Reveille escrita por MayaAbud


Capítulo 29
Partindo


Notas iniciais do capítulo

"Eu sou um refém à minha própria humanidade
Detido por mim mesmo e forçado a viver nessa bagunça que eu fiz
E tudo que eu estou pedindo é para você fazer o que puder comigo
Mas eu não posso pedir que você dê o que você já deu"
—Be My Escape, Relient K



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Ponto de vista de Renesmee

 Os dois dias que seguiram foram de preparativos. Alice (como todos) não estava contente com minha ida, mas não perderia a oportunidade de fazer compras nem que fosse pela internet. Edward e ela fizeram mais preparativos que o necessário, mas eu deixei, era a última coisa que eles fariam por mim, em sabe-se lá quanto tempo.

No aeroporto, foi estranho, senti-me envergonhada por não sentir o que acho que deveria. Olhava o rosto de cada ente amado e não era como se eu os estivesse deixando. Talvez eu realmente tivesse fazendo a coisa certa, talvez eu tivesse mesmo que sair dali.

 Eu moraria no apartamento de Alice, tinha todos os endereços que viesse a precisar, das farmácias aos supermercados... A aeromoça me acordou quando o avião pousou, sentia-me rígida e por um momento esperei que minha mãe me puxasse pela mão, me orientando. ‘Foi sua escolha’, eu repetia para mim mesma enquanto caminhava. Quando finalmente peguei um táxi, pude olhar em volta com atenção. Tudo estava cheio de enfeites natalinos, isso me lembrou família, o que me lembrou Jake... Onde estaria?

 O apartamento era a cara de Alice, de muito bom gosto, é claro, sóbrio, atemporal e sofisticado. Havia dois quartos, a vista da sala era bonita, podia-se ver a torre Eiffel, a distância fazia parecer que ela tinha o tamanho do meu braço inteiro, acho que não estava muito longe dela. E próximo à janela tinha ainda um esplendoroso piano branco e lustroso, toquei-o sentindo a textura.

 As aulas na escola de arte só começariam dali a dez dias, depois das festas. Concentrei-me em organizar o apartamento. Fiz compras no supermercado, embora precisasse caçar o quanto antes. No dia seguinte pesquisei e andei pela cidade a fim de encontrar um lugar, acabei fora da cidade, minha outra opção era invadir um zoológico, ou um parque de 40 hectares. Não foi fácil achar um animal com toda aquela neve, mas enfim encontrei um alce.

 Em casa, sozinha, eu pensava em tudo, e quanto mais pensava mais tinha certeza que a culpa era minha, da minha tenacidade. Eu era uma criança feliz, tinha tudo o que qualquer um poderia desejar, o amor de pessoas maravilhosas, no entanto, por alguma razão, eu quis mais, e agora estava ali, longe de tudo que era meu lar. Eu não era uma criança como Esme havia dito, criança alguma seria tão cruel quanto eu fora, tão estúpida! Tampouco me sentia uma mulher, alguém capaz de enfrentar qualquer coisa. O que eu era então? O que quer que um dia eu tenha sido estava longe de mim agora, e não havia maneira de trazer isso de volta, essa era minha própria sujeira, sequer podia culpar mais alguém.

 Saí na véspera de natal para comprar presentes para a família e enviei pelo correio. Falava com eles todos os dias, era mais fácil parecer animada por telefone. Na verdade, sentia-me entorpecida, não como antes. Eu estava muito consciente de tudo, mas ainda era mecânico, não havia prazer ou desconforto com nada. Ocupei-me conhecendo a cidade, comprando o material para as aulas, fui a uma das lojas recomendadas por Alice e passei as madrugadas ao piano evitando dormir, isso na primeira semana.

 Era noite de natal e eu passei duas horas falando com minha família ao telefone. Bella e Edward estavam na casa de Charlie e Sue, partiriam para Vegas no dia seguinte, Carlisle e Esme estavam na Ilha Esme, e meus tios pareciam se divertir muito em Las Vegas... Um rugido e um grito infantil me fizeram erguer os olhos para a janela do quarto, no outro prédio um homem jovem avançava para a menininha loira de pé sobre a cama. Ela saltou para ele, que com algum esforço a pegou.

_Como vai a faculdade?_ a voz da menina soou muito doce, perguntei-me se seria por seu francês nato.

_Legal, e a escola?_ perguntou o rapaz levando a garotinha do quarto.

