louca por meses pelos amigos e por Noah. Ela não se importava, porque sabia o que tinha visto e sabia que Quinn Fabray era, de fato, contra o governo que seu pai tanto idolatrava. De alguma forma, ela não sabia o porquê, a fazia sentir-se tão bem por dentro. Havia alguém lá de dentro odiando Hitler, e sempre que Rachel pensava nisso, abria um sorriso vitorioso.

Isso acontecera havia quase dois anos. Todos os dias, Rachel se indagava o que Quinn Fabray estava fazendo, se ela já voltara de sua universidade no sul e se estava na casa de seu amado pai. Ela ficara meio obcecada por Quinn, dissera Noah uma vez.

Fora por Quinn que Rachel não quisera fugir para a Inglaterra no meio do ano anterior, quando os dois tinham dinheiro suficiente para irem embora. Bem fundo em seu peito, Rachel sabia que tinha uma conexão com Quinn desde aquele dia, e não a deixaria tão cedo.

Noah também afirmara que Rachel estava apaixonada por Quinn Fabray, o que ela achou uma bobagem. Garotas não podiam se apaixonar por garotas.

— Está pensando nela de novo, não é? — A voz de Noah interrompeu seus devaneios. — Rachel, eu já disse que...

— Eu não estava pensando em Quinn — Rachel retrucou acidamente. — Nós vamos embora dessa vez, acredite em mim.

Noah bufou, sem acreditar na amiga.

— Qual é o seu bico? — ele perguntou, tentando desviar o assunto.

— Em um Buffett de casamento — Rachel respondeu, dando de ombros. — Daqui três dias.

Mas Noah não prestava atenção. Sorria ao rádio, que Rachel sabia que ele tinha acabado de consertar novamente.

— Hora de ouvir o nosso Führer — disse ele sombriamente, sintonizando uma estação de rádio alemã.

Rachel concordou, deixando que o garoto sentasse ao lado dela no sofá.


— Quinn, você quer se acalmar, pelo amor de Deus? — exclamou Brittany Pierce observando a amiga andar em círculos pela loja, o vestido que experimentava raspando pelo chão sujo, o que provavelmente estava irritando a vendedora.

— Eu não posso! — retrucou Quinn, parando para encarar Brittany. Seu rosto demonstrava completo pavor. — Britt, eu vou me casar! Estou aterrorizada!

Brittany revirou os olhos. Desde que Sam a pedira em casamento, alguns meses antes, Quinn vinha lidando com o assunto tranquilamente. Judy estava impressionada pela forma que a filha encarava o casamento, uma vez que havia sido sempre contra tal evento. É claro que, com o último semestre de seu curso terminando, havia mais coisas com que se preocupar.

No entanto, por alguma razão, quando Brittany e Quinn chegaram à loja de vestidos de noiva para confirmar o vestido que usariam, Quinn finalmente se viu no altar da igreja e começou a causar um pequeno escândalo na loja.

— Vou me casar — repetiu Quinn, por fim se sentando ao lado da amiga. — Eu vou me casar com Sam, já me formei na universidade, e vou finalmente ter minha própria casa. Sei que deveria estar feliz com isso, mas não consigo parar de pensar que há algo errado nisso tudo.

Brittany abanou a mão displicentemente, soltando uma risada. Quinn a olhou perigosamente.

— Não é engraçado — ela disse irritada.

— Talvez seja por que você nunca beijou outra pessoa além de Sam — falou Brittany em um tom tranquilizador. — Talvez seja errado por que você não tem certeza do que quer.

Foi a vez de Quinn rolar os olhos. Ela sabia que queria se casar com Sam, desde a primeira vez em que o vira, disso ela tinha certeza. E sim, ela já beijara outras pessoas além de Sam e sabia que o beijo dele era muito melhor que os dos outros garotos.

Não, não eram esses seus problemas. Era algo que ela tinha medo de falar em voz alta, algo que jamais deveria ser comentado na frente de outra pessoa, pois causaria um desconforto tão grande que Quinn poderia levar um tapa por apenas causá-lo.

Sexo.

Quinn nunca se preocupara muito com isso, já que quase chegara a fazê-lo com Sam algumas vezes, mas a perspectiva de se casar e se tornar a mulher de Sam fazia com que os pelos da sua nuca eriçarem.

