Reveille escrita por MayaAbud


Capítulo 30
Interagindo


Notas iniciais do capítulo

"Lítio- Não quero me isolar
Lítio- Não quero esquecer como é sentir saudades
Lítio- Eu quero permanecer apaixonada, com minha tristeza
Oh mas Deus, quero me libertar
Querido, eu te perdôo por tudo
Qualquer coisa é melhor do que ficar sozinha
E no fim, eu acho que eu falhei
Sempre encontro meu lugar entre as cinzas"
Evannescence- Lithium



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Ponto de vista de Renesmee

Fui para casa satisfeita de minha boa ação, e me peguei esquadrinhando as sombras à procura de Aileen.

Não nos víamos muito fora da escola de artes, mas ela andou me procurando, me acompanhando para casa depois do trabalho enquanto fazia perguntas sobre híbridos e tudo o que envolvia isso. Ela encontrou perguntas que nem mesmo eu imaginei antes. Era insaciavelmente curiosa, o que apesar de eu só falar quando ela perguntava, me fez indagar sobre como ela demorou tanto para falar comigo. Aileen respondeu com uma única palavra: cautela.

Perto de meu prédio senti seu cheiro, olhei em volta e nada encontrei. Em meu apartamento:

_Acho que não vou te assustar se disser: Buuu, vou?_ ela riu, sentada no sofá.

_O que está fazendo aqui?_ vociferei.

_Uma visita_ respondeu ela, a expressão inocente.

_Uma invasão_ corrigi_ Sabe que horas são?

_Você não dorme, de que importa as horas?_ falou ela seguramente.

_Anda me espionando?_ foi mais uma acusação que uma pergunta. Suas íris rubis reviraram nas órbitas.

_Tem se olhado no espelho? Se não fosse seu coração barulhento você seria mesmo uma vampira.

_Estou de saída. Vim apenas deixar minha bolsa, vou correr_ joguei minha bolsa no sofá e voltei trancando a porta atrás de mim. Pude ouvir sua risada enquanto entrava no elevador, subindo para o terraço do prédio. Era mais fácil evitar ser vista se já eu saísse por cima, saltando de prédio em prédio e descendo pelos becos entre eles. Era bom correr, sentir o cheiro das ruas congeladas e das pessoas, fazia-me sentir que não estava tão só.

É claro que Aileen me alcançou. Correndo em silêncio, comigo, mas não ao meu lado. Eu sabia que era seguro tê-la próxima, mas ainda não entendia porque eu era opção de companhia para ela, e achava que podia perguntar, afinal, ela dissera que me contaria sobre ela, eu já havia segurado a curiosidade por algum tempo e lhe falado o suficiente sobre mim.

_Eu sinto coisas sobres as pessoas e vampiros, suas... Intenção diante de situações_ disse ela. Estávamos no centro da cidade, no alto de um dos prédios, não poderíamos ser vistas dali_ Sei que você não pensou em me evitar. Sabe como nossas características de personalidades ficam depois da transformação... _ Assenti e ela continuou:

_Nasci num mundo muito diferente deste, Renesmee, mas incrivelmente, não foi difícil me adaptar à modernidade, acho que nasci na época errada_ ela sorriu, me fazendo perceber que como Rosalie parecia o sol em sua beleza, Aileen parecia a lua, linda, delicada e de forma alguma inspirava força ou poder, apenas beleza.

_Quando você nasceu como vampira?_Perguntei.

_Em 1480. Eu tinha cerca de dezesseis anos, acho_ ela perecia ser um pouco mais madura que isso. _ Vou contar para você_ dizendo isso ela sentou-se a beira do peitoral de segurança do prédio, deixando suas pernas penderem para fora_ Sou inglesa, e vivia, num vilarejo, onde agora é Glastonbury , tinha uma família grande, seis irmãs mais velhas, sendo eu a mais nova. Sempre fui... Menos recatada que as outras, menos obediente, mais curiosa, mais falante, mas não era má filha, apenas não tinha comportamentos aceitáveis para a época. Sempre tive um gênio forte o que me rendeu algumas surras sempre que achava que meu pai não estava sendo justo em alguma coisa conosco na vida doméstica do cotidiano, era um homem duro. Sendo tão diferente das mulheres daquele tempo e mesmo as da minha família, eu era mais próxima de minha mãe, minhas irmãs não queriam problemas com meu pai por ele pensar que concordavam comigo. A verdade é que meu pai não gostava de mim_ ela me olhou esperando alguma reação, mas permaneci imóvel, olhando-a.