 Começou a nevar, me encolhi na cama vendo os flocos cristalinos e únicos rodopiarem pelo vidro... Eu estava encantada com a neve, Esme já havia me explicado o que era e dito que cada floco possuía um único desenho. Eu queria ver, mas a neve se dissipava muito antes de chegar ao chão.

 Estávamos em uma excursão de caça, eu não queria, animais que fediam, o sangue não era bom como os do copo que vovô me dava, embora fossem melhores que as comidas humanas que me ofereciam. Eu tinha ido porque minha pessoa - lobo favorita dizia que eu não era boa em caçar, que ele sempre pegava o maior e que beber do copo era fácil demais... Era divertido vencer meu Jake, mas os flocos de neve ainda eram mais interessantes que caçar. Eu caminhava, fitando-os acima de minha cabeça, entretida, tentado ver as diferentes formas, sequer ouvia a conversa de mamãe e Jake atrás de mim. Tentando alcançar a neve, me agachei e pegando impulso saltei agarrando um floco. Pousei e, maravilhada com a textura e com a forma brilhante de uma estrela de oito pontas, virei-me para minha mãe e Jake, mostrando-lhe, enquanto ela se derretia em uma mínima fumaça de vapor.

_Lindo_ disse-me Jacob_ Mas acho que você está protelando Nessie. _ Saltei para ele querendo lhe falar, ele me pegou no instante preciso. Toquei seu rosto dizendo que eu não estava com sede, não queria caçar...

_Claaaro que não está com sede, Nessie_ disse ele_ Você tem medo que eu pegue o maior de novo!_ Eu sabia que ele não insistiria se eu dissesse que não queria mesmo, mas ia provar que eu não tinha medo e que pegaria o maior. Saltei de seus braços e revirei os olhos, para logo depois me embrenhar na mata em direção ao som dos alces. Em segundos o lobo gigante surgiu ao meu lado... Jake dizia que o dele era maior, eu tinha certeza que não, porém foram duas mortes inúteis, embora eu não tenha entendido a razão na hora, fiquei satisfeita em saber que teria de me virar com sangue de doação...

 Meus olhos se abriram, eu estava desorientada, o quarto estava exatamente como antes, ainda estava escuro lá fora. Olhei para a data no despertador, eu havia dormido pouco mais de 48 horas. Acho que eu não dormia há quatro dias... Sobre o sofá no canto mais distante do quarto, meu celular vibrava, nem tive tempo de dizer “alô”.

_Renesmee Carlie! Mais uns minutos eu estaria em um avião, sabia?_ guinchou Bella do outro lado da linha.

_Desculpe-me, dormi demais, juro que estou bem, foi apenas isso_ depois de tranqüilizar minha mãe e falar com meus familiares, desliguei com um suspiro.

 Imagens de meu sonho recente, um das mais antigas lembranças, invadiam minha mente sem convite. Jacob poderia ter sido indulgente assim quando eu pedi que fosse embora... Ou talvez não. Matava-me que estivesse muito além de mim desfazer tudo de errado entre nós. Culpa é um sentimento estranho, é a insistência de uma parte de você mesma dizendo que a outra parte devia ter feito diferente. E saudade é um desespero por não poder reviver uma coisa.

 O ano novo não foi muito diferente do natal, exceto por eu não ter ficado em casa como fiz por toda a semana, fui conhecer a escola de artes.

_Sim, senhorita Cullen, seu pai nos enviou alguns trabalhos seus, seu talento é impressionante_ disse uma das diretoras durante nossa breve conversa_ Não temos muitos alunos jovens como você.

_Sim, eu imagino. Obrigada. _ respondi.

_Fique a vontade para conhecer nossas instalações e me procure se necessário_ eu acenei e fui conhecer o prédio, eles tinham uma vasta coleção de esculturas e quadros, alguns bem importantes, inclusive. Parei numa esquina verificando algumas disciplinas no quadro de vidro da parede. Ignorei, eu não devia escutar àquela distância, quando dois rapazes passaram falando sobre me oferecer café, se eles soubessem como eu odeio café...

 Distraída, não percebi a aproximação, até porque eu estava num corredor, apenas senti quando um corpo relativamente sólido se chocou contra a lateral do meu, fazendo-me cambalear um passo para o lado, enquanto ele cambaleava vários atrás. O rapaz ergueu os olhos, aturdido, seu queixo caindo um pouco, o ar silvando ao sair de sua boca e o coração acelerando preocupantemente.