Casar com Sam significava o fim de sua independência. Significava que finalmente se entregaria ao sistema que tanto negava. Que jamais poderia andar livremente por aí de novo. Quinn se perderia. Para sempre, talvez.

— Eu acho que você precisa ir para casa — disse Brittany, a empurrando para o provador novamente. — Troque-se e eu vou chamar um táxi.

Quinn concordou debilmente. Deixou que a amiga a levasse para dentro do pequeno gabinete e tirou o vestido de noiva sem se olhar no espelho. Tinha certeza de que Sam iria adorar seu vestido.

Sam, ao contrário de Quinn, parecia bem animado com todo o casamento e com a aprovação quase às lágrimas de Russell. Pelo menos um deles deveria estar controlado, ela pensou tristemente.

Tentando colocar um sorriso no rosto, que mais lhe pareceu uma careta, Quinn saiu do provador para acompanhar Brittany de volta à sua casa.


— Brittany? — chamou Quinn quando escutou doze vezes o badalar de sinos da igreja perto de sua casa.

Sabia que seus pais estariam dormindo àquela hora e não haveria riscos de eles acordarem. Felizmente, Frannie, o marido e a filha, estavam com os pais de Oliver, para evitar mais confusões entre os Fabray. Brittany, que não morava em Berlim, decidira ficar com Quinn até o dia do casamento.

— O que foi, Quinn? — Brittany respondeu mal-humorada. Era óbvio que Quinn a acordara, mas queria respostas para suas perguntas e sabia que a amiga era a única que lhes forneceria.

— Você já fez... — Quinn pigarreou, e agradeceu pelo quarto estar escuro, pois corara fortemente. — Digo... não precisa responder se não quiser... Mas eu... quero dizer... você já... — ela gesticulou quando Brittany franziu o cenho — Você já... com seu namorado?

— Se eu já fiz sexo com Artie? — perguntou Brittany com a voz cansada, pulando para a cama de Quinn.

— Fale baixo! — sussurrou a outra alarmada, apontando para a porta. — Meus pais podem ouvir!

Brittany deu à amiga um olhar descrente.

— Sim, eu já fiz — ela informou de modo displicente, fazendo Quinn abrir a boca em choque. — Não é nada demais, Quinn, francamente. Todo esse grande mistério que eles fazem ao redor desse ato é muito estúpido.

Quinn assentiu, ainda surpresa.

— Aposto que Sam deve ser bom — disse Brittany com um sorriso maroto. — Não acho que você tenha que se preocupar com essa parte do casamento.

— Mas... — Quinn gaguejou. — Eu não me sinto... pronta. Não ainda.

Brittany deu de ombros.

— Se Sam é tão adorável quanto você diz, ele não a forçara em nada. Nem na sua lua de mel.

Quinn procurou a mão da amiga em busca de apoio. Aquela conversa não estava indo exatamente como planejara. Ela esperava que Brittany dissesse não e que as duas ficariam nisso. Ninguém comentaria aquela conversa até o fim dos dias. No entanto, a amiga dissera sim e Quinn sabia que Brittany era conhecida nas aulas por falar a verdade e nada além da verdade.

— Eu sei que quero ficar com Sam — Quinn confessou em voz baixa após um tempo. — Sei que quero partilhar de seus planos, mas fazer sexo com ele me parece errado.

Brittany assentiu, puxando Quinn para que a garota deitasse a cabeça em seu ombro. Assim ficaram por vários minutos até Brittany sussurrar:

— Quer saber de algo que eu nunca contei a ninguém?

— Tem alguma relação com isso tudo? — indagou Quinn ironicamente.

— Mais ou menos.

Brittany pediu que Quinn levantasse e a olhou profundamente. Engoliu em seco e disse em um murmúrio culpado:

— Eu já beijei uma garota.

Quinn abriu a boca e fechou várias vezes, sem saber o que dizer. Afastou-se discretamente da amiga até bater na cabeceira da cama e quase cair de costas no chão. Ela encarou Brittany por cinco longos minutos, a boca seca em busca de perguntas que não conseguiria falar em voz alta.

— Foi quando tinha treze anos — disse Brittany, sabendo que Quinn não a interromperia. — Ela era filha de uma empregada da minha casa. Eu sempre brincava com ela e, num dia, uma dessas brincadeiras ficou um pouco séria e...

Seu rosto assumiu uma expressão culpada. Quinn, por outro lado, estava em estado de choque.