_ Ele queria um filho homem, para ajudá-lo no trabalho com a terra, mulheres saiam muito caras, a não ser que se casassem bem, e não foi o que aconteceu com as duas que se casaram, seus maridos não eram ricos, embora elas fossem felizes. Eu era sua última esperança, era improvável que minha mãe tivesse ainda outra gravidez, então nasci mulher... _ ela riu_ Desconfio que até o amor que ele sentia por minha mãe tenha definhado quando nasci, sete mulheres, imagine!

“Claro, havia famílias maiores, mais o mesmo gênero entre os filhos era o que o incomodava, além do fato de eu ter coragem, ou desrespeito e ingratidão, como ele dizia, para falar quando me sentia injustiçada pela diferença no trato comigo e com as outras. Mais o que me tirava de mim era vê-lo reclamando de minha mãe, ou lembrando-a que só lhe dera filhas, isso também me rendeu algumas surras... _ Aileen estava séria agora, fitando, ora o céu, ora os carros passando abaixo de nós_ Ele trabalhava para senhores feudais, mas era um tempo de crise, senhores e camponeses não estavam seguros, a sociedade estava mudando... Meu pai havia adquirido dívidas por conta da crise e de um incêndio no campo de cevada, seu senhor feudal era um homem muito poderoso que todos temiam, por ser estranhamente pálido, e raramente sair. Diziam que ele tinha muitas mulheres, que igualmente, raramente eram vistas, diziam também que ele era o próprio demônio, embora a inquisição nunca o tivesse incomodado.”

_Um vampiro_ murmurei. Aileen assentiu e continuou.

_Aquela altura, eu havia aprendido a ser cuidadosamente recatada e a guardar minhas opiniões, o bastante para parar de apanhar, era interessada em todo tipo de artes, ia à igreja e ficava olhando as pinturas e esculturas... Eu aprendia rápido tudo que me fosse ensinado, isso eu não conseguia controlar, sempre tive vontade de aprender, havia também me tornado mais bonita que qualquer de minhas irmãs, ou que qualquer mulher conhecida no vilarejo, isso me assustava. Não queria que meu pai me arranjasse um marido, não queria ser domada como um animal e ter de ser obediente, sabia que quase era impossível que um homem não se importasse com meu jeito, e eu ainda não via nada de tão errado em querer ser livre e ter voz.

“Uma noite meu pai me acordou e me levou para fora sem me dar explicações, minhas irmãs dormiam, mas pude ouvir o choro de minha mãe noutro cômoda da casa, olhei para meu pai querendo que me explicasse, mas ele continuou me levando para fora. Eu sabia que não ia gostar do que quer que aquilo significasse. Ele abriu a porta de uma carruagem luxuosa e me fez entrar, fechando-a atrás de mim. Fiquei apavorada quando olhei o rosto perfeito do homem que me esperava lá dentro, mais forte do que já sentira antes, eu soube que ia doer, jamais tivera uma idéia tão clara sobre a intenção de alguém com relação a mim.”

Seu rosto sempre tão expressivo, pela primeira vez desde que a conhecera parecia o rosto de um vampiro, livre de qualquer emoção, completamente frio.

_Ele me violentou, eu pensei que morria de tanta dor, até que ele me mordeu, e eu achei que estava no inferno, e que não ser submissa como todas as mulheres que conheci era meu pecado. Sorte a sua não ter nascido para este mundo assim_ havia sarcasmo em sua voz.

_Sinto muito_ murmurei_ E então?

_Depois de algumas semanas saciando a sede, tive um acesso de raiva e indaguei porque ele havia feito isso comigo. Dissera-me que eu o pertencia, meu pai me dera em troca de ter suas dívidas perdoadas. Eu fugi naquela noite, era uma recém criada muito difícil, claro que a força era superior a qualquer um, mas meu gênio superava minha força. Procurei meu pai, no campo de cevada e... Acabei por matá-lo.

Eu arquejei involuntariamente.