_Desculpe-me, por favor, e-eu estou atrasado_ ele me rodeou andando de costas enquanto falava.

_Tudo bem, não se preocupe. _ murmurei. Percebi seu sotaque americano, ele só me deu as costas quando uma mulher lhe chamou atenção por quase esbarrar nela.

 Neste dia voltei para casa cheia de sacolas. Encontrara a loja que Alice me sugerira certa vez, uma loja de lingeries. Comprei umas coisinhas que achei bonitas e camisolas, Alice ficaria orgulhosa de mim, mas então voltei, e longe das pessoas e das ruas congeladas deixei as sacolas no chão percebendo quão superficial aquilo era. Não queria fazer compras, nada sanaria àquela ausência que eu sentia sempre. Suspirei, pensando que eu queria alguma mudança.

 O primeiro dia de um ano geralmente inspira boas mudanças. Porque não? Era muito difícil mudar por dentro, algo que fora sedimentado em você, no entanto uma mudança externa talvez fosse um bom começo. No banheiro procurei uma tesoura, parei diante do enorme espelho em um das paredes... Carlisle dissera que meu sistema tegumentar estava normal. Hesitei com uma mecha de cabelo entre a tesoura... E se parasse antes de crescer de novo? Não tinha coragem. Sequei o cabelo até desmanchar todos os cachos e ele ficar incrivelmente liso, quase chegava ao quadril. Fitei-me no espelho, aquilo era muito diferente. Meus cachos grossos eram tão... Nessie! Peguei a parte da frente e cortei-a acima dos olhos, numa franja. A mudança era patente e ao mesmo tempo em que me senti melancólica e saudosa senti-me bem por fazer algo por mim, não era algo significativo, mas era algo.

 Eu experimentava um estranho estagio de calma na passagem do tempo, não a calmaria que vem depois de uma furiosa tempestade, porém, a calma (o segundo suspenso no ar) depois do golpe final. A calma de quando já não resta nada. Sequer sabia dizer se isso era bom ou não, na verdade, não me importava.

 Finalmente haveria algo que fazer, as aulas dariam início. Minha primeira aula foi de Luz e Sombra, como meu pai dissera não havia nada de novo, entretanto como eu possuía um modo muito particular nos traços era interessante conhecer e praticar novas técnicas. Como já havia sido dito, não havia ninguém que tivesse a idade que eu aparentava, o que achei ótimo, assim não haveria nada daquela competição adolescente, ninguém se meteria comigo.

 Eu estava lidando melhor com as coisas estando sozinha; se eu acordava triste, ficava triste. Se tinha raiva, não precisava disfarçá-la, apenas extravasar. Se me sentia mais confiante não precisava me preocupar com o constrangimento da cautela alheia. A freqüência do pesadelo recorrente também diminuiu, ao que parecia todas as minhas lembranças brigavam por um espaço em minha mente durante minhas poucas horas de sono, a mudança na verdade era que eu ficava quase feliz por ouvir o uivo lacerante, embora também sentisse a tristeza no som, continuava chorando e acordava antes de ouvir novamente e chorava irracionalmente por não ouvi-lo.

Uma manhã, na escola superior de artes, eu estava indo para a próxima aula quando senti um cheiro que eu realmente, inocentemente, não esperei sentir tão cedo. “Não somos os únicos vampiros do mundo”, a voz de minha mãe soou em minha mente. Meus músculos paralisaram com a súbita cautela em meus sentidos, meus olhos esquadrinhando todo o campus onde eu podia ver... Não encontrei nada. Percebi que o cheiro era recente, mas havia o rastro antigo do mesmo cheiro num padrão cotidiano, o antigo sendo sobrepujado pelo recente. Seria possível que algum dos professores fosse um vampiro? Claro que sim, meu próprio avô não havia lecionado em Universidades antes?! Fiquei apreensiva, mas logo percebi que se este vampiro ou vampira era controlado o bastante para viver dentre humanos, não me faria mal deliberadamente, embora isso não fosse totalmente confiável.