— Isso não tem nada a ver com a conversa — disse ela finalmente.

Brittany suspirou pesadamente. Ela não fez nenhum movimento para se aproximar da amiga, respeitado seu espaço. Quinn se perguntou o que faria com aquela informação. Ela era amiga de Brittany quando tinha treze anos e, de fato, notara a tal garota filha da empregada quando fora uma vez em sua casa. Havia algo relacionado a santo em seu nome...

Mordeu o lábio e perguntou:

— Só você e a garota sabem disso?

— E agora você. Acho que isso nos faz algum tipo de trio profano...

Brittany abriu um sorriso, que murchou ao ver o olhar de Quinn.

— O que você queria quando me contou isso? Quer me beijar também? — Quinn indagou defensivamente. Seu tom de voz beirava ao pânico.

A amiga arregalou os olhos, surpresa, e depois sorriu.

— Claro que não! Depois que beijei essa garota, nenhum menino pareceu mais o mesmo. Todos os outros beijos eram mais diferentes. Estranhos. Errados.

Quinn imediatamente pensou na garota que ela ajudara a roubar comida no Ano Novo de 1936. Não... ela não queria beijar aquela menina, queria ajudá-la. Nunca passou pela sua cabeça beijá-la. Ela balançou a cabeça negativamente para Brittany. Não... Havia apenas uma pessoa que queria beijar, e essa pessoa era um garoto. Sam Evans.

— Não estou apaixonada por nenhuma menina — disse Quinn, mais para si do que para Brittany. — Sam... Vou me casar com ele. É ele por quem eu estou apaixonada.

— Tudo bem — Brittany disse. — Só estou falando que...

— EU NÃO SOU UMA ABERRAÇÃO! — Quinn perdeu o controle do tom de voz e gritou para a amiga.

Arrependeu-se no instante em que gritara. Quinn não queria ter chamado Brittany de aberração e provavelmente teria acordado até os vizinhos no fim da rua com o berro enlouquecido. Ela engoliu em seco, olhando desesperadamente para a amiga, embora Brittany não parecesse desapontada com ela.

— Eu sinto muito — sussurrou Quinn.

— Sem problemas — disse Brittany friamente, pulando de volta para seu colchão no chão. — Eu entendo.

Quinn iria retrucar, mas, naquele momento, Russell entrou no quarto, chamando seu nome de mansinho. Ela fingiu que estava dormindo e logo ele foi embora. Mesmo assim, ela ficou acordada por um bom tempo. Podia sentir que Brittany também não dormira, mas estava assustada demais para dizer algo em voz alta.

Algo dizia a Quinn que Brittany não aceitaria aquelas desculpas tão cedo.


O casamento se aproximava e Quinn ficava a cada hora mais nervosa. Faltavam umas boas horas para a cerimônia em si, mas sua mãe a obrigara a ir com ela ao Buffett para resolver os últimos detalhes, mesmo sabendo que Quinn deveria se dedicar exclusivamente a se arrumar para a hora tão esperada.

Brittany não tinha ido com ela como o combinado. Desculpou-se falando que iria visitar alguns amigos e que voltaria duas horas antes para se arrumar, o que deixou Quinn ainda mais desconfiada de que ela não havia lhe perdoado completamente pelo grito de pavor da noite anterior.

Quinn sentia-se terrivelmente culpada. Depois de quase não dormir, ela percebeu que sua reação fora muito estúpida. Brittany não era culpada por ter se sentido curiosa e beijado a filha da empregada. Afinal, isso tinha acontecido quando tivera treze anos e, mesmo com ela dizendo que nenhum outro beijo era a mesma sensação, muita coisa deveria ter mudado.

— Quinnie! — exclamou Judy, tentando chamar a atenção da filha. Elas olhavam o cardápio do Buffett com Frannie, que provavelmente viera obrigada pela mãe, e sua barulhenta filha de dois anos, Chloë. — Você não acha que nós deveríamos colocar frango ao invés de carne vermelha?

Quinn acenou a cabeça distraidamente, observando as mulheres que iam de lá para cá, organizando tudo. Seus olhos pararam em uma menina baixinha, de nariz avantajado e olhos muito castanhos. Ela estava mais limpa dessa vez, mas Quinn a reconheceu na hora: era a garota que entrara na sua cozinha no Ano Novo de 1936.