_ Não bebi seu sangue, se é o que pensa. Não sei como, mas não bebi, não dele, embora tenha causado problemas para Sancar, meu criador, ali pela região. Eu voltei para a casa de Sancar, mesmo não tendo nenhum afeto por ele, fui sua preferida por algum tempo e usei isso para cuidar de minhas irmãs e de minha mãe, claro sem jamais aparecer. A preferência de meu criador era regida pela novidade, então assim que ele encontrava uma moça diferente e excepcionalmente bonita nos éramos deixadas de lado, o que era de nossa preferência, na verdade.

_Porque não foi logo embora?

_Eu tinha uma família grande, ainda era uma menina apesar de tudo, assustava-me a idéia de estar sozinha, embora facilmente pudesse encontrar razões para que fosse bom. E por conveniência, eu não tinha certeza se sabia o bastante para ter êxito sozinha. Aprendi tudo sobre o mundo vampiresco e ainda mais, por exemplo, havia uma vampira de Sancar, uma oriental, que era uma lutadora magnífica, aprendi muito de como me defender com ela, e sou boa lutadora, apesar de nunca poder ser como ela.

_Como ficou só, afinal?

_Eu era vampira há cerca de 30 anos, estávamos na Irlanda e Sancar soube de uma jovem que era mais forte que qualquer homem da região e, é claro, excepcionalmente bonita. Ele fez o mesmo que fez a mim, era seu modus operandi. Ela lembrava-me eu mesma, os olhos quase do mesmo tom violeta, os cabelos negros... Era mesmo linda, tão linda quanto imensa. O matou alguns meses depois. Nenhuma de nós se importou muito e seguimos nossos caminhos. Estou só desde então.

Amanhecia quando retornei, me troquei e fui para a aula, depois para a cafeteria. Sentia-me cansada, o sono me incomodando.

_O garoto está atrasado_ disse Pierre olhando o relógio_ Muito bom para o primeiro dia.

Ele não podia reclamar muito, podia? Pagaria por um e teria dois. Então o dito garoto entrou. Ouvi da cozinha ele recebendo as instruções.

_O que você acha de Christopher?_ perguntou Jodelle, enquanto limpávamos a cozinha. A encarei um segundo erguendo uma sobrancelha inquisitivamente.

_Tifany não acha ele bonito, eu acho que é_ explicou ela timidamente.

Instintivamente analisei as imagens que tinha dele: sua pele tinha um leve bronzeado de sol, o cabelo na altura da orelha ondulado e um tanto desgrenhado, os olhos um pouco mais claros que cor de canela, os lábios bem desenhados, não tão cheios, para um humano ele era bonito sim. Sorri um pouco para a garota.

_Ele é bonito, sim_ respondi no instante em que Tifany entrava com xícaras sujas.

_Você também_ reclamou ela_ Prefiro homens mais encorpados_ ela me deu uma piscadela maliciosa. O garoto não era magricela, tinha o porte semelhante ao de Edward, no entanto ela devia gostar de algo como Emmett... Balancei a cabeça.

No fim da noite antes de fecharmos estávamos colocando as cadeiras sobre as mesas depois de limpas.

_Você é a garota em quem tropecei um dia desses, não é?_ o garoto atrás de mim perguntou de repente.

_Sim, sou eu_ o olhei brevemente, para não ser muito mal-educada.

_Você mudou o cabelo, mas é difícil esquecer um rosto como o seu_ continuei trabalhando como se não tivesse ouvido_ Sem querer ser muito invasivo. _ acrescentou em tom de desculpas

_Tudo bem_ respondi apenas.


No dia seguinte meu humor não estava mesmo bom. A falta de uma boa noite de sono atiçava o ardor em minha garganta, o que me deixava irritadiça. Vi-me parando de respirar quando alguém, eventualmente, chegava perto demais, e dei um jeito de ficar apenas na cozinha. No cômputo de tudo eu não parecia muito simpática aos olhos de meus colegas de trabalho

Tirei o próximo dia de folga e usei-o para caçar fora da cidade. Minha família pareceu satisfeita quando fui capaz de descrever minuciosamente meu passeio de trem para além da cidade. Não contei sobre sonambular e desenhar, nem sobre minha “amiga” vampira.

De volta ao trabalho pude perceber a atmosfera de hesitação em relação a mim.

