Ponto de vista de Renesmee

 Minha cabeça girava com tudo aquilo. As coisas que ouvi não pareciam ser sobre as pessoas que eu conhecia. Não sabia dizer se estava decepcionada. Era doloroso saber que meu pai me quis morta, mas eu entendia a razão; a mesma razão para que Jake também quisesse. Mas decidi não pensar nisto, pois nada do que tenha acontecido tirava o mérito da família maravilhosa que eu tinha. Mas meu Jake e minha mãe... Era perturbador pensar, mesmo que a sinceridade de Jacob e dela fossem incontestáveis quando disseram que tudo fora superado e esclarecido. E, embora eu estivesse curiosa por detalhes disso, eu não tinha certeza se queria saber até onde eles tinham ido com esta história.

 Estava feliz que de qualquer forma Jake tenha ficado por perto. Como teria sido se nunca tivéssemos nos conhecido? Nem podia imaginar, era tão estranho quanto me imaginar sem qualquer outro membro de minha família, afinal Jacob era meu irmãozão.

 Dormi pensando em minha infância e em como ele estava lá, em cada lembrança. Eu não percebi quando as lembranças viraram sonho, mas era a reprise de uma vez em que tentamos nos mudar, eu tinha cerca de um ano. Não deu muito certo, eu sentia muita falta de todos aqui, e não comia. Estava ficando fraca. Carlisle assegurou que eu ficaria doente e nós voltamos a morar extra-oficialmente em Forks. Vovô ficou de férias até bem pouco tempo, quando então, voltou a trabalhar, agora no hospital de Seattle. Mas em meu sonho eu estava feliz por acordar nos braços de Jake e olhar em volta e ver a casa em que estivera sempre.

 Acordei feliz pela sensação de reencontrar Jacob e quase esperei ver no reflexo da parede de vidro a mesma criança de meu sonho, mas era uma jovem de pele marfim, bochechas como pétalas de rosa e olhos cor de chocolate, envoltos em cílios longos e espessos, que me fitava de forma curiosa. Seu longo cabelo cor de cobre formava cachos dos ombros à cintura e brilhava em tom de ferrugem mesmo na luz opaca da manhã chuvosa. Levantei da cama e a jovem me revelou um corpo que ainda não era exatamente o de uma mulher, mas estava longe de ser infantil, ela quase parecia uma vampira pela forma com que se movia. Eu ri com o pensamento e o reflexo me mostrou dentes brancos e afiados por baixo dos lábios cheios e avermelhados. Esta era eu, uma mistura perfeita de Edward e Bella.

 A TV no andar de baixo estava ligada e em meio a conversas baixas eu ouvia meus pais. Depois de todo o ritual matutino, eu desci vagamente incomodada em toda a loucura que me fora explicada de repente não me importar tanto. Meu pai me esperava no último degrau da escada.

_Não se dá conta de quanto é especial, não é?_ Disse ele me abraçando e deixando claro que ele assistia minhas auto-descobertas. Revirei os olhos para ele. Minha mãe me olhou receosa, e tão rápido quanto podia a abracei. Bella suspirou, parecendo aliviada.

_ Amorzinho_ arrulhou, e pela mão me puxou para o sofá. Ela achou mesmo que eu ficaria chateada com ela? Meu pai não me quis e eu não conseguia sentir raiva...

_ Ness!_ Disse Edward sentando-se de forma que eu ficasse entre eles_ Eu me odiava por que Bella estava morrendo e a culpa era minha. Não havia nada que eu pudesse fazer para salvá-la, a não ser... E no fundo tudo o que eu queria era poder ter um filho com o amor de minha existência, mas nem isso eu podia sem matá-la, e então eu me odiava mais... _ A testa marmórea de meu pai estava franzida com a dor da lembrança_ Eu estava enlouquecendo enquanto ela definhava_ então Edward sorriu gloriosamente, olhando para minha mãe.

_ Bella está lembrando-se de quando eu a ouvi de dentro da barriga dela.

_ Você estava feliz_ Bella disse, sorriu afagando meu rosto.

_ Você simplesmente a adorava. Foi aí que você me conquistou_ ele tocou a ponta do meu nariz_ Eu vi que alguém capaz de tanto amor só podia viver_ Eu sorri. Os dois me abraçaram.

 Despedi-me de minha avó e de Alice que eram as únicas em casa e fui para o chalé com meus pais. Eu tomava café da manhã quando Edward anunciou a chegada de Jake. Ele entrou pelos fundos sacudindo o cabelo levemente crescido para molhar Bella, que lhe deu um soco que ele desviou com muita destreza.

_Café da manhã na hora do almoço?_ Jake fez um muxoxo_ Estão estragando esta garota_ Mostrei a língua pensando que talvez eu tenha devaneado mais do que imaginei ontem à noite. Edward bufou.