— Quinn! — disse Chloë aos berros. Aparentemente, essa era sua nova palavra favorita. — Quinn! Quinn! Quinn!

— Frannie, por Deus, controle sua filha! — Judy repreendeu sem tirar os olhos do cardápio. — Quinn, o que você acha...?

— Eu já volto — anunciou Quinn, ainda olhando fixamente para a garota judia, que se movia pelo salão sem notar a presença das Fabray.

Frannie evitou Chloë de seguir a tia, deixando Quinn livre para perseguir a garota até a cozinha, movimentada por causa dos preparativos. Ela tentou não fazer barulho, mas qualquer coisa ali era abafada pelas conversas e as panelas chiando.

A judia passou pela cozinha, ainda sem notar que estava sendo seguida, e entrou em um pequeno cômodo. Quinn não sabia se deveria se trancar com ela lá dentro para arrancar tudo o que queria saber daquela garota, mas se decidiu por coisa melhor.

Quando a garota saiu do armário, carregando panelas sem praticamente ver nada à sua frente, Quinn a puxou pelo braço para o lado. As panelas caíram no chão com um estrondo tremendo, que ela teve certeza que fora ouvido pela família no salão. A garota tentou se soltar, mas Quinn a prendia firmemente. Ela também pusera a mão na boca da judia, impedindo-a de chamar por ajuda.

As duas entraram em um corredor vazio, bem longe da cozinha, que dava para as portas dos fundos do salão. Quinn a jogou sem cerimônia na parede e a olhou raivosamente.

— Eu sei que sou judia, mas ainda me restam alguns direitos, e não vou descansar até que você esteja — a garota começou a falar rapidamente assim que Quinn tirou a mão de sua boca, até notar o rosto de da outra bem perto do seu.

Ela perdeu tanto a fala quanto a respiração por alguns segundos.

— Meu nome é Quinn Fabray, mas acho que você já sabe disso — ela disse em um tom suave. — O que está fazendo aqui?

— Aquela comida não iria durar para sempre — respondeu a judia em um tom acido, fitando Quinn com aqueles olhos castanhos penetrantes. — Não sou rica como os Fabray.

— Qual é o seu nome? — indagou Quinn, ignorando o tom da garota.

— Lizzie — disse a menina.

Elas ficaram se encarando por um bom tempo. Quinn sabia que a garota estava mentindo; via em seus olhos o desespero sob a expressão desafiadora. Ela sabia que tinha sido pega. Não sabia seu crime, mas sabia que tudo dependia de Quinn para salvá-la.

— Lizzie... — Quinn sussurrou, franzindo o cenho pensativamente. Ouviu a judia engolir em seco. — Porque você sempre aparece quando algo importante relacionado a mim e ao Sam acontece?

A garota ergueu a sobrancelhas, confusa.

— Mas quem é Sam? — Ela não esperou resposta: — Não me interessa sua vida amorosa, moça. Só não saia por aí dizendo que contratou uma judia para o seu casamento ou o meu dinheiro para fugir daqui irá para o ralo.

— Você vai fugir da Alemanha? — Quinn perguntou surpresa, afastando-se alguns centímetros da garota.

A possibilidade de jamais encontrar com aquela garota novamente por acaso mexeu com Quinn. Porque se sentia daquela forma em relação a alguém que vira três vezes na vida? Não podia deixá-la ir, não podia. Aquela garota era a prova viva que era ativamente contra o governo de Hitler, contra a guerra que se aproximava.

— Eu preciso — disse ela corajosamente. — Não sou uma alemã pura, eu tenho que me arranjar fora daqui.

Quinn continuou a encará-la, sem saber o que dizer. Quando a menina pediu para que saísse do caminho pois tinha que voltar ao trabalho, murmurou um sim contido e se afastou da garota. Antes de voltar à cozinha, no entanto, a judia virou para trás e disse em um sussurro:

— Rachel. Meu nome é Rachel.

E saiu, deixando uma desconsolada Quinn para trás.


Quinn se perguntou como sua família ou Sam não a perceberam olhando para a garçonete baixinha toda vez que ela passava perto da mesa principal do salão. Ela descobriu que ser noiva era algo difícil, principalmente se você queria andar pelos convidados sem ser notada. Sempre que se levantava para ir ao banheiro, havia alguém a seguido, dando-lhe os cumprimentos pelo casamento e pela festa maravilhosa.