_Ela é sempre assim?_ Christopher perguntou a Alex.

_Era pior, só falava se fosse estritamente necessário, agora a vejo falar com as meninas as vezes_ explicou Alex. Os dois limpavam as mesas do outro lado do salão.

Era mesmo uma droga que um humano não pudesse ouvir seus sussurros àquela distância, assim eu poderia lhes chamar atenção por falarem de mim.

_Ela é uma gata, mas é muito estranha_ disse o ruivo, o olhei a tempo de vê-lo estremecer.

_Estranha por quê? Talvez ela seja tímida... _Christopher me defendeu, surpreendentemente.

_Olha as roupas dela... São simples, mas é claro que são de marcas caras, ela sem dúvida não precisa ser garçonete. Poderia ser modelo, ou estar na TV se quisesse, olha aquele rosto.

_É mais que isso... _ com a visão periférica vi Christopher olhar para mim_ Não é só um rosto perfeito.

_Claro, aquele corpo... Waw!_ tive de me lembrar que seria estranho que uma garota quebrasse porcelana com dedos e não se ferisse no processo.

_ O que sabe dela?_ ouvi Christopher perguntar, insistindo no assunto ‘eu’.

_Só que não é daqui, também é americana como você. Ela é mesmo bem esquisita_ o assunto pareceu se encerrar.

Continuei minha existência solitária, não era sempre que eu aceitava companhia para correr. Minha vida havia se limitado a um estreito ciclo: escola, trabalho e minha tela, às vezes a companhia de Aileen que podia ser bem divertida, mas eu não queria me divertir.

O vazio e saudade não assustavam mais, eu estava resignada a suportar o que eu mesma causara e não podia mudar, como um abeto fraco que se curva diante do vento. Havia ficado mais fácil ver o tempo passar, com tanta coisa para fazer.

Estava servindo as mesas, já passava das oito e senhor Pierre havia saído, só voltaria para fechar o caixa.

_Não vai mesmo me dar seu número?_ insistia um homem jovem que já estava ali há algum tempo acompanhado de dois amigos, enquanto eu servia a mesa ao lado_ Vem comigo hoje a noite?_ os amigos dele apenas riam, altos já.

Virei-me para o jovem insistente, que se portava com a confiança de quem se julga muito bonito. Eu não sabia dizer, a forma vulgar com que falava e me olhava não despertava meus melhores instintos.

_Querem algo mais?_ perguntei rudemente. O próximo passo seria pedir que saíssem.

_Não_ disse um dos amigos.

_Se vier comigo pago o dobro de seu salário_ propôs enquanto agilmente sua mão saia de seu colo e subia por minha coxa, por baixo de minha saia. Minha visão turvou-se em vermelho enquanto minha mente encontrava várias formas de lidar com aquilo, todas elas acabam com sua mão longe do pulso e muito sangue jorrando. Aconteceu rápido, antes que agisse, Christopher (que eu não tinha notado por perto) tinha o cara pelo colarinho, nunca tinha visto um humano ser tão rápido.

_Melhor saírem daqui _Christopher sibilou sacudindo o homem pela camisa. Os outros dois de pé, esperando uma briga.

_Não Chris_ pediu Tifany. Toquei o braço dele, incitando-o a soltar o patife.

_Tudo bem, nós vamos_ disse um de seus amigos_ Vem, vamos embora.

Christopher largou-o com um empurrão, que foi devolvido com um olhar ameaçador enquanto os amigos levavam o atrevido para fora. Havia pouca gente naquele momento e sussurrando algumas desculpas fui para a cozinha seguida por meu defensor.

_Você está bem?_ ele quis saber.

_Obrigada, não precisava... Obrigada_ me limitei a dizer. Ele sorriu e voltou ao trabalho.

_Isto aqui está bem mais agitado com você_ comentou Tifany achando engraçado antes de voltar para o salão. Jodelle olhou-me preocupada.

_Achei que teria de chamar a polícia_ ela disse e sorri timidamente_ Sua meia rasgou _disse apontando para onde a barra de minha saia começava.

_Ele devia ter um anel ou coisa assim_ especulei vendo o desfiado em minha meia-calça escura.


_Renesmee!_ chamou Christopher na rua, depois do expediente. Surpresa, eu parei a espera.