_ Faça você mesmo! Não sou Esme_ Disse. Jake riu e caminhou até a geladeira.

 Eu e Jake estávamos jogando vídeo-game (ganhei quatro de seis partidas), estávamos na sétima partida.

_ Nessie, lição de espanhol_ chamou Edward saindo do quarto com minha mãe.

_ Vou preparar o almoço de vocês_ disse ela, indo para a cozinha.

_ Sí papá, solo déjame gañar del perro_ Meus pais riram. Jake puxou uma mecha de meu cabelo.

_ Eu entendi isso, Monstrinha!_ O soquei levantando para buscar meu material.

_ Jake, porque não pára de pegar carona nos estudos de Nessie e volta à escola? Vai ficar para trás!_ disse Bella, fazendo Jake revirar os olhos. Ela sempre dizia algo do tipo e ele sempre a ignorava.

Eu estava guardando meu material de estudos quando Jacob disse:

_ Nessie, Claire sente sua falta, faz tempo que vocês não passam um tempo juntas.

_ Também sinto falta dela_ Nos afastamos um pouco quando ela começou a freqüentar a escola. Nós éramos como as melhores amigas quando parecíamos ter a mesma idade. Prometemos ser. Nossa diferença física era enorme já que me parecia uma adolescente e ela tinha oito anos. Mas a diferença física não nos dizia nada, nós éramos amigas e nos gostávamos muito.

_ Vamos ter fogueira na praia hoje_ disse Jake e já senti um sorriso enorme se espalhando em meu rosto.

 Eu estava animada em não sair com meus pais. Geralmente eles sempre iam às festas em La Push. Quando eu ficava algum tempo na casa de Charlie, Bella sempre estava por perto. E Jake e eu sempre tínhamos uns passeios e caças, mas a super-proteção de meus pais não deixava que eu estivesse livre por muito tempo; incrivelmente eles só não conseguiam ser mais super-protetores que Jake.

 Os dois bandos estavam lá, com suas companheiras. Raymond, o filhinho de Sam gargalhava e corria de Leah pela areia. Claire me viu e correu até mim. Cumprimentei a todos e conversamos animadamente. Era difícil acreditar que todos quiseram me matar um dia, invés de bizarra a idéia me era morbidamente engraçada...

_Você não quer mais ser minha amiga, Nessie_ Queixou-se Claire.

_ É claro que quero, mas você está sempre na escola. E, afinal, não há tanto tempo assim que não nos vemos_ Defendi-me_ Vamos, conte-me sobre a escola_ Pedi. A garotinha sorriu, olhando em volta e me puxando para beira-mar.

_Eu tenho um namorado_ Sussurrou para mim, com uma mão de cada lado da boca_ Não conte para ninguém_ eu ri preocupada.

_ Como namorado Claire?! Como Emily e Sam?_ Citei-os porque no momento eles trocavam beijos apaixonados. Sua boca se contorceu com impaciência e nojo_ E você não tem idade.

_ Não, Nessie! Eca!_ Esbravejou olhando os tios_ Nós andamos de mãos dadas, ele leva bolo de chocolate para mim e eu sempre levo maçãs para ele. E já vou fazer nove anos.

_ Claro... Claro. Entendi_ disse rindo

_ Se eu tivesse o seu tamanho, casaria com meu pai, porque aaamo ele. Mas ele já é meu pai e casado com minha mãe, então talvez eu casasse com o Quil!_ eu ri de suas idéias românticas e os garotos chegaram para nos dar chocolate quente e nos levar para a fogueira.

 Eu estava observando os casais da roda, quando um pensamento me ocorreu. Será que meu avô Charlie sabia sobre o triângulo amoroso e sobrenatural? Não quis perguntar ao Jake, que no momento estava em uma luta com Paul pelo último cachorro quente, então recorri à outra pessoa.

_Seth_ ele me deu atenção imediata _, Charlie sabia sobre... Jake e minha mãe?

_Não tinha como Bella esconder dele uma mão quebrada_ respondeu ele.

_ Do que está falando?

_ Sua mãe socou Jake quando ele a beijou_ Fiquei imóvel alguns segundos, não me contaram esta parte_ Mas não passou disso, eu garanto_ Ele provavelmente via a minha preocupação. O fitei mais um tempo e ficou óbvio que era verdade. Perdi-me em pensamentos por algum tempo, até decidir que ficar remoendo coisas de quando eu nem existia era inútil e irrelevante no meu presente. Então a risada de Jake me chamou atenção. Atravessei o círculo irregular que formávamos e sentei com ele, Quil, Claire e Embry. Os olhos de Quil faiscaram para mim antes dele falar:

_Rosalie com certeza tem provas de que O Grande Alfa um dia usou chapeis e cachecóis. Então ninguém aqui pode falar nada_ ele gargalhou, mas os risos de Jake diminuíram um pouco.