Quinn estava cansada deles. Os convidados eram todos amigos de Russell, então logicamente a conversa que comandava todas as mesas era sobre o Reich e Hitler. À exceção de uma mesa pequena ao canto do salão, onde estavam Finn, Kurt e todo o clube contra Hitler de Sam. Eles preferiam ficar escondidos dos outros militares da festa, embora Finn e Kurt percorressem o salão à procura de alguém com quem pudessem conversar e, quem sabe, conseguirem uma grande promoção.

Ela queria um tempo com Rachel, um tempo para que pudessem discutir aqueles encontros aleatórios nos momentos importantes com Sam. Seria algum tipo de sinal? Que não deveria avançar na relação com o garoto? Que começar o namoro seria um erro, e que casar com ele era um erro maior ainda? As dúvidas a perseguiam constantemente.

E ainda havia a conversa que tivera com Brittany na noite anterior, que a perturbara durante boa parte do dia. Brittany a evitara durante as últimas cinco horas, um sinal de que ela não estava nem um pouco a fim de receber desculpas da melhor amiga. Quinn não sabia a quem recorrer, seus sentimentos estavam mais confusos do que já estiveram em toda a vida.

— Quinn, alguém está chamando você na cozinha — Russell disse em seu ouvido, tirando-a de seus devaneios.

Ela piscou, pensando instantaneamente na garota de olhos castanhos.

— Para que? — perguntou inocentemente, tentando manter o tom de voz o mais calmo possível.

— Algo em relação às bebidas — o pai respondeu, dando de ombros. — O que é estranho, pois achei que sua mãe era a encarregada disso tudo...

Quinn deu um sorriso tranquilizador ao pai e se levantou. Ela agradeceu com a cabeça o recado e iniciou sua maratona para passar pelo salão sem ser notada. Esbarrou em Sam sem querer, que conversava com Finn, Kurt e mais um general convidado por Russell. Cumprimentou-os, e felizmente saiu da vista deles em questão de segundos, não antes de dar um selinho no marido (o novo título ainda a assustava).

Ao chegar à cozinha, que estava muito mais movimentada do que naquela manhã, Quinn se perguntou aonde Rachel queria vê-la. Se a garota fosse esperta como imaginava, pensou, escolheria o mesmo corredor vazio próximo à saída do Buffet, para onde Quinn a arrastara algumas horas antes. Presumindo isso, ela rumou para o local.

— Você é muito mais inteligente do que parece, Sra. Evans — Rachel disse assim que viu Quinn virar o corredor.

Quinn sorriu, se aproximando de Rachel e puxando seu vestido de noiva. Por sorte, Judy sabia que a filha era desastrada e não mandara fazer uma cauda tão longa. Rachel estava no meio do corredor; os braços cruzados e a expressão um pouco mais selvagem do que Quinn imaginara.

— A senhora me perguntou mais cedo porque eu sempre aparecia quando algo importante acontecia com você e o senhor Evans — continuou a garota. Os olhos castanhos dela estavam fixos em Quinn. — Eu não sei. Mas eu tenho plena certeza de que vamos nos encontrar mais.

Quinn franziu o cenho, lembrando-se da conversa que tivera com ela pela manhã. Rachel não dissera que fugiria da Alemanha para evitar mais tortura e sofrimento? Estaria ela dizendo agora que não escaparia mais do país?

— Quinn Fabray... — Rachel disse quase que num murmúrio. Ela pendeu a cabeça no ombro e fitou Quinn curiosamente. — A filha do dono de metade de Berlim. Contra o governo do seu próprio pai. — Ela sorriu. Havia uma pontada de orgulho na voz de Rachel que fez o corpo de Quinn estremecer. — Que ironia. Que gostosa ironia.

Um barulho se fez ouvir. Vinha da cozinha, Quinn logo percebeu. Alguém estava se aproximando do corredor. Rachel sorriu mais uma vez e ofereceu uma reverência à Quinn.

— Descobriram que eu era judia — contou, parecendo mais orgulhosa que nunca. — Mas já haviam me pagado, e agora querem o dinheiro de volta. Você é a única alemã para quem eu faria uma reverência, então eu sugiro que leve isso a sério.