Nada encontrei até o fim da semana, quando vi conversando com minha professora de perspectiva, a jovem que certamente era uma vampira, ela imediatamente me lembrou Rosalie, era inacreditavelmente bonita, mesmo para uma vampira. Tinha o cabelo tão longo quanto o meu e de um negro que reluzia azulado, a pele pálida e imaculada, um corpo que parecia ser esculpido e a postura de alguém muito confiante, não deixei de notar o modo despreocupado com que a professora conversava com ela, talvez a vampira não fosse mesmo problema, no entanto se eu sabia da existência dela, a minha certamente não era segredo. Assisti escorada numa coluna, folheando meu caderno, de frente para o pátio no andar de baixo, ela se despedir da professora e caminhar elegantemente em minha direção, ela não hesitou nem parou, mas quando passou por mim tive a certeza de ver um pequeno sorriso brotar em seus lábios, e seus olhos violeta (lentes, pude distinguir claramente o azul artificial sobre as íris vermelhas) me analisarem. Íris vermelhas_ isso fez um leve arrepio percorrer minha espinha. Ela passou e eu procurei não demonstrar insegurança, não foi difícil, pois não havia, apenas sabia que precisava ser cautelosa.

 Os dias passaram iguais, falei com minha família sempre, assistia às aulas, voltava para casa e ainda restava muito tempo livre. Uma tarde, depois da aula, fui a uma lanchonete que ficava no caminho entre a escola de artes e meu apartamento, o lugar se parecia com um barzinho, reconheci alguns rostos da escola superior, parecia que muitos estudantes de lá freqüentavam o lugar. Não sabia o que estava procurando... Mas às vezes você só descobre o que busca quando encontra. Sentei-me próxima a uma janela ignorando o fato de ter virado assunto de algumas pessoas. Atrás do balcão, na parede, havia uma placa de vidro com o seguinte dizer: ‘O segredo é fazer a escolha certa’. Tolice!, pensei, era só uma frase de efeito, não queria dizer nada. Não importa a que mundo pertença, você nunca saberá que opção é a melhor, nunca saberá que escolha trará êxito ou qual levantará o Hades à sua volta, até que você escolha.

_Já sabe o que vai pedir?_ perguntou uma moça simpática de cabelos claros e cacheados. Respondi sem olhar no cardápio.

_Um chocolate quente, por favor_ senti o cheiro no ar: leite, chocolate, café, capuccino, creme. O aroma não combinava com as garrafas de bebidas como vodka na prateleira depois do balcão. A moça assentiu anotando.
 

_Jodelle!_ um rapaz a chamou de uma das mesas. Ela fez sinal e logo foi atendê-lo.

 Em alguns minutos um rapaz de cabelo laranja brilhante e olhos verdes, me trouxe o chocolate. Paralisei ao perceber como ele cheirava bem, minha garganta ardeu em desejo apesar de ter caçado há uma semana. Ele se retirou rapidamente, o que quer que tenha visto quando me olhou o assustou.

 Enquanto tomava a bebida quente, vi um cartaz discreto na parede à minha frente: “Precisa-se de empregado”. Levantei rumo ao senhor roliço de expressão ranzinza que polia incansavelmente a bancada imaculadamente organizada.

_Com licença, eu gostaria do emprego_ olhei o pequeno cartaz sugestivamente, perguntando-me se ele estaria mesmo querendo um funcionário, tamanha era a discrição do anúncio.

 Ele me olhou um longo segundo, de minhas botas ao meu cabelo, numa avaliação clara.

_É de garçonete... _ assenti_ Às vezes na cozinha ou limpeza, até tarde da noite_ seu tom dizia que ele duvidava de meu interesse.

_Eu estudo na escola superior de artes, mas todo meu tempo livre é seu, incluindo a noite_.

_Precisa trabalhar, mocinha?_ seus olhos de cílios cinza se estreitaram com desdém.

_Sim. _ respondi decididamente. Eu precisava ocupar meu tempo.

_Tudo bem_ concordou devagar_ O emprego é seu, mocinha.

 Aquiesci satisfeita com a expectativa de não ter tempo livre, uma vez que tudo estava acertado fui para casa, meu celular estava sem bateria, o que resultou em duas mensagens de Bella na secretária eletrônica pedindo que eu retornasse a ligação. Rose atendeu.

_Estou bem, tia, e todo mundo? Como estão meus pais?

_Seus pais e Alice estão caçando. Esme e Carlisle saíram e Jazz e Emm na garagem_ listou ela. _ Onde estava até agora? Na escola de artes? Já fez amigos?_ Não vi porque mentir.

_ Não tenho me empenhado muito por companhia... _ admiti_ Eu estava... Arranjando um emprego, perto do campus_ não sei o que esperava, mas os dois segundos tensos no outro lado da linha me surpreenderam.