_Posso acompanhá-la até em casa, sei que sempre vai andando sozinha_ ofereceu.

_Moro perto_ para mim, ao menos, era. _Não precisa, obrigada_ acenei e virei a esquina.

Estava indo correr, ele com certeza não me acompanharia. Fiz algo diferente àquela noite, com cuidado para não chamar atenção. Escalei a torre Eiffel, me posicionando de forma que as luzes não me denunciassem. Fiquei ali, empoleirada, olhando as luzes da cidade abaixo através da bruma espessa oriunda de minha respiração tão quente em contato com o ar frio do inverno. Em outro tempo estaria eufórica com a vista e a altura, era lindo, no entanto naquele momento não havia a emoção que descobri que esperava da experiência. Buscando alguma emoção recordei a raiva que sentira mais cedo_ meus dedos curvando-se na coluna de aço em que me apoiava. Percebi quão bom fora que Christopher tenha interferido, pois nada de bom resultaria de minha reação. Vi-me surpresa com atitude do garoto humano, ele devia ser mesmo uma boa pessoa para arriscar o emprego por alguém que mal o olhou, afinal, eu não fora nada simpática durante os dias em que havíamos trabalhado juntos, mesmo após sua defesa. Talvez eu tenha perdido o tato com seres completamente humanos...

Humanos, estranhos eles, ainda mais que nós seres sobrenaturais. Às vezes como piscinas: simples, definidos e de interior óbvio. Porém outros se mostram profundos e complexos como o oceano. E então me ocorreu que eu pouco sabia sobre a mente humana pura e comum, pois os que conviveram comigo aberta e intimamente sabiam do mundo oculto que os rodeava. E como eu poderia saber com exatidão? Estudar psicologia e filosofia seria tão resultante de esclarecimentos maiores quanto ler as regras de xadrez sem nunca ter visto um tabuleiro. Talvez devesse esforçar-me um pouco para me abrir, eu estava me isolando cada vez mais.

Procurei ser mais receptiva a conversas, o fiz gradualmente, ao longo dos dias descobri que Jodelle morava com a mãe e uma irmã mais nova que era sua paixão, e usava parte de seu salário para pagar aulas de violino para ela. Percebi que Tifany era muito engraçada e achei que ela e Aileen se dariam bem se não fosse pelo óbvio. Alex pareceu ter perdido seu medo inconsciente de mim, um erro, embora eu não fosse atacá-lo, mas ele cheirava mesmo muito bem. Chris também estudava na école superiore, mas era fotografia e vídeo e ele era da Califórnia, de Los Angeles.

Era quase fim de inverno, estávamos limpando a cozinha enquanto Tifany tagarelava sobre as tendências da nova estação. Ouvi passos em nossa direção e os reconheci como sendo de Christopher.

_Cuidado com... _ Jodelle arfou antes de terminar a frase enquanto eu podia ouvir o silvo do vento antes de ouvir o baque grave que fez água e sabão espirrar em minhas costas. Virei-me a tempo de ver Chris tentar se levantar tonto e com a lateral da testa sangrando. Prendi a respiração automaticamente, recordando que Jake precisou me segurar na última vez que vi sangue humano sendo derramado. Desta vez, porém, era bem menos sangue, inalei cautelosamente percebendo que o aroma estava diluído com os cheiros dos produtos de limpeza do chão, eu podia controlar.

_Não posso ver sangue_ Jodelle apoiou-se na parede rumo à porta.

Christopher sentou-se na cadeira mais próxima enquanto Tifany surgia com um kit de primeiros socorros.

_Está tudo bem?_ perguntei.

_Droga, isso dói_ disse ele em inglês_ Podiam ter avisado. Está sangrando muito?_ revirei os olhos saindo da posição tensa em que ainda estava. Colada a pia.

_Não sou muito boa com isso_ Tifany pôs a caixinha na mesa e se retirou, nos deixando sós.

_ Ferimentos na cabeça em geral sangram muito. Vai sobreviver_ falei me aproximando quando ele começou a abrir o kit. _E não é nossa culpa sua falta de atenção.

_ Foi uma queda idiota mesmo_ disse ele levando a mão à testa, interceptei seu movimento, por reflexo.