Quinn acenou com a cabeça, percebendo que não havia falado nada. Ela estava hipnotizada pela garota, a pequena judia que havia conhecido dois anos antes na festa do general Hartmann, a menina que ajudara no Ano Novo de 1937. Quinn pensava que tudo estava relacionado a Sam, mas, naquele momento, ela entendeu que não.

Sua estória nunca havia sido sobre ela e Sam. Era sobre ela e Rachel.

— Até logo, Quinn Fabray... — disse Rachel, saindo pela porta dos fundos no momento em que dois seguranças com a suástica presa no ombro invadiram o corredor, procurando pela garota judia.

— Sra. Evans? — um dos policiais perguntou, confuso. — O que quer aqui? Sabe que essa área é restrita aos funcionários, certo?

Quinn o olhou dos pés à cabeça, da mesma maneira que seu pai havia lhe ensinado antes de ir para o seu primeiro dia de aula.

— Os outros banheiros estavam todos lotados — disse ela simplesmente, e saiu da vista dos dois policiais.


— Eu me encontrei com Quinn de novo — disse Rachel assim que colocou os pés dentro do cafofo onde morava.

— Onde? — indagou Noah. O garoto estava no sofá, de costas para Rachel, sem prestar muita atenção na estória da amiga.

— Ela se casou com Sam Evans — respondeu Rachel tristemente, jogando a bolsa no banquinho perto da porta. Sem olhar para Noah, foi direto para a sua cama e lá se jogou teatralmente.

Noah parou o que estava fazendo para poder encarar a amiga. Ela falava mais algumas coisas, mas as palavras estavam sendo abafadas pelo travesseiro. O garoto engoliu em seco, procurando o que dizer para consolá-la. Geralmente, os trabalhos eram invertidos; Rachel nunca se preocupou em gostar de alguém para depois sofrer pelo amor não correspondido.

— Arranjei as passagens — Noah anunciou logo após Rachel terminar seu monólogo. — 700 Reichsmark. Eu disse a ele que entregaria o resto do dinheiro no dia da viagem. O cara parecia mais confiável do que a maioria das pessoas.

Rachel levantou lentamente a cabeça, sem acreditar. Seus olhos estavam vermelhos, e Noah sabia que não era por causa da fronha mofada do travesseiro. Ele apontou para o sofá, onde uma mala pequena estava, dando a entender que já estava arrumando para que fossem embora o mais rápido possível.

— Partimos pela manhã — disse, abrindo um sorriso. — Deveria arrumar as suas coisas.

— E vamos pra Inglaterra — murmurou Rachel, ainda com a expressão de pura incredulidade no rosto. Ela ergueu os olhos para o amigo de novo. — E nós vamos para a Inglaterra. Adeus, Alemanha. Adeus, Hitler. Adeus...

— Sim, adeus Quinn Fabray e adeus ao meu precioso sofá — completou o garoto. Ele estava triste por Rachel, pois provavelmente nunca mais voltariam à Alemanha, e a possibilidade de encontrarem Quinn casualmente andando pelas ruas de Londres era terrivelmente pequena. — Olá, Inglaterra. Olá, vida nova. É isso que temos que pensar. Chega de passado e dor. A guerra será travada aqui, e nós precisamos correr, por que somos alvos do que está prestes a acontecer.

Rachel rolou os olhos, ignorando as palavras de Noah, e caiu novamente no travesseiro mofado. Murmurou alguma coisa de lá, mas tudo o que saiu para o garoto fora um som abafado e confuso. Ele pediu para que ela repetisse, mas a garota só levantou a mão fazendo um gesto obsceno.

— Tudo bem — disse ele, desistindo de qualquer outro tipo de interação com a amiga. — Faça o que quiser. Vou dormir um pouco. Esteja pronta amanhã às oito se quiser um futuro novo.

Noah não entendia que Rachel queria, sim, um futuro novo. Queria mais do que tudo no mundo. Ela queria um mundo onde pudesse sentir o perfume de Quinn perto dela o tempo todo. Queria um mundo onde pudesse sentir o toque de Quinn queimando contra sua pele. Um mundo onde pudesse apaixonar por Quinn Fabray todas as vezes que elas se encontrassem, e ainda assim não iria parecer errado ou demoníaco.

Rachel deixou o sono levar a melhor àquela noite, mas acordou na manhã seguinte com uma decisão tomada.


— Tudo bem, podem abrir os olhos — disse Russell, mal contendo a animação.