_ Não esqueça as pulseiras e a maquiagem_ lembrei Quil. Que se juntou a Embry em gargalhadas estrondosas. Jake balançou a cabeça, resignado.

_ Tudo bem. Mas então vamos lembrar o aniversário de três anos de nossa pequena Claire_ disse ele.

 A noite foi adorável, e, sem saber como, eu meio que despertei sendo colocada em minha cama, para mergulhar novamente no mais profundo dos sonos.

 Pela manhã contei a Bella sobre o passeio, incluindo os sonhos românticos de Claire. Meu pai estava na casa branca. Bella e eu iniciamos a faxina que fazíamos todos os domingos... Eu divagava; ocupar as mãos não ocupa a cabeça, principalmente quando se pode pensar em tantas coisas ao mesmo tempo, em um só segundo. Eu pensava no quanto a pequena quileute Claire sabia, no quanto ela convivia com pessoas normais, com humanos. Certo que ela era mais velha que eu, mas só biologicamente. “Ela não viu nada, não viveu nada...”, a voz de Bella ecoou em minha cabeça.

_Mãe, não tem curiosidade de ir à escola como toda a família ia antes?_ Ela ergueu uma sobrancelha, sabendo que não era isso que eu queria dizer_ Não sei... Sempre vivemos da mesma forma, desde que nasci... _ deixei minha voz morrer, incerta do que queria dizer.

_ Temos verdadeiros amigos aqui, família _disse ela_ O que há filha? Fale comigo.

_ Sabe que ouvi você falando que eu não vi nem conheci nada... _ suspirei sentando numa cadeira da cozinha e ela sentou ao meu lado.

_ O que exatamente quer dizer, Renesmee?_ seus olhos âmbar-escuro eram intensos e receptivos.

_ Não sei... _ respondi sinceramente.

_ Quando souber, conte-me!_ ela sorriu e voltamos ao trabalho.

 Nós estávamos perdidas entre coisas que iam para a doação, muitas nunca foram usadas, mas quem podia deter Alice? Eu continuava pensando em como seria ir à escola, lidar com humanos, interagir com o mundo... Conhecer mais! Meu pai entrou na casa chamando por nós e veio até o quarto.

_ Já estão sentindo sua falta, Nessie_ disse ele. Claro, fazia quase vinte e quatro horas que eu não ia até a casa branca. Assim, me aprontei e fomos correndo, apresei um cervo médio no caminho.

_ Querida_ disse Esme me abraçando_ Rose lhe mandou beijos e a você também, Bella.

 Alice cantarolava pela casa, parou atrás de mim e em segundos eu tinha uma trança embutida pendendo em meu ombro. Minha tia sorriu e voltou a organizar os arranjos florais de Esme, enquanto eu ia para o piano. O rosto de minha linda avó se iluminou em um sorriso quando comecei sua canção. Com a visão periférica vi Edward e meu avô subindo as escadas. Minha mãe se aproximou e introduzi sua canção de ninar. Ela me olhava com tanto amor que tive de lhe sorrir.

_ Se Edward não estivesse um século na sua frente, eu diria que toca tão bem quanto ele_ Disse Bella.

_Sim, é verdade_ concordou Esme. Bella também tocava bem, principalmente considerando o pouco tempo a que se dedicava a isso... Agora eu tocava a música feita por meu pai para mim.

 Alice retornou à sala como um zumbi, os passos lentos e os olhos sem foco. Parei a música e nós três a encarávamos tensas, esperando. Então Alice suspirou e sua expressão era a de sempre.

_ Acho que temos novidades_ disse ela radiante.

_Alice é terrível! Tão pequena e com uma boca tão grande_ disse meu pai, descendo de volta, Carlisle em seus calcanhares.

_ O que é?_Indagou Bella, tão curiosa quanto eu.

_Vamos nos mudar, isto é, se todos estiverem de acordo_ Informou Carlisle.

_ Estão, eu já nos vi_ disse Alice animada_ Esme, a sala vai ficar linda.

Esme conversava baixo com Carlisle, e meus pais pareciam ter uma conversa mental.

_Mas pai... Isso não deu certo da última vez_ falei chamando sua atenção para mim.

_Filha, você era só um bebê, além de tudo, você esteve pensando nisso_ respondeu.

 A idéia de saber e conhecer mais me eram atraentes, mas também apavorante. E tinha meus amigos, meu Jacob, meu irmão. Não gostava da idéia de deixá-lo. Minha cabeça girava em um turbilhão de vontades; de ir e de ficar. E se... Ele não ia aceitar, ia? Eu podia tentar!

_ Tem certeza?_ Edward me perguntou_ Ele tem obrigações aqui.