_ Emprego? De quê?_ eu sabia exatamente como seu rosto perfeito estava retorcido em ultraje.

_De garçonete, numa cafeteria que depois das oito vira uma espécie light de bar_ expliquei-me rapidamente_ Para passar o tempo, é perto do campus.

_Nessie, trabalhar?! De garçonete?!_ desdenhou ofendida.

_Eu quero fazer isso tia. Qual o problema em servir?_ falei imaginando o que ela diria se visse meu cabelo.

_ Seu pai não vai gostar de saber disso

_Ele não pode fazer muito pode?_ rebati.

_Acho que não... _ ela suspirou_ O que vamos fazer com você, Nessie?‑ murmurou carinhosamente. Eu tinha idéia do que ela estava pensando.

_Estou dando meu melhor_ falei, perguntando-me se era verdade.

_Sei que está querida.

_Tia, tenho que tomar um banho, ok, diga que os meus pais liguem quando voltarem_ nos despedimos.

 Tive exatos quarenta minutos até meus pais telefonarem, me levou o dobro desse tempo até convencê-los de que estava tudo bem com a “princesinha Cullen” trabalhar servindo e limpando e ainda mais algum tempo para convencê-los a ficar no continente em que se encontravam. Na verdade eles voltariam para o sul, para nossa ilha. Pude ver que estavam felizes depois que se acalmaram, isso me fez lamentar não ter me afastado antes.

Edward apesar de saudoso estava contente que tudo estivesse bem aqui, que minha sede e meu escudo estivessem sob controle. Bom, desde que chegara meu escudo estava em completa inatividade.

 No dia seguinte depois da aula fui para a cafeteria, onde Pierre (dono e gerente), o senhor roliço me apresentou meus colegas de trabalho: Jodelle, a garota que me atendeu, a de cabelos cacheados. Tifany, ela tinha o cabelo escuro, o corte num chanel moderno e liso, ela não foi hostil, mas tampouco foi simpática como Jodelle. E por fim Alex, o garoto ruivo, que cheira bem, ele reagiu a mim da mesma forma que Tifany. Ele realmente cheirava bem, me vi imaginando chamá-lo até os fundos, não seria difícil... E então tratei de controlar meus pensamentos, o que estava havendo?!

 O trabalho não era difícil, meu equilíbrio inumano era útil na hora de andar para um lado e outro com bandejas de bebidas quentes entre humanos agitados e desatentos. Eu podia ouvir os pedidos no momento em que eram feitos, então me custava menos tempo para prepará-los. Eu ganharia por semana, não era muito, mas Tifany pagava metade de seus estudos de moda com o salário, e eu teria direito a uma folga a cada sete dias, que eu poderia usar para caçar, já que Alex se mostrou ser mais tentador que o normal.

 Uma semana depois enquanto me dirigia para a saída do campus senti o cheiro trazido pela brisa que vinha de trás de mim, hesitei temerosa, mas parei me virando para encarar, não havia outra coisa a fazer quando além do cheiro ouvi os passos quase mudos perto demais.

 Lá estava a vampira, linda além da imaginação, parada à espera. Seus olhos violeta insondáveis enquanto eu sentia os meus estreitos. Estávamos a cinco metros uma da outra.

_ Calma, muitos humanos, vê, não vou machucá-la, realmente não tenho intenção_ sua voz ainda mais bonita que ela, seus cabelos longos sendo jogados em seu rosto pelo vento.

_O que quer?_ minha voz soando alto o bastante para um humano ouvir.

_Você é uma híbrida_ disse ela se aproximando devagar. Não falei nada, meus pés se movendo milimetricamente para o lado e para trás, o que a fez ficar imóvel_ Não vou machucá-la_ disse ela relaxada, a expressão frustrada_ Estou curiosa, nunca conheci um híbrido, apenas ouvi falar, mas se não fosse o testemunho dos Volturi não teria acreditado. _ Sem perceber estar relaxando, fiquei tensa outra vez.

_É uma Volturi? Que vínculo tem com eles?_ minha voz incisiva e mais fria que imaginei.

_Não sou, e não tenho nada. _ disse ela ainda relaxada, como se falasse com uma amiga, o rosto pálido franzido com desdém.

_Do que está falando, então?_ indaguei querendo informações, ainda tensa.