Quinn entreabriu os olhos, se perguntando pela milésima vez o que o pai estaria planejando para ela e Sam. Havia se passado um mês do casamento, e os dois tinham acabado de retornar da lua de mel na Riviera Francesa. Quinn não queria que Russell pagasse todo o resto, argumentando que ela e Sam preferiam ficar no interior da Alemanha, mas, como de costume, ele não escutara.

Felizmente, tudo correra bem durante a lua de mel. Sam não a forçara a nada que não quisesse fazer. Por isso, os dois permaneciam virgens, e esperando o tempo certo para que pudessem finalmente dar à Judy e à Sra. Evans os netos tão desejados. A conversa com Brittany estava no passado, embora Rachel ainda habitasse os sonhos de Quinn ocasionalmente.

Russell fora buscá-los na estação de trem junto com Judy e os Evans, que pareciam tão relutantes quanto Quinn a participar daquele teatro todo. O pai de Quinn, no entanto, aparentava estar muito feliz quando colocou vendas em Sam e nela, faltando dez quilômetros para o destino desejado, dizendo:

— Vocês vão adorar o meu presente de casamento!

Quinn abriu os olhos por completo e encarou primeiramente uma rua tão movimentada quanto a sua. Russell a cutucou alegremente nas costas e apontou para a casa na sua frente, e seu queixo caiu.

A caixa de correios dizia Residência dos Evans, pintada em azul-anil, que se destacava na brancura do objeto. O gramado da frente estava aparado e verde, muito verde. A casa havia sido pintada de branco, tal como a caixa de correios, e seu telhado era da cor das areias da Riviera. Sam avançou prontamente para ver a beleza da nova casa mais de perto, mas Quinn permaneceu ao lado do pai, sem saber o que fazer.

— Você nos comprou uma casa? — ela sussurrou quando Judy e os Evans acompanharam Sam para dentro da residência. — Uma casa? Você ficou louco, por acaso?!

— Claro que não, Quinn! — exclamou Russell, rindo da reação da filha. — Só achei que você e Sam não poderiam morar mais em Berlim e, principalmente, na mansão Fabray.

— Então me deu uma?! Ah, se Frannie souber disso, pai, ela vai...

— Não se preocupe com Frannie — cortou o pai. — Sam agora é Major do Exército Alemão. Não seria bom para a sua imagem morar na casa dos pais da sua mulher...

Quinn engoliu em seco. Ela tinha que se lembrar, constantemente, de que não era mais a garotinha amada dos pais. Terminara a universidade, acabara de se casar com um homem do Exército Alemão... Tinha que criar raízes bem longe dos pais agora. Esse pensamento sempre lhe dava calafrios. Quinn não era mais uma criança, e isso a assustava.

— Onde estamos? — perguntou Quinn depois de um tempo.

— Strausberg, a uns bons quarenta quilômetros de Berlim — respondeu o pai distraidamente, cumprimentando um senhor que passava em frente à casa. — Essa cidadezinha precisava de um comandante para a Juventude Hitlerista e Sam é um oficial mais ou menos renomado. Talvez ele consiga trazer glória para a repartição daqui.

Russell deixou a informação fluir na mente de Quinn. A garota não sabia o que dizer. Mesmo querendo ser livre do pai, ainda estava presa a ele por causa da sua estúpida gratidão e amor que tinha por Sam. Odiava esse sentimento.

— Obrigada, pai — ela murmurou a contragosto, sem olhar para Russell.

— Vamos entrar — convidou ele, abrindo um sorriso à filha. — Eu sei que você vai adorar a nova casa.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam deste capítulo? Gostaram do POV da Rachel e de seu melhor amigo, Noah? Eu não queria chamá-lo de Puck por que, bem, Puck é um apelido e Noah soa bem mais bonitinho KKKKK E sim, Quinn casou-se com Sam, mesmo sabendo que sua estória estava ligada à Rachel, e não ao garoto. Mas isso, vocês verão nos próximos capítulos, será de suma importância para a estória.
Enfim, acho que é isso. Espero que tenham gostado do capítulo, e não esqueçam de deixar seus comentários com elogios e/ou xingamentos, pois eles são muito apreciados!
Qualquer dúvida podem me mandar uma ask no meu Tumblr: hannily.tumblr.com e nos vemos no próximo capítulo.
Beijos e até lá :)