_Fique quieto_ ordenei. Graças a Carlisle eu sabia muito mais que fazer curativos ou mesmo primeiro socorros, era irônico que eu fosse capaz de curar como era capaz de ferir, a sede ardia, mas não era doloroso como poderia ser nem o desejo era forte como certamente poderia.

_Será que vou precisar de pontos?_ perguntou ele franzindo o cenho enquanto eu limpava o sangue que escorria por seu rosto.

_Não, foi superficial, logo estará fechado e seco_ respondi passando anti-séptico. Ele gemeu com o ardor. Segurei seus cabelos para trás me inclinando e assoprando. Seu coração perdeu uma batida e acelerou, os olhos perdendo ligeiramente o foco enquanto inconscientemente inalava meu hálito. Afastei-me procurando band-aids na caixa e ele voltou a respirar.

_Tudo bem?_ perguntou Pierre à porta_ Precisa ir ao hospital?

_Não, a doutora garantiu que vou ficar bem, logo volto ao trabalho_ respondeu Chris sorrindo. Pierre aquiesceu e saiu.

_Coloque gelo_ sugeri quando terminei_ Vai diminuir o inchaço.

_Você fala como se soubesse muito de medicina_ ele sorriu guardando os remédios na caixinha.

_Meu avô é médico_ respondi com um sorriso débil e educado.

_ Obrigado, doutora_ disse ele antes de sair.

No fim do expediente Tifany e Chris simplesmente me acompanharam, Tifany ia à casa de uma amiga e Chris tinha algo para fazer naquela região, eu precisava dormir então partilhamos o caminho. Ele falava sobre o que gostava da cidade, no centro e na periferia, eu me encontrei prestando atenção.

_Porque você trabalha na cafeteria?_perguntou ele quando nos separamos de Tifany.

_Pela mesma razão de todos_ ele bufou à minha resposta.

_Se você mora nessa parte da cidade_ ele gesticulou em volta_ você não precisa limpar ou servir.

_Precisar pode ser uma palavra complexa e relativa_ rebati.

_Você é tão... _ quase pude ouvir todas as definições enquanto eram pensadas_ evasiva!

_Você precisa trabalhar?_ devolvi.

_ Não vou dizer nada se você continuar dizendo coisa alguma_ seu queixo se apertou determinadamente.

_E você é presunçoso. Porque acha que eu me importaria com o que diz ou não sobre você?

_Na verdade, sei que não se importa. Como eu disse: evasiva_ ele sorriu_ Não vai se importar porque não quer que se importem.

_Não sabe nada sobre mim.

_A conheço há dois meses e se não sei mais de você é porque você mesma não deixa_ abri a boca para falar, sendo interrompida antes de começar_ Boa noite, Renesmee_ disse ele atravessando a rua sem olhar para trás.

Mais que nunca eu sentia falta da única pessoa que me conhecia melhor que qualquer um, bom, a única pessoa que nunca esteve dentro da minha cabeça. E lembrei também da única coisa que eu não tirara de minha mala, e que Bella colocou lá: meu lobo de pelúcia. Peguei-o e voltei para a sala, onde na tela de pintura de 2 metros jazia impresso um lobo imponente em cima de um rochedo, me encarando com seus olhos escuros.

No trabalho não demorou até que Christopher viesse falar comigo.

_Desculpe-me se fui muito intrometido ontem. É que sofro de curiosidade aguda, sabe, doutora.

_Já ouviu falar que curiosidade mata?

_Só se você não matá-la antes_ respondeu com uma piscadela e voltou a servir.

Novamente, não demorou muito até que ele viesse a mim.

_Então que tal deixarmos tudo isso de lado e sermos bons colegas de trabalho?_ sugeriu ele com um tom crítico. De qualquer forma, ele tinha razão. Não fazia sentido isso, seria melhor ter continuado com minha família se fosse para não buscar nenhum progresso.

_Bons colegas_ aquiesci.

_Um cara que estou paquerando há um tempo vai tocar sábado num barzinho e eu queria companhia_ dizia Tifany a Jodelle quando entrei na cozinha.

_Não posso este sábado_ Jodelle lamentou.

_E você, Renesmee?_ desesperança tingia a voz de Tifany, eu nunca aceitara seus convites para noitadas.