_ Você não é meio vampira, afinal?_ ela caminhou na minha direção, não me movi, ela tinha razão: havia muitos humanos indo e vindo à nossa volta, ela não se exporia._ Não sabe como os híbridos foram descobertos em nosso mundo?  Anos atrás quando uma criança hibrida foi confundida com uma criança imortal e os Volturi foram resolver o problema, até as esposas foram até lá! Quantos anos você tem? A história correu o mundo todo, não há quem não saiba.

 Ela pareceu sincera, não que ‘parecer’ fosse válido para um vampiro, mas por alguma razão (e talvez eu não devesse confiar em meus instintos) eu acreditei nela. Confiei que ela falava a verdade.

_Sim, eu sei. Eu era a criança_ admiti, não encontrando motivos para não dizer. Seus olhos brilhantes se arregalaram.

_ Do clã de olhos amarelos?_ Assenti firmemente uma única vez.

Sentindo que mais do que devia havia sido esclarecido, dei as costas e comecei a me afastar.

_Espere! Estou curiosa... Em tanto tempo, nunca tive companhia, não uma que eu quisesse, em todo o caso, e você é fascinante_ ela já estava ao meu lado. Parei e ela fez o mesmo.

_E quer que eu seja sua companhia? Por quê?_ falei chocada com o rumo da conversa.

_Você não é uma ameaça_ disse ela de forma explicativa e senti meus olhos se estreitarem novamente_ Tanto quanto eu não sou para você_ Mais uma vez sabe-se lá porque, eu acreditei nela. Era uma criatura espontânea demais, clara demais, involuntária demais para ser uma vampira, talvez fosse parte de seu personagem humano, mas eu acreditei nela, seria um dom?

_Por quê?_ exigi apenas.

_Não confio em vampiros, não encontrei alguém que fosse confiável_ disse-me num jorro.

_Sou uma vampira.

_ É metade vampira_ assinalou prontamente.

_Vai confiar em mim pela metade?_ indaguei. Para minha surpresa ela riu. Um som retumbante e ao mesmo tempo delicado que combinava com ela.

_ Você é tão metódica_ disse ainda rindo.

_Não sou, não.

_É, sim_ insistiu com um tom quase carinhoso, me desconcertou. _  Sabe como é viver séculos sozinha? Aposto que não. Prometo que falo tudo sobre mim, seja minha amiga ou companheira, é bom ter alguém com quem conversar.

_Estou sozinha porque assim quero, desculpe-me mais não sou boa companhia_ falei.

_Ora, não estou dizendo que sejamos irmãs, apenas que gostaria de conversar, aposto que está curiosa sobre mim_ Bingo! Eu estava mesmo_ Não vou importuná-la. _ revirei os olhos para seus modos insistentes, ela lembrou-me Alice. Suspirei me rendendo, ela sorriu e vi sua lente direita desintegrar-se, revelando-me sua íris de rubi. Ela remexeu em sua bolsa tirando uma pequena caixa, olhou em volta e em um movimento ofuscante seus olhos já brilhavam em violeta.

_A propósito, meu nome é Aileen_ ela me estendeu a mão cor de osso, a peguei num cumprimento rápido.

_ Sou Renesmee. Desculpe-me, mas agora tenho de trabalhar_ falei.

_Que fato curioso... Bem, nos vemos logo, Renesmee.

 Mais uma vez lhe dei as costas. Estranho, uma vampira simplesmente pedir para ter companhia, ou talvez não fosse tão estranho, lembrei-me de Tanya...

 Eu pouco estava dormindo, havia começado uma tela independente das aulas, decidi começar com ela depois de acordar uma manhã com as mãos, braços e a camisola completamente manchada de grafite. Páginas e mais páginas estavam comigo sobre a cama, muitas em branco, outras... O perfil de um lobo ocupava a maioria delas, de diferentes ângulos, em algumas as presas estavam expostas, os olhos eram sempre muito vívidos, mesmo impressos a lápis. Em outras folhas havia céus e picos rochosos, da onde eu tirara isso?! E o mais impressionante era os desenhos em que a perspectiva não parecia minha: havia árvores, terra e patas tocando o chão num movimento de caminhada, ou corrida... Como se eu fosse o lobo, ou como se o lobo tivesse feito o desenho. Era preocupante, eu estava sonambulando. Então, trabalhando na tela, eu evitava dormir, desmoronava pelo sofá e dormia no máximo umas três horas.

Havia três semanas que estava trabalhando na cafeteria, que depois das sete virava uma espécie de bar.