_ Vou sugerir, não vou obrigá-lo.

_ Quer pedir que Jake vá_ Ele respondeu à pergunta mental de alguém.

 Nós iríamos nos mudar o quanto antes, pois o semestre letivo já começara. Carlisle e Esme estavam ao telefone. Jazz chegara da caça e Alice já lhe informara de tudo. Eu esperava ansiosa que Jacob aparecesse. Ligara para Billy, que me disse que ele não estava em casa.

_ Vamos para Seattle_ Disse Carlisle após mais um telefonema_ Agora temos que organizar tudo, matrículas, graus de parentesco...

_ Não acho que vamos precisar distar muito de nossa última árvore genealógica_ comentou Esme.

_ E Nessie?_ perguntou Alice.

_ Pensaremos mais tarde_ Disse meu pai.

_ Nessie precisa de ajuda?_Perguntou Jasper se divertindo com minha ansiedade.

_ Não obrigada_ disse indo esperar na varanda. Não chovia no momento e fitei o céu escuro por alguns instantes, até que ouvi o baque surdo e molhado de um grande coração. O som diminuiu e Jake surgiu dentre as árvores com uma expressão curiosa e um sorriso no rosto, talvez fosse porque eu estava com os braços cruzados e meu pé batia incessantemente no assoalho.

_Preciso falar com você_ Disse puxando-o para dentro.

_Estou perdendo alguma coisa?_ Ele perguntou observando a movimentação inquieta dos preparativos dentro da casa.

_ Jacob... _ “Não!”, interrompi meu pai em pensamento.

_ Jay... Nós vamos nos mudar esta semana...

_ Tudo bem Nessie, eu sabia que isso ia acontecer um dia. Eu meio que me preparei para isso desde aquela vez... _ ele falava rápido.

_Você quer, por favor, me deixar falar?_ o interrompi e ele me olhou tristonho_ Eu... Adoraria se você viesse também?_ falei o mais persuasiva que pude.

_ S-sério?_ indagou se deixando cair numa poltrona.

_ Totalmente_ Respondi me ajoelhando diante dele, apoiando os braços no estofado e fazendo biquinho.

_ Já seria bem fácil sem isso_ ouvi meu pai murmurar. Jake olhou por cima de minha cabeça e decidiu.

_Eu vou. Só preciso por as coisas em ordem_ disse por fim.

_ Claro, você pode por Leah no comando, e Billy vai ficar feliz de você voltar a estudar_ tagarelei animada, abraçada a ele.

 O resto do dia seguiu-se cheio de conversas e despedidas. Fomos até a casa de Charlie e Sue na reserva, contar as notícias. Ele aceitou bem, sabendo que não estaríamos tão longe. Apenas ficou meio confuso que Jake fosse conosco, mas então expliquei meu pedido. Fizemos uma visita rápida a Billy.

 Já era noite quando voltamos para a casa grande. Jasper descia as escadas com quatro malas enormes nos braços. Ao pé da escada havia alguns quadros envoltos em papel grosso, e também caixas de todos os tamanhos espalhadas pela sala.  Nem todos os móveis iriam conosco, apenas os que eram relíquias antigas e valiosas. O restante estava sendo coberto com lençóis; particularmente não gostava disso, parecia que estávamos enterrando tudo ali... Estava impressionada e zonza; quando acordei era só mais um dia e de repente estou ingressando no colegial.

 Aproveitei a bagunça e guardei numa caixa brinquedos novos, alguns ainda nas caixinhas e pedi que Jake desse a Claire, ela ainda gostava de bonecas...

 Teríamos o dia seguinte para organizar a nova casa e nos preparar para a escola, pois na terça-feira começaríamos. Não me continha de ansiedade. Como seria? Gostariam de mim? Eu gostaria deles?

 Acordei pela manhã, no antigo quarto de meu pai, chovia um pouco. Sai da cama rumo ao banheiro e tudo o que precisava estava lá; Alice ou Bella. Pronta, com jeans e uma camiseta de mangas compridas, desci, sendo recepcionada por um coral de anjos.

 Jake vinha da cozinha, um prato na mão. Passei por ele arrastando-o comigo de volta.

_Quer algo, meu bem?_ Perguntou-me Esme. Balancei a cabeça.

_ Vou ficar com os biscoitos_ Falei vendo-a sair da cozinha depois de sorrir_ Como ficaram as coisas?

_Leah ficou ok em ficar no comando. É útil que possamos nos conectar_ respondeu Jake, secando o prato que lavara enquanto eu comia. Então guardou em uma das caixas.

_ Apressem-se_ Pediu Esme da sala.

_ Fico feliz que esteja comigo_ Falei para Jacob, que sorriu pegando minha mão.

 Então saímos juntos em direção ao que eu não sabia, mas sentia-me segura: Meu irmão estava comigo.