_Eu vou_ respondi. Houve alguns segundos silenciosos.

_Ok, vou chamar Chris e Alex também_ claro, eu não asseguraria diversão para ela.

Já não estava frio o bastante para nevar, era começo de março, porém chovia muito no fim do expediente. Vestira meu casaco preparando-me para sair, chuvas não me impediriam, afinal, eu nascera em Forks.

_ Vai mesmo nesta chuva?_ perguntou Christopher.

_Não quero ter que esperar a próxima_ respondi.

_ Céus! Ela fez uma piadinha_ ele olhou para Jodelle de olhos arregalados, debochado.

_Sorte sua morar perto, estamos presos_ disse a loira. Pelo que havia ouvido ela morava do outro lado da cidade e Chris... Bom, se ele estava preso...

_Onde está Tifany?_ perguntei lembrando que Alex saíra mais cedo

_Pegou uma carona_ respondeu-me Jodelle.

_ Se quiserem podem ir para minha casa. Vamos nos molhar bastante, mas se colocarmos suas roupas na secadora... Há espaço lá_ sugeri hesitante.

_Seria minha salvação hoje_ Jodelle sorriu agradecida.

_Sério? Seus... Alguém pode não... _ Chris começou.

_Não há ninguém lá além de mim, eu moro sozinha_ esclareci.

Numa caminhada humana rápida chegamos em 20 minutos. Mostrei-lhes os quartos, cozinha e lavanderia. Deixei-os a vontade e troquei de roupa. Eu não dormiria esta noite, temia sonambular ou, na melhor das hipóteses, assustá-los com meus gritos ou choro.

_Você toca?_ perguntou Jodelle encantada com o piano. Assenti para ela.

_Sempre quis tocar um instrumento. Adoro ver minha irmã com o violino.

_Posso ensinar algo a você, se quiser_ ofereci.

_Ah, seria ótimo_ sorriu_ Quantos anos você tem, Renesmee? Deve estudar desde muito cedo_ Jodelle encarava a tela próxima a janela.

_Dezessete. Sim, desde muito cedo.

_Você é ótima_ Chris vestia um roupão enquanto sua roupa secava_ O lobo é incrível, parece olhar para mim_ seus dedos percorreram o dorso do animal.

Jodelle pediu que eu tocasse, e toquei a que meu pai fizera para Esme e Carlisle. Logo depois Jodelle ligou para a mãe e foi dormir.

_Você não vai avisar ninguém?_ perguntei para Christopher.

_Também moro só. _ sentou-se no sofá enquanto eu sentava frente à tela preparando a tinta_ Agora, posso saber por que a fixação com lobos?_ olhei-o e ele segurava o lobo de pelúcia.

_É um caso de amor_ brinquei.

_Vejo que sim. Mas, sério, está mais que claro que não há razões para você servir ninguém nem suportar certas coisas dos clientes... _ suspirei em derrota aos seus olhos interrogativos.

_Trabalho para ocupar meu tempo, minha mente. E você?

_É relativo. Sabe, eu não devia estudar fotografia e vídeo. Meu pai queria que eu fosse um advogado bem sucedido, como ele é. Quando fui aceito aqui eu meio que fugi, minha mãe me ajuda com os gastos desde então, mas isso a deixa mal com meu pai, portanto quero me manter sozinho.

_Muito corajoso e altruísta_ constatei.

_Seu cabelo fica lindo com os cachos, de qualquer forma, na verdade, mas cacheados... _ ele me surpreendeu com a mudança de assunto, continuei de costas_ Tem certeza sobre o sofá? Sinto-me ridículo ficando com o quarto quando...

_Eu sempre desabo no sofá, não se preocupe, não vou sentir falta da cama_ meias verdades.

_Boa noite, Renesmee.

_Boa noite, Chris.

Mais uma vez eu parei contemplando minha própria sujeira. Sob este mesmo céu meus pais estavam juntos, meus avós, meus tios... Eu estava ali, em outro continente dividindo o teto com dois humanos semi-desconhecidos. Onde estaria meu irmão? Não, ele não era meu irmão, embora eu desejasse que fosse. Desejava para que pudesse cobrar sua ausência quando um dia o encontrasse, mas a verdade é que nunca houve uma lógica real na presença dele, mas não há lógica no amor, há?



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