_Renesmee_ Tifany me estendeu um guardanapo de papel cuidadosamente dobrado. Suspirei pesadamente ao pegar.

_Nunca param?_ murmurei irritada. Bilhetes e números de telefone endereçados a mim era rotina, embora as garotas também recebessem eventualmente.

_Não no seu caso, é o que parece_ ela girou com a bandeja voltando-se às mesas, me dando uma piscadela.

 Jodelle agachou-se ao meu lado, por trás do balcão, sentando-se no chão. Seu coração levemente acelerado e as veias nas têmporas pulsando forte.

_Está tudo bem?_ perguntei. Ela olhou para cima parecendo confusa. Reprimi o impulso de revirar os olhos, eu não conversava muito com nenhum deles nem aceitei seus convites para sair depois do expediente, mas não era mal-educada.

_Dor de cabeça_ respondeu.

_Tome uma aspirina e descanse um pouco_ falei enchendo copos para a bandeja de Alex_ Alex e eu compensamos você pela próxima meia hora, não é Alex?_ acrescentei.

_C-claro. Aproveite que Pierre não está_ disse ele nervoso por eu ter me dirigido a ele. Alex tinha medo de mim, perguntava-me como ele explicava este sentimento a si mesmo.

Enquanto Jodelle descansava passei a servir. Já era noite e além de bebidas ao leite eu também servia bebidas alcoólicas.

Um rapaz entrou e veio ao balcão pedindo a Alex para falar com o gerente, Alex foi à cozinha chamá-lo, Pierre havia chegado há algumas horas. Fui colocar copos e xícaras limpas no lugar abaixo da bancada.

_Em que posso ajudar?_ o velho perguntou de modo desconfiado e ranzinza.

_Meu nome é Christopher, há algumas semanas eu vi um cartaz onde dizia que aqui precisavam de empregados, então...

_Sinto muito, já contratei_ Pierre o cortou.

_Não há outra vaga? Eu aceito trabalhar em qualquer coisa_ afirmou o rapaz confiantemente.

 Olhei-o de soslaio enquanto pegava outra remessa de copos em cima do balcão e tornava a me agachar para guardar. O cabelo ondulado quase cacheado, loiro escuro, os olhos cor de canela e mel... Era o garoto que havia tropeçado em mim na escola de artes...

_Sinto mesmo. Até gostaria de contratar, isso aqui tem estado cheio... Mas então eu teria de pagar menos aos meus funcionários, eles não ficariam muito contentes_ explicou o senhor.

_Eu vou deixar meu número, caso o senhor precise de alguém_ ele falava enquanto tirava um bloco de anotações da mochila.

_Se preferir_ Pierre deu de ombros.

_Eu gostaria mesmo deste emprego_ o rapaz, Christopher, colocou o papel sobre a bancada, acenou e saiu.

 Sua última frase me fez sentir estranha, quase com remorso. Talvez ele precisasse do dinheiro...

_Senhor Pierre_ chamei terminando com os copos_ Ele parecia mesmo interessado no emprego.

_Sim, mas eu não posso pagar decentemente mais um funcionário_ respondeu.

_Entendo. Sabe, não preciso tanto do dinheiro, o senhor poderia contratá-lo_ olhei sugestivamente para o número sobre a bancada.

_Não. Você trabalha bem, é rápida. E mais da metade de meus clientes vêm aqui para ver você_ revirei os olhos_ Ou quer demissão?

_Não exatamente... Posso continuar trabalhando e o meu salário pode ser dele_ expliquei. Ele me olhou como se eu fosse verde e tivesse duas cabeças.

_E vai trabalhar de graça?_indagou incrédulo.

_Se me permitir, eu vou!

_Você quem sabe moça_ disse ele depois de me encarar por trinta segundos inteiros.

_ No entanto, o rapaz e ninguém mais precisa saber sobre isso, ok?_ pedi.

_Tem minha palavra.


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Notas finais do capítulo

Eu preciso sair daqui
Eu estou preso dentro desse buraco que eu cai por engano
Eu preciso sair daqui
E eu estou te implorando,
Eu estou te implorando,
Eu estou te implorando para ser minha fuga.

Eu lutei com você por tanto tempo
Eu deveria ter te deixado entrar
Oh, como nós nos arrempendemos do que fazemos!

E tudo que eu estava tentando
Fazer era salvar minha própria pele
Mas você também
Você